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BRUNA C. GONÇALVES CONTEÚDO E METODOLOGIA DE HISTÓRIA E GEOGRAFIA AULA 5 A visão geográfica dos grupos sociais, do tempo, do espaço, da memória, da cultura, do trabalho INTRODUÇÃO Nessa quinta aula discutiremos a relação da geografia com os conceitos de tempo e espaço, memória e cultura, grupos sociais e trabalho. Buscando perceber o quanto tais conceitos são importantes para a compreensão da geografia e como sua conceituação em sala de aula é importante para a compreensão da disciplina. Conhecendo e dominando os conceitos relevantes da disciplina, tem-se maior liberdade de trabalho na sala de aula. Tempo e espaço, memória e cultura, grupos sociais e trabalho, são conceitos que a priori não ligamos a geografia, com exceção do espaço. No entanto, compõe também o estudo geográfico, ampliando e interligando sua área de estudo. São conceitos que muitas vezes andam juntos e que de muitas formas interferem na relação do homem com seu espaço, modificando-o ou utilizando-o. Dessa forma, fazem-se importantes para o estudo geográfico. A GEOGRAFIA E SUA RELAÇÃO COM O ESPAÇO E O TEMPO Quando colocamos questões em nossos estudos que envolvam onde e quando, estamos nos referindo a questões de espaço e tempo. E, embora conservem sua individualidade, com conceitos próprios, apresentam uma reciprocidade, ou seja, trabalham num profundo sistema de inter-relação. Ao quebrar essa conexão podemos acarretar a problemas ainda mais difíceis de solucionar em alguns casos. Segundo Elpídio Serra (1984: 03). Uma vez juntos, os termos passam a receber os mais variados tratamentos, a nível de interpretação, segundo concepção das diversas correntes do pensamento geográfico e também do pensamento de outras correntes científicas. Afinal, o tempo e espaço não são propriedade exclusivas da Geografia, mas pertence, também à História, à Economia, à Sociologia, à Filosofia, à Matemática e a muitas outras correntes científicas. O espaço e o tempo se relaciona, como podemos observar, com toda área do conhecimento científico, em algum grau, ao menos. Na geografia esses conceitos se destacam, inter-relacionando-se no contexto dos interesses e análises das diversas áreas do conhecimento geográfico. Logo, pode-se perceber que a interdisciplinaridade é fundamental no estudo das ciências humanas, e aqui evidenciamos a geografia, uma vez que os conceitos utilizados por elas são muitas vezes discussões de outras áreas do saber, como é o caso do espaço e do tempo. Embora a geografia estude o espaço, seu conceito vem antes de outras áreas, no caso da filosofia, partindo dessa análise é que foi construído o conceito de espaço usado pela geografia, o que não quer dizer que ele permanece imutável. Com o caminhar da área e com os novos elementos que são descobertos o conceito pode sofre algumas mudanças. Em geral podemos dizer que: O espaço geográfico é o contínuo resultado das relações sócio-espaciais. Tais relações são econômicas (relação sociedade-espaço mediatizada pelo trabalho), políticas (relação sociedade-Estado ou entre Estados-Nação) e simbólico-culturais (relação sociedade-espaço via linguagem e imaginário). A força motriz destas relações é a ação humana e suas práticas espaciais (LEFÉBVRE, 1991). [...]. Ao mesmo tempo a ação humana na Terra (material ou simbólica) e suas contradições possuem uma implicação espacial e temporal, pois denotam produção de espaço que varia no tempo. O espaço geográfico é reflexo e condição para as relações sociedade/espaço. (BRAGA, 2007: 71) Apesar das lutas e contradições, mesmo assim o espaço geográfico ainda se apresenta de forma a mostrar a beleza do humano em relação com o espaço. Afinal de contas, como afirmou Monbeig (1957), a Geografia é uma das formas do humanismo moderno e segundo Defontaines (1952), o estudo da Geografia e do espaço geográfico implica também em uma moral de fraternidade e de esperança para com o planeta Terra. (BRAGA, 2007: 71) Dessa forma é possível perceber que, assim como a cultura, a política e a economia são instâncias da sociedade, o mesmo ocorre com o espaço, que, como produto social, reflete os processos e conflitos sociais, ao mesmo tempo em que influi neles. Para Milton Santos, Ruy Moreira, David Harvey, entre outros geógrafos críticos, o objeto de estudo da geografia é o espaço, concebido de forma humanizada e politizada como uma instancia social. (DINIZ FILHO, 2009). Podemos dizer que tudo que existe situa-se num tempo e num espaço, logo objetos e acontecimentos, e nós seres humanos, ocupamos um lugar no espaço e situamo-nos no tempo. A humanidade ocupa um espaço, o geográfico, mas nem todos os seres humanos vivem e percebem o espaço da mesma forma, isto varia da lugar e da época em que se encontram. Na antiguidade, por exemplo, não se conhecia a extensão da Terra e nem se acreditava que ela fosse tão extensa, com tanto continentes, mares e ilhas, será que hoje conhecemos tudo já? Em épocas mais distante não se sabia nem que a terra era redonda e girasse ao redor do Sol. As diferenças sociais também influem bastante no espaço de vivência, vejamos agora como eles podem influir no estudo geográfico. OS ESPAÇOS SOCIAIS E O TRABALHO NA PERSPECTIVA GEOGRÁFICA A Partir da década de 1970 começou um despertar do pensamento social crítico, movimento que ficou conhecida como geografia crítica. Com isso, as preocupações sociais passaram a fazer das perspectivas dos geógrafos. As profundas desigualdades sociais oriundas do capitalismo começaram a ser intensamente discutidas, especialmente pela vertente marxista. (COSTA & ROCHA, 2010: 43) A Geografia passa a acompanhar as relações sociais, pois elas também interferem na relação do homem com o espaço, sendo possível perceber o local do espaço social. Corrêa (2003) se utiliza do termo organização espacial na sua análise, sendo esse o reflexo da ação humana ao longo do tempo, consequência do trabalho e da divisão do trabalho. O espaço é entendido como social, vivido, em estreita correlação com a prática social, sendo a sua produção resultado da ação do homem sobre a natureza. Assim, a organização do espaço reflete em como a população utiliza-o em virtude das técnicas disponíveis e das necessidades humanas. O longo processo de organização e reorganização da sociedade deu-se concomitantemente à transformação da natureza primitiva em campos, cidades, estradas de ferro, minas, voçorocas, parques nacionais, shopping centers, etc. Estas obras do homem são as suas marcas apresentando um determinado padrão de localização que é próprio a cada sociedade. Organizadas espacialmente, constituem o espaço do homem, a organização espacial da sociedade ou, simplesmente, o espaço geográfico (CORRÊA, 2003, p. 52). Com relação a esse processo, Costa e Rocha (2010) aponta que a ação humana tende a modificar o meio natural e a transforma-lo em meio geográfico, ou seja, moldado e trabalhado pela intervenção do homem no transcorrer da história. Dessa forma, a atuação da sociedade ao longo do tempo (re)transforma o espaço em uma ação dinâmica continua. Da mesma forma que as relações sociais também influenciam e são influenciadas pelo meio, o que nos permite perceber a relação entre o espaço e o ser humano em suas diferentes organizações. Para Smith (1988, p. 120) “Um objeto ou uma relação pode ser bastante real, por exemplo, a classe trabalhadora, ou a relação salário-trabalho, mas colocá-los como pontos no espaço social não implica absolutamente nada sobre sua localização no espaço físico ou natural.” Smith está apontando que o espaço social seria puramente relativo, por tratar das relações sociais, de trabalho, que não tem incisão no espaço físico, e no entanto existe dentro do espaço absoluto. O espaço social é entendido como umcampo abstrato constituído por eventos sociais. A Geografia crítica vem redimensionar a disciplina, trazendo para seu seio de pesquisa novos elementos que passam a compor o estudo do geografo, as relações sociais e trabalhistas dentre elas. Buscando desempenhar uma geografia muito mais crítica em que todos podem ser abrangido, não só um seleto grupo com planos de dominação e expansão financeira. Karl Marx vai trazer uma nova perspectiva para a relação do homem com o trabalho, de acordo com seu ponto de vista o trabalho é a atividade por meio da qual o ser humano produz sua própria existência, ou seja, é a através do trabalho que produz os meios para a sobrevivência. Dessa forma, podemos notar o grande impacto que o trabalho tem na construção do sujeito, ampliando as áreas de estudo que estudam essa relação do trabalho com os desdobramentos na vida de cada um de nós. Assim, é possível identificar as relações de trabalho alterando o fluxo de nossa história, as nossas estruturas sociais, principalmente, a estruturação de nossas relações, posições na hierarquia social, formas de segregação e, em grande parte, aspectos culturais erguidos em torno das relações de trabalho. O trabalho na geografia pode ser entendido tanto em nível da relação metabólica homem-meio, quanto na dimensão da regulação sociedade- espaço; dessa maneira, podendo ou não, estar no espaço visível. De toda forma as relações sociais e trabalhistas, seja de que natureza forem, interferem e sofrem interferência do espaço, seja ele físico ou social. O que traz novos elementos de estudo para a geografia, expandindo se objeto e possibilitando um visão mais crítica da geografia, não se limitando somente ao espaço físico. Vejamos agora como a cultura pode ser trabalhada dentro dos conceitos geográficos. A RELAÇÃO DA CULTURA COM A GEOGRAFIA Os aspectos culturais também serão absorvidos pela Geografia, segundo alguns teóricos ela sempre fez parte dos estudos geográficos, mas só tempo depois recebeu um braço todo da geografia, hoje conhecida como geografia cultural. Durante sua trajetória houveram diferentes perspectivas a seu respeito, sempre de acordo com as fundamentações teóricas-filosóficas do tempo em questão. Até a década de 1970 temos uma vertente tradicional da concepção cultural na geografia, após veremos o desenvolvimento dos fundamentos da fenomenologia, da crítica marxista e do humanismo na geografia cultural. A geografia cultural é atualmente uma das mais excitantes áreas de trabalho geográfico. Abrangendo desde as análises de objetos do cotidiano, representação da natureza na arte e em filmes até estudos do significado das paisagens e a construção social de identidades baseadas em lugares, ela cobre numerosas questões. Seu foco inclui a investigação da cultura material, costumes sociais e significados simbólicos, abordados a partir de uma série de perspectivas teóricas. (McDowell, 1996, p.159). A princípio a Geografia cultural teve como base temas como a história da cultura no espaço, ecologia cultural e paisagens culturais, os quais sofreram severas críticas quanto aos conceitos e metodologias. Os quais serão, em 1970, retomados e reestruturados, a partir da concepção cultural. Um termo polissêmico e possuidor de diversas acepções, logo a geografia cultural foi se transformando ao longo do espaço tempo, possuindo conotações diferenciadas resultantes do momento histórico e influências metodológicas, se dando em diferentes formas e perspectivas. Para alguns acadêmicos a Geografia Cultural não trata apenas sobre cultura, mas busca tratas as espacialidades e o que advém dessa espacialidade como, por exemplo: o território, a territorialidade, o espaço, o lugar, a paisagem. “A apropriação simbólica do mundo formula parâmetros de vida diferenciados e paisagens distintas, onde se estabelecem história e geografias próprias. Para o autor a tarefa da Geografia Cultural é apreender e compreender essa dimensão da interação humana com a natureza e seu papel de ordenação do espaço” (CORRÊA, 2003-a). A Geografia Humanística ou Cultural os termos se equivalem, procura valorizar a experiência do indivíduo ou grupo, visando um meio para compreender o comportamento e as maneiras de sentir das pessoas em relação aos seus lugares, ou seja, a cultura dos grupos sociais. Para cada indivíduo, para cada grupo humano, existe uma visão diferente do mundo, ou seja, cada grupo tem seu ponto de vista, criticando ou elogiando as condições ambientais que por sua vez se expressa através das suas atitudes e valores para com o ambiente. É o contexto pelo qual a pessoa valoriza e organiza o seu espaço e o seu mundo, e nele se relaciona. Os geógrafos culturais argumentam que sua abordagem merece o rótulo de "humanística", pois estudam os aspectos do homem que são mais distintamente humanos: significações, valores, metas e propósitos (Entrikin, 1976; apud ROCHA, 2007). Para Stuart Hall, “a cultura é o meio pelo qual as pessoas transformam o fenômeno cotidiano do mundo material num mundo de símbolos, significativos, ao qual dão sentido e atrelam valores.” (CORRÊA, 2003-a, p. 141). Constata-se assim, que na abordagem cultural marxista se encontra essa constante preocupação com o social, dando um olhar crítico as diversas questões sendo elas: de gênero, classe social, entre outras. “A geografia cultural se interessa portanto pelas obras humanas que se inscrevem na superfície terrestre e imprimem uma expressão característica.” (SAUER, 2003, p. 22). REFLEXÕES FINAIS Neste sentido, as categorias lugar e espaço ganham destaque. Lugar é aquele em que o indivíduo se encontra ambientado no qual está integrado, tem significância afetiva para uma pessoa ou grupo de pessoas. O espaço envolve um complexo de ideias. A percepção visual, o tato, o movimento e o pensamento se combinam para dar o sentido característico de espaço, possibilitando a capacidade para reconhecer e estruturar a disposição dos objetos. Assim, vemos que a Geografia estuda mais que só o espaço físico, interagindo com outros conceitos e humanidades, onde as relações humanas sejam elas sociais, econômicas ou culturais influenciam na análise geografia, ou seja, na percepção do espaço. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BRAGA, Rhalf Magalhães. O Espaço Geográfico: um esforço de definição. GEOUSP - Espaço e Tempo, São Paulo, 2007, nº 22, pp. 65 - 72. CLAVAL, P. A Contribuição Francesa ao Desenvolvimento d Abordagem Cultural na Geografia. In: CORRÊA, LR. ROSENDAHL, Z (org). Introdução à Geografia Cultural/ Rogério Lobato Corrêa e Zeny Rosendahl. – Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003. ____. A Geografia Cultural. (Tradução: Luís Fugazzola Pimenta, Margareth de C. A. Pimenta). Florianópolis: Ed. da UFSC, 2014. CORRÊA, L. R. 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