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Apostila Educação Cultura e Diversidade

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Educação Cultura e Diversidade
Questões Sociais
Minorias Periferia e Religiosidade
Definição
Análise das questões sociais e dos seus impactos no processo educativo, por meio do debate sobre minorias, periferias e percepções religiosas, considerando a educação local nos diferentes ambientes e contextos sociais.
Propósito
Apresentar uma percepção diferenciada dos debates que envolvem os conceitos de minorias, periferias e religiosidade no contexto educativo.
Objetivos
Módulo 1
Reconhecer o conceito de minoria nos contextos social e educacional brasileiros
Módulo 2
Identificar os debates sociais de religiosidade e os mecanismos de construção da tolerância no ambiente escolar
Módulo 3
Reconhecer o conceito de pluralidade da periferia como alternativa às concepções de homogeneização dos processos educativos
Introdução
Assista ao vídeo e perceba do que se trata este tema.
Módulo 1
Reconhecer o conceito de minoria nos contextos social e educacional brasileiros
Definição do conceito de minoria e seu espaço no contexto educacional
Segundo o Dicionário Online de Português, entende-se por minoria: subgrupo religioso, social, étnico, cultural, racial que, numa sociedade, é considerado inferior ou diferente do grupo maior (maioria), sendo por ele discriminado, não possuindo seus mesmos direitos ou oportunidades.
Também é possível definir minoria como um conjunto de pessoas que não compartilha do conceito, da forma de viver ou dos valores adotados pela maioria da sociedade. Esse conceito se distancia da noção de grupo em menor número, comumente dada à minoria.
Então... O que fazer com as minorias?
Submetê-las à vontade da maioria, democraticamente.
Segregá-las, permitindo que vivam como entenderem, sem afetar o interesse da maioria.
Criar formas de tolerância para suas práticas, com o Estado defendendo o direito a suas individualidades.
Quando o discurso hegemônico é masculino, mas as mulheres têm numericamente mais entes, o que significa? Quando o conceito de minoria legitima políticas segregacionistas históricas, como as americanas e as sul-africanas, ele ainda serve? Esse caminho, apesar de ser o clássico, não nos levará ao debate do qual precisamos. Conceituaremos melhor essa tal de “minoria” neste módulo.
Teremos um caminho construtivo e a todo momento você participará da elaboração dos conceitos. Não receberá respostas prontas, mas será convidado a pensar sobre o que representa essa questão. Sua leitura será uma análise constante de suas relações sociais e da revalidação de conceitos preestabelecidos. A ideia de definição é, na verdade, uma provocação. Não cabe ao autor, por mais que vivencie e faça parte desse universo, delimitar e fechar um ponto em comum sobre um conceito.
O objetivo de definir o conceito de minoria é destacar os processos, as reflexões e as análises que permeiam sua aplicação. A urgência em falar sobre esse conceito não pode suprimir sua relevância para a vida das pessoas. Um conceito que é finalizado, fechado e trabalhado de maneira equivocada pode fortalecer os processos de segregação.
Faça uma pausa na leitura e reflita sobre esse conceito: qual a sua compreensão sobre minoria e qual o significado desta em seu cotidiano? Você faz parte dessa história.
Quando apresentamos um conceito, não podemos silenciar a construção que ele possui nas vozes sociais. Por exemplo, pense em uma conversa maliciosa que teve início há um tempo. As pessoas começam a compartilhar esse assunto sem analisar os pontos ou perceber os preconceitos e, então, passam a legitimar aquilo em suas vidas. O assunto ganha tamanha proporção e assume o lugar de verdade naquele grupo.
Para algumas pessoas, o impacto do enraizamento de um conceito ocorre apenas nos campos teórico e acadêmico, mas para outras, aquelas que são alvo dos assuntos maliciosos, o que poderia ser uma simples conversa delimitará seu espaço na sociedade.
A conversa de um bairro, uma vizinhança, um prédio, uma comunidade, uma favela, uma vez levada do campo teórico ao boca a boca, ou ao post em post da sua rede social favorita, ajuda a fomentar assuntos maliciosos. Esse é um exemplo de impactos micros (locais), mas que podem receber uma amplitude geral, tornando-se devastadores com a proliferação das falas.
Exemplo
Leia um caso que exemplifica uma triste consequência da intolerância religiosa.
Imagine esse mesmo processo numa dimensão maior, na mídia e na sociedade brasileira, e verifique como esse tom limitado pode impactar a vida educacional de milhares de pessoas. Ao percebermos as atitudes que são reproduzidas nas metodologias de ensino, nos currículos escolares e nas práticas docentes, podemos rever esse ciclo vicioso de proliferar visões limitadas sobre a vida e a cultura de outras pessoas.
Uma vez solidificado na sociedade, o conceito faz parte das relações e dos cotidianos. Romper com um ciclo de conversas maliciosas é uma tarefa difícil, ainda mais se esse processo ocorre em uma concepção global, como, por exemplo, interceptar visões limitadas sobre raça, gênero e classes sociais e diminuir o impacto dos mitos gerados pelas limitações.
Para fomentar o nosso debate e apresentar outros olhares, é necessário desvelar as conversas limitantes e as visões do senso comum a fim de diluir as construções coletivas e as barreiras que são impostas a determinado grupo e trazer novas concepções sobre os diversos grupos sociais brasileiros. Para destacar o risco que corremos ao estabelecer um discurso unilateral sobre as minorias, propomos a seguinte reflexão: no interior das políticas públicas educacionais, que visão das minorias é reforçada?
Refletiremos sobre a construção de um cenário social tendencioso que demarcava o lugar da escola voltada para essas pessoas e construiremos outras definições para esse conceito: uma visão pautada na história das pessoas e em suas contribuições para a sociedade brasileira; uma superação dos limites, com destaque às possibilidades de aprendizagem vivenciadas nas experiências locais; pessoas que existem para além da categoria social que a elas são demarcadas, não podendo ser limitadas por separações que impactam os processos formativos cotidianos.
Identidade e pertencimento
Corremos o risco de distorcer o papel do pertencimento em nossa sociedade; ele não deve ser utilizado como um espaço restritivo. Portanto, devemos atentar para as subjetividades e ao que é peculiar e necessário para a construção das identidades coletivas. As minorias são forjadas em seu território, em seu conjunto de experiências e em seu fortalecimento cultural.
Não podemos utilizar o conceito de minoria para fomentar discursos preconceituosos. Devemos ir além das conclusões imediatas para identificar os mecanismos de produção de determinado posicionamento frente às relações sociais. Lembre-se: uma ideologia é tecida de maneira complexa e deve ser compreendida distante de simples generalizações.
A linguagem detém um papel crucial na reprodução do racismo. Isso equivale a dizer, primeiramente, que a linguagem opera na construção do racismo, ou seja, ela desempenha um papel ativo na forma como o racismo se constitui, daí porque podemos falar em uma dimensão discursiva do racismo (MARTINS, 2007).
Ao se destacar o papel do discurso e das linguagens na proliferação de visões racistas sobre os grupos minoritários, somos convidados para a retomada constante dos significados que são reproduzidos em nossas relações; como o direcionamento profissional pode ser impactado por um olhar racista e limitador.
Quer entender melhor a dinâmica entre minoria e identidade? Vamos ver um exemplo de manifestação cultural: o movimento Funk.
Geramos leituras constantes sobre os discursos estabelecidos em nossa sociedade, inclusive, estando atentos às estratégias de pulverização das experiências vivenciadas pelos grupos minoritários. Atuaremos, portanto, como agentes que poderão analisar os conjuntos de experiências, reforçando a relevância das vozes das minorias no espaço escolar e denunciando as concepções racistas a elas associadas.
Para falarmos do conceito de minoria,não podemos ignorar os grupos étnicos, culturais, religiosos e de gêneros. Mas, só não ignorar não é o bastante, é necessário agir como um pesquisador de campo, percebendo as peculiaridades e afirmando a validade dos conhecimentos protagonizados por esses grupos.
Uma definição global não faz com que as práticas racistas sejam minimizadas em nossa sociedade.
É basilar que o racismo seja concebido como algo inaceitável e o que propomos é a reflexão constante das ações. O ciclo constante de rever as respostas que estabelecemos às experiências do outro é o que poderá garantir a sua superação. O racismo faz parte do conjunto ideológico que determina as ações sociais. Por um lado, toda a sociedade compreende seu impacto negativo, mas ao mesmo tempo ela reproduz atos que fortalecem suas raízes e excluem as minorias.
Atenção
Os grupos minoritários têm denunciado a naturalização dos preconceitos e reivindicado globalmente sua eliminação, atitudes que geraram um conjunto de leis internacionais. As organizações estabelecidas nos coletivos afirmam cada vez mais suas identidades e cobram do sistema político uma proteção social. Nessa perspectiva, percebe-se que a sociedade está organizada em prol da eliminação do racismo, denunciando os mecanismos de exclusão.
Para compreendermos os processos de mobilização vivenciados em nosso país, devemos revisitar alguns processos históricos da formação do nosso povo e analisar as iniciativas das políticas públicas para afirmação ou segregação de um grupo.
Durante um longo período de nossa história, o processo colonizador português foi associado ao salvacionismo protagonizado pelos europeus. Tratava-se de uma visão romântica da escravidão africana e indígena, que valorizava as relações econômicas estabelecidas entre o Brasil Colônia e Portugal.
 Carregadores de café a caminho da cidade, Jean-Baptiste Debret, 1826.
Para ilustrar esse assunto, é comum pesquisadores brasileiros ou africanos apresentarem, em universidades tradicionais portuguesas, trabalhos acadêmicos pautados no impacto do processo escravocrata português e na exclusão social da população negra fomentada por esse sistema. Imagine chegar à terra do colonizador e dizer, em uma instituição que nutre afetos com as experiências coloniais nos continentes americano e africano, que as mazelas que vivenciamos atualmente são culpa do Estado monárquico português. As respostas obtidas nas apresentações públicas indicavam que os trabalhos não possuíam teor acadêmico, e o corpo docente estruturava mecanismos de embotamento das falas ali apresentadas.
Essa experiência serve para demonstrar a falta de reflexões que existe por lá, mas também para introduzir a ingenuidade política que persiste por aqui no Brasil; uma ingenuidade intencional utilizada para justificar a exclusão das minorias, as quais não assistem todos esses processos de maneira passiva. Exemplos disso são as mobilizações coletivas, como estratégia de afirmação, para viabilizar seu ingresso na cultura nacional. O movimento negro brasileiro foi uma das principais ações que contribuíram para o crescimento da luta por igualdade de direitos. Sua história é marcada por uma série de respostas que se propuseram à formação social dos mais jovens, tradição herdada da cultura africana, segundo a qual a oralidade é o caminho para a manutenção dos valores.
Na superação do olhar colonialista, os movimentos negros, como exemplo de mobilização coletiva, afirmavam o saber e o ser fundados nos princípios africanos. Uma maneira de retomar as vozes negadas na formação de nossa sociedade e destronar os processos de efetivação da ideologia colonial portuguesa, gerando uma remodelação dos projetos políticos e combatendo de maneira intensiva os limites das políticas públicas.
Em nossa formação, devemos atingir um amadurecimento a fim de construir uma ligação entre os conceitos que poderão auxiliar em uma leitura diferenciada de nossa sociedade. Para entender as vozes presentes nos grupos minoritários, devemos estabelecer associações conceituais.
Clique no botão para ver as informações.
O fato de estarmos estudando os conceitos dissociados e repartindo os preceitos ideológicos não seria uma estratégia para diminuir as reflexões coletivas?
A resposta está na formação do pensamento racista brasileiro — que partia da separação simplista de fácil compreensão —, pois, para os negros, o racismo é algo que os separa dos outros membros da sociedade e produz uma diferença em suas colocações sociais. Os diálogos que poderiam fomentar uma reflexão coletiva eram negados pela determinação de um processo excludente particular.
As minorias silenciadas atualmente e no começo de nossa história como, por exemplo, as mulheres e as populações indígenas, foram duplamente ignoradas nos processos históricos coloniais. Primeiro, por não terem o direito a uma identidade de grupo e, segundo, pela separação que estabelecia o silenciamento de suas subjetividades. No saber diário em Educação é necessário reverter esse processo, potencializando a validade de todas as subjetividades que permeiam as relações sociais.
É preciso alinhar o conceito de minoria, que tem na sua existência e base uma ideia de oposição com o de maioria. O dilema que vivenciamos é uma definição macrossocial das minorias que serão legitimadas e a superação do silenciamento dos outros movimentos identitários que existem e devem ser notados, determinados por raça, cor, gênero e fatores sociais.
Devemos denunciar essa separação e afirmar as mobilizações coletivas enquanto resposta para os sistemas segregacionistas. Uma pessoa pode, por exemplo, fazer parte de diversos grupos minoritários. O risco que corremos é considerar as peculiaridades e pensar o que é mais crítico na conjuntura social. Devemos fugir desse processo e respeitar as manifestações individuais.
Atualmente, as minorias possuem consciência de seu lugar. Porém não se trata de relação passiva, mas de denúncia das dívidas históricas e de luta por reparação, surgindo, assim, os movimentos sociais organizados que denunciam os processos de exclusão social e reivindicam a construção de políticas públicas inclusivas. Um exemplo é o direito a creche, que foi conquistado pela luta organizada das mulheres negras trabalhadoras das favelas. Perceba que essas mulheres não aceitaram o lugar de grupo minoritário e foram além das classificações étnicas, sociais e de gênero. Organizaram-se e denunciaram as limitações na ausência de um serviço que atendesse a suas demandas.
Podemos visualizar, portanto, a polifonia dos movimentos sociais; seus discursos percebem suas marcas enquanto grupo, mas não estão restritas às classificações deterministas.
O cenário foi organizado, os atores já estão em cena, mas na ótica dos grupos minoritários o roteiro não pode ser unilateral. Assim, as oposições são ramificadas e os grupos possuem a autonomia para exercer suas atuações dentro dos processos e em sua vida. Não existe a possibilidade de atuar apenas num papel, mas assumir o protagonismo do espetáculo e apresentar uma performance de denúncia dos processos de exclusão social.
O conceito de minoria não contempla as ramificações sociais que a ele são associadas.
Atenção
Devemos fugir da limitação pautada no preconceito e escutar os processos particulares dos diferentes grupos sociais. Não pense que numa comunidade escolar as pessoas estarão acompanhadas de seus rótulos. Os impactos por fazer parte da minoria serão vividos e enfrentados sob múltiplas performances.
Não teremos os grupos separados, eles estarão no ambiente social e esperam que você faça a leitura de suas subjetividades e traduza os mecanismos de exclusão que pesam sobre seus processos formativos.
Vou contar hoje uma história do passado, que meus avós herdaram de seus pais. Uma história que pertence à nossa família e que deve ser compartilhada, para manter o afeto e as lições que ela traz. Um menino veio para o Brasil, obrigado, preso num navio e recebeu o nome de escravo. Esse menino nunca entendia por que ele deveria trabalhar e obedecer. Um dia eleouviu uma conversa entre os que o aprisionavam. Ele não entendia, mas ouviu uma palavra que nunca esqueceu: diferente. Ele não sabia o que era ser diferente, não havia em sua língua algo parecido, afinal em sua terra eles acreditavam na igualdade.
Quando o menino cresceu e a escravidão acabou, ele perguntou àquele homem que o deixou preso: “Moço, eu ouvia, sempre em silêncio, você dizer que meu povo era diferente. Você pode explicar o que é isso?”. O homem nem ouviu a pergunta, riu do rapaz e o mandou ir embora. Sua pergunta ficou no ar, uma simples resposta era o que ele queria e não pôde escutá-la. Ele decidiu seguir seu caminho, caminhar era sua única opção; com a pergunta enraizada em sua alma, seguiu para sua nova vida.
Ao colocar seu pé esquerdo na cidade, no lugar em que viveria sua liberdade, sentiu o que era ser diferente. Era uma resposta simples, algo presente nos olhares daqueles que julgavam seus pés descalços e a cor da sua pele. Ele se sentia separado e afastado de toda a gente. Então pensou: “Ser diferente é a resposta que essa gente escolheu para me separar; antes, negro e escravo; hoje, liberto; sou pobre e nessa terra minha cor não tem lugar”. O lugar onde ele nasceu era um sinal de separação. Tratou de trabalhar, lutou para estudar e fez questão de a todos de sua família essa história contar. Tanto lutou que essa história chegou até vocês.
Evidentemente que, ao contar essa história para um grupo de crianças, havia todo um cenário com música e bonecos, além da encenação. Depois de ouvir tudo com muita atenção, debater e conversar, o grupo conseguiu entender e disse: “Nós somos diferentes, somos minoria e temos que ensinar que isso não pode mudar nossa vida”.
Falar da prática educativa é uma tentativa de ilustrar as mediações que podem ser feitas no espaço escolar.
Essa experiência serve para ilustrar o conceito e demonstrar a vivência escolar num espaço em que convivem as minorias. O profissional da educação deve superar esse conceito, sem ignorar as subjetividades. Não podemos considerar que as configurações sociais serão iguais em todas as unidades escolares do país. É preciso fazer uma leitura do lugar no qual você atua; conhecer a história da comunidade, os grupos étnicos que formaram raízes, os fluxos migratórios, os conflitos e as reinvindicações.
Ao estabelecer uma escuta desse território, você conseguirá realizar uma leitura das presenças culturais e terá um desafio: traga suas subjetividades para essa relação! Não tenha medo de evidenciar suas vulnerabilidades num cenário educacional para que ele seja pautado no respeito e na integração, rompendo assim com as estruturas hierárquicas.
Um profissional que atua com as minorias e insere suas subjetividades em seu cotidiano não deve se abrigar na estrutura tradicional docente. As minorias se reconhecem nos encontros que fazem no terreno escolar. A comunidade escolar espera que o professor ou o educador seja honesto e deixe evidente seu pertencimento social.
O conceito de minoria existe numa categorização de que uma maioria pode exercer o poder sobre outras pessoas?
Para responder a esse questionamento, é preciso romper com essa separação. Para isso, não é necessária a exposição, mas a afirmação de sua identidade como profissional e a legitimação das histórias dos alunos e de sua família.
Um profissional que atua com as minorias e insere suas subjetividades em seu cotidiano não deve se abrigar na estrutura tradicional docente. As minorias se reconhecem nos encontros que fazem no terreno escolar. A comunidade escolar espera que o professor ou o educador seja honesto e deixe evidente seu pertencimento social.
A mulher negra está fortemente presente na formação material e espiritual da sociedade brasileira. Como um importante pilar de reconstrução dinâmica dos espaços subjetivos e objetivos da memória do povo negro. Como síntese de uma trajetória humana não capitulada e progressivamente ascendente em direção à liberdade.
(GONZALEZ, 1981)
Estudar o conceito de minoria associado à educação é uma oportunidade de ampliação do lugar social destacado para as minorias. O diálogo estabelecido aqui pode servir como um mecanismo de legitimação das subjetividades, como um caminho para a valorização das diversidades e da necessidade de compreender a atuação desses sujeitos na luta por uma política pública contextualizada.
Verificando o aprendizado
Parte superior do formulário
1. O conceito de minoria possui uma característica recorrente oriunda do senso comum: grupo menor. Quando, no entanto, debatemos minoria à luz das perspectivas das ciências humanas, como a Sociologia e a Educação, essa leitura torna-se muito mais complexa. A importância para a Educação do estudo sobre as minorias pode ser percebida em seu papel de:
Manter um padrão em nossa sociedade.
Construir práticas educativas unilaterais.
Fomentar os movimentos sociais das minorias.
Reforçar as diversidades e ampliar o papel das mobilizações coletivas.
Parte inferior do formulário
Comentário
Parabéns! A alternativa "D" está correta.
O conceito de minoria deve ser retirado do lugar de uma simples conclusão. Para fugirmos de práticas educativas unilaterais é necessário reforçar as diversidades e ampliar as mobilizações coletivas.
Parte superior do formulário
2. Estudamos a necessidade de fugir das generalizações sobre as minorias e respeitar as manifestações subjetivas. Leia as opções abaixo e escolha aquela que não reforça essa generalização:
Pautar o planejamento apenas numa realidade cultura.
Ignorar as ações cotidianas.
Compreender as peculiaridades dos sujeitos.
Seguir um roteiro de ações único para todas as comunidades.
Parte inferior do formulário
Comentário
Parabéns! A alternativa "C" está correta.
Ao ampliarmos o conceito de minoria, percebemos que as relações vão além de uma categorização estabelecida por padrões. Por isso, nas ações educativas é urgente compreender as peculiaridades dos sujeitos.
VOCÊ CONSEGUIU DESBLOQUEAR O MÓDULO 2!
E, com isso, você:
 Reconheceu o conceito de minoria nos contextos social e educacional brasileiros.
 Retornar para o início do módulo 1
Módulo 2
Identificar os debates sociais de religiosidade e os mecanismos de construção da tolerância no ambiente escolar
A Escola e a religião
Conceitualmente, religiosidade é o conjunto de práticas religiosas em uma sociedade. A definição apontada historicamente por Max Weber (1864-1920) em sua sociologia da religião aponta para relação entre a dinâmica dos sujeitos e das instituições. Na proposição de Weber, os sujeitos, na busca de uma conformação (integração) social, buscam se inserir em grupos de modo a serem aceitos. A religião, por meio do estabelecimento de padrões morais, do reconhecimento de valores coletivos e principalmente da rede de proteção que ela estabelece, fomenta um caminho recorrente do sujeito.
Uma religião se forma a partir da consolidação de uma mensagem “mágica” que passa a ser reconhecida e institucionalizada. Os níveis de institucionalização representam o maior ou menor sucesso de uma religião. Assim, uma religião hegemônica em uma sociedade convive sempre com manifestações religiosas periféricas, podendo ser conflitantes ou não.
Os sujeitos se inserem na religião buscando suas redes de proteção. Logo, grupos marginais em uma sociedade tendem a se integrar aos padrões religiosos mais fortes e institucionalizados como forma de serem assimilados e protegidos, mas também podem, por tradição ou resistência, vincularem-se a religiões periféricas.
Esse conceito, no entanto, precisa de materialidade. Nesse sentido, vamos tratar da prática docente relacionada a essa dinâmica. Afinal, os alunos contemporâneos não estão fora da dinâmica sociológica há muito estudada e trabalhada por Weber. Trilharemos uma relação dialógica entre a prática de ensino e as subjetividades inerentes às comunidades escolares. A princípio, foram destacados os processos para a definição do conceito de minoria e agora vamos para o debate sobre as religiosidades.
Experienciar para construir
O diálogo, o respeito ea tolerância serão as marcas das reflexões propostas. Para esse movimento de formação, adotam-se uma escuta sensível e uma estratégia humanizada para as experiências religiosas. Uma proposta de mediação que não abarca a interpretação dos significados e nem insere em suas leituras análises comparativas. Ao pensarmos em religiosidade, o nosso papel como educadores é ouvir, respeitar e conviver.
As escolas públicas são as experiências profissionais que legitimam as práticas docentes e o saber/fazer de um professor pesquisador. Considere a situação hipotética: um professor nota que, nas diferentes turmas em que atua, há uma pergunta recorrente feita pelos alunos e, dependendo da resposta, seu comportamento e sua rotina naquela escola mudam; “Professor, qual é a sua religião?”.
Assim que iniciam a trajetória docente, por conta da inexperiência, muitos professores não entendem a dimensão da pergunta e preferem ignorar. Além disso, acreditam que não cabe esse tipo de questionamento na relação professor-aluno. Entretanto, com o estabelecimento das práticas educativas e o amadurecimento teórico da função social da prática docente, os professores começam a responder à questão e a demarcarem suas crenças. Geralmente, são fornecidas respostas diretas e simples, seguidas de uma observação de como o grupo recebe tal manifestação de fé.
Muitos alunos fazem questão de, no primeiro contato, afirmar sua fé, seja por não participarem de atividades tradicionais da rotina escolar ou por manifestarem o desejo de fornecer suporte religioso aos colegas de sala. Essa pergunta pode ser uma imposição, uma tentativa de diagnosticar o ponto de ruptura ideológica entre o aluno e o professor.
O medo de ser caracterizado como diferente pode moldar o silenciamento das respostas iniciais. Reconhecer o fato de não saber os limites do preconceito religioso presente nas comunidades escolares capacita o professor a perceber o risco do prolongamento da distância entre a prática docente e as pessoas desse grupo.
As respostas proferidas devem ser honestas, não impondo o respeito hierárquico que a prática docente imputa na sociedade brasileira; os alunos também podem ser honestos. Esse processo surge como um investimento, uma abertura da janela discursiva para a construção de um debate social sobre religião; a viabilidade de manifestar os preconceitos era o que poderia facilitar a reflexão e a ação sobre eles. Nessa abordagem, cabe a fuga do politicamente correto. Não é válida uma aceitação parcial que poderia velar os verdadeiros estigmas religiosos locais.
As respostas dos alunos são muito enriquecedoras para o processo educativo, como por exemplo “cruz credo”, “Deus te proteja!”, “Deus me livre!” seguido de uma breve oração pela alma do professor descrente. Ao demarcar a particularidade de crenças, eles podem reproduzir no coletivo seus movimentos cotidianos. Essas falas fazem parte de sua vida e, provavelmente, estariam presentes nos conflitos protagonizados entre seus pares de religiões diferentes.
A escuta sensível deve estar presente no mapeamento das respostas e na compreensão de que elas são reproduções coletivas. Nessa vertente, não cabe uma bronca ou uma afirmação direta do respeito. A tolerância deve surgir nos intercâmbios e na avaliação de valores solidificados.
Abre-se um espaço para a conversa e o estabelecimento dessa escuta sensível. Talvez o professor não seja o único praticante de outra fé ou alguns colegas, silenciados por serem de um grupo minoritário, não sentiam segurança em manifestar sua fé. Ao abrir o canal para falar das subjetividades religiosas, outros alunos podem se manifestar e, com uma orientação, construir um debate mais respeitoso e edificante. O enfoque é a obtenção do diálogo e a formação de atores que valorizem a argumentação sistematizada de seus preceitos.
Rompendo o ciclo vicioso do silenciamento ao favorecer os intercâmbios ideológicos
Todo educador deve fugir da passividade, apropriar-se desse conceito e mediar conflitos que permeiem a vida dos alunos. Não adianta estabelecer um processo formativo nessa ótica apenas para a obtenção de um grau acadêmico; o enfoque central é diluir preconceitos por meio da (re)construção do canal dialógico nas comunidades escolares.
O debate sobre religião é uma ferramenta educativa (para tal urge o seu estabelecimento), além de componente curricular em sua transversalidade que atinge as práticas sociais. Por exemplo, durante a formação religiosa, os mais velhos nos educam a nunca discutir política e religião. Contudo, temos ansiedade para ouvir sobre uma série de dogmas que permeiam o cotidiano, entre eles a migração de núcleos familiares do Candomblé para as igrejas evangélicas.
O professor não precisa seguir esse tutorial do passado, ele deve transpor os limites. Não adianta trazer uma série de conceitos ancorados sem fundar o debate nas memórias autorais e estimular os colegas para que façam o mesmo durante seu processo formativo. A pergunta dos alunos pode gerar estranhamento porque a religião era (ou ainda é), de acordo com as concepções do senso-comum, um lugar de silenciamento e de um discurso restritivo.
Será que religião não se discute? Quando olhamos e ouvimos sobre isso no cotidiano escolar ficamos bem surpresos com o tamanho do problema.
Em busca de soluções
Ao delimitar o que pode ou não ser dito sobre religião, a sociedade quer possivelmente evitar os embates, mas com isso perde o potencial dialógico que uma conversa imprime. A experiência vivenciada no contexto escolar nos alerta para o risco de um discurso que segue um conjunto de verdades.
No primeiro contato com a sala de aula, a delimitação das vozes sobre religião pode determinar as práticas e silenciar o debate sobre a diversidade da fé, construindo assim um conjunto de regras que defende o restrito. A sala de aula não é para esse tipo de conversa e os educandos não devem filosofar sobre religião.
Nas primeiras aulas, a abordagem pode ser limitada a essas construções tradicionais sobre o tema a fim de que o grupo vivencie a restrição permanente vigente sobre as vozes. O silêncio se estabelece até que haja a reflexão e a construção de uma condução diferenciada, centrada na diluição dos preconceitos e na remodelação dos discursos.
Todo sistema de educação é uma maneira política de manter ou modificar a apropriação dos discursos, com os saberes e os poderes que trazem consigo.
(FOUCAULT, 2004)
Os mecanismos de efetivação de uma rede de verdades são as suas aceitações.
A figura docente pode assumir seu papel de legitimar as raízes discursivas que delimitam as vozes ou pode retomar o controle sobre os discursos, estabelecendo assim uma comunicação paralela. Para isso, é necessário perceber o impacto de sua atuação na vida dos educandos e na afirmação do direito à liberdade de professar sua fé.
Quais são os mecanismos que vão legitimar essa atuação? Como o docente pode proteger sua atuação perante o cenário de intolerância que vivemos em nosso país?
Começando pela lei 10.639/2003, que alterou a Lei de Diretrizes e Bases da Educação, um mecanismo que legitima a quebra dessa estrutura impositiva sobre a religião no espaço escolar.
O processo de construção dessa lei em si, é pautado na militância do movimento negro, que percebia um embranquecimento do discurso religioso nas escolas brasileiras. As religiões de matriz africana eram segregadas e os alunos que as viviam eram marcados pelo preconceito. A implementação de uma lei que afirma o direito a conversar, estudar e compreender contribuiu para a redução do racismo e para a construção de leituras respeitosas.
Apesar do conjunto de restrições e do silenciamento, a religião nunca esteve de fora dos currículos escolares; os calendários pedagógicos estão repletos de atividades que afirmam o Cristianismo; muitos símbolos estão presentes em instituições públicas; cultos, missas e outras atividades religiosas são praticadas no terreno escolar.
Diversas entidades religiosas assumiram em nossa sociedade a função de educar no interior da filosofia cristã. Elasestão centradas em promover uma educação escolar organizada em seus princípios, formando gerações de brasileiros que vivenciaram uma fé padronizada em suas salas de aula. O silêncio era utilizado apenas para as religiões que não estivessem dentro do legitimado, que eram ou são categorizadas como inferiores, estabelecendo assim um currículo homogêneo pautado numa fé que regula o sistema de crenças brasileiro.
É sempre na manutenção da censura que a escuta se exerce. Escuta de um discurso que é investido pelo desejo, que se crê - para sua maior exaltação ou maior angústia - carregado de terríveis poderes.
(FOUCAULT, 2004)
O que poderia ser chamado de currículo oculto, revela-se, em uma simples visita às instituições escolares de todo o país, como algo estabelecido e legitimado. Por isso, fugindo da ingenuidade intelectual, devemos destacar os avanços que vivenciamos com as ações do movimento negro, mas que ainda precisam da atuação de docentes que compreendam o impacto da tolerância religiosa no cotidiano escolar.
O sistema de verdades sobre a religião deve ser debatido para ampliar as vozes das crenças historicamente silenciadas e para identificar os mecanismos de silenciamento estabelecidos, os quais ainda são utilizados para minimizar a fé diferente.
Um exemplo de mecanismo é a associação do que não é padrão à figura do mal. Para ilustrar, em diversos momentos das aulas, as crianças que seguiam o Candomblé eram associadas à figura do diabo.
Essa associação segue os princípios racistas enraizados em nossa sociedade. O que os alunos fazem com seus colegas na escola é de certo modo um retrato do que seus pais vivenciam na comunidade e seus ascendentes viveram durante o processo colonial. A estrutura racista não foi quebrada, ela está presente em ritos cotidianos e é legitimada pelas práticas de segregação da fé alheia.
Vamos pensar no conceito de fé? Faça uma pausa na leitura e reflita sobre seu sistema de crenças. O que motiva sua religiosidade pode, de alguma maneira, oprimir o direito de outras pessoas de manifestar sua fé?
Essas perguntas devem ser feitas a todo momento para verificar se nossas convicções não são um impedimento à liberdade de expressão religiosa do outro.
Um retorno à teoria
Vamos retomar Max Weber e a Sociologia da Religião. Segundo o autor, quando uma religião atinge um conjunto hegemônico em um campo de atuação, ela passa a monopolizar os aspectos morais, estéticos, políticos e até mesmo artísticos em determinada sociedade. Quando um conjunto religioso como esse atinge um grau efetivo de dominação, acaba sendo permissivo à atuação das minorias por não se sentir ameaçado. Dessa forma, entendemos como o Brasil foi fortemente católico a ponto de permitir, sem grandes embates, manifestações religiosas afrodescendentes.
Saiba mais
Para explorar mais essa questão, leia a obra O Pagador de Promessas, de Dias Gomes.
No entanto, nas décadas de 1980 e 1990, nota-se um expressivo processo de migração religiosa, ainda que sem rompimento de matriz – do Cristianismo católico para o Protestantismo –, bem como um incremento das ondas neopentecostais. Esses debates foram intensos na época, tendo episódios marcantes como o de um pastor evangélico chutando a imagem de uma santa católica.
Na década de 1990, houve um crescimento religioso das correntes protestantes nas periferias das cidades brasileiras, com destaque para Rio de Janeiro e São Paulo. Se na primeira onda a disputa no campo religioso era em relação a essa grande maioria de católicos, percebe-se que na década de 1990 a tradição religiosa volta-se à crítica das tradições afro-brasileiras. Um grande questionamento é o porquê desse fenômeno. Mais uma vez, Weber nos ajuda a resolver e a entender essa questão.
Se antes, pela hegemonia católica, o credo marginal afro-brasileiro era uma forma de identidade alternativa, agora ele passa a ser entendido como uma identidade negativa. O desejo de se sentir aceito diante de uma mudança do reconhecimento social dos grupos evangélicos ofereceu a grupos sociais marginalizados uma possibilidade nova de inclusão.
Esse movimento é direito do grupo, não tem tom crítico na migração, no entanto, quando isso transforma a religião em um campo de conflito, temos, portanto, um problema que precisa ser estruturado em outras formas de solução.
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Oposição às matrizes africanas
As escolas passaram a ser palco desse novo cenário. Notavelmente, os novos protestantes tinham intenção clara de atuar em oposição às matrizes africanas numa disputa clássica entre os representantes de Deus versus os representantes do diabo.
Grupos que tradicionalmente vivenciaram a fé nos terreiros começam a ser atacados por essa corrente e ocorreu um intenso processo de migração para a nova fé. Foi um movimento de disputa ideológica que fechou muitas casas de santo e as pessoas se viam sem opção para manifestar sua crença. Evidentemente que surgiram núcleos de resistência que se organizaram, mas muitas pessoas acataram a nova regra e o padrão estabelecido para a favela. Foram, então, frequentar as igrejas e deixar de lado a crença nos orixás.
Contramovimento
Esse movimento foi reproduzido em diversas cidades brasileiras. Muitos líderes religiosos de matriz africana se organizaram para fortalecer seu direito a fé e começaram a denunciar os abusos que ocorriam e ainda ocorrem nesse percurso. As pessoas possuem a liberdade para seguir a corrente religiosa que as convém, mas um princípio não deve se sobrepor a outro. Nota-se o contramovimento. Grupos vinculados a movimentos intelectuais passaram a ver nas religiões afro-brasileiras uma forma de resistência, aumentando sua presença nos terreiros e em manifestações religiosas.
A dinâmica sociológica de disputas sociais se manifestando na religião não é incomum, acontece e faz parte da dinâmica social. O desafio é que a escola não pode, ou ao menos não deve, fomentar o campo de disputas.
As religiões, independentemente das escolhas familiares em suas matrizes, deveriam coexistir e as perguntas sobre essas mudanças poderiam ser respondidas de maneira natural, entendidas como escolhas.
A oposição religiosa não é algo legítimo; a fé é o ponto em comum e deve ser o centro de aglutinação. No interior do universo cristão, existem diversas denominações, com regras, sistemas de organização e lideranças diferentes, que se respeitam e convivem em suas diferenças. Por que não estender essa mesma relação pacífica em prol da superação da ideia de maldade associada à crença diferente?
Conceitualmente falando, a religião é entendida como um sistema de verdade. Quer dizer, existe um discurso que se constitui como dogma e é seguido socialmente pelos seus membros que acreditam nele. O problema se dá quando a tal verdade estabelece sua base na negação do outro. Quando uma religião necessita da exclusão do outro para existir dentro de uma sociedade democrática, ocorre um hiato polêmico.
O que fazer?
Entender que uma religião não pode ser um conjunto de regras imposto a todos. Seus códigos e pertencimentos são uma escolha pessoal, dos alunos e do professor.
O docente deve tratar de um processo interior de reflexão, explicar e lidar com o direito do outro, sem que isso gere uma ofensa a si ou ao grupo.
Como fazer isso na prática? Fomentar o debate? Perguntar! Perguntar e esclarecer.
Os sujeitos que fazem o percurso de responder às perguntas proibidas e revisitam suas memórias no interior de uma fé podem perceber os limites da oposição. Os ritos que são julgados pela nova fé estão na história de sua vida e fazem parte dos processos de sua construção religiosa. Pergunte aos alunos, por exemplo, quem segue um grande credo, mas que é pequeno no Brasil, como o Islamismo; mostre que a segunda maior religião do mundo em número não tem representantes, ou tem poucos. Por quê? Porque a religião é escolha, faz parte da vivência e das experiências.
O objetivo é notar que o silenciamento, tradição brasileira ao lidar com a religião, não vai resolver o problema e a dinâmica de negação daescola. O debate sobre a religião precisa ser naturalizado, vivenciado.
Não responder a questionamentos sobre religião com o velho chavão de que “religião não se discute” é uma maneira de negar a legitimidade daquela experiência e de determinar o lugar de esquecimento. Por isso, ao exercer sua prática docente, formule perguntas, sem constrangimento, descubra as perguntas proibidas e elabore respostas coletivas. Ao fugir do código restritivo, a tolerância será construída num fluxo constante que tem início na legitimação das memórias e atinge diretamente as ações cotidianas.
Retomando à conversa inicial, com o cenário da sala de aula e as cabeças dos alunos ávidas por saberem a concepção religiosa de seu professor: uma resposta que poderia parecer simples, e até desnecessária, transformou-se no combustível para ressignificação de valores. O debate é uma ferramenta legítima da sala de aula. Um momento de estabelecer respostas e construir discursos que fogem dos sistemas restritivos. O discurso negado e a voz silenciada norteiam as diretrizes do saber religioso.
Exemplo
Por exemplo, as presenças quilombolas em diversas favelas de nosso país. O conceito de quilombo está conectado ao conceito de religião periférica. Você já ouviu falar de quilombo em sua vida acadêmica?
Quilombos são as comunidades de resistência da cultura negra no Brasil. Existem centenas de comunidades espalhadas pelo território brasileiro ancoradas na luta pelo fim da escravidão.
Foram essas comunidades que receberam milhares de escravos fugidos e nesse processo formaram sociedades organizadas que lutaram pelo fim da escravidão. Devemos frisar que os quilombos foram os primeiros atos de afirmação coletiva de negação da escravidão e de acolhimento dos sujeitos dominados. Os aquilombamentos surgiram como um espaço de agregação étnico-cultural e formularam uma cultura negra peculiar. Era a oportunidade de criar pequenos pedaços da África no Brasil.
Qual a conexão entre os quilombos e o debate proposto aqui? A identidade quilombola é uma posição ideológica e pode ser definida como uma mobilização do movimento negro no período colonial que se estende até a atualidade. Essa organização era uma afirmação da fé nos orixás e em todo conjunto filosófico de seus preceitos religiosos.
Esse movimento de autoafirmação possui relação íntima com os movimentos de resistência para manifestação da fé a que assistimos atualmente. Poderíamos ir além e dizer que, no conceito de quilombo, a tradição de militância religiosa do passado e do presente são ininterruptas. Um conhecimento que está presente na vida das pessoas negras brasileiras.
A escuta sensível na prática docente
Nas práticas docentes, partindo da escuta sensível, muitos alunos afirmavam seus preconceitos sobre as religiões, um posicionamento pautado no discurso coletivo unilateral. Porém, no decorrer de um percurso didático, esses mesmos alunos traziam dados importantes quanto à presença da fé quilombola em suas vidas. As manifestações preconceituosas não conseguiam limitar o pertencimento ideológico.
Quando as atividades pedagógicas recorrem ao diálogo e não à tolerância para desconstruir representações dominantes e construir outras, contribuem para uma melhor compreensão dos processos que as determinaram e com isso transformam tanto os estudantes quanto o sentido da representação.
A escola é uma arena política e cultural onde formas de experiência e de subjetividade são constatadas, mas também ativamente produzidas, tornando-a um poderoso agente da luta a favor da transformação de condições de dominação e de opressão. As implicações práticas da escuta sensível se dão pelo modo que os professores acolhem as experiências e as vozes dos estudantes.
Saiba mais
Um excelente material que faz esse debate é o livro: SILVA, T. T.; MOREIRA, A. F. B. (Orgs.). Territórios contestados: o currículo e os novos mapas políticos e culturais. Petrópolis, RJ: Vozes, 1995.
Exemplo
Você sabe quem são as benzedeiras?
As vozes presentes aqui retratam uma proposição de observar um problema local, brasileiro, mas que pode ser ampliada para os debates pedagógicos. A professora Vera Candau propõe um passo a passo para tratar temas complexos que possam ser abordados de forma prática:
 Clique nos números abaixo:
1- Desconstruir
Para uma construção intercultural que permita o rompimento vivido atualmente, é necessário desconstruir o outro como inimigo...
2- Articular
... articular experiências...
3- Resgatar
... resgatar processos, história e experiências...
4- Promover
... para, enfim, promover o diálogo.
Associam-se as proposições de Carl Rogers sobre a escuta sensível a fim de construir significações, superando o quadro vago da ideia de tolerar a existência do outro. Nesse percurso, busca-se estabelecer as conexões com as convicções subjetivas e a ampliação dos conceitos – formulados e reformulados pelos alunos. Para isso, é necessário que, a todo momento, você compreenda os limites do discurso impositivo e perceba as intercessões que acontecem no campo da fé. O espaço de coexistência das verdades é estabelecido quando os estudantes quebram as estruturas tradicionais e ampliam as diretrizes do que é vigente sobre a vida e a cultura do outro.
Verificando o aprendizado
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1. Ao falarmos de religiosidade no conjunto social, identificamos um conjunto de trajetórias singulares. No Brasil, vivemos um clima de tensão entre segmentos de religiões cristãs e grupos de religiões afrodescendentes. Diante desse quadro, é recorrente alunos interessados em saber qual o segmento religioso do professor, ou ainda, a resistência a colegas por pertencerem a grupos diferentes. Sobre a atuação docente na identificação desses problemas em sala de aula, sua atitude deve ser:
Adotar a técnica da escuta sensível para desenvolver empatia e ter a oportunidade de compreender a essência do problema.
Promover um debate sobre a tolerância e a necessidade de aceitação do outro, pois é o que determina a Constituição Brasileira de 1988.
Bloquear os debates relativos à religião, uma vez que, por serem foco de constantes tensões, evitar esses debates ajuda a promover um esquema de paz e irmandade na escola.
Permitir que os alunos se manifestem e debatam sobre a questão, garantindo assim que as opiniões diversas sejam manifestadas e demonstrando que a escola é um ambiente plural.
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Comentário
Parabéns! A alternativa "A" está correta.
O debate sobre a religiosidade deve ser pautado numa escuta dedicada do profissional da educação para construir suas interpretações e ele precisa ouvir atentamente as falas dos alunos e não oferecer julgamentos. A adoção de conceitos como o de Carl Rogers permite que seja superada a ilusão da tolerância por uma construção de significações própria dos alunos.
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2. Silenciamentos. Esse conceito nem parece um conceito. Mas todos nós já ouvimos que “religião não se discute”; essa é a construção do senso comum sobre o debate religioso em qualquer lugar, inclusive na escola. No entanto, a ação na escola precisa ser diferente. O papel de romper com o silenciamento na escola precisa ser feito uma vez que:
A escola é a responsável pela educação, logo, deve abordar todos os aspectos da vida cotidiana, inclusive a religião.
Na tradição histórica brasileira, pautada em uma sociedade em que o preconceito é velado, a religião faz parte dos currículos escolares e precisa ser explicada como conteúdo aos alunos.
As crises religiosas, marcadas por atentados fundamentalistas, precisam ser apresentadas de forma a promover a tolerância religiosa e o respeito mútuo.
É preciso dialogar sobre fé cotidianamente, realizando as mediações necessárias para a superação do preconceito.
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Comentário
Parabéns! A alternativa "D" está correta.
Na superação dos prejuízos impostos às minorias religiosas e na obtenção de uma comunidade escolar pautada na tolerância, é necessário fugirmos do silêncio. Precisamos conversar de maneira direta sobre a diversidadeideológica.
VOCÊ CONSEGUIU DESBLOQUEAR O MÓDULO 3!
E, com isso, você:
 Identificou os debates sociais de religiosidade e os mecanismos de construção da tolerância no ambiente escolar.
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Módulo 3
Reconhecer o conceito de pluralidade da periferia como alternativa às concepções de homogeneização dos processos educativos
O papel da periferia dentro do complexo círculo social
O conceito de minoria e os debates sociais sobre religiosidade fazem parte de todos os contextos sociais brasileiros. As formações culturais e as identidades se encontram e estabelecem suas relações no ambiente social. Mas, ao falar de periferia, esses dois conceitos devem receber uma atenção especial. Faça uma reflexão das leituras estabelecidas até aqui, como em todo o nosso percurso formativo, e conexões com as suas janelas de experiências.
Minorias
Periferias
Religiosidades
Qual a conexão que você consegue perceber entre esses três temas?
Simples, o conceito de homogeneização.
As escolas lidam com o seu papel de homogeneizar, criar sujeitos vinculados a elementos comuns. Todas as experiências e trocas relatadas são resolvidas com o objetivo de criar um padrão de cidadão geral, que reconheça os mesmos valores, que reafirme as mesmas ideias.
Consideremos, apenas neste momento, a construção comum de periferia, a visão geral e do senso comum. Ao falar desse conceito, conseguimos contemplar todas as comunidades brasileiras e as vivências culturais inerentes a esse lugar.
Uma periferia do Nordeste do país tem a mesma formação étnica-cultural que uma periferia da região Sul?
 Periferia de Curitiba, Região Sul do país.
 Periferia de Fortaleza, Região Nordeste do país.
Na concepção tradicional, a resposta seria sim. O ponto de interligação seria firmado na pobreza e em muitos preconceitos que em sua reflexão podem ter sidos revisitados.
É importante que você consiga avaliar essas afirmações e responder às suas questões. Sabemos que as compreensões distorcidas podem interferir nos processos educacionais. Utilize este texto como um processo de revalidação de seus conceitos e na proliferação de um olhar que compreenda as realidades socioculturais das periferias brasileiras.
Ao longo da divisão social do território brasileiro, em nossa história, um massivo contingente de negros foi excluído do direito à terra. Entender essa etapa da construção social e política do nosso território é relevante para o estudo dos saberes e fazeres em Educação. A exclusão histórica dos descendentes dos africanos escravizados e negros em geral fez com que essas pessoas fossem aglutinadas nas favelas.
Divisão geográfica, segregação espacial
Na formação do tecido urbano das grandes cidades, ocorreu uma divisão geográfica, natural para alguns, demarcando uma divisão que separa socialmente as pessoas. Dizer que essa divisão é apenas geográfica e social poderia ser ingenuidade, mas devemos começar a olhar o conceito de periferia por esse ponto. Pense na divisão nos mapas tradicionais de nossas cidades e nas divisões políticas. No processo de exclusão territorial, ocorre uma (re)divisão que não é demarcada de maneira oficial.
Nos mapas oficiais, existe a definição das zonas nobres, dos centros urbanos e dos outros lugares, os quais demarcam o privilégio. Os outros lugares são classificados como regiões periféricas, um espaço onde mora a maioria das famílias brasileiras que não possui renda para residir nas proximidades das zonas mais prósperas. Surge, então, outro ponto de demarcação: os limites financeiros.
Clique nas setas para passar as fotos.
São Luís - MA
São Paulo - SP
Belo Horizonte - MG
Salvador - BA
As zonas centrais têm o custo de vida elevado e não permitem a presença de pessoas que não possuem condições de custear sua manutenção. Uma determinação definida, inicialmente por questões econômicas, mas vamos percorrer o texto e descobrir outros pontos de segregação espacial.
A periferia surge inicialmente como um lugar de separação financeira e geográfica. Mas não podemos correr o risco de centrar nosso debate apenas nesses pontos. É urgente demonstrar outros fatores históricos que são basilares para a determinação daqueles que vão residir nas periferias de nosso país.
Atenção
Nosso país ainda é considerado, no contexto político global, como uma região periférica. No sistema econômico vigente no mundo, somos um país pobre, cujos índices nos categorizam como uma nação periférica. Essa fala é válida para este momento, mas a retomada dos processos históricos da formação brasileira é necessária.
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Periferia brasileira
A partir do século XVI, o Brasil inicia sua história – ao menos como Brasil. Quem nós éramos? Uma colônia portuguesa! Isto é, o Brasil era considerado a periferia de Portugal que, apesar de certo sucesso durante um momento, era periferia na Europa. Com a função de fornecer riquezas e matéria-prima à capital, a nova colônia era classificada como um local de proliferação de doenças. Com a evolução desse processo, várias estruturas foram construídas para criar pedaços da Europa no Brasil e favorecer a permanência da elite que aqui construía suas riquezas.
A grande periferia começava a ganhar ares de civilidade e de demarcação de lugares. No primeiro momento, a expulsão e o extermínio das populações indígenas para, em seguida, a construção de um conjunto de valores que justificaria a escravidão dos recém-chegados africanos. As senzalas assumem nesse processo o lugar de periferias no interior das fazendas em oposição clara ao modo de vida dos portugueses.
Os quilombos surgem como resistência ao modelo escravagista, não que as senzalas funcionassem como espaço de harmonia e passividade. As populações africanas, das diferentes etnias, não eram passivas na divisão do espaço urbano colonial. Esse lugar periférico foi uma opção viável de retorno à cultura africana. Fugir para as comunidades quilombolas, estabelecer grupos organizados nas florestas ou criar estratégias para permanecerem escondidos nas matas da cidade. Uma forma clara de subverter a ordem política vigente e afirmar uma identidade que deveria ser, na concepção do sistema colonial, passiva e obediente.
 Pintura de Johann Moritz Rugendas.
Persistindo como sujeitos periféricos em um regime opressor, os quilombos são um exemplo de periferia que se afirmava e atacava claramente o modelo social central. Por meio da afirmação cultural, ideológica, religiosa e educacional, esses espaços estabeleceram uma identidade paralela e fomentaram ataques ao regime colonial.
A determinação física surge como uma barreira a qual classifica e restringe as relações na sociedade brasileira. Vimos que as questões sociais, culturais e religiosas também são determinantes para a polarização. As ideologias periféricas são construídas em um protesto claro ao sistema social padrão e estabelecem uma alternativa de sobrevivência para todos que por ele são excluídos.
Falar em periferia é compreender uma divisão existente no tecido social. O modo de ser periférico foi estabelecido e é vivenciado em seu território, conseguindo quebrar as barreiras que determinavam a inferioridade. Essa transitoriedade é inerente à cultura brasileira; muitas das pessoas que residem nas periferias atuam profissionalmente nas regiões centrais e são atores necessários para o funcionamento econômico dessa região.
Comunidades periféricas
Conectando as linhas do tempo, as construções históricas de definição de periferia vão impactar diretamente na divisão das cidades contemporâneas. O ato de estabelecer uma cidade central possui o objetivo evidente de segmentar a sociedade que o tempo não foi capaz de diluir. Em um movimento de utilizar esses fatores, os quais seriam determinantes da exclusão social, mas que podem e são utilizados para ressignificação, as comunidades periféricas continuam existindo, porém estabelecem mecanismos de oposição e de afirmação de sua identidade. Os ataques ao sistema central vão ocorrer na denúncia das ausências do poder público.
Precisamos conversar sobreas favelas, as quais, na maioria das vezes, não estão distantes geograficamente, mas se localizam em espaços formados no interior das regiões nobres, nos altos dos morros e nas ocupações. Trata-se de uma estratégia para diminuir o deslocamento para o trabalho e manter uma maior proximidade com o centro financeiro das cidades.
Essa invasão e negação da repartição do tecido urbano da cidade são de extrema importância para a visibilidade das comunidades. A Rocinha, na cidade do Rio de Janeiro, é uma afirmação territorial da identidade de favela. Sua presença no espaço nobre da cidade faz com que todos os cidadãos revejam cotidianamente seus conceitos e percebam o impacto de uma política pública limitadora.
As favelas são ramificações importantes para a economia e representam a negação dessa barreira social. Uma forma de existir dentro das regiões nobres e excludentes sem perder a subjetividade e com um sistema econômico próprio. As redes que existem no interior das favelas ampliam o espaço das periferias nas cidades e interferem diretamente nas dinâmicas culturais. Em algumas regiões, as favelas são vizinhas de imóveis hipervalorizados, o que não determina o mesmo acesso ao emprego, aos serviços públicos e à compreensão de direitos sociais.
As favelas, ao deturpar esse processo restritivo, invadem os limites impostos e se estabelecem enquanto grupo paralelo ao sistema social vigente. São alvo de um controle social e de uma política pública que decide diariamente quem será alcançado pelos serviços públicos.
Precisamos romper com a linearidade do conceito de periferia e debater sua construção social para além dos processos históricos. Uma leitura desse conceito deve ser estabelecida em seus movimentos, em seus processos e nas remodelações que são feitas pelos atores periféricos. A periferia não pode ser associada a um lugar de passividade. Os processos educativos são protagonizados para além do espaço da educação formal.
Os movimentos sociais são reunidos nesse espaço e constroem estratégias educativas que vão desde fomentar a inclusão no mercado de trabalho a ensinar práticas culturais locais. Os moradores das favelas possuem voz e são capazes de avaliar os projetos políticos coletivos construindo linhas de oposição e de afirmação coletivas.
Educação e periferia
 Escola Municipal em Lauro de Freitas, Bahia.
O profissional de educação, sob essa ótica, não deve atuar de maneira tradicional; deve ser um agente que entenda os discursos orgânicos do território, fugindo dos canais de silenciamento das tensões identitárias e percebendo o papel dos conflitos na formação das identidades locais opostas ao que é estabelecido.
Existem impulsos para a aglutinação dos sujeitos, contudo, na formulação de uma abordagem educativa, esse direcionamento não deve centrar as ações. Não devemos reproduzir no ambiente escolar uma concepção limitante, e sim descrever os processos de superação das conjunturas tradicionais de exclusão.
Nas definições de favela e de periferias brasileiras, as relações sociais não são homogêneas. Desse modo, as micropolíticas precisam fazer parte do currículo escolar. As culturas não são determinadas por um padrão, mas por processos de intercâmbio, como, por exemplo, os fluxos de migração ocorridos em nosso país, a entrada de novos ritos e as lideranças que estão em disputa no local.
As interações e as ações periféricas podem ser vistas e revistas e são ações vivas, vejamos o exemplo desta escola em São Paulo.
Quer entender melhor essa questão?
Assista ao vídeo do Prêmio Territórios, do Instituto Tomie Othake.
A periferia não segue um padrão cultural, por isso, traz para o campo da educação uma pluralidade de desafios. Para formular uma educação coletiva e contextualizada, é fundamental a identificação dos signos coletivos agregados ao ser periférico de cada uma das comunidades.
As pessoas das comunidades estão cada vez mais inseridas no universo escolar, seja na luta por um currículo antirracista ou no acompanhamento do conjunto das ações educacionais estabelecido nas escolas. Agentes locais buscam fiscalizar a educação formal e, ao mesmo tempo, ampliar as possibilidades de aprendizagens distantes dos formalismos pedagógicos.
As escolas estão em processo de fiscalização constante e não podem reproduzir em seus materiais didáticos, ou nas ações, práticas racistas e segregacionistas. Os olhos da mobilização coletiva estão centrados nesse espaço formador das gerações futuras para evitar a repetição dos erros do passado.
As juventudes estão conscientes de seu pertencimento e denunciam a rigidez da escola pública. Isso delega uma responsabilidade maior aos docentes, os quais não podem reproduzir nos espaços escolares os mecanismos tradicionais de exclusão. Uma alternativa seria o fortalecimento desse lugar.
Atenção
A escola pertence às comunidades; os projetos políticos pedagógicos devem ser debatidos nas quadras; as lideranças locais devem fazer parte dos processos cotidianos de educação. Os muros das escolas devem ser apenas estruturas físicas e o movimento dessas instituições deve ser o enraizamento nos saberes locais, numa clara relação entre os saberes acadêmicos e os conhecimentos tradicionais.
Debatendo a realidade social
Ao falarmos de periferia, devemos fugir da visão preconceituosa e entender a diversidade desse conceito; fugir das concepções e análises que são distantes da realidade social e debater a complexidade dos conceitos. A lente que observa a vida do outro deve ser isenta de preconceitos. As periferias são um lugar de produção de conhecimento e os currículos escolares devem ser pautados em sua cultura.
É urgente compreender as projeções assumidas por esse conceito no interior do campo, seja na fundamentação de paradigmas ou no fortalecimento de diretrizes educativas.
A periferia deve ser entendida além dos mecanismos de exclusão. O que deve ser evidenciado é o processo de afirmação estabelecido nesses lugares, nas retomadas que servirão de fortalecimento das mobilizações coletivas.
As dualidades, as quais são comumente o ponto central da análise precisam sair de cena. Não é necessário pensar os saberes locais partindo do centro; os significados das mobilizações estão em seu território e apenas nele pode ser traduzido. É preciso reforçar as vozes locais na tentativa de enxergar a educação além dos preconceitos.
Os jovens precisam ser compreendidos além das questões sociais, pois sua importância dentro da dimensão política extrapola crises inerentes à pobreza ou às vulnerabilidades, marcas utilizadas para determinar a inferioridade dos saberes e excluir o caráter educativo de suas ações.
A educação é um palco social, logo, reproduz nossos principais sistemas sociais. A escola está imersa na sociedade, como a professora Nilda Alves coloca, e reproduz no cotidiano escolar as dinâmicas do cotidiano social, inclusive seus sistemas de exclusão. O momento é de ressignificar as relações entre escolas e favelas, tendo em contrapartida as experiências da educação popular como um espaço de libertação. O desafio para os educadores é fomentar e inserir a educação popular nas ações cotidianas, numa ruptura com a dualidade e na inserção das subjetividades nas relações de aprender e ensinar.
Verificando o aprendizado
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1. Nossas leituras e conversas sobre periferia atentaram para a diversidade do conceito. Assinale a única opção que consegue afirmar a complexidade do conceito de periferia.
Todas as comunidades periféricas são iguais.
É necessário criar uma definição nacional para o conceito.
A ideia de totalidade é uma resposta para a leitura do conceito.
A leitura do conceito deve ser plural e centrada nas subjetividades.
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Comentário
Parabéns! A alternativa "D" está correta.
Nas construções cotidianas e no saber/fazer em educação, os profissionais precisam atentar para as diversidades e fugir das generalizações, entendendo que a leitura do conceito deve ser plural e centrada nas subjetividades.
Parte superior do formulário
2. As periferiasestão associadas diretamente às mobilizações sociais coletivas, e as escolas de nosso país precisam inserir esses movimentos no currículo escolar. Apresentamos algumas situações do cotidiano escolar que reforçam a afirmação apresentada acima. Assinale a alternativa que contenha uma prática que não corresponde a ela:
A comunidade escolar deve fazer parte das constituições das práticas educativas.
As ações locais são cotidianas e oferecem ao educando um acolhimento no tocante às suas subjetividades.
As periferias devem receber uma política pública padronizada e as escolas não precisam incluir as memórias locais em suas ações.
As periferias possuem diversas mobilizações e sua complexidade não pode ser ignorada.
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Comentário
Parabéns! A alternativa "C" está correta.
O conceito de periferia pode ser confundido com o de ações coletivas tendo em vista que a sobrevivência desse grupo está associada às suas mobilizações. São as organizações que vão denunciar os limites das políticas públicas e fornecer ao grupo uma legitimidade social. A escola precisa compreender esses processos e negar a visão que diz: as periferias devem receber uma política pública padronizada e as escolas não precisam incluir as memórias locais em suas ações.
VOCÊ CHEGOU AO FINAL DA EXPERIÊNCIA!
E, com isso, você:
 Reconheceu o conceito de pluralidade da periferia como alternativa às concepções de homogeneização dos processos educativos.
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Conclusão 
Considerações finais
Quando lidamos com temas complexos, como minorias e desigualdades, em especial tocando em aspectos tão marcantes no Brasil, como as periferias e as tensões religiosas, a discussão é sempre um desafio. Para lidar com temas tão íntimos, é necessário ultrapassar a possibilidade de se entender como um intelectual de gabinete e pensar, na prática, como essas demandas se manifestam no cotidiano escolar.
Primeiro debatemos o conceito de minoria, mostrando que não é uma mera questão numérica, e sim um processo sociológico, conceitual e que, uma vez definido, descortina um conjunto de debates que dialoga com a educação, a história e a cultura de uma sociedade. As minorias representam, de alguma forma, um campo de exclusão, mas podem também assumir um processo identitário, fortalecendo os grupos.
Quando passamos a analisar como isso se manifesta, chegamos à religião e à periferia. Para a religião, aplicando a noção de que a experiência média nos cala, faz-nos evitar o debate sobre esse assunto, pois isso não seria útil para lidar com o problema. A introdução de conceitos como o da escuta ativa e o entendimento da naturalização do debate no cotidiano escolar é o proposto. Por fim, percebemos o que é periferia, dentro do complexo círculo social, como o centro e as áreas que aspiram ao centro trocam culturas. Apontamos que a escola não pode ser o espaço de ratificação das condições periféricas, mas um potencial de superação e, embora não represente uma solução, permite um processo de discernimento.
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Conquistas
 Reconheceu o conceito de minoria nos contextos social e educacional brasileiros.
 Identificou os debates sociais de religiosidade e os mecanismos de construção da tolerância no ambiente escolar.
 Reconheceu o conceito de pluralidade da periferia como alternativa às concepções de homogeneização dos processos educativos.
2º AULA
Questões Étnicas na Diversidade Escolar
O Negro e a Educação
DEFINIÇÃO
A trajetória da inserção da população negra na educação formal, os limites e barreiras à ascensão dos negros no Brasil, os usos do conceito de raça na escola, o racismo na educação formal, a legislação educacional antirracista no Brasil, raça, classe e gênero em perspectiva interseccional na educação.
PROPÓSITO
Refletir sobre os avanços e retrocessos em torno do acesso da população negra à educação formal durante a escravidão e no pós-abolição.
OBJETIVOS
Módulo 1
DEFINIÇÃO
A trajetória da inserção da população negra na educação formal, os limites e barreiras à ascensão dos negros no Brasil, os usos do conceito de raça na escola, o racismo na educação formal, a legislação educacional antirracista no Brasil, raça, classe e gênero em perspectiva interseccional na educação.
PROPÓSITO
Refletir sobre os avanços e retrocessos em torno do acesso da população negra à educação formal durante a escravidão e no pós-abolição.
OBJETIVOS
Módulo 1
Identificar as ações políticas e sociais que limitaram o acesso de escravos e libertos à educação formal no Brasil
Módulo 2
Reconhecer o caráter histórico das políticas afirmativas instituídas no Brasil e o protagonismo dos movimentos negros
Módulo 3
Analisar os debates sobre as desigualdades raciais no contexto escolar
Módulo 1
Identificar as ações políticas e sociais que limitaram o acesso de escravos e libertos à educação formal no Brasil
INTRODUÇÃO
Assista ao vídeo de introdução do tema, realizado por Ricardo Fernandes – professor da Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro.
BRASIL COLONIAL
A escola
No Brasil, a escola (enquanto instituição e, seu produto, a escolarização) sempre foi um espaço privilegiado para grupos sociais bem definidos.
Criada em 1540 pelo padre ‒ posteriormente tornado santo ‒ Inácio de Loyola, a Companhia de Jesus foi uma resposta da Igreja Católica à Reforma Protestante visando a defesa e a propagação da fé que, segundo a ordem, abarcaria a catequese e a escolarização.
 Inácio de Loyola.
Segundo Inácio de Loyola, o estudo das letras não teria outro sentido, senão o de aproximar a alma do seu criador.
Foi sob os auspícios de Dom João III, rei de Portugal, que a missão chefiada pelo padre Manoel da Nóbrega desembarcou em Salvador acompanhando a expedição do recém-nomeado governador-geral Tomé de Sousa.
Na Bahia, os jesuítas criaram um colégio que se tornaria o centro intelectual da Colônia por mais de 200 anos.
 Colégio dos Jesuítas.
Ainda na segunda metade do século XVI, os jesuítas se espalharam por outras partes da América portuguesa, estabelecendo colégios em Pernambuco, Rio de Janeiro e São Paulo, além de residências em Ilhéus, Porto Seguro e em Vitória do Espírito Santo.
Os jesuítas se especializaram num modelo de ensino baseado na incorporação de símbolos e rituais da cultura local de cada povo. Além disso, dedicavam-se à tradução e elaboração de gramáticas específicas de cada língua local, servindo de recurso didático.
IMPORTANTE
Em 1697, o jesuíta Pedro Dias, quando ainda estava na Bahia, escreveu o livro A Arte da Língua de Angola que, como já dito anteriormente, serviria como recurso para o ensino dos jesuítas e, ao mesmo tempo, uma tentativa de unificação dos falares bantu. Antes dele, o jesuíta angolano Manuel de Lima escreveu, em 1580, os livros Catecismo na Língua dos Ardas e Doutrina Cristã, traduzidos pelo padre jesuíta Baltazar Fernandes para a língua africana. Tudo isso serviria como recurso para o ensino dos africanos que ingressassem no Brasil. No contexto em que a entrada de escravos ainda era incipiente (entre 1582 e 1690, foi estimado que 29.538 africanos tenham desembarcado na Bahia), a pretensão dos jesuítas parecia ter alguma viabilidade.
A ação dos jesuítas tinha como público-alvo as populações indígenas. Em relação à população negra, a escolarização e a catequização se limitavam aos escravos das propriedades jesuíticas, uma vez que, aos demais, o acesso à educação era extremamente difícil, como lembra o padre Serafim Leite, historiador da Companhia de Jesus:
Os escravos negros não eram livres para buscarem a instrução média e superior, e claro está que os senhores não os compravam para os mandar aos estudos e fazer deles bacharéis ou sacerdotes.
(LEITE, 1938-1950:144)
Dessa forma, não havendo um impedimento legal para que a população negra escravizada tivesse acesso à educação formal, na prática era algo quase inacessível, considerando a brutalidade do regime escravista e as condições com que eles eram tratados e vistos pela sociedade em geral como mão de obra para os serviços braçais que dispensavam o uso do intelecto.Soma-se a isso as ideias correntes na época sobre a incapacidade dos negros para aprender e a inaptidão para as ciências e as letras.
 Execução de punição por flagelo, por Jean-Baptiste Debret.
Não foi preciso uma lei impedindo o acesso de escravos aos bancos escolares. Bastava não haver um mecanismo legal que estimulasse e criasse tal oportunidade, ou seja, o não dito através do silêncio das leis gritava e era bem compreendido por todos.
No entanto, alguns escravos conseguiam acesso à educação formal e aprendiam a ler e a escrever nas propriedades onde trabalhavam. Isso acontecia, às vezes, pela necessidade do serviço que eles desempenhavam, por livre iniciativa dos proprietários, que contratavam os professores régios para ensinar aos seus filhos e, naquele ambiente, o escravo passava a ter contato com o mundo da escrita e da leitura, ainda que de forma precária.
Outras vezes, a aprendizagem se dava por inciativa do próprio escravo, em contato com outras pessoas livres que lhes ensinava rudimentos da leitura e da escrita. De todo modo, o que havia era uma política que negava o acesso do cativo à educação através da completa ausência de referência a essa situação na legislação da época.
Muitos africanos trazidos como escravos já falavam português e, em alguns casos, sabiam ler e escrever. Da mesma forma, a maioria dos escravos muçulmanos que foram trazidos para o Brasil sabiam ler e escrever em árabe e passaram não só a ensinar a língua para outros escravos nascidos aqui, como também encontraram formas de aprender o português.
SAIBA MAIS
Em 1469, os portugueses invadiram a região do golfo da Guiné. A partir daí, estenderam seus domínios por um amplo território da África Ocidental e Oriental. Esse domínio favoreceu a implantação da política de catequização a partir de ordens religiosas católicas, como os franciscanos e os jesuítas, que procuravam ensinar os modos de vida europeus, como a língua, a cultura e a religião.
Reflexão
Veja a seguir um anúncio divulgando aulas de português, publicado em 1821.
Pense sobre as seguintes questões:
· O que esse anúncio significava na época?
· Para quem ele era direcionado?
· Como uma pessoa negra poderia ter acesso a esse conhecimento naquele tempo?
 Diário do Rio de Janeiro (RJ) / Ano 1821/Edição 0900021.
BRASIL IMPÉRIO
 Independência ou morte, Pedro Américo, 1888.
A escolarização do negro após a Independência do Brasil
Após a Independência do Brasil (1822), a situação da escolarização para a população negra pouco mudou. A Constituição de 1824, que vigorou por mais de 150 anos, indicava que a instrução primária era gratuita para todos os cidadãos. O que parecia ser uma posição igualitária e progressista era o endurecimento, a partir da carta magna, de um impeditivo para a população escrava e para os africanos de maneira especial acessarem a educação escolar, uma vez que não eram reconhecidos como detentores dos direitos de cidadão.
SAIBA MAIS
Os escravos eram considerados instrumentum vocali, não eram humanos, eram instrumentos, não poderiam ser considerados pessoas e, consequentemente, sujeitos de direitos. Assim sendo, não tinham direitos de integridade física, à liberdade ou a qualquer outro direito civil básico. (ALVES, 2005)
A primeira lei voltada para o setor educacional do país e que tratou sobre educação pública, foi a Lei 15 de outubro de 1827. No entanto, ela se omitia à educação escolar da população negra. Esta lei ficou em vigência por mais de cem anos, até 1946.
Ao longo de todo o período do Brasil Império, a proposta de ensino visava a construção de uma comunidade imaginada a partir do modelo eurocêntrico de ensino, que desprezava as demais formas de conhecimento, privilegiando tanto o acesso à escola quanto a representatividade dos conteúdos às classes mais abastadas de maioria branca.
Além do mais, o alcance da escolarização continuou bastante limitado por questões estruturais. Num país com ampla maioria da população vivendo em áreas rurais e com grandes distâncias a serem percorridas, as poucas escolas e os poucos professores eram insuficientes. Esses aspectos são importantes para que entendamos as limitações de acesso das populações pobres, majoritariamente formadas por negros livres e libertos.
Se as distâncias geográficas e o caráter elitista do modelo educacional em voga já limitavam o acesso à educação formal, outros fatores como o tipo de trabalho destinado à grande parcela da população negra, livre ou escrava, complicava ainda mais.
O trabalho braçal, fosse nas áreas rurais ou nos centros urbanos, era quase que totalmente exercido por essa parcela da população, numa rotina extenuante que, por si só, era um forte impeditivo de acesso à educação formal. Isso não se restringe aos adultos. Meninos e meninas recém-saídos da infância já serviam como domésticos, trabalhadores rurais ou em qualquer serviço de rua.
Concurso de composição entre escolares no dia de Santo Alexis
A aquarela do pintor francês Jean-Baptiste Debret, com data provável de 1839, uma fina crítica social à escravidão e seu legado no Brasil. Intitulada de Concurso de composição entre escolares no dia de Santo Alexis, o tema principal que nomeia a pintura ocupa o fundo da tela, onde se veem crianças brancas com papéis nas mãos apresentando-os a transeuntes.
Em primeiro plano, Debret mostra uma criança negra, descalça e maltrapilha que, com uma outra escrava adulta (que tem nas mãos alguns livros), segue uma menina da elite, provavelmente em direção à escola.
 Concurso de composição entre escolares no dia de Santo Alexis (DEBRET, 1839).
A pintura é uma denúncia do fosso que separava, num mesmo ambiente, crianças em situações sociais distintas.
O princípio lento e resistente da escolarização dos homens negros
O Ato Adicional à Constituição, de agosto de 1834, determinava que as Províncias passariam a ser as responsáveis por organizar, definir e prover o ensino primário em suas respectivas localidades.
Esse ato contribuiu ainda mais para a desestruturação da educação formal no país, uma vez que muitas províncias não estavam preparadas financeiramente nem tecnicamente para isso.
Especialmente aquelas mais afastadas da Corte, como as províncias do Norte (que incluía o atual Nordeste), aumentando o fosso e limitando o acesso pela população negra.
Nesse contexto da descentralização, várias províncias agiram, efetivamente, no sentido de segregar o acesso de escravos e libertos à escola: Minas Gerais foi a pioneira, ainda no ano de 1835, determinando que somente as pessoas livres poderiam frequentar as escolas públicas.
Seguem, com o mesmo teor, as províncias de Goiás (1835) e Espírito Santo (1835).
O decreto do Rio Grande do Norte (1836) repetia o mesmo tipo de impedimento sobre a admissão de alunos que não fossem livres, porém destacava que as professoras poderiam receber escravas, com a ressalva de que fosse apenas para ensinar as prendas domésticas.
Embora o decreto confirmasse a ideia em vigor na época, a de inaptidão dos negros para as letras e predisposição para os trabalhos braçais, não deixa de ser um acanhado avanço que, mesmo assim, pouco durou.
Em 1837, a permissão para aprender prendas domésticas foi revogada. Outras províncias continuaram a criar seus estatutos de ensino com o mesmo perfil impeditivo aos escravos e, quase sempre, aos libertos também.
A discussão sobre a importância do acesso à educação para a população escrava e liberta só voltou à cena em meados da década de 1860, com as discussões em torno da construção da Lei do Ventre Livre. Um dos principais responsáveis por provocar esse debate foi Aureliano Cândido Tavares Bastos.
EDUCAÇÃO
TAVARES BASTOS
Crítico da escravidão, Tavares Bastos associava a presença do regime no Brasil à ignorância da população livre. Dizia ele:
 Tavares Bastos.
O que haveis de oferecer a esses entes degradados que vão surgir da senzala para a liberdade? O batismo da instrução. O que reservais para suster as forças produtoras esmorecidas pela emancipação? O ensino, esse agente invisível que, centuplicando a energia do braço humano,

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