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UNIVERSIDADE DO OESTE DE SANTA CATARINA – UNOESC ÁREA DAS CIÊNCIAS AGRÁRIAS CAMPUS APROXIMADO DE CAMPOS NOVOS CURSO DE MEDICINA VETERINÁRIA LIANA THAYSE RIBEIRO MAYELLI BERTUSSO REVISÃO DE LITERATURA: Botulismo Campos Novos - SC 2020 2 LIANA THAYSE RIBEIRO MAYELLI BERTUSSO REVISÃO DE LITERATURA: Botulismo Revisão bibliográfica apresentado ao Curso de Medicina Veterinária, Área das Ciências Agrárias, da Universidade do Oeste de Santa Catarina – UNOESC, como requisito parcial para aprovação na componente curricular Clínica de Ruminantes. Docente: Professora Laís Muniz Campos Novos - SC 2020 3 SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO……………………………………………………………………..4 2. ETIOPATOGENIA...…..……………………………………………………….......5 3. EPIDEMIOLOGIA…...…………………………………………………….............7 4. SINAIS CLÍNICOS...…………………………………………………………….....8 5. DIAGNÓSTICO…………………………………………………………………….11 6. TRATAMENTO, CONTROLE E PREVENÇÃO………………………………...12 7. CONCLUSÃO...……………………………………………………………………14 8. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS…………..………………………………...15 4 1. INTRODUÇÃO O botulismo foi inicialmente descrito na Alemanha, no século XVIII, após um surto associado à ingestão de salsicha de produção doméstica, de onde originou o nome “botulus” que em latim significa salsicha. O botulismo é uma enfermidade com alta letalidade em humanos, bovinos, caninos e outras espécies, causada pela toxina produzida pela bactéria Clostridium botulinum, e assume importância econômica, sanitária e ambiental no Brasil. Na literatura descreve-se 7 tipos de Clostridium Botulinum, subclassificados em A, B, C, D, E, F e G. As toxinas produzidas pelo C. botulinum são os mais potentes tóxicos conhecidos de origem microbiológica. Resistentes à ação proteolítica, são absorvidas pela mucosa intestinal e agem na placa neuromuscular, causando uma paralisia flácida (SILVA et al., 2008). Segundo mencionado por (VERONEZI, 2009). Em Santa Catarina, o primeiro diagnóstico de botulismo foi realizado no ano de 1983, através de dados epidemiológicos e sinais clínicos, no Município de Lages. Antes de 1983 a doença era rotineiramente diagnosticada como raiva. Diante do exposto, o presente trabalho visa, por meio de uma revisão abordando assuntos como por exemplo, epidemiologia e acompanhamento de casos clínicos, descrevendo a epidemiologia, quadro clínico-patológico da doença, etiologia, diagnóstico, tratamento, além de controle e prevenção. 5 2. ETIOPATOGENIA O botulismo é uma enfermidade que na maioria das vezes é mortal em humanos, bovinos, caninos e outros animais, causada pela toxina produzida pela bactéria Clostridium botulinum, (figura 1) a qual produz esporos gram positivos, anaeróbios, encontrados no solo, água e trato digestivo de diversas espécies animais e do homem. São conhecidos oito tipos de toxinas botulínicas, de A a G, sendo que as do tipo A, B, E e F são patogênicas para o homem (Ministério da saúde, 2006). Em presença de condições favoráveis, como anaerobiose na matéria orgânica, onde o pH é superior a 4,5 e em temperatura e umidade adequada, o esporo da bactéria assume a forma vegetativa, iniciando a produção da toxina botulínica (Dobereiner e Dutra, 2004). Os bovinos se intoxicam ao ingerir material contaminado, geralmente restos de cadáveres, água ou alimentos. Após a absorção, a toxina produzida pelo Clostridium botulinum chega a corrente sanguínea atingindo o sistema nervoso, agindo sobre as terminações nervosas colinérgicas dos sistemas periféricos e autônomo, impedindo a liberação da acetilcolina, provocando paralisia funcional motora, conforme a figura 2 (Cereser et al., 2008). O alimento ingerido com a toxina pode atuar protegendo-a dos efeitos dos ácidos pelo estômago, portanto, o local de absorção máxima da toxina ocorre no intestino delgado, seguindo para o sistema linfático e posteriormente a corrente sanguínea (Ministério da saúde, 2006). No meio extracelular, a toxina compete bloqueando os receptores de acetilcolina nas junções neuromusculares, e, no meio intracelular, inibe a liberação das vesículas de acetilcolina. Quando a toxina é encontrada fora da célula, pode ser neutralizada com a antitoxina, porém, não é possível quando a toxina encontra-se dentro da célula (Ferrero, 2007). As toxinas botulínicas não atingem o sistema nervoso central devido à barreira hematoencefálica, portanto, não ocorre distúrbios de ordem central, sendo assim, o animal se mantém consciente durante a evolução da doença. Existem dois diferentes grupos de Clostridium botulinum (Ministério da saúde, 2006): 1. Proteolíticos: as cepas produzem uma prótoxina que sofrerá ação de proteases do próprio microorganismos no alimento, onde a toxina é ingerida na forma ativa. 6 2. Não proteolíticas: o alimento contém prótoxinas que serão ativadas pela ação das proteases presentes no trato digestivo do animal. Figura 1 - Microscopia dos esporos produzidos por Clostridium botulinum em coloração de Gram. Fonte: Public Health Image Library, Center for Disease Control (1979). Figura 2 - Mecanismo de ação da neurotoxina botulínica, impedindo a liberação de acetilcolina na terminação nervosa. Fonte: Adaptado de Dieckerson and Janda (2006). 7 De acordo com Ministério da saúde, 2006, o modo de transmissão possui importância na apresentação clínica e nas ações de vigilância epidemiológica, possuindo três formas de ocorrência da doença: 1. Botulismo por ferimentos: ocasionada pela contaminação de feridas com os esporos do C. botulinum que, em condições de anaerobiose assumem a forma vegetativa produzindo a toxina no hospedeiro. 2. Botulismo alimentar: a instalação é rápida e progressiva, tendo sinais clínicos gastrintestinais e/ou neurológicos. 3. Botulismo intestinal: se manifesta primeiramente por distúrbios intestinais, seguido de sinais neurológicos, podendo progredir para sinais respiratórios. É descrito botulismo intestinal quando há ausência de fontes de toxina botulínica em alimentos contaminados ou ferimentos. Essa forma de botulismo possui curta duração, e a recuperação se dá de três a quatro semanas. 3. EPIDEMIOLOGIA O botulismo é considerado uma importante causa de morte bovina na pecuária extensiva, sendo ingerida frequentemente por osteofagia, deficiência de fósforo e falta de suplementação mineral ou quando presente na água, feno, milho e silagem. No Brasil, o primeiro registro foi realizado no estado do Piauí, em 1960, como “doença da mão dura” (Dobereiner e Dutra, 2004). São vários os animais suscetíveis à intoxicação pela toxina botulínica, porém, os ruminantes são mais comumente relatados. Após a morte, o Clostridium botulinum presente na microbiota intestinal, invade outras partes do organismo, portanto, a toxina pode estar presente em carcaças, onde contém condições de anaerobiose para produção de toxinas, podendo permanecer viável por vários anos (Miyashiro e Esper, 2008). De acordo com Dobereiner e Dutra, 2004, o acometimento de fêmeasbovinas está associado à osteofagia na fase reprodutiva, seguida dos machos em engorda e por último, animais jovens. Em cães, o botulismo é frequentemente associado pela ingestão de carcaças ou alimentos contaminados (Miyashiro e Esper, 2008). De acordo com Dobereiner e Dutra, 2004, a doença pode ocorrer esporadicamente durante o ano, acometendo todas as categorias animais. Entretanto, nas regiões Sudeste e Centro-Oeste do país, a enfermidade ocorre 8 principalmente nos meses de outubro a maio, pois nessa época existe uma maior demanda de forragem, aumentando a exigência de fósforo dos animais, consequentemente, a osteofagia. 4. SINAIS CLÍNICOS Segundo mencionado por DUTRA, 2005, a ocorrência no país de surtos de botulismo nas últimas décadas causou sérios prejuízos econômicos aos produtores de carne e leite. Associado inicialmente à osteofagia, manifestada pelos bovinos mantidos em áreas deficientes em fósforo, ou à ingestão de água contaminada, o botulismo ocasionado por alimentos também ocorre em várias regiões do país. Em casos relatados, a maioria dos rebanhos não são vacinados contra o botulismo, o que em muitos casos pode contribuir para a elevada morbidade e mortalidade registradas. Embora seja desconhecida a eficácia da vacina anti-botulínica em bovinos, o seu uso profilático na pecuária extensiva pode por consequência resultar em uma diminuição significativa na probabilidade da intoxicação em situação de alto risco (DUTRA, 2005). Na literatura, relata-se a diminuição da produção de leite entre 24 a 28 horas antes do aparecimento dos sinais clínicos, além de inapetência em alguns casos. Como principais sinais clínicos, observa-se dificuldade de locomoção, principalmente dos membros pélvicos, emboletamento e poliflexão, paralisia progressiva e progredindo para dificuldade respiratória e sialorréia, a morte é precedida de coma e é decorrente de uma paralisia respiratória. A propriocepção do animal continua normal por todo o curso da doença. 9 Figura 3 - Bovino com dificuldade na locomoção, acentuadamente nos membros posteriores, em decorrência da intoxicação botulínica. De acordo com (DUTRA, 2005), o quadro de paralisia flácida progressiva, aliado ao estado mental normal e respiração bifásica na inspiração é muito característico do botulismo e auxilia no estabelecimento do diagnóstico clínico diferencial de outras enfermidades do sistema nervoso dos bovinos. Por outro lado, a intensidade da manifestação clínica do botulismo está condicionada à quantidade de toxina ingerida, da mesma forma que a sua evolução clínica. Figura 4 (esquerda) - Manifestações clínicas de diferentes intensidades da intoxicação botulínica, em decúbito e com estado mental aparentemente normal; Figura 5 (direita) - Dificuldade respiratória e sialorréia em decorrência da intoxicação botulínica superaguda. Figura 6 - Animal em decúbito esternal, apresentando flacidez dos membros posteriores e perda de tônus da cauda. 10 Figura 7 - Vacas leiteiras com botulismo. A – Animais adultos em decúbito esternal, com incapacidade de levantar. B – Bovino com paralisia flácida de membros posteriores e cabeça voltada para o flanco esquerdo em Erval Velho - SC. No que diz respeito a lesões macro e microscópicas, o botulismo é caracterizado pela ausência de lesões, a não ser uma leve enterite ou discreta degeneração do sistema nervoso central, com mortes neurais e desmielinização. Em cães, o quadro clínico e o agravo da doença dependem da quantidade de toxina ingerida e apresentam desde incoordenação motora, constipação intestinal e retenção urinária à paralisia. 11 Figura 8 - Cão apresentando paralisia dos membros pélvicos e retenção urinária. 5. DIAGNÓSTICO Em aves e cães, como diagnóstico, pode-se pesquisar a presença da toxina no soro sanguíneo, isso pode ser explicado pela maior chance de encontrá-la na circulação, sendo necessário a coleta de 3 mL de soro para o procedimento laboratorial. Em bovinos, o diagnóstico é baseado em histórico, quadro clínico patológico, anamnese, se os animais apresentavam vacinação ou se a imunização foi eficaz. É importante também salientar a presença de osteogagia nos bovinos, se na propriedade existe presença de carcaças na pastagem dos animais. Como diagnóstico diferencial, deve ser excluindo a possibilidade de outras doenças com sinais clínicos compatíveis como por exemplo: raiva, intoxicação por chumbo, hipocalcemia, envenenamento por ionóforos e organofosforados, polioencefalomalácia, meningites bacterianas e babesiose. Como diagnóstico etiológico pode ser realizado com amostras de fígado de 100 gramas e líquido ruminal 20 ml. 12 De acordo com MOREIRA, 2011, para o diagnóstico laboratorial, o material deve ser coletado no menor tempo possível post-mortem ou após sacrifício dos animais em estado pré-agônico. Essa medida é necessária, uma vez que coletas realizadas tardiamente podem conter toxinas produzidas após a morte do animal em decorrência da germinação dos esporos no trato digestivo. 6. TRATAMENTO, CONTROLE E PREVENÇÃO O tratamento deve ser feito o mais rápido possível, com utilização de fluidoterapia oral ou venosa, não existindo tratamento específico. Segundo mencionado por VERONEZI, 2009, pode-se realizar a administração do anti-soro hiperimune polivalente ou específico para a toxina envolvida no surto, podendo ajudar na recuperação dos animais acometidos nas fases iniciais da doença. As medidas indicadas na prevenção do botulismo associado à osteofagia em animais criados extensivamente são a vacinação, correção da deficiência de fósforo e a remoção das carcaças. No que diz respeito ao controle e prevenção do botulismo pode ser feito a partir da inspeção rigorosa dos suplementos alimentares fornecidos aos animais. As silagens devem ser produzidas em condições de pH ácido que impedem a germinação dos esporos aí presentes e a consequente produção de toxinas, visto que estas não ocorrem em pH inferior a 5,3. Fenos devem ser desidratados como indicado e armazenados de forma adequada, para evitar a produção de toxinas. Aliadas a essas medidas, a vacinação é uma estratégia, principalmente, em confinamentos onde se utilizam suplementos alimentares com risco de incluírem a toxina botulínica (VERONEZI, 2009). A extração das fontes da intoxicação é feita por meio da remoção das carcaças nas pastagens e incineração. Esta prática é recomendada por impedir a multiplicação dos agentes nas carcaças, a produção de toxinas e a contaminação do solo com os esporos, por esse fato não é indicado enterrar animais. Além disso, VERONEZI, 2009, cita que a correção da deficiência de fósforo deve ser feita no solo ou na suplementação animal, podendo ser realizada com o uso de misturas minerais, contendo como fonte de fósforo, a farinha de osso ou fosfato bicálcico. A suplementação mineral na ração reduz a osteofagia e aumenta a produtividade. 13 Figura 9 - Pastagem de aveia usada na alimentação de bovinos leiteiros, onde foi espalhado compostagem incompleta de carcaçasde suínos e aves. No detalhe, restos ósseos na pastagem em Erval Velho - SC. 14 7. CONCLUSÃO Devido a alta letalidade gerada pelo botulismo nos animais, essa doença assume uma importância econômica, sanitária e ambiental. Com relação às formas de contaminação, nota-se que a carência de mineral é um dos fatores mais importantes nos quadros patológicos dessa enfermidade, sendo necessário uma boa alimentação aos animais, oferecendo pastagens com alto teor de fósforo, a fim de evitar a osteofagia. Além disso, o isolamento da bactéria sem a presença da toxina botulínica não é diagnóstico para botulismo, sendo necessário a visualização da toxina a partir da cepa isolada. A letalidade da enfermidade é diminuída quando há assistência veterinária adequada e medidas de controle e prevenção, como inspeção dos alimentos ofertados aos animais, vacinação e suplementação mineral na ração, reduzindo a osteofagia e aumentando a produtividade. 15 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância Epidemiológica. Manual integrado de vigilância epidemiológica do botulismo / Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde, Departamento de Vigilância Epidemiológica. – Brasília : Editora do Ministério da Saúde, 2006. Dickerson TJ, Janda KD (2006). The use of small molecules to investigate molecular mechanisms and therapeutic targets for treatment of botulinum neurotoxin A intoxication. 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