Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
23 a 27 de novembro de 2020 DIFERENÇAS ENTRE TRABALHO PRESCRITO E REAL UTILIZANDO FOTOFILMAGEM DE CICLO DE TRABALHO Me. Engº Daniel Graciliano de Araujo Gontijo Mestre em Trabalho, Saúde e Ambiente danielgraciliano@gmail.com Resumo Uma das formas de avaliar se as condições de trabalho estão de acordo com as características dos trabalhadores e que contribuem ao atingimento dos resultados esperados é a identificação das divergências e contradições presentes entre o trabalho prescrito e o real. Dentro das ferramentas disponíveis para identificação de ciclos de trabalho utilizadas na indústria, a análise por filmagens e fotografias é realizada de maneira a aperfeiçoar processos em busca de uma maior eficiência. Porém, nessa perspectiva, o trabalho é normalmente considerado como isento de interrupções e variações o que pode gerar discrepâncias a serem solucionadas pelo trabalhador. Dessa forma, este estudo pretende apresentar a ferramenta de fotofilmagem como uma opção em avaliações ergonômicas para explicitar etapas e a sequência de como o trabalho é realizado, buscando identificar diferenças entre o prescrito e o real, ampliando a visão sobre o trabalho, abrindo possibilidades de melhoria na adaptação do trabalho ao trabalhador. Após a aplicação dos recursos de fotofilmagem e identificação dos ciclos de trabalho prescrito e real, foi possível explicitar as discrepâncias entre eles, demonstrando que o trabalho real é complexo e sujeito a diversas interrupções que acabam sendo gerenciadas, em última instância, pelo trabalhador. Palavras chave: Trabalho prescrito. Trabalho real. Ciclo de trabalho. Fotografia. Filmagem. 1. INTRODUÇÃO Durante a realização de uma Análise Ergonômica do Trabalho (AET), a busca por um entendimento melhor sobre como o trabalho é realizado leva o avaliador a compreender aspectos que envolvem a “distância” entre o trabalho prescrito e o trabalho real (GUÉRIN et al., 2001; PALÁCIOS; DUARTE; CÂMARA, 2002). O trabalho prescrito pode entendido como as atribuições e/ou responsabilidades apresentados de maneira pré-determinada como nos procedimentos e nas instruções, mesmo que não documentadas, para a função ou cargo do trabalhador ou de uma tarefa em específico. Dessa forma, busca-se atingir um resultado também prescrito, ou seja, esperado antes da efetiva execução da tarefa (DANIELLOU; LAVILLE; TEIGER, 1989; GUÉRIN et al., 2001). O trabalho real é aquele efetivamente realizado pelo trabalhador, considerando diversas variáveis como suas características psicofisiológicas, as exigências temporais, as condições ambientais, além dos materiais e ferramentas que dispõe. Usualmente as diferenças entre os dois tipos de trabalho são constatadas através da descrição Diferenças entre trabalho prescrito e real utilizando fotofilmagem de ciclo de trabalho GONTIJO, Daniel Graciliano de Araujo proveniente da observação sistemática realizada ao longo de sua jornada de trabalho (FERREIRA, 2015b). No contexto da identificação e prevenção de riscos ocupacionais, especialmente os musculoesqueléticos, a observação sistemática de um agente externo é uma maneira de identificar potenciais riscos na forma como o trabalho real é realizado(TAKALA et al., 2010). Já, para obter a percepção dos trabalhadores sobre o “fazer” o trabalho real, são utilizadas usualmente ferramentas como questionários (SERIKAWA et al., 2012) e entrevistas individuais e/ou coletivas (FERREIRA, 2015a). Como forma de contribuir nessa análise do trabalho (real e prescrito), a utilização de ferramentas ilustrativas, como fotografias e a posterior identificação e montagem dos ciclos de trabalho pode trazer informações de forma a auxiliar na explicitação de divergências entre o trabalho prescrito e o real. Dessa forma, este estudo busca utilizar fotografias e filmagem das etapas do trabalho para montar ciclos de trabalho com o objetivo de identificar diferenças entre o trabalho prescrito e real. 2. METODOLOGIA Esse estudo de caso é parte da realização de uma AET com demanda de reclamação de distúrbios osteomusculares relacionados ao trabalho que utilizou como ferramentas de base as entrevistas e a observação sistemática da rotina de trabalho de uma gerente de uma instituição bancária. Utilizando a referência de como são identificados os ciclos de trabalho em análises de tempos e métodos (SOTSEK; BONDUELLE, 2017; STARK; GENT; KIRKLAND, 2015), foram incluídos nessa análise ergonômica recursos de filmagens e fotografias para uma análise posterior buscando identificar o ciclo de trabalho prescrito, composto por tarefas e suas etapas. O local onde o estudo foi realizado é uma agência bancária que funciona dentro de um fórum judicial. Dentre as atividades realizadas no local se destacam o atendimento a clientes que buscam atendimento de caixa e atividades relacionadas às demandas judiciais, especialmente as de processamento de guias de depósito e atividades correlatas. A análise por fotos e filmagens foi realizada em três momentos. No primeiro foi realizado um reconhecimento inicial, sendo realizadas entrevistas para coleta de informações, tomadas de fotos e vídeos do local e postos de trabalho, além de uma descrição do que seria a rotina padrão a ser seguida. Os outros dois momentos seguintes foram para tomadas de vídeo e fotos para posterior análise e montagem dos ciclos de trabalho. De início foi informado que, apesar de serem realizadas muitas tarefas, o cargo de gerente demanda a realização do processamento de guias de depósito judicial como tarefa principal. Essa tarefa possui etapas bem definidas de forma prescrita, que foram descritos pela gerente. Assim, esse conjunto de etapas foi considerado como o “ciclo de trabalho prescrito”. Além desse ciclo de trabalho prescrito, havia outras tarefas a serem realizadas, seja mediante demanda interna ou externa. Dessa forma, já no primeiro momento foi possível identificar que haveria outras tarefas concorrentes na realização desse ciclo de trabalho prescrito. Nos dois momentos seguintes foram acompanhadas as atividades ao longo de toda a jornada utilizando a filmagem e a tomada de fotografias de quaisquer tarefas que fossem executadas, parte, ou não, do ciclo de trabalho prescrito. XXº Congresso Brasileiro de Ergonomia 23 a 27 de novembro de 2020 - Virtual Durante o acompanhamento das tarefas ao longo da jornada foram realizados alguns questionamentos à trabalhadora para que pudesse descrever mais detalhadamente o que estava sendo feito de maneira a facilitar o entendimento do tipo e do início e do fim das tarefas, ou das etapas, que foram indicadas no ciclo de trabalho prescrito. Como fora anteriormente informado, poderiam existir tarefas concorrentes ao longo do cumprimento do ciclo prescrito. Assim, na ocorrência delas, foram questionadas junto à gerente buscando verificar suas características. Após a filmagem e fotografias durante cada momento e com as informações prestadas pela gerente, foi realizada a identificação e sequenciamento das etapas para montar dois ciclos, o ciclo de trabalho prescrito e o ciclo de trabalho real. 3. RESULTADOS Os ciclos de trabalho montados utilizando as fotografias representativas de cada etapa estão indicados nas Fig. 1 e Fig. 2. Na Fig. 1 é apresentado o ciclo de trabalho prescrito para a tarefa de processamento de guias de depósito judicial sem a indicação de interrupções ou realização de tarefas concorrentes a esse ciclo. Na Fig. 2, na parte central da figura, cercado por linhas tracejadas, se encontra o ciclo de trabalho prescrito e, ao redor, são indicadas as interrupções e outras tarefas concorrentes ao ciclo prescrito. As setas indicam em quais momentos, dentro do ciclo prescrito, as interrupções ocorreram durante o período de observação. O ciclo de trabalho padrão da Fig. 1 prevê a realização das seguintes atividades, 1) recebimento da(s) guia(s) e documento de identificaçãodo cliente, 2) conferência de dados, 3) carimbo do verso da guia, 4) devolução da guia para preenchimento de informações pelo cliente, 5) autenticação da cópia dos documentos do cliente, 6) autenticação dos dados da primeira página da guia, 7) autenticação dos dados do cliente e 8) devolução da guia para o cliente. Já o ciclo real de trabalho observado inclui outras tarefas em diferentes partes do ciclo de trabalho padrão como a retirada de dúvidas de outros colegas de trabalho, processamento de guias acumuladas de dias anteriores, preparação para envio de envelopes contendo guias de outros fóruns, Verificação, preparação e envio de e-mails, atendimento telefônico, deslocamentos internos para atender demandas em outros locais no ambiente de trabalho, conferência de outros documentos, realização de outras tarefas em outros postos de trabalho. A situação verificada na comparação entre os dois ciclos de trabalho mostra que a trabalhadora busca utilizar períodos entre as etapas do ciclo padrão para realizar as outras demandas. Diferença entre trabalho prescrito e real utilizando fotofilmagem de ciclo de trabalho GONTIJO, Daniel Graciliano de Araujo Figura 1. Ciclo de trabalho prescrito de processamento de guias de depósito judicial (O autor) XXº Congresso Brasileiro de Ergonomia 23 a 27 de novembro de 2020 - Virtual Figura 2. Ciclo de trabalho real de processamento de guias de depósito judicial (O autor) Diferença entre trabalho prescrito e real utilizando fotofilmagem de ciclo de trabalho GONTIJO, Daniel Graciliano de Araujo Usualmente nas organizações, os ciclos de trabalho são previamente determinados e estabelecidos de maneira a executar as tarefas da maneira mais eficiente em busca de um resultado previsto (SETH; GUPTA, 2005; SUGANTHINI REKHA; PERIYASAMY; NALLUSAMY, 2017). Porém, a busca pela eficiência prevê que a tarefa seja executada de forma a ter suas etapas encadeadas e normalmente sem a consideração da existência de variações durante essa execução, seja no ambiente, na ferramenta, material, ou no próprio trabalhador. Essa situação pode chegar a agir de forma contrária, impactando o resultado previsto nas normas estabelecidas (SOUZA; OSTERMANN; BORGES, 2015). Como o trabalhador busca, em última instância, atingir o objetivo preestabelecido, diante de uma situação de “fuga” do previsto, entra em ação a regulação do trabalho de forma a superar, através de suas próprias forças os obstáculos encontrados no trabalho real (LIMA, 1999). A regulação pode permitir o atingimento do resultado esperado, mas, por outro lado, há um esforço realizado além do previsto para aquela tarefa em específico que pode lhe trazer consequências à sua saúde ou segurança e é muitas vezes considerado culpado por não seguir o procedimento em casos de erro (ASSUNÇÃO; LIMA, 2005; FILHO; RAMOS, 2015). 4. CONCLUSÕES A utilização de fotografias para montagem do ciclo de trabalho real permitiu explicitar de forma evidente as diferenças entre o trabalho prescrito e o trabalho real. Conforme se pode verificar pelos ciclos de trabalho apresentados, apesar da existência de um ciclo de trabalho prescrito e programado para ser realizado de uma determinada forma, o trabalho real se mostra mais complexo e permeado por situações que extrapolam as atividades prescritas. Dessa maneira, torna-se necessário que os sistemas de produção possuam, como premissa fundamental, o fato de que o trabalho real é complexo, sujeito a diversas alterações não previstas e que o trabalhador, através de sua inteligência no trabalho é parte fundamental na resolução de situações inesperadas em busca de atingir o objetivo real da forma mais próxima possível do objetivo previsto. 5. REFERÊNCIAS ASSUNÇÃO, Ada Ávila; LIMA, Francisco de Paula Antunes. A contribuicao da Ergonomia para a identificacao, redução e eliminação da nocividade do trabalho. In: MENDES, RENÉ (Org.). . Patologia do Trabalho. [S.l.]: Atheneu, 2005. p. 1768–1789. DANIELLOU, François; LAVILLE, Antoine; TEIGER, Catherine. Ficção e realidade do trabalho operário. Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, v. 68, n. 17, p. 7–13, 1989. Disponível em: <http://www.fundacentro.gov.br/arquivos/rbso/Artigos 68/V17 n68-02.pdf>. FERREIRA, Leda Leal. Análise Coletiva do trabalho: quer ver? escuta. Revista Ciências do trabalho, v. 4, p. 91–92, 2015a. Disponível em: <http://rct.dieese.org.br/rct/index.php/rct/article/viewFile/60/pdf>. FERREIRA, Leda Leal. Sobre a Análise Ergonômica do Trabalho ou AET. Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, v. 40, n. 131, p. 8–11, 2015b. FILHO, Anastácio Pinto Gonçalves; RAMOS, Magna Fernandes. Acidente de trabalho em sistemas de produção: Abordagem e prevenção. Gestao e Producao, v. 22, n. 2, p. 431– 442, 2015. GUÉRIN, François et al. Compreender o Trabalho para Transformá-lo: A Prática da Ergonomia. 1a Ed ed. São Paulo: Edgard Blucher, 2001. LIMA, Francisco de Paula Antunes. Ergonomia e projeto organizacional: a perspectiva do XXº Congresso Brasileiro de Ergonomia 23 a 27 de novembro de 2020 - Virtual trabalho. Production, v. 9, n. spe, p. 71–98, 1999. PALÁCIOS, Marisa; DUARTE, Francisco; CÂMARA, Volney de Magalhães. Trabalho e sofrimento psíquico de caixas de agências bancárias na cidade do Rio de Janeiro. Cadernos de Saúde Pública, v. 18, n. 3, p. 843–851, 2002. SERIKAWA, Simoni S. et al. Analysis of the workload of bank tellers of a Brazilian public institution. Work, v. 41, n. SUPPL.1, p. 5522–5524, 2012. SETH, Dinesh; GUPTA, Vaibhav. Application of value stream mapping for lean operations and cycle time reduction: An Indian case study. Production Planning and Control, v. 16, n. 1, p. 44–59, 2005. SOTSEK, Nicolle Christine; BONDUELLE, Ghislaine Miranda. Melhorias em uma empresa de embalagens de madeira através da utilização da cronoanálise e rearranjo de layout. Floresta, v. 46, n. 4, p. 519–529, 2017. SOUZA, Joseane De; OSTERMANN, Ana Cristina; BORGES, Maria de Lourdes. Controlando O Incontrolável: a Aplicação Das Regras De Atendimento Na Construção Da Compreensão Mútua Entre Clientes E Atendentes Em Um Call Center. Linguagem em (Dis)curso, v. 15, n. 1, p. 13–32, 2015. STARK, Cameron; GENT, Anne; KIRKLAND, Linda. Improving patient flow in pre- operative assessment. BMJ Quality Improvement Reports, v. 4, n. 1, p. u201341.w1226, 2015. Disponível em: <http://qir.bmj.com/lookup/doi/10.1136/bmjquality.u201341.w1226>. SUGANTHINI REKHA, R.; PERIYASAMY, P.; NALLUSAMY, S. Manufacturing Enhancement through Reduction of Cycle Time using Different Lean Techniques. IOP Conference Series: Materials Science and Engineering, v. 225, n. 1, 2017. TAKALA, Esa-Pekka et al. Systematic evaluation of observational methods assessing biomechanical exposures at work. 2010. 6. TERMO DE RESPONSABILIDADE Os autores são os únicos responsáveis pelas informações incluídas neste trabalho e autorizam a publicação deste trabalho nos canais de divulgação científica do ABERGO 2020.
Compartilhar