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Júlia Figueirêdo - DOR PROBLEMA 1 – INTERMEDIÁRIA: ANALGÉSICOS E ANTINFLAMATÓRIOS NÃO- ESTEROIDES: O emprego de agentes anti-inflamatórios tem como finalidades o controle dos sintomas associados, como a dor, e a contenção dos mecanismos de dano tecidual, de forma a preservar a função da área afetada. Existem duas classes principais de compostos anti-inflamatórios, os anti-inflamatórios não esteroides (AINES) e os glicocorticoides, sendo os primeiros mais empregados no cotidiano clínico. Como a ação dessas substâncias envolve a modulação da produção de prostaglandinas, é frequente a analgesia a estímulos baixos a moderados após a administração desses remédios, sendo amplamente utilizados devido a seu menor potencial para o desenvolvimento de dependência e baixo impacto sobre o SNC (a percepção sensorial tátil não é alterada por meio dos AINES). Sua eficácia é ainda maior nos casos em que há sensibilização (periférica ou central) à dor, como no pós-operatório, na dor crônica, durante processos de inflamação e no manejo do desconforto menstrual (mesmo que não atue em vísceras ocas). MECANISMO DE AÇÃO, INDICAÇÃO E CLASSIFICAÇÃO DOS AINES: Os anti-inflamatórios não esteroides, inicialmente agrupados de forma geral como AINES, foram subdivididos quanto a sua seletividade para as cicloxigenases. Assim, surgiram os AINEts (inibição simultânea da COX-1 e COX-2), e AINES seletivos para COX-2. Fluxograma que evidencia a seletividade de diversos AINES. Em vermelho, os AINES seletivos para a inibição da COX-2 Tai medicamentos, ainda que bastante heterogêneos, apresentam diversas semelhanças entre si, como serem ácidos fracos, seja antes ou depois de seu metabolismo, e o seu caráter hidrofóbico (permite acoplamento a receptores). Sua absorção é bem tolerada por via oral, sendo transportados quase integralmente por ligação com a albumina, com a maior parte de seus metabólitos sendo produzida pela ação das enzimas do citocromo P450, e excretados por meio da filtração glomerular. Uma fração desses compostos pode ser reabsorvida e permear a circulação êntero-hepática. Quanto ao mecanismo de ação dos AINES, o alvo principal é a inibição das cicloxigenases (COX), enzimas que convertem o ácido araquidônico metabolizado pela cascata inflamatória em prostaglandinas. Essas enzimas existem sob as formas de COX-1, presente de forma constante nas células, é uma fornecedora de prostanoides para a manutenção tecidual, e de COX-2 cuja produção é exacerbada por citocinas (normalmente presente nos Júlia Figueirêdo - DOR rins, ossos e no cérebro), apresentando importante papel no decorrer da inflamação. Há uma grande quantidade de COX-1 no epitélio gástrico, agindo de forma citoprotetora, mas, como ambas as formas desse composto modulam a dor, o uso de AINES reduz sua distribuição tecidual, causando assim os efeitos adversos de mal- estar digestório. Mecanismos e sítios de ação dos AINES sobre a formação de prostanoides formados pelo ácido araquidônico Além de sua ação óbvia sobre a COX, os AINES também atuam em outras áreas da inflamação, diminuindo a sensibilidade vascular à bradicinina e à histamina, promovendo vasoconstricção e afetando a produção de linfocinas. Esses medicamentos, no entanto, não inibem a formação de leucotrienos, uma vez que permitem a continuidade da via das lipoxigenases. Destaca-se dentre os anti-inflamatórios o ácido acetilsalicílico, capaz de inibir irreversivelmente a atividade de cicloxigenases, sendo necessária uma grande produção enzimática celular para contornar esses efeitos. Isso é ainda mais alarmante nas plaquetas, que só voltam a produzir tromboxano após cerca de 8 dias do fim do tratamento. INDICAÇÕES TERAPÊUTICAS E EFEITOS ADVERSOS DOS AINES: De forma geral, todos esses fármacos são analgésicos, anti-inflamatórios e antipiréticos, com sua maioria atuando também na antiagregação plaquetária. As indicações terapêuticas para esse grupo também se estendem para a cardioproteção (principalmente o ácido acetilsalicílico) e a modificação do sistema circulatório fetal (fechamento do ducto arterial patente). No que se refere ao tratamento pediátrico, mesmo que não exista uma associação consolidada entre o uso de ácido acetilsalicílico e o desenvolvimento de encefalopatia aguda e alterações da função hepática (Síndrome de Reyes), o uso desse medicamento é contraindicado para jovens com menos de 20 anos. À população pediátrica são indicados apenas paracetamol, ibuprofeno e naproxeno. Os efeitos colaterais que podem surgir com o tratamento com AINES são bastante similares, mesmo dentre suas várias classes. Eles dividem-se em: Júlia Figueirêdo - DOR Impactos ao SNC: podem ocorrer episódios de cefaleia, tontura, zumbido e, muito raramente meningite asséptica; Cardiovasculares: além de retenção de líquidos, hipertensão e edema, agentes que inibem seletivamente a COX-2 podem elevar o risco de desenvolvimento de infarto e ICC (efeito decorrente da inibição de prostanoides atuantes na regulação da homeostasia); Gastrintestinais: correspondem ao principal grupo de efeitos colaterais, exemplificados por anorexia, dispepsia, náusea, diarreia e dor abdominal. Em pacientes susceptíveis, a inibição da recuperação epitelial do estômago pode causar ulcerações; Hematológicos: raros, podem contar com trombocitopenia, neutropenia ou anemia aplásica; Hepáticos: as enzimas hepáticas podem ter sua secreção alterada, levando, raramente, a quadros de insuficiência do órgão; Renais: em pacientes susceptíveis, pode haver reteção hídrica e de eletrólitos (exacerbação da recaptação de Cl- e K+ e na ação do ADH). Esse efeito também implica em aumento da pressão arterial; O uso crônico excessivo desses medicamentos pode causar nefropatia por analgésicos; A ação de PGs sobre os vasos renais torna-os dilatados e patentes, de forma que o uso de AINES reduz o fluxo sanguíneo local Cutâneos: pode ocorrer prurido e exantemas; Imunológicos: alguns indivíduos apresentam reações de hipersensibilidade, que abrangem diversas manifestações, desde rinite vasomotora e rubor até broncoconstricção e choque; Impactos sobre a gravidez: ainda que possam ser usados como inibidores do trabalho de parto prematuro, seu uso não é indicado em gestações com mais de 32 semanas, uma vez que há maior risco de comprometimento da circulação fetal e hemorragia pós-parto. Júlia Figueirêdo - DOR De forma geral, as contraindicações para AINES e analgésicos não opioides estão voltadas para a existência de comorbidades que potencializem efeitos tóxicos e o desenvolvimento de complicações. CLASSES DE ANTI-INFLAMATÓRIOS NÃO ESTEROIDES E SUAS PROPRIEDADES: Os AINES apresentam diversos princípios semelhantes, porém diversas características são típicas de determinadas classes, a saber: Inibidores seletivos da COX-2: esses fármacos, conhecidos também como coxibes, apresentam uma alternativa aos salicilatos, que além do efeito anti- inflamatório, possuem impactos à coagulação e à capacidade de manutenção celular. Em contrapartida, tais medicamentos não apresentam potencial cardioprotetor, pois impedem a síntese de prostaciclinas no endotélio vascular, mediada pela cicloxigenase-2. Os principais compostos pertencentes a esse grupo são: o Derivados do Furanonas-diaril (Celecoxibe): a seletividade desse composto para a COX-2 é 10 vezes maior do que a para a COX-1. Após a administração, a concentração desse composto se eleva em cerca de 2 a 4 horas, ligando-se ativamente a proteínas plasmáticas. Em até 11h, a dose utilizada será metabolizada, principalmente pelo citocromo P450 (pode interferircom medicamentos metabolizados por ela). As indicações principais são a osteoartrite, a dor pós-operatória e a dismenorreia, ao passo que os efeitos colaterais correspondem aos riscos cardiovasculares supracitados; o Meloxican: sua seletividade não é tão alta quanto a do celocoxibe, sendo o único dos derivados do oxicam capaz de atuar especialmente sobre a COX-2 (o piroxicam é inespecífico, com meia-vida longa e indicação para o controle da dor em lesões musculares). Por esse motivo, manifestações gastrintestinais são menos comuns quando comparados ao prioxicam, por exemplo. Mesmo que atue sobre a produção de tromboxano plaquetário, as ligações realizadas pelo meloxicam são temporárias e não atingem o ponto de saturação necessário para alterar significativamente a capacidade de coagulação. o Derivados da sulfonanilida (Nimesulida): esses medicamentos apresentam, além de inibição direta da COX-2, a capacidade de neutralizar a síntese de radicais livres, produtos altamente lesivos formados na inflamação. Sua absorção se dá rapidamente por meio do TGI, tendo maior concentração sérica após 1 ou 2h da administração. Depois de ser metabolizada no fígado e recircular pela via entero-hepática, os produtos são majoritariamente excretados pelas fezes. As principais indicações para tais compostos são inflamações dos sistemas osteoarticular e musculoesquelético, cefaleias, dores pós-operatórias e febre. Inibidores não seletivos da COX: a o Ácido acetilsalicílico e salicilatos: todos esses medicamentos são derivados do ácido salicílico (AAS), composto altamente irritante se usado sistemicamente. A ação desses compostos se baseia na acetilação de proteínas, inibindo a ação da COX-2, mas seu poder anti- inflamatório também pode residir na ação dos salicilatos sobre a biossíntese da substância fundamental amorfa no tecido Júlia Figueirêdo - DOR conjuntivo, criando uma barreira que repele a disseminação da inflamação. A absorção desses compostos ocorre de forma rápida pelo estômago e, em maior parte, no duodeno, com aumento da concentração plasmática após 30 min da ingestão (o consumo de alimentos aumenta esse tempo). Quanto à distribuição, esta ocorre por meio de processos ativos pH-dependentes, permeando em direção ao plasma, onde se liga à albumina (meia-vida do AAS é de 20 minutos, dos demais salicilatos, corresponde a 12h). Após a metabolização no fígado, os produtos dessa classe são excretados pela urina. A indicação destes medicamentos se orienta para a artrite reumatoide, dor leve, febre e doenças de agregação plaquetária. Os efeitos adversos são amplos, exemplificados por alterações na respiração (mais profunda, compensa a maior necessidade de O2), retenção hídrica, alterações na excreção de urato (relação diretamente proporcional, interfere com a ação de medicações uricosúrica) anticoagulabilidade (redução do tromboxano), vasodilatação, sangramentos gástricos e capacidade ototóxica. o Derivados do para-aminofenol (Paracetamol): o acetaminofeno, promove uma elevação do limiar a estímulos dolorosos, tendo ação analgésica contra diversas etiologias. Pode ser encontrado em sua forma isolada ou em combinações com diversas outras substâncias (podendo ou não estar relacionadas ao manejo da dor). Ao contrário dos demais medicamentos pertencentes à classe dos AINES, o paracetamol não apresenta efeito anti-inflamatório relevante (pouca capacidade de inibir a COX nos tecidos periféricos, tendo maio, que controla a temperatura no SNC), sendo considerado um substituto ao AAS somente para o controle da febre (mediação de cicloxigenases a nível cerebral) e da dor. Ação do Paracetamol e de outros AINES sobre a modulação da dor, da febre e da inflamação Após administração oral, o pico de concentração sérica ocorre após cerca de 30 minutos, com meia-vida sérica de 2 horas, havendo ligação com várias proteínas, ainda que em intensidade menor que nos demais AINES. Menos de 5% do fármaco é excretado sem alterações, sendo observadas conjugações com ácidos e enzimas hepáticas. O NAPQI (N- acetil-p-benzoquinona), altamente reativo, é o metabólito responsável pela hepatotoxidade em caso de uso crônico exacerbado. Em condições normais, ele é inativado pelos grupos sulfidrila da glutationa (GSH). Júlia Figueirêdo - DOR Processo de metabolização do Paracetamol e as vias de hepatotoxidade Esse medicamento é indicado para o controle da febre e da dor leve a moderada, sendo uma alternativa para o AAS principalmente para crianças, pacientes com distúrbios da coagulação, elevadas concentrações de ácido úrico, ou hipersensibilidade aos demais AINES. O paracetamol normalmente é bem tolerado em sua administração terapêutica, com ocasionais reações alérgicas como exantemas, e aumentos temporários das enzimas hepáticas. O uso de doses maiores pode afetar o SNC, situação evidenciada por tontura, desorientação e excitação. Por fim, o consumo de doses acima de 4 g pode causar lesões hepáticas progressivas. o Derivados do ácido indolacético (Indometacina): são potentes anti- inflamatórios que não apresentam capacidade antipirética, mas sua elevada toxicidade limita o uso, recomendado somente em casos de refratariedade a outros compostos. Ao agirem sobre a produção de prostaciclinas endoteliais, acabam por interferir com a ação de medicamentos que reduzem a pressão arterial, afetados também pela retenção hídrica. As principais indicações dessa classe são o fechamento do canal arterial fetal e o controle do trabalho de parto prematuro. Seus efeitos colaterais podem envolver toxicidade renal, ocorrência de diarreia e úlceras intestinais. Também é comum o desenvolvimento de cefaleia frontal, tontura e vertigem (necessária cautela ao prescrever para idosos). o Derivados do ácido propriônico (Ibuprofeno, Naproxeno, Cetoprofeno, Oxaprozina): essa classe de medicamentos apresenta como vantagem a meia-vida longa e a afinidade por proteínas plasmáticas, permitindo assim a administração de menos doses diárias. Sua ação não é seletiva para a COX-2. As indicações clínicas são amplas, havendo grande tolerância no tratamento de lesões de cunho musculoesquelético, inflamações odontológicas, dor pós-operatória e no manejo da febre. Os efeitos colaterais são semelhantes aos dos demais AINES (TGI e SNC), com destaque para as possíveis interações medicamentosas em caso de tratamento de distúrbios cardíacos com AAS. o Derivados do ácido heteroarilacético (Diclofenaco de Sódio): graças à potência anti-inflamatória intensa (não só inibe a COX como também reduz a concentração de ácido araquidônico nos leucócitos), seu uso no tratamento de doenças reumáticas e degenerativas é bastante comum. Outro ponto de destaque é a afinidade a proteínas do plasma, permitindo que seja amplamente distribuído pelo organismo durante sua meia-vida de 2h, concentrando-se no líquido sinovial. A metabolização hepática é de passagem única, sendo seus produtos eliminados na urina. O Diclofenaco é indicado para o manejo da dor pós-operatória, de distensões musculares e da dismenorreia, apresentando menor Júlia Figueirêdo - DOR risco de ulceração gástrica que os demais AINES. o Fenamatos (Ácidos Meferânico, Meclofenamato e Flufenâmico): são AINES típicos, de ação não seletiva para COX-2. Não apresentam vantagens relativas a outros medicamentos para o mesmo fim, tendo indicação para artrite reumatoide, contrações uterinas e cólica menstrual. o Derivados da Pirazolona (Metamizol/Dipirona): é um dos antipiréticos e analgésicos mais comuns (inibição da COX-3), ainda que apresentem certo risco para odesenvolvimento de agranulocitose (degradação de neutrófilos). Sua meia-vida é curta, sendo necessária a administração de 4 em 4 horas. Pontos “fortes” e “fracos” para o emprego de AINES e analgésicos não opioides PASSOS PARA A ESCOLHA DE UM ANTI- INFLAMATÓRIO: A eficácia de quase todos os AINES (exceto o AAS) é semelhante, com algumas especificidades referentes ao manejo de doenças distintas. Assim, a escolha por um ou outro medicamento baseia-se na tolerabilidade (efeitos colaterais e interações medicamentosas) e no custo benefício do produto, condições analisadas individualmente para cada paciente.
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