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Módulo Dor-13, KATARINA ALMEIDA DIAS Opioides INTRODUÇÃO O termo opioide se refere a um grupo de substâncias capazes de se ligar aos principais receptores de opioides (mu, kappa e delta). Dentro desse grupo, incluem-se os opiáceos, que são alcaloides naturais que podem ser extraídos da papoula (Papaver somniferum). Atualmente, essa classe de medicamento faz parte de uma das principais ferramentas para o manejo da dor, especialmente de origem oncológica. Além disso, pela extrema importância, alguns de seus representantes (codeína e morfina) foram incluídos na lista modelo de medicamentos essenciais descrita pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em 2013 e mantidos na revisão de 2015. CLASSIFCAÇÃO DOS OPIOIDES Seleção do opioide: Os opioides são classificados, quanto à relação entre dose e eficácia analgésica, em fortes (morfina, meperidina, metadona, fentanila, oxicodona etc.) e fracos (tramadol, codeína, propoxifeno). Quanto ao padrão de ligação aos receptores opioides, classificam- -se em agonistas, agonistas parciais e antagonistas. Os antagonistas são aqueles que bloqueiam os receptores μ (mu), k (kappa) e δ (delta), como é o caso da naloxona. Alguns fármacos, como a pentazocina, provocam mistura de efeitos κ-agonistas e μ-antagonistas. MECANISMO DE AÇÃO Os opioides exercem seus efeitos por meio da ligação a receptores específicos. São três os tipos de receptores clássicos: μ (mu), k (kappa) e δ (delta). Tal nomenclatura representa a ativação por determinado agente: mu para morfina (morphine), kappa para cetociclazocina (ketociclazocin) e delta para deltorfina (deltorphine). Atualmente, de acordo com a União Internacional de Farmacologia, receberam as nomenclaturas de MOP, KOP e DOP. Características dos receptores opioides Algumas ações são bem definidas em função do subtipo e a localização dos receptores no Sistema Nervoso. Os receptores Delta (δ) são responsáveis pela analgesia e por modular funções cognitivas e de dependência física. Localizam-se nos núcleos pontinhos, amígdalas, bulbo olfatório, córtex cerebral profundo e nos neurônios sensitivos periféricos. Já os receptores Kapa (k) possuem a função de nocicepção, termorregulação, controle da diurese e secreção neuroendócrina. Estão presentes no Hipotálamo, substância cinzenta periaquedutal, substância gelatinosa e no trato gastrointestinal. Módulo Dor-13, KATARINA ALMEIDA DIAS Por fim, os receptores mu (µ), que regulam funções como a nocicepção, o ciclo respiratório e o trânsito gastrintestinal, estando localizados nas lâminas III e V do córtex cerebral, no tálamo, substância cinzenta periaquedutal, substância gelatinosa e trato gastrintestinal. MECANISMO DE AÇÃO Ações celulares os quatro tipos de receptores opioides pertencem à família de receptores acoplados à proteína G (Gi /Go) , portanto os opioides exercem efeitos poderosos sobre os canais iônicos presentes na membrana neuronal através do acoplamento direto à proteína G ao canal. Os opioides promovem a abertura dos canais de potássio e inibem a abertura de canais de cálcio controlados por voltagem. Estes efeitos de membrana reduzem a excitabilidade neuronal (porque o aumento da condutância de K+ causa hiperpolarização da membrana, fazendo que seja menos provável que a célula dispare potenciais de ação) e reduzem a liberação de transmissores (pela inibição da entrada de Ca 2+ ). O efeito global, portanto, é inibitório no nível celular, porém os opioides aumentam a atividade em algumas vias neuronais . Eles fazem isso através de um processo de desinibição, em que causam excitação dos neurônios de projeção por supressão da atividade de interneurônios inibitórios, o que tonicamente inibe os neurônios de projeção. No nível bioquímico, os quatro tipos de receptores inibem a adenilil ciclase e levam à ativação da MAP quinase (ERK). Essas respostas celulares provavelmente são importantes na mediação das alterações adaptativas de longo prazo que ocorrem em resposta à ativação prolongada do receptor e que, para os receptores µ, podem ser responsáveis pelo fenômeno de dependência física . No nível celular, contudo, todos tipos de receptores opioides medeiam efeitos muito semelhantes. É a sua distribuição anatomicamente heterogênea pelo SNC que dá origem às diferentes respostas que ocorrem com os agonistas seletivos para cada tipo de receptor. Locais de ação dos opioides para produção de analgesia Os receptores de opioides distribuem-se amplamente no cérebro e na medula espinhal. Os opioides são eficazes como analgésicos se injetados em doses mínimas dentro de um número de núcleos cerebrais específicos (como córtex insular, amídala, hipotálamo, região PAG e RMV), assim como dentro do corno posterior da medula espinhal . Existem evidências que sugerem que a analgesia supraespinhal dos opioides envolve a liberação de peptídeos opioides endógenos, tanto dos locais supraespinais, quanto dos espinais, e que, no nível espinhal, existe também um componente da analgesia que é resultado da liberação de serotonina (5-HT) das fibras inibitórias descendentes. A interrupção cirúrgica da via descendente, a partir da RMV até a medula espinhal, reduz a analgesia induzida pela morfina que foi administrada sistemicamente ou microinjetada dentro dos pontos supraespinais, implicando que a combinação dos efeitos dos pontos supraespinais e espinais contribui para a resposta analgésica. No nível espinhal, a morfina inibe a transmissão de impulsos nociceptivos através do corno posterior e suprime os reflexos espinais nociceptivos, mesmo nos pacientes com transecção da medula espinhal. Pode atuar de forma pré-sináptica, para inibir a liberação de diferentes neurotransmissores das terminações aferentes primárias nos neurônios do corno posterior, assim como atuar de forma pós-sináptica para reduzir a excitabilidade dos neurônios no corno dorsal. VIAS DE ADMINISTRAÇÃO Os opioides podem ser administrados por várias vias (oral, sublingual, retal, intravenosa, intramuscular, subcutânea, transdérmica, nasal, peridural e intratecal). A possibilidade de um fármaco ser administrado por diversas vias torna-o mais versátil e útil em um maior número de doentes. Os opioides de uso oral, por serem inicialmente metabolizados pelo fígado (metabolismo de primeira passagem) após absorção, apresentam início e duração de ação mais tardios que os opioides de uso parenteral. É importante o Módulo Dor-13, KATARINA ALMEIDA DIAS entendimento das vias de administração de cada opioide, pois a necessidade de mudança dessa via de administração pode requerer alteração do opioide inicialmente prescrito. Nessas situações, é necessário atentar para a potência relativa e as doses equivalentes (equianalgésicas) dos opioides, e para os cálculos de conversão. EFEITOS ADVERSOS Sistema nervoso • Euforia: A morfina causa potente sensação de contentamento e bem-estar . Este é um componente importante de seus efeitos analgésicos, porque a agitação e a ansiedade, associadas a uma doença dolorosa ou trauma, são assim reduzidas. Se a morfina ou a diamorfina (heroína) forem administradas por via intravenosa, o resultado será um “ímpeto súbito” que se assemelha a um “orgasmo abdominal”. A euforia produzida pela morfina depende consideravelmente das circunstâncias. Nos pacientes angustiados, é pronunciada, mas nos pacientes acostumados à dor crônica, a morfina causa analgesia com pouca ou nenhuma euforia. Alguns pacientes relatam agitação, e não euforia, sob estas circunstâncias. A euforia é mediada através dos receptores µ, enquanto a ativação dos receptores κ produz disforia e alucinações . Desse modo, diferentes opioides variam muito no grau de euforia que produzem. Isso não ocorre com a codeína, ou com a pentazocina, em grau acentuado. Existem evidências de que os antagonistas no receptor κ apresentam propriedades antidepressivas, o que podeindicar que exista a probabilidade de ocorrer, na depressão, a liberação de agonistas κ endógenos. • Alucinações: principalmente após o uso de opióides agonistas KOP, porém agonistas MOP, como a morfina, também podem desencadear alucinações. • Tolerância e dependência: tolerância é a redução do efeito gerado por uma mesma dose da droga, quando repetidas doses são administradas. O mecanismo ainda não foi totalmente esclarecido, porém é provável que o processo de down regulation de receptores opióides ou que a redução da produção de opióides endógenos estejam envolvidos. A dependência ocorre quando após o uso prolongado de opióides a droga é suspensa abruptamente desencadeando diversos sinais físicos e psicológicos, como a agitação, irritabilidade, salivação excessiva, lacrimejamento, sudorese, cãibras, vômitos e diarréia. Alterações do sono: quando os agonistas opioides estimulam os receptores presentes na região da formação reticular pontina média, ocorre aumento da duração do sono leve, diminuindo a duração do sono profundo. Mudança de humor: a estimulação crônica dos receptores mu (µ), principalmente, reduz a flexibilidade neuronal e a produção de neurônios na região do hipocampo, levando à desregulação do humor e, eventualmente, à retirada social. Sistema gastrointestinal • Náuseas e vômitos: Ocorrem náuseas e vômitos em até 40% dos pacientes a quem se administra morfina, e não parecem ser efeitos separáveis do efeito analgésico entre uma variedade de analgésicos opioides. O local de ação é a área postrema (zona quimiorreceptora do gatilho), região do bulbo em que muitos tipos de estímulos químicos podem iniciar vômitos. Náuseas e vômitos após a injeção de morfina geralmente são transitórios e desaparecem com a repetição da administração, embora, em alguns indivíduos, persistam e possam limitar a adesão do paciente. • Os opioides aumentam o tônus e reduzem a motilidade em muitas partes do sistema gastrointestinal, resultando em constipação, que pode ser grave e problemática para o paciente. 11 O atraso resultante no esvaziamento gástrico pode consideravelmente retardar a absorção Módulo Dor-13, KATARINA ALMEIDA DIAS de outros fármacos. A pressão no trato biliar aumenta em razão da contração da bexiga e constrição do esfíncter biliar. Os opioides devem ser evitados em pacientes que sofrem de cólicas biliares devido a cálculos, nos quais a dor pode ser aumentada em vez de aliviada. O aumento na pressão intrabiliar pode causar elevação transitória da concentração de amilase e lipase no plasma. Efeitos oftalmológicos Constrição pupilar: A constrição pupilar (miose) é causada por estimulação do núcleo do nervo oculomotor mediada pelos receptores µ e κ. Pupilas puntiformes são características importantes para diagnóstico na intoxicação por opioides, porque a maioria das outras causas de coma e depressão respiratória produz dilatação pupilar. A tolerância não se desenvolve por constrição pupilar induzida pelos opioides e, portanto, pode ser observada em usuários de drogas dependentes de opioides que estejam utilizando opioide por tempo considerável. Sistema endócrino • Anormalidades endócrinas: existem receptores opioides localizados no Hipotálamo, que quando ativados inibe a liberação de GnRH, resultando, então, na redução da secreção de estrogênio e testosterona. Essa ativação crônica leva à osteoporose e disfunção sexual, com diminuição da libido. Além disso, a ativação desses receptores resulta na redução da atividade do eixo hipotálamo-hipófise- adrenal, gerando baixos níveis de ACTH e cortisol. O nível baixo de cortisol acarreta clinicamente sintomas inespecíficos como: náuseas, vômitos, dor abdominal, fraqueza e anorexia. • Síndrome de secreção inadequada de ADH (SIADH): alguns estudos mostraram que a ativação de receptores no hipotálamo levou a maiores níveis de ADH pela estimulação da hipófise posterior.Os receptores estimulados causam inibição do GABA, que, então, perde seu efeito inibitório na estimulação da secreção de ADH. A hipersecreção de ADH pode até levar à hiponatremia em casos mais graves. Sistema respiratório • Depressão respiratória mediada pelos receptores MOP localizados no centro respiratório do tronco cerebral. Ocorre a diminuição na freqüência respiratória e a dessensibilização dos quimiorreceptores centrais às alterações de pressão parcial de dióxido de carbono. Os quimiorreceptores periféricos mantém sua sensibilidade à hipoxemia, porém com a administração de oxigênio suplementar pode haver piora do quadro ventilatório. O uso de opióides associados a drogas depressoras do SNC, como benzodiazepínicos e halogenados, pode agravar a depressão respiratória. •Supressão do reflexo da tosse. Morfina e diamorfina são utilizadas no tratamento da dispnéia paroxística noturna por causarem sedação, reduzirem a pré-carga e reduzirem o drive respiratório anormal. A codeína suprime a tosse tanto quanto a morfina, porém possui menor potência analgésica. Prurido • Alguns opióides desencadeiam a liberação de histamina pelos mastócitos resultando em urticária, prurido, broncoespasmo e hipotensão. O prurido, que se manifesta principalmente em face, nariz e dorso, é um sintoma mediado pelo SNC e sua incidência aumenta quando opióides são administrados via intratecal. Pode-se reverter esse sintoma com a administração de antagonistas dos opióides, como o naloxone. Rigidez muscular • Altas doses de opióide podem ocasionar rigidez muscular generalizada, especialmente na musculatura da parede torácica o que pode interferir na ventilação. Módulo Dor-13, KATARINA ALMEIDA DIAS Efeitos na gestação e neonatos • Todos os opióides atravessam a barreira placentária e, se usados durante o parto, podem causar depressão respiratória no neonato. • O uso crônico pela gestante pode resultar em dependência física fetal, com síndrome de abstinência grave no pós-parto imediato. • Até o momento não foram descritos efeitos teratogênicos OPIOIDES MAIS UTILIZADOS NA PRÁTICA Morfina: É o fármaco de escolha para dor intensa. A dose analgésica varia de 5mg até mais de 200mg, a cada 4 horas. Na maioria dos casos, a dor é controlada com doses de 10 a 30mg, de 4/4 horas, devendo ser aumentada gradativamente, sendo que a dose noturna pode ser dobrada a fim de evitar dor ao despertar. A dose adequada é a dose que alivia a dor com mínimos efeitos adversos. O paciente deve ser orientado para usar doses de resgate, caso haja dor nos intervalos da medicação. Atualmente, é disponível a morfina de eliminação prolongada, que pode ser utilizada, após sua titulação com a morfina simples, em intervalo de 12/12 horas. Após administração oral, o pico de concentração plasmática é atingido em aproximadamente 60 minutos. A alimentação não altera a biodisponibilidade da morfina. Os comprimidos de liberação prolongada não devem ser fracionados (quebrados, macerados ou cortados) ou mastigados, pelo risco de liberação imediata de dose excessiva. A morfina é metabolizada formando morfina-3-glicuronídeo e morfina- -6-glicuronídeo, tendo o último ação analgésica significativa. O primeiro é inativo, mas liga-se aos receptores, impedindo a ligação da morfina. Os metabólitos se acumulam em pacientes com insuficiência renal. É bem tolerada em pacientes com hepatopatias, sendo que, nestes pacientes, a sua meia-vida pode aumentar e a dose deve ser espaçada para três a quatro vezes ao dia. Codeína: É o opioide de escolha para dor leve a moderada, não controlada com anti-inflamatórios. Possui baixa afinidade com os receptores opioides. É utilizada sob a forma pura em doses de 30 a 60mg, de 4/4 horas ou em associações em intervalos mais prolongados, com dose máxima diária de até 360mg. Acima desta dose, deve-se avaliar a indicação da morfina para evitar efeitos adversos com doses mais altas de codeína. Sua biodisponibilidade é de 40% a 60%. É metabolizadano fígado e pela desmetilação forma norcodeína e morfina. Aproximadamente 10% da codeína é transformada em morfina, que é responsável pela sua ação analgésica. Sua potência analgésica é 1/10 em relação à morfina, uma vez que cerca de 10% da população não possui a isoforma da enzima hepática citocromo P-450 necessária para o seu metabolismo, fazendo com que muitos pacientes não tenham ou tenham uma analgesia fraca com a codeína. O efeito analgésico ocorre em 20 minutos após administração oral, com efeito máximo em 1-2 horas. Tem bom efeito antitussígeno, semelhante à morfina. Não é recomendada a administração por via venosa, pelo efeito de apneia e hipotensão arterial intensa pela liberação de histamina. Constipação, náuseas e vômitos, tontura e sonolência são seus principais efeitos colaterais. A constipação é mais prevalente com codeína do que com outros opioides. Módulo Dor-13, KATARINA ALMEIDA DIAS Tramadol: É estruturalmente relacionado à codeína e à morfina, possuindo dois enantiômeros que contribuem para o seu efeito analgésico. Age de forma a aumentar a liberação de serotonina e inibir a recaptação de noradrenalina. Causa menos constipação intestinal, depressão respiratória e dependência do que outros opioides em doses analgésicas equipotentes. A absorção do tramadol é rápida e completa após administração oral, com biodisponibilidade de 90%. Possui meia-vida plasmática de 6-7 horas. A excreção é quase totalmente feita pelos rins (90%). Não provoca imunossupressão e o risco de dependência é baixo. Sua potência analgésica é 1/6 a 1/10da morfina. O tramadol é indicado para dor pós-operatória, traumática, cólica biliar ou renal, trabalho de parto e dor crônica oncológica ou não oncológica, particularmente a dor do tipo. ANTAGONISTAS DOS RECEPTORES OPIÓIDES Os antagonistas dos receptores opioides são utilizados para reverter os efeitos colaterais potencialmente fatais da administração de opióides, especificamente a depressão respiratória. Naloxona, naltrexona e namefeno. Tem afinidade relativamente alta pelos receptores μ, mas podem reverter agonistas em locais de receptores δ e κ. Em indivíduos com depressão aguda em decorrência de superdosagem de um opióide, o antagonista normaliza efetivamente a respiração, o nível de consciência, o tamanho das pupilas, a atividade intestinal e a percepção da dor. Então, a principal ação da naloxona consiste no tratamento da superdosagem aguda de opióides. É muito importante que a duração relativamente curta da naloxona seja considerada, visto que o paciente com depressão grave pode recuperar-se após uma dose única e parecer normal, mas entrar novamente em estado de coma depois de 1 a 2h. A monitoração do paciente só pode ser afrouxada quando houver certeza de que a morfina não se encontra mais no sistema. O antagonista naltrexona administrado por via oral é primariamente utilizado em condições ambulatoriais, tipicamente para desintoxicação de indivíduos com adição de opióides. Estão sendo desenvolvidas combinações de agonistas e antagonistas de opióides para reduzir o uso ilícito de drogas. Foram desenvolvidos antagonistas restritos à periferia, como o alvimopam, para reduzir o íleo pós-operatório e melhorar os efeitos gastrintestinais do uso crônico de opioides.
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