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Movimento & Percepção, Espírito Santo de Pinhal, SP, v.4, n.4/5, jan./dez. 2004 – ISSN 1679-8678 13 __________________________________________________ARTIGO As concepções de desenvolvimento e aprendizagem na teoria psicogenética de Jean Piaget. Ana Lúcia Jankovic Barduchi Mestre em Psicologia pela USP, Doutoranda em Educação pela Unicamp. Professora da Faculdade Comunitária de Campinas e do CREUPI. Resumo Este artigo tem como objetivo apresentar as concepções de desenvolvimento e aprendizagem na teoria Psicogenética de Jean Piaget. Para tanto, são levantados alguns dos seus construtos teóricos como o interacionismo, os esquemas, a equilibração majorante, a assimilação, a acomodação e a inteligência. Também são apontas, de maneira sucinta, as principais críticas e contribuições da Psicogênese à Educação. Conclui-se que, na teoria proposta por Piaget, é a inteligência que impulsiona o desenvolvimento humano e as questões como a linguagem, afetividade, desenvolvimento do juízo moral e a aplicação da teoria psicogenética à educação foram discutidas por Piaget, porém não foram seus temas centrais de preocupação. Palavras-chave: psicogênese, desenvolvimento, aprendizagem. Introdução Jean Piaget foi um pesquisador cuja principal preocupação era o desenvolvimento humano e o seu objeto de estudo centrava-se no pensamento lógico-matemático, também entendido como sinônimo de inteligência e de estrutura cognitiva. Os construtos teóricos por ele elaborados e estudados cientificamente para explicar a gênese do conhecimento são a base de uma teoria denominada Psicogênese. Piaget defende que o homem constrói o conhecimento pela interação entre o mundo material e o exercício da razão, processo este denominado de Movimento & Percepção, Espírito Santo de Pinhal, SP, v.4, n.4/5, jan./dez. 2004 – ISSN 1679-8678 14 interacionismo. Para Piaget, a adaptação à realidade externa depende basicamente do conhecimento. Para Rappaport (1981) o desenvolvimento descrito por Piaget é um processo de equilibração progressiva que tende para a conquista das operações formais. Há uma preocupação em saber como é o processo por meio do qual o indivíduo desenvolve um nível de pensamento lógico mais avançado que o anterior. Tal preocupação vem da observação de Piaget de que existem diferentes formas de interagir com o ambiente nas diversas faixas etárias, ao que denominou de estágio ou período. Um tópico interessante a respeito dos estágios ou períodos de desenvolvimento relaciona-se ao adulto. Na teoria de Piaget, o último estágio a ser alcançado é o operatório formal, que permite a ação lógica interiorizada e reversível. Este estágio é atingido por volta dos 12 anos e, por ser o último período, é aquele que vai respaldar toda a ação dos adultos na resolução de problemas. Isto talvez possa ser explicado pelo fato de que as demandas sociais ainda não impuseram a necessidade de organização de outro estágio. Outro ponto importante a ser levantado é que Piaget tentou construir uma teoria cuja estrutura de pensamento fosse universal, independente da cultura, o que soa um tanto contraditório na medida em que pressupõe a relevância do ambiente na estimulação do desenvolvimento. A dinâmica do desenvolvimento da inteligência, de acordo com a teoria da Psicogênese, ocorre de maneira organizada, cujo elemento básico é a estrutura mental. Tal estrutura funciona por meio da inter-relação entre os diversos esquemas que, quando modificados, promovem a mudança da estrutura mental e, conseqüentemente, a passagem para uma forma de pensamento mais bem elaborada que a anterior. Contudo, vale lembrar que “um esquema é a estrutura ou a organização das ações, as quais se transferem ou generalizam no momento da repetição da ação em circunstâncias semelhantes ou análogas” (Piaget e Inhelder, 1990, p. 15). O desenvolvimento ocorre por meio dos seguintes fatores: 1. maturação do organismo: é estimulada pelo contato com o meio ambiente e contribui para o surgimento de estruturas mentais; Movimento & Percepção, Espírito Santo de Pinhal, SP, v.4, n.4/5, jan./dez. 2004 – ISSN 1679-8678 15 2. contato das pessoas com o ambiente físico (experiência física com objetos) e social (experiência de relacionamento humano); e 3. equilibração majorante: trata-se do processo de organização das estruturas cognitivas por meio da passagem constante de um estado de equilíbrio para um estado de desequilíbrio provocado pelo ambiente físico e social e deste, para a conquista de um equilíbrio superior, ou seja, alcançar maneiras mais eficientes de resolução de problemas (Rappaport, 1981). Assim, o desequilíbrio impulsiona a criança a buscar comportamentos mais adaptativos à nova realidade (mecanismo de adaptação intelectual), que ocorre pelos processos de assimilação e acomodação. Na assimilação o sujeito busca solucionar uma determinada situação utilizando uma estrutura mental já formada, ou seja, o novo elemento é incorporado e assimilado a um sistema já pronto. Quando as estruturas antigas são inadequadas ou insuficientes para solucionar o novo elemento, o sujeito tentará novas formas de agir, havendo necessidade de modificar suas estruturas antigas para dominar uma nova situação, processo este denominado acomodação. Vale lembrar que os processos de assimilação e acomodação são complementares e estão presentes durante toda a vida do indivíduo, “possibilitando um crescimento, um desenvolvimento pessoal, na medida em que o indivíduo adquire uma competência e uma flexibilidade cada vez maiores para lidar com situações da vida prática” (Rappaport, 1981, p. 58). A respeito da linguagem, Piaget e Inhelder (1990) afirmaram que ela “não constitui a origem da lógica, mas, pelo contrário, é estruturada por ela”.(p. 78). Concluindo suas afirmações, os autores ainda salientam que a linguagem não se desenvolve nem se organiza sem o socorro constante da estruturação própria da inteligência. Assim, a linguagem seria um dos atributos da inteligência, uma condição necessária, mas não suficiente, para a construção interna do conhecimento (Taille, 1992). De acordo com Taille (1992) o estudo do desenvolvimento do juízo moral é uma forma de avaliar a articulação entre afetividade e inteligência. Para o autor, a teoria Piagetiana não conseguiu sustentar que apenas o aspecto racional é suficiente para garantir a ação moral. Além disto, o comportamento Movimento & Percepção, Espírito Santo de Pinhal, SP, v.4, n.4/5, jan./dez. 2004 – ISSN 1679-8678 16 moral não se resolve apenas pela razão/inteligência, depende sim do contexto, das crenças e da afetividade. Embora Piaget não fosse um educador e não tinha preocupações pedagógicas, é estudado na pedagogia porque falava sobre crianças. O termo construtivismo (se refere a como a criança elabora formas de conhecimento mais eficazes para dar conta da realidade) foi elaborado por Piaget, mas ele não propôs um método construtivista. Tanto na Europa, quanto nos Estados Unidos e no Brasil surgiram práticas pedagógicas com “inspiração” construtivista que possuem tanto críticos quanto adeptos e defensores. Silva (1993) elencou algumas críticas ao construtivismo, a saber: o construtivismo isola a educação institucionalizada do seu contexto social e político; o desenvolvimento humano não é desligado das condições históricas; que o construtivismo se limita aos níveis pré primário e primário, pois no secundário há uma clara preferência por pedagogias visíveis em função da aproximação da entrada no mercado de trabalho bastante competitivo. Quanto ao fato de ser desligado das condições históricas, Becker (1994) responde às críticas de Silva informando que nenhum construtivismo afirma que o conhecimento se dá apenas dentro do homem. Por outro lado, Coll (1992) descreve as contribuiçõesda teoria genética para a educação, sempre fazendo ressalvas a cada contribuição caso não sejam utilizadas de maneira adequada. De modo geral, as principais contribuições do conceito construtivista dizem respeito aos seguintes fatores: possibilita a valorização do indivíduo, faz a criança romper seus limites (desequilibrar), valoriza-se o esforço da criança na construção do conhecimento, tornando-a ativa no processo de conhecimento no qual há necessidade de reflexão e de elaboração pessoal. O papel da educação formalizada é permitir o avanço dos esquemas mentais, permitindo avanços que a criança possa adquirir. Entende-se que uma prática pedagógica com inspiração construtivista favorece a aprendizagem, conceito este entendido por Taille (1992) como sinônimo de desenvolvimento. Conclui-se que na teoria da Psicogênese Piaget enfocou seu olhar sempre na questão da inteligência como o “motor” do desenvolvimento humano. Questões como a linguagem, afetividade, desenvolvimento do juízo moral e a Movimento & Percepção, Espírito Santo de Pinhal, SP, v.4, n.4/5, jan./dez. 2004 – ISSN 1679-8678 17 aplicação da sua teoria à educação foram discutidos por ele, porém não foram seus temas centrais de preocupação. Referências Bibliográficas BECKER, F. A propósito da “desconstrução”. Educação e Realidade, Porto Alegre, v. 19, n. 1, p. 3-6, jan./jun., 1994. COLL, C. As contribuições da psicologia para a educação: teoria genética e aprendizagem escolar. Em Leite, L. (org.). Piaget e a escola de Genebra. São Paulo: Cortez, 1992. PIAGET, J., INHELDER, B. A psicologia da criança. 11ª ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1990. RAPPAPORT, C. R. Modelo piagetiano. Em Rappaport, Fiori & Davis. Teorias do desenvolvimento: conceitos fundamentais. São Paulo: E.P.U., 1981. SILVA, T. T. Desconstruindo o construtivismo pedagógico. Educação e Realidade. Porto Alegre, v. 18, n. 2, p. 3-10, jul./dez., 1993. TAILLE, Yves de la. A construção do conhecimento. Piaget, Vygotsky e Wallon: teorias psicogenéticas em discussão. São Paulo: Summus, 1992. ________. Desenvolvimento do juízo moral e afetividade na teoria de Jean Piaget. Em Piaget, Vygotsky e Wallon: teorias psicogenéticas em discussão. São Paulo: Summus, 1992.