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A P O S T I L A DE D I R E I T O T R I B U T Á R I O I Professor Carlos Victor Muzzi Filho ATUALIZADA ATÉ MARÇO-2020 Todos os direitos reservados. Esta apostila destina-se aos estudantes regularmente matriculados no Curso de Direito da Universidade FUMEC/FCH. Esta apostila não dispensa a leitura dos bons autores de direito tributário, devendo ser considerada mero complemento da referida leitura e das aulas. Apostila de Direito Tributário I Carlos Victor Muzzi Filho Esta apostila destina-se apenas aos estudantes regularmente matriculados no Curso de Direito da Universidade FUMEC/FCH, e não dispensa a leitura dos bons autores de Direito Tributário. Todos os direitos reservados, vedada a reprodução não autorizada pelo autor. 2 Explicação Esta Apostila vem sendo construída, com o auxílio dos alunos, ao longo dos anos de magistério no Curso de Direito da Faculdade de Ciências Humanas e da Saúde da Universidade FUMEC. É, assim, por definição, um trabalho sempre imperfeito e inacabado, apesar dos meus esforços para o completar. Por isso, reiteradamente, afirmo que não se deve utilizar esta Apostila como única fonte de estudo. A arte da tributação consiste em depenar o ganso de modo a obter o máximo de penas com o mínimo de grasnidos (Jean-Baptiste Colbert, 1619-1683). Me arrancam tudo à força, depois me chama de contribuinte (Millôr Fernandes, 1923-2012). O contribuinte é único cidadão que trabalha para o governo sem ter de prestar concurso (Ronald Reagan, 1911-2004). Quando menos a pessoa entende de impostos, mais acha fácil fazer a reforma tributária (Francisco Dorneles, 1935). Os impostos são o preço que nós pagamos por uma sociedade civilizada (Oliver Wendell Holmes, Jr., 1841-1935) Todas as frases retiradas de Antologia da maldade. FRANCO, Gustavo H.B.; GIAMBIAGI, Fabio. Rio de Janeiro:Zahar, 2015, p. 153). Apostila de Direito Tributário I Carlos Victor Muzzi Filho Esta apostila destina-se apenas aos estudantes regularmente matriculados no Curso de Direito da Universidade FUMEC/FCH, e não dispensa a leitura dos bons autores de Direito Tributário. Todos os direitos reservados, vedada a reprodução não autorizada pelo autor. 3 Í N D I C E 1º Ponto: Introdução (Direito Financeiro e Direito Tributário) 05-13 Direito Financeiro e Direito Tributário: O Estado Fiscal 05 Receita e despesa pública 08 O Direito Tributário no Brasil: dilemas sobre a nossa carga tributária 10 2º Ponto: Tributo e espécies tributárias 15 Acepções da palavra tributo 15 A definição do artigo 3º do CTN 17 O art. 4º do CTN: a denominação do tributo e o produto de sua arrecadação 20 Espécies tributárias 21 Extrafiscalidade e parafiscalidade e outras classificações dos tributos 25 Imposto 27 Taxa 28 Contribuição de melhoria 34 Contribuição especial 35 Empréstimo compulsório 41 Outras figuras (tributárias e não tributárias) 42 3º Ponto: Competência e Repartição de Receita Tributária 46 Competência tributária 46 Repartição de receitas tributárias 50 4º Ponto: Sistema Constitucional Tributário e limitações ao poder de tributar 53 Limitações ao poder de tributar 54 Princípios Constitucionais Tributários: 54 a) segurança jurídica (legalidade, irretroatividade, anterioridade/noventena) 56 b) justiça tributária (igualdade, capacidade contributiva, não confisco) e 62 princípios/regras correlatos (progressividade, seletividade, generalidade, universalidade e não-cumulatividade) c) Federação (proibição de vedação ao tráfego, de discriminação de origem/destino, 69 uniformidade geográfica) d) Outros princípios constitucionais relacionados com a tributação 71 5º Ponto: Sistema Constitucional Tributário e imunidades 74 Imunidades: aspectos gerais 74 Imunidades genéricas: 76 Imunidade recíproca 77 Imunidade de templos de qualquer culto 80 Imunidade de partidos políticos, sindicatos, instituições de educação e de 81 assistência social, sem fins lucrativos Imunidade de livros, jornais, periódicos 83 Imunidades específicas 86 Imunidades e tributos indiretos 87 6º Ponto: Fontes do Direito Tributário 88 Legislação Tributária 88 Lei Complementar 88 Lei Ordinária 91 Medidas provisórias e leis delegadas 92 Tratados internacionais 92 Apostila de Direito Tributário I Carlos Victor Muzzi Filho Esta apostila destina-se apenas aos estudantes regularmente matriculados no Curso de Direito da Universidade FUMEC/FCH, e não dispensa a leitura dos bons autores de Direito Tributário. Todos os direitos reservados, vedada a reprodução não autorizada pelo autor. 4 Decretos e normas complementares 92 7º Ponto: Vigência e Aplicação da Legislação Tributária 94 Vigência no tempo 94 Vigência no espaço 95 Aplicação da legislação tributária 96 Lei expressamente interpretativa 96 Retroatividade benigna 97 8º Ponto: Interpretação e Integração da Legislação Tributária 98 Interpretação e integração 98 Regras e métodos gerais de interpretação jurídica 99 Regras específicas do CTN 99 Institutos, conceitos e formas de Direito Privado 100 Interpretação econômica 101 9º Ponto: Regra tributária, obrigação tributária e fato gerador 103 Regra tributária: sua estrutura. 103 Aspectos da regra tributária (destaque: base de cálculo e alíquotas) 104 Relação jurídica tributária. 106 Obrigação tributária no CTN 107 Fato gerador no CTN 108 Fato gerador presumido 109 Norma antielisão e interpretação econômica 110 10º Ponto: Aspecto subjetivo da obrigação tributária 113 Aspecto subjetivo 113 Sujeito ativo: competência tributária e capacidade tributária 113 Sujeito passivo: contribuinte e responsável tributário 114 Capacidade tributária passiva 114 Domicílio tributário 115 Contribuinte e solidariedade tributária 115 Responsabilidade tributária: sujeição passiva direta e indireta 116 Substituição tributária 117 Responsabilidade de sucessores 118 Responsabilidade de terceiros 121 Responsabilidade por infrações 123 Denúncia espontânea 123 Responsabilidade processual 124 Referências 125 Apostila de Direito Tributário I Carlos Victor Muzzi Filho Esta apostila destina-se apenas aos estudantes regularmente matriculados no Curso de Direito da Universidade FUMEC/FCH, e não dispensa a leitura dos bons autores de Direito Tributário. Todos os direitos reservados, vedada a reprodução não autorizada pelo autor. 5 1º Ponto: Introdução (Direito Financeiro e Direito Tributário) Direito Financeiro e Direito Tributário: O Estado Fiscal Receita e despesa pública Direito Tributário: conceito e autonomia científica Direito Financeiro e Direito Tributário 1. O Direito Financeiro é disciplina mais ampla do que Direito Tributário, abrangendo o estudo, sob o ângulo jurídico, de toda atividade financeira do Estado. O Direito Financeiro, assim como o Direito Tributário, historicamente, deriva do Direito Administrativo, tendo por objeto a disciplina do orçamento público, das receitas públicas (entre as quais se incluem as receitas tributárias) da despesa pública e da dívida pública (AMARO, 2019, p. 23). O Direito Tributário, nesse contexto, pode ser visto como especialização do Direito Financeiro, tendocomo objeto o estudo de parte das receitas públicas, quais sejam, as receitas tributárias. 2. Em termos de direito positivo brasileiro, o Direito Financeiro é objeto de tratamento constitucional, especialmente nos artigos 163 a 169 da Constituição da República, promulgada em 1988, CR/1988, dispositivos que cuidam das ―finanças públicas‖. Em cada esfera de governo (União, Estados, Distrito Federal e Municípios), há leis financeiras próprias (art. 165 da CR/1988), quais sejam: a) Lei do Plano Plurianual (LPP), que estabelece, de forma regionalizada, diretrizes, objetivos e metas da Administração Pública para as despesas de capital e outras delas continuadas e para as relativas aos programas de duração continuada (§ 1º do art. 165 da CR/1988); b) Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), que compreende as metas e as prioridades da Administração Pública, incluindo as despesas de capital para o exercício financeiro subsequente, orienta a elaboração da lei orçamentária anual, dispondo sobre as alterações da legislação tributária e estabelecendo a política de aplicação das agências financeiras oficiais de fomento (§ 2º do art. 165 da CR/1988); c) Lei Orçamentária (anual), que compreende o orçamento fiscal, o orçamento de investimento das empresas públicas e sociedades de economia mista, e o orçamento da seguridade social (§ 5º do art. 165 da CR/1988). Há, ainda, dois grandes diplomas legais que cuidam do Direito Financeiro, traçando as chamadas normas gerais de Direito Financeiro: a) Lei nº 4.320, de 1964, que estatui normas gerais de direito financeiro para elaboração e controle dos orçamentos e balanços da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal; e b) Lei Complementar nº 101, de 2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal - LRF), que estabelece normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade da gestão fiscal. 3. À semelhança do Direito Econômico, também o Direito Financeiro, tanto quanto o Tributário, guarda relação com a Economia, com a Contabilidade, entre outros ramos do conhecimento, que Apostila de Direito Tributário I Carlos Victor Muzzi Filho Esta apostila destina-se apenas aos estudantes regularmente matriculados no Curso de Direito da Universidade FUMEC/FCH, e não dispensa a leitura dos bons autores de Direito Tributário. Todos os direitos reservados, vedada a reprodução não autorizada pelo autor. 6 igualmente cuidam do fenômeno financeiro estatal. Aliás, tributo não é conceito exclusivamente jurídico, sendo ilusória e de certo modo insuficiente a pretensão de compreendê-lo apenas sob a ótica jurídica. 3-A Embora o Direito Financeiro tenha objeto bem mais amplo, é inegável que ele, didaticamente, assumiu papel secundário em relação ao Direito Tributário, que, há tempos, merece muito mais destaque, embora seja disciplina bem mais recente. 3-B Historicamente, é possível relacionar a evolução financeiro-tributária do Estado com a sua evolução política. O Direito Tributário, como conhecemos hoje, é fenômeno que, historicamente, se confunde com a implantação, a partir do século XIX, do Estado de Direito, em substituição ao modelo do Estado Absolutista. Isso porque, com o desenvolvimento do sistema capitalista, os meios de produção, progressivamente, deixaram de ser estatais e foram se acumulando no setor privado, de forma que os empresários (ou burgueses ou capitalistas) passaram a ser os principais responsáveis pelo exercício da atividade econômica. Essa mudança na ordem econômica provocou, então, mudança na ordem fiscal, porque, paulatinamente, o Estado passou a ser financiado por receitas tributárias, de modo que, desde especialmente o século XIX, o Estado se tornou Estado Tributário ou Estado Fiscal, por ser sustentado por recursos de natureza tributária (SCHOUERI, 2017, p. 33). Antes, durante o Estado Absolutista, cogitava-se, no plano tributário, do Estado Patrimonialista, isto é, Estado cujas receitas decorriam da exploração do patrimônio estatal (visto que o rei era proprietário de terras, dos recursos minerais, etc.), e a receita pública se confundia com a receita do rei (TORRES, 2013, p. 7).Como esclarece Luís Eduardo Schoueri: Historicamente, o Estado Patrimonial, que se consolidou no século XVI, tinha por principal característica o patrimonialismo financeiro, i.e., vivia dos recursos patrimoniais ou dominiais do soberano. Interessa notar que no estágio Patrimonial, o Estado é poderoso agente econômico, que atua, ao lado do particular, na incipiente economia (SCHOUERI, 2017, p. 32). Sempre houve, é claro, ao longo do tempo, a cobrança de tributos, mas em períodos mais antigos, eles não possuíam a mesma feição de hoje. Novamente, é Schoueri quem registra que, na Antiguidade (Grécia e Roma, por exemplo) e mesmo na baixa Idade Média, os tributos não eram cobrados de toda a sociedade. Ao contrário, os cidadãos, livres, não se sujeitavam ao pagamento do tributo (SCHOUERI, 2017, p. 27). Em tempos mais recentes, o tributo se tornou, para usar expressão consagrada, o preço da liberdade, especialmente da liberdade econômica, porque o Estado, nos sistemas capitalistas, abdicou da atividade econômica, cujo exercício foi assumido pelo setor privado, passando, ele, Estado, a ser sustentado pelos cidadãos, por meio dos tributos (SCHOUERI, 2017, p. 40). Sobre o tema, confira-se, especialmente, além de Luis Eduardo Schoueri (SCHOUERI, 2017, p. 27/41) e Ricardo Lobo Torres (TORRES, 2013, p. 7/10), também Luciano Felício Fuck (FUCK, 2017, p. 93/117). 3-C Observe-se que a evolução do Estado de Direito implicou na ampliação do Estado Fiscal. Em seu início, o Estado de Direito, chamado Estado guarda-noturno (no modelo liberal clássico), exercia poucas Apostila de Direito Tributário I Carlos Victor Muzzi Filho Esta apostila destina-se apenas aos estudantes regularmente matriculados no Curso de Direito da Universidade FUMEC/FCH, e não dispensa a leitura dos bons autores de Direito Tributário. Todos os direitos reservados, vedada a reprodução não autorizada pelo autor. 7 funções, limitadas à preservação da ordem e garantia da propriedade (direitos fundamentais de primeira geração). Entre os séculos XIX e XX, o Estado passou a exercer várias outras atribuições, própria do modelo de Estado Social (de Direito), com ampliação da lista de direitos fundamentais, que passaram a contemplar os chamados direitos sociais (ou direitos fundamentais de segunda geração). São conhecidas, no Direito Constitucional, as várias gerações de direitos fundamentais, que deixam de ser meramente negativos (relacionados com a proteção da liberdade individual, religiosa, política, econômica, própria do Estado guarda-noturno), e passam a ser positivos (exigindo prestações estatais, como a saúde, a previdência, etc.). Obviamente, o Estado Social (de Direito) exigia, cada vez mais, recursos financeiros, para atender às diversas demandas (educação pública, saúde pública, previdência pública, infra-estrutura urbana, etc.), perenizando, assim, a necessidade da arrecadação tributária. Esta, certamente, uma das principais razões que conduziram, do ponto de vista acadêmico, à separação entre o Direito Financeiro e o Direito Tributário, porque a receita tributária se tornou a principal fonte de recursos públicos, causando evidente atritos com o setor privado, é dizer, com os contribuintes. 3-D. O século XX assistiu, assim, ao desenvolvimento do Direito Tributário, que se apresentou como disciplina autônoma, notadamente em relação ao Direito Financeiro, fazendo com que o tributo se tornasse um fim em si mesmo. Os tributaristas, com muita ênfase, afirmam que o Direito Tributário se encerra no momento em que o tributo ingressa no cofre público, pois a alocação da receita, isto é, a despesa, não é questão tributária. Geraldo Ataliba, autor de obra clássica do Direito Tributário brasileiro, por exemplo, afirma: É absurdo, despropositado,anticientífico, ilógico e primário recorrer a argumento ligado ao destino que o estado dá aos dinheiros arrecadados, para isso pretender extrair qualquer conseqüência válida em termos de determinação da natureza específica dos tributos (ATALIBA, 1998, p. 139). Também Paulo de Barros Carvalho registra que o limite do campo da especulação do Direito Tributário [...] não se ocupa de momento ulteriores à extinção do liame fiscal (CARVALHO, 2017, p. 60). Todavia, essa desvinculação entre o Direito Tributário e a aplicação das receitas tributárias vem sendo questionada, seja sob o ângulo da importância da destinação da receita arrecadada em alguns casos (ver adiante item nº 74), seja em relação à própria compreensão mais ampla do tributo, que não deve se limitar apenas às questões jurídicas. 3-E. Realmente, as dificuldades enfrentadas pelo modelo de Estado Social (dificuldades que poderiam apontar para um esgotamento desse modelo) provocam discussões sobre a finalidade dos tributos. Os gastos públicos só aumentaram ao longo dos anos, visando atender as mais variadas despesas (saúde, educação, previdência, segurança, etc.), o que, obviamente, gera reações daqueles que devem arcar com o financiamento desses gastos, isto é, os contribuintes. Daí porque, no âmbito tributário, várias discussões passaram a recuperar a ligação estreita que há entre a receita e despesa pública, repercutindo tais discussões em questões jurídicas específicas, notadamente no que concerne às contribuições especiais e às taxas, o que será melhor compreendido e explorado mais adiante, ao se estudar as espécies tributárias. Apostila de Direito Tributário I Carlos Victor Muzzi Filho Esta apostila destina-se apenas aos estudantes regularmente matriculados no Curso de Direito da Universidade FUMEC/FCH, e não dispensa a leitura dos bons autores de Direito Tributário. Todos os direitos reservados, vedada a reprodução não autorizada pelo autor. 8 3-F Por que pagamos tributos? A resposta a esta questão depende, claro, da ideologia de quem a responde. Como visto no item nº 3-B, uma resposta liberal clássica seria pagamos tributos porque com eles compramos a liberdade econômica. O Estado cuida de preservar os direitos fundamentais dos cidadãos e esses financiam essa tarefa com o pagamento de tributos. Outra resposta, porém, de caráter menos liberal (ou socialista) seria a de que pagamos tributos porque a outra face dos direitos fundamentais seriam os deveres fundamentais, dentre eles o dever fundamental de pagar tributos (NABAIS, 1998; também CARDOSO, 2014). Nesse ponto, a discussão migra para o que se poderia definir como filosofia do direito tributário, adentrando temas difíceis e transdisciplinares, que giram, basicamente, em torno das perguntas sobre por que pagamos tributos e qual a forma mais justa de pagar tributos. Mas tal discussão, embora possa ser feita de passagem (ou, na expressão francesa, ―en passant‖) e a voo de pássaro (―a vol d‘oiseau‖), não será objeto de estudo específico. Ao se discutir, por exemplo, a norma geral antielisão, outras considerações serão feitas sobre o tema. Todavia, quem se interessar pelo tema, pode aprofundar o estudo com Liam Murphy e Thomas Nagel (MURPHY; NAGEL, 2005) e Renato Lopes Becho (BECHO, 2009). Receita e despesa pública 4. Ao estudo do Direito Tributário, em suas relações com o Direito Financeiro, como visto, interessa principalmente o conceito de receita pública. Embora haja inúmeras controvérsias, assim se define, para os fins desta apostila, o conceito de receita pública: é a entrada que, integrando-se no patrimônio público sem quaisquer reservas, condições ou correspondência no passivo, vem acrescer o seu vulto, como elemento novo e positivo (BALEEIRO, 1994, p. 116). Em regra, distingue-se a receita do ingresso, pois que este último (ingresso) é provisório, sendo definido como a entrada que ulteriormente será restituída, como ocorre no empréstimo e nos depósitos (TORRES, 2013, p. 185). 5. Há, como se disse, infindáveis discussões acadêmicas sobre a classificação da receita pública. Quem quiser se aprofundar, deve estudar as obras de Aliomar Baleeiro (1994)., Alberto Deodato (DEODATO, 1961), Rubens Gomes de Sousa (SOUSA, 1960), e, mais recentemente, Ricardo Lobo Torres (TORRES, 2013) e Regis Fernandes de Oliveira (OLIVEIRA, 2006). 6. Entre as diversas classificações, tem-se a seguinte (baseada naquelas propostas de Aliomar Baleeiro, Ricardo Lobo Torres e Luciano Amaro), que se mostra útil para a compreensão das finanças do Estado, neste estágio do estudo do Direito Tributário: Entradas (de recursos nos cofres públicos) entradas provisórias (ou ingressos) entradas definitivas (ou receitas) Apostila de Direito Tributário I Carlos Victor Muzzi Filho Esta apostila destina-se apenas aos estudantes regularmente matriculados no Curso de Direito da Universidade FUMEC/FCH, e não dispensa a leitura dos bons autores de Direito Tributário. Todos os direitos reservados, vedada a reprodução não autorizada pelo autor. 9 6-A. Observe-se que Aliomar Baleeiro (BALEEIRO, 1994, p. 116) denomina de ingressos públicos o gênero que, no quadro acima, foi denominado de entradas, dividindo esses ingressos em ―movimentos de fundos ou de caixa‖ (entradas provisórias, no quadro acima) e receitas (entradas definitivas, no quadro acima). Já Regis Fernandes de Oliveira define o gênero como entradas, separando-as em entradas provisórias e entradas definitivas (OLIVEIRA, 2006, p. 96). Os nomes, assim, variam de autor para autor. Mais importante é entender a distinção em si, não se apegando muito a esse ou aquele nome dado à entrada (ou ao ingresso). 7. Os ingressos (ou entradas provisórias) são depósitos, cauções, fianças e empréstimos (inclusive, para alguns autores, os empréstimos compulsórios, como será discutido mais adiante). 7-A Já as receitas (ou entradas definitivas) subdividem-se em: a) receitas originárias; e b) receitas derivadas. 7-B As receitas originárias decorrem da ―exploração‖ do patrimônio público, decorrendo de negócios de direito privado (isto é, o Estado atuando em pé de igualdade com o particular), podendo se dar, na lição de Aliomar Baleeiro (BALEEIRO, 1994, p. 121): a) a título gratuito (exemplos: doações, sucessão dos bens vacantes, usucapião, etc.); ou b) a título oneroso (doações com encargo, preços públicos ou tarifas). As receitas derivadas, por sua vez, decorrem do exercício, pelo Estado, de seu poder de império (ou ―ius imperii‖), em que o particular fica em estado de sujeição, sendo divididas, ainda segundo Baleeiro (BALEEIRO, 1994, p. 121) em: a) tributos; b) penalidades e confisco; e c) reparações de guerra. 7-C A distinção entre receitas originárias e receitas derivadas é ainda empregada para reconhecer a natureza tributária, ou não, de determinada receita, havendo vários precedentes do Supremo Tribunal Federal que adotam como premissa tal distinção. Como exemplo, veja-se o Tema nº 46/Repercussão Geral, em que o STF afirmou que o chamado seguro-apagão, isto é, os encargos de capacidade emergencial e de aquisição de energia elétrica emergencial, instituídos pela Lei 10.438/02, não possuem natureza tributária, visto que constituem receita originária e privada, destinada a remunerar concessionárias, permissionárias e autorizadas pelos custos do serviço, incluindo sua manutenção, melhora e expansão, e medidas para prevenir momentos de escassez (RE 576.189/RS, Pleno, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJe, 26.06.2009). Ao longo desta Apostila, outros exemplos surgirão, confirmando a utilidade ainda da distinção entre receitas originárias e derivadas, no que pertinente ao reconhecimento, ou não, de natureza tributária a valores exigidos pelo Poder Público. 8. De outro lado, apenas para fins de informação e ilustração, assinale-se ser ainda mencionada aclassificação das receitas proposta por Edwin Seligman, e no Brasil divulgada por Rubens Gomes de Apostila de Direito Tributário I Carlos Victor Muzzi Filho Esta apostila destina-se apenas aos estudantes regularmente matriculados no Curso de Direito da Universidade FUMEC/FCH, e não dispensa a leitura dos bons autores de Direito Tributário. Todos os direitos reservados, vedada a reprodução não autorizada pelo autor. 10 Sousa, que tem como base a relação que haveria entre o interesse público e o interesse privado, no momento de arrecadar recursos para o Estado (SOUSA, 1960, p. 22/23). Assim, as receitas seriam classificadas em: a) preços quase privados: predomina, principalmente, o interesse particular, havendo apenas eventual interesse público (ocorre quando o Estado exerce atividade econômica também exercida pelo particular; hoje, com a redução do papel do Estado, reduzem-se os exemplos de preços quase privados, porque, em regra, esta atividade econômica – telefonia, energia elétrica – é exercida por particulares); b) preços públicos: receitas em que ainda predomina o interesse particular, mas já existe interesse geral ou coletivo (o exemplo seria o preço cobrado pelos Correios); c) taxas (que Luigi Einaudi, outro tributarista do início do século XX, denominava preço político): receita arrecadada em virtude, principalmente, do interesse público, mas há interesse particular, perfeitamente identificável, do contribuinte (refere-se à atividade que somente poderia ser exercida pelo Estado, não por particulares); d) contribuições: predomina, também, o interesse público, mas não haveria a identificação de um contribuinte, senão que ―determinada classe ou categoria de particulares‖ (SOUSA, 1960, p. 23); e e) impostos: receita em que há, exclusivamente, o interesse público, sem se considerar as vantagens que possam, ou não, advir para o contribuinte ou para a comunidade. Os três últimos tipos, taxas, contribuições e impostos, teriam como nota a obrigatoriedade e, por isso, deveriam ser elencados sob o título comum de tributos. 9. Nesse cenário todo, veja-se que o Direito Tributário vai cuidar, apenas, de um dos tipos da receita derivada, qual seja, a receita tributária, salientando Luciano Amaro, nesse sentido, que o Direito Tributário abrange todo o conjunto de princípios e normas reguladoras da criação, fiscalização e arrecadação das prestações de natureza tributária (AMARO, 2019, p. 24). 10. Já o Direito Financeiro, para além das receitas, ainda cuida das despesas públicas e suas várias classificações, tema que, todavia, escapa ao campo de conhecimento do Direito Tributário. O Direito Tributário no Brasil: dilemas sobre a nossa carga tributária 11. São inúmeras as mazelas do nosso sistema tributário, mas há também vários equívocos ou impressões apressadas acerca desse sistema. 11-A. A primeira dessas impressões apressadas, constantemente citada em programas jornalísticos e campanhas políticas, é a de que o Brasil possui uma carga tributária muito alta, ainda que comparada à de países desenvolvidos, mas essa alta carga tributária não se traduziria em serviços públicos equivalentes aos daqueles países desenvolvidos. Em verdade, a carga tributária brasileira (embora haja algumas controvérsias para definir o que integra, ou não, a carga tributária), é ligeiramente inferior à média da carga tributária dos países que compõem a OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento econômico), que congrega Apostila de Direito Tributário I Carlos Victor Muzzi Filho Esta apostila destina-se apenas aos estudantes regularmente matriculados no Curso de Direito da Universidade FUMEC/FCH, e não dispensa a leitura dos bons autores de Direito Tributário. Todos os direitos reservados, vedada a reprodução não autorizada pelo autor. 11 inúmeros países europeus, mais EUA, Canadá, Japão, Coreia do Sul, Austrália, Nova Zelândia, México e Israel, entre outros. Em dezembro de 2018, reportagem do jornal O Globo, baseada em dados da Receita Federal do Brasil, trouxe as seguintes informações 1 : A comparação internacional, segundo dados divulgados pela Receita, é feita com base no ano de 2016 – por conta do atraso em obter dados de outras nações. Naquele ano, a carga brasileira somou 32,29% do PIB. O peso dos tributos no Brasil, em 2016, ficou abaixo da média da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) – que somou 34,3% do PIB –, mas ficou acima da média dos países da América Latina e Caribe, que foi de 22,7% naquele ano. A carga tributária brasileira também ficou acima de países como Turquia (25,5% do PIB), Estados Unidos (26%), Suíça (27,8%), Coreia do Sul (26,3%), Canadá (31,7%), Israel (31,2), Irlanda (23%) e Chile (20,4%). Por outro lado, foi inferior à de países como Dinamarca (45,9% do PIB), Suécia (44,1% do PIB), França (45,3% do PIB), Noruega (38% do PIB), Itália (42,9% do PIB), Alemanha (37,6% do PIB), Áustria (42,7% do PIB), Hungria (39,4% do PIB) e Reino Unido (33,2% do PIB). 11-B. Acrescente-se que a comparação entre as cargas tributárias toma como parâmetro o PIB de cada país. Logicamente, quanto maior o PIB de cada país, a carga tributária, em termos absolutos, tenderá a ser maior, ainda que, percentualmente, não seja muito alta. Veja-se, a título de comparação, a carga tributária brasileira (32%) e a norte-americana (26%), cujos percentuais não significam que os brasileiros pagam mais tributos do que os norte-americanos. Isso porque, como assinalado, esses percentuais representam uma fração do PIB de cada país, sendo o PIB dos EUA muito maior do que o PIB brasileiro. Conforme dados divulgados pelo Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais (IPRI), órgão da Fundação Alexandre de Gusmão (FUNAG), vinculada ao Ministério das Relações Exteriores (MRE), em 2016, o PIB norte-americano foi da ordem de US$ 18,5 bilhões, enquanto o PIB brasileiro foi de US$ 1,8 bilhão 2 . Essa diferença enorme, claro, foi influenciada também pela grave recessão econômica brasileira, mas, mesmo nos melhores momentos de nossa economia, a diferença era substancial. Em 2012, por exemplo, a relação era de US$ 16 bilhões (EUA) para US$ 2,4 (bilhões) 3 . Em conta grosseira, assim, a arrecadação tributária dos EUA foi da ordem de US$ 4,8 bilhões, valor muito superior ao PIB brasileiro. Já a arrecadação tributária brasileira foi de aproximados US$ 0,57 bilhão. Portanto, saindo dos números relativos (percentual do PIB) e passando para os números absolutos, não há negar que a arrecadação tributária dos EUA é quase dez vezes a arrecadação tributária brasileira. 11-C. Em 2012, o jornal O Estado de São Paulo, utilizando dados da OCDE, divulgou as seguintes informações 4 : 1 Disponível em https://g1.globo.com/economia/noticia/2018/12/03/carga-tributaria-sobe-para-324-do-pib-em-2017-a-maior- em-4-anos.ghtml, consulta em 21.jan.2019. Os percentuais costumam variar, ano após anos, não apenas em razão das variações normais da economia, como também em razão dos critérios adotados para definir o que é, ou não, tributo. 2 Disponível em http://www.funag.gov.br/ipri/index.php/indicadores/47-estatisticas/94-as-15-maiores-economias-do-mundo- em-pib-e-pib-ppp, consulta em 23.jan.2019. 3 Disponível em http://www.funag.gov.br/ipri/index.php/indicadores/47-estatisticas/94-as-15-maiores-economias-do-mundo- em-pib-e-pib-ppp, consulta em 23.jan.2019. Esses valores variam a cada ano, porque também influenciados pela variação do câmbio. De todo modo, as eventuais variações não afastam a conclusão de que os EUA são muito mais ricos do que o Brasil. https://g1.globo.com/economia/noticia/2018/12/03/carga-tributaria-sobe-para-324-do-pib-em-2017-a-maior-em-4-anos.ghtml https://g1.globo.com/economia/noticia/2018/12/03/carga-tributaria-sobe-para-324-do-pib-em-2017-a-maior-em-4-anos.ghtml http://www.funag.gov.br/ipri/index.php/indicadores/47-estatisticas/94-as-15-maiores-economias-do-mundo-em-pib-e-pib-ppphttp://www.funag.gov.br/ipri/index.php/indicadores/47-estatisticas/94-as-15-maiores-economias-do-mundo-em-pib-e-pib-ppp http://www.funag.gov.br/ipri/index.php/indicadores/47-estatisticas/94-as-15-maiores-economias-do-mundo-em-pib-e-pib-ppp http://www.funag.gov.br/ipri/index.php/indicadores/47-estatisticas/94-as-15-maiores-economias-do-mundo-em-pib-e-pib-ppp Apostila de Direito Tributário I Carlos Victor Muzzi Filho Esta apostila destina-se apenas aos estudantes regularmente matriculados no Curso de Direito da Universidade FUMEC/FCH, e não dispensa a leitura dos bons autores de Direito Tributário. Todos os direitos reservados, vedada a reprodução não autorizada pelo autor. 12 Juntos, os governos dos países do G-7 arrecadaram US$ 8,729 trilhões em 2010 em cima de uma economia que produziu conjuntamente US$ 29,320 trilhões. O resultado é uma carga tributária de 29,77% do PIB. Já no Brasil, os tributos equivaleram a 33,56% da economia, segundo a Receita Federal. No entanto, no grupo dos sete países ricos, o PIB por habitante é de US$ 39.675, enquanto no Brasil é de apenas US$ 11.314. Considerando a carga tributária citada acima, o Estado brasileiro arrecadou naquele ano US$ 3.797 em impostos por habitante. Já os governos dos países do G-7 obtiveram US$ 11.811 para gastar com cada morador, mais que o triplo do verificado no Brasil. Em outras palavras, para tentar oferecer serviço público equivalente ao dos países do G-7 sem mexer na arrecadação, o Estado brasileiro deveria ser pelo menos três vezes mais eficiente - por exemplo, deveria ser capaz de construir três hospitais com o dinheiro que as nações ricas erguem apenas um. Esses cálculos levam em conta o tamanho da economia de cada país. Por exemplo, o PIB dos Estados Unidos equivale a 50% da economia total do G-7 e por isso sua carga tributária tem peso de 50% no cálculo da carga média. Outra possibilidade é calcular a média simples, somando a arrecadação por habitante dos países do G-7 e dividindo o resultado por sete. Nesse caso, a receita de tribiutos por pessoa é de US$ 12.268. No Brasil, para atingir esse nível, seria preciso uma carga tributária de 108% do PIB. A comparação usou os cálculos do FMI de paridade do poder de compra, que permitem uma comparação mais precisa considerando a diferença do poder de compra nos países. Esses dados revelam que o Estado brasileiro arrecada, em termos absolutos, muito menos recursos que os países mais desenvolvidos. Porém, os recursos arrecadados representam uma importante participação na renda total do Brasil (PIB). Por outras palavras, é possível dizer que a carga tributária brasileira é alta para quem paga, mas é baixa para quem arrecada, eis que, fundamentalmente, ainda somos um país pobre. 11-D. Realmente, Para além das discussões estatísticas, nosso PIB per capita traduz a nossa pobreza, se comparada com os países mais desenvolvidos. Segundo o Fundo Monetário Internacional 5 , o PIB per capita do Brasil é de US$ 9,16 mil/ano. Isso significa que para haver a mais justa distribuição de renda no Brasil, cada brasileiro deveria receber este valor por ano (cerca de R$ 36,7 mil/ano, o que corresponderia a R$ 3.053,00/mês). Já nos EUA, o PIB é de US$ 65 mil/ano; na Alemanha, US$ 50 mil/ano; no Chile, US$ 16,2 mil/ano; e na Austrália, 57,2 mil/ano. Não há mágica possível que faça, então, o serviço público no Brasil atingir padrões de qualidade semelhantes aos dos países desenvolvidos, dada a disparidade de recursos disponíveis para o governo brasileiro e para os governos daqueles países desenvolvidos. Daí se percebe, então, as dificuldades enormes em torno do tema da tributação no Brasil. 11-E. Ademais, qualquer discussão sobre justiça tributária deve considerar, também, o emprego dado às receitas tributárias arrecadadas, isto é, deve considerar como são gastos os tributos. Liam Murphy e Thomas Nagel anotam que as discussões sobre o tema da justiça tributária costumam sofrer de ―miopia‖, na medida em que tentam tratar a justiça na tributação como um assunto político isolado e auto- suficiente. O resultado não é simplesmente uma noção parcial da justiça governamental, mas uma noção falsa. Isso porque a justiça tributária não pode ser determinada sem que se examine o destino que o governo dá a seus recursos (MURPHY; e NAGEL, 2005, p. 20). 4 Disponível em https://economia.estadao.com.br/noticias/geral,arrecadacao-de-impostos-per-capita-no-brasil-e-um-terco-da- de-paises-ricos,123836e, consulta em 30.jan.2019. https://economia.estadao.com.br/noticias/geral,arrecadacao-de-impostos-per-capita-no-brasil-e-um-terco-da-de-paises-ricos,123836e https://economia.estadao.com.br/noticias/geral,arrecadacao-de-impostos-per-capita-no-brasil-e-um-terco-da-de-paises-ricos,123836e Apostila de Direito Tributário I Carlos Victor Muzzi Filho Esta apostila destina-se apenas aos estudantes regularmente matriculados no Curso de Direito da Universidade FUMEC/FCH, e não dispensa a leitura dos bons autores de Direito Tributário. Todos os direitos reservados, vedada a reprodução não autorizada pelo autor. 13 11-F. Em interessante estudo, Marciano Seabra de Godói, na linha de Murphy e Nagel, também entende ser parcial, míope e canhestra a análise da justiça tributária apenas pelo ângulo da receita, propondo, então verificar os motivos que levaram a esse sensível aumento da carga tributária, em que categoria de gastos públicos esse plus arrecadatório tem sido empregado, e de que forma esses gastos impactam a distribuição da riqueza e de bem-estar social entre os segmentos da população brasileira (GODÓI, 2013, p. 143). A carga tributária brasileira, nos trinta anos de vigência da Constituição de 1988, cresceu de forma constante, embora esteja mostrando certa estabilidade nos últimos anos. Segundo Marciano, que se utiliza de dados oficiais do Ministério da Fazenda, a carga tributária passou de 25,2% (do PIB), em 1991, para 35,31% (do PIB), em 2011 (GODÓI, 2013, p. 142). Esse incremento da carga tributária foi empregado, ainda segundo Marciano Seabra de Godói, em duas principais categorias de despesas públicas: a análise da literatura especializada sobre a evolução dos padrões de gastos públicos nesses 25 anos da vigência da Constituição (o artigo, repita-se, é de 2013), não deixa margem de dúvida de que duas categorias de despesas públicas foram as que de fato cresceram significativamente no período: as despesas financeiras (com o pagamento de juros e amortizações da dívida pública) e o gasto social. Essas foram as despesas que, em proporção do PIB nacional, aumentaram sensivelmente ao longo dos últimos 25 anos, e, consequentemente, são as principais motivadoras do forte aumento da carga tributária (GODÓI, 2013, p. 143). Os gastos de natureza social (previdência social, saúde, assistência social, educação, desenvolvimento agrário, cultura entre outras) saíram de 19,2% (do PIB), em 1995, para 25,2% (do PIB), em 2010 (GODÓI, 2013, p. 144). É inegável, porém, que ainda há muito desperdício, ainda há muito gasto mal feito, seja em razão da desonestidade (corrupção, desvio de recursos públicos, etc.), seja em razão de escolhas equivocadas ou má gestão (incompetência gerencial). Mas ainda assim, não há negar a positiva evolução da sociedade brasileira. Saímos, por exemplo, de uma expectativa de vida (no nascimento) de 48 anos (em 1960) para 62, 5 anos (em 1980), chegando a 73,4 anos (em 2010) 6 . Os índices de analfabetismo da população com 15 anos ou mais reduziram-se de 39,6% (em 1960), para 25,4% (em 1980), chegando a 10,1% (em 2010) 7 . Consequentemente, a média de anos de estudo da população com mais de 15 anos cresceu de 3,4 anos (1960) para 3,6 anos (1980), chegando a 7,6 anos (em 2012) 8 . Esses avanços, certamente,têm múltiplas causas, mas a maior atuação do Estado na área social (campanhas de vacinação, sistema único de saúde, expansão da educação básica, etc.) é fator muito importante na melhoria das condições de vida da população brasileira. E a pandemia da COVID-19, em 2020/2021, confirmou a importância da atuação estatal em momentos de crise, ampliando investimentos na área de saúde e assistência social, com o objetivo de combater a pandemia em si e atenuar os efeitos econômicos negativos das políticas públicas de combate à 5 Disponível em https://www.imf.org/external/datamapper/NGDPDPC@WEO/OEMDC/ADVEC/WEOWORLD, consulta em 2.fev.2019. 6 Folha de São Paulo, 23.mar.2014, caderno especial Tudo sobre a Ditadura Militar, p. 5. 7 Folha de São Paulo, 23.mar.2014, caderno especial Tudo sobre a Ditadura Militar, p. 5. 8 Folha de São Paulo, 23.mar.2014, caderno especial Tudo sobre a Ditadura Militar, p. 5. https://www.imf.org/external/datamapper/NGDPDPC@WEO/OEMDC/ADVEC/WEOWORLD Apostila de Direito Tributário I Carlos Victor Muzzi Filho Esta apostila destina-se apenas aos estudantes regularmente matriculados no Curso de Direito da Universidade FUMEC/FCH, e não dispensa a leitura dos bons autores de Direito Tributário. Todos os direitos reservados, vedada a reprodução não autorizada pelo autor. 14 pandemia (notadamente, os chamados ―lockdowns‖, que geraram a diminuição da atividade econômica, desemprego e redução da renda em muitos setores. Daí a conclusão de Marciano Seabra de Godói, com a qual concordo, de que o papel da tributação na redução da desigualdade social é ambíguo: por um lado, o contínuo aumento da carga tributária fornece uma base segura de recursos disponíveis para a expansão dos gastos sociais; mas, por outro lado, parte dos efeitos desconcentradores da expansão desses gastos sociais é revertida pela regressividade de um sistema tributário fortemente baseado na tributação do consumo de bens e serviços (GODÓI, 2013, p. 147). 11-G. Enfim, como ainda salienta Phillippe Jouvelot, presidente da AXA Brasil, companhia seguradora, antes de condenar a tributação, é preciso salientar que o Brasil possui sistemas universais de aposentadoria, saúde e educação – algo raríssimo na maior parte dos países do mundo. Isso custa dinheiro ao Estado e, portanto, tributos à população (JOUVELOT, 2017, p. A-14). A discussão sobre a justiça tributária, então, passa, fundamentalmente, pela discussão sobre a sociedade que queremos, e qual o papel do Estado nessa sociedade. É muito superficial, assim, a crítica ao tamanho da carga tributária que não considere, igualmente, o volume de serviços públicos que o Estado deve prestar, visto que, fundamentalmente, são os tributos que custeiam tais serviços públicos. 12. Ao longo desta Apostila, esses temas serão mencionados, mas ela, a Apostila, se volta especialmente para a dogmática tributária, essencial, mas insuficiente, para se compreender todo o fenômeno da tributação. Apostila de Direito Tributário I Carlos Victor Muzzi Filho Esta apostila destina-se apenas aos estudantes regularmente matriculados no Curso de Direito da Universidade FUMEC/FCH, e não dispensa a leitura dos bons autores de Direito Tributário. Todos os direitos reservados, vedada a reprodução não autorizada pelo autor. 15 2º Ponto: Tributo e espécies tributárias Acepções da palavra tributo A definição do artigo 3º do CTN O art. 4º do CTN: a denominação do tributo e o produto de sua arrecadação Espécies tributárias Extrafiscalidade e parafiscalidade e outras classificações dos tributos Imposto Taxa Contribuição de melhoria Contribuição especial Empréstimo compulsório Outras figuras (tributárias e não tributárias) Acepções da palavra tributo 13. Existem várias acepções, isto é, vários significados para a palavra tributo. Ora ela é utilizada como quantia em dinheiro, ora é a prestação decorrente da relação jurídica tributária, ora ainda é empregada como objeto do direito do sujeito ativo (CARVALHO, 2017, p. 15), além de outras acepções de natureza não jurídica, falando-se, por exemplo, em tributo a Bob Marley, no sentido de homenagem a Bob Marley. Assinale-se, mais uma vez, que o fenômeno tributário supera, em muito, os horizontes do Direito, sendo objeto de cogitações na Economia, na Política, na Sociologia, etc. Assim, a visão jurídica é, necessariamente, limitada e parcial. 14. Juridicamente, há conhecida definição em nosso direito positivo (art. 3º do Código Tributário Nacional, CTN, Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966, recepcionado pela Constituição Federal como lei complementar, complementado ainda pelo art. 4º também do CTN). Para Geraldo Ataliba, o CTN definiu o tributo de forma didática, de tal maneira que o artigo merece encômio (SOUSA; ATALIBA; e CARVALHO, 2007, p. 44). Já Paulo de Barros Carvalho diz que o CTN se utiliza de linguagem técnica, misto de linguagem comum e linguagem científica, que ele também define como linguagem natural [...] que o político, despreocupado com o rigor, comete alguns erros grosseiros (CARVALHO, 2017, p. 55/56 passim). Já na linha de Geraldo Ataliba, Sacha Calmon Navarro Coelho afirma a excelência dogmática do conceito posto no art. 3º do CTN, dizendo que ele, fruto de intensa observação do fenômeno jurídico, é dos mais perfeitos do mundo (COÊLHO, 2020, p. 278). 15. Doutrinariamente, também se questiona existência de um conceito constitucional de tributo. Este conceito, se há, não está expresso, devendo ser inferido a partir de disposições diversas da Constituição da República. O tema não encontra uniformidade na doutrina. Segundo o art. 146, III, a, da CR/1988, ―cabe à lei complementar (...) estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre definição de tributos e de suas espécies‖, o que permite afirmar que, expressamente, a Constituição não quis definir o que seja tributo. Apostila de Direito Tributário I Carlos Victor Muzzi Filho Esta apostila destina-se apenas aos estudantes regularmente matriculados no Curso de Direito da Universidade FUMEC/FCH, e não dispensa a leitura dos bons autores de Direito Tributário. Todos os direitos reservados, vedada a reprodução não autorizada pelo autor. 16 Nessa toada, Luís Eduardo Schoueri, após transcrever a referida alínea a do inciso III do art. 146, afirma que, por força desse dispositivo, afasta-se, com isso, no Brasil, a dúvida quanto à possibilidade de o legislador infraconstitucional definir o que é tributo. O mandamento para tanto surge da própria Constituição (SCHOUERI, 2017, p. 154). Ressalta, porém, que o legislador complementar não é completamente livre para definir tributo, porque o Constituinte tinha uma noção (tipológica) da existência de tributos e com eles trabalhou na previsão de recursos financeiros para o Estado. Não poderia a lei complementar chamar de ―tributo‖ o que bem quisesse, citando como exemplo o confisco, que jamais caberia, por força do art. 150, IV, da CR/1988, no conceito de tributo (SCHOUERI, 2017, p. 154). De modo não muito diferente, Ricardo Lobo Torres sustenta a constitucionalização do conceito de tributo, porque o constituinte, ao elaborar a Constituição de 1988, teria encontrado a definição codificada [...] em vigor e não seria razoável concluir-se que a não tenha adotado (TORRES, 2013, p. 373/374), de modo que o conceito do CTN teria sido pressuposto pela vigente Constituição. Ainda segundo Ricardo Lobo Torres, para a Constituição Federal de 1988, tributo é um dever fundamental, limitado pelos direitos fundamentais, que destina-se a suportar os gastos essenciais do Estado, emanando, ainda, do poder específico de legislar sobre tributo no marco do poder distribuídopela Constituição (TORRES, 2013, p. 374, ―passim‖). Também nessa linha, Leandro Paulsen, pontua que a CR/1998, ao dispor sobre competências tributárias, limitações ao poder de tributar e repartição das receitas tributárias, permite que se extraia do seu próprio texto qual o conceito de tributo por ela considerado, reconhecendo que a Constituição recepcionou o conceito de tributo constante do CTN (PAULSEN, 2018, p. 42 e 44, ―passim‖). 16. Em minha opinião, é correto afirmar, como faz Schoueri, que, a partir da CR/1988, surgem, a grossos traços, as características do o que seria um tributo para o constituinte. Se ele não o definiu, não significa que não o conhecia (SCHOUERI, 2017, p. 154). Todavia, a CR/1988 não definiu, precisamente, o que seja tributo, sendo essa missão atribuída ao legislador infraconstitucional, sendo a definição contida no art. 3º, conjugado com o art. 4º, ambos do CTN, compatíveis com o texto da CR/1988. 16-A. Mas, para além dessa questão sobre a constitucionalização do conceito de tributo, há que se pontuar que o atual regramento jurídico-positivo, no Brasil, já evoluiu desde a edição do CTN, em 1966, devendo ser repensado ou revisto o conceito de tributo. Inovações constitucionais e legislativas põem em dúvida a permanência do art. 3º e do art. 4º, ambos do CTN. 16-B. Exemplo dessas inovações se tem na regra introduzida no parágrafo único do art. 146 da CR/1988 (conforme Emenda Constitucional, EC, nº 42,de 2003), cujo inciso I cogita de um regime único de arrecadação de impostos e contribuições, sendo uma de suas características a sua natureza opcional para o contribuinte. Trata-se do chamado Supersimples ou Simples Nacional (regulamentado pela Lei Complementar nº 123, de 2006), que se constitui, em minha opinião, em um novo tributo, e não apenas em um regime único de arrecadação. E esse novo tributo escapa do conceito do CTN, por adotar a característica da voluntariedade (ou do consentimento) do contribuinte, mas esse tema foge aos objetivos Apostila de Direito Tributário I Carlos Victor Muzzi Filho Esta apostila destina-se apenas aos estudantes regularmente matriculados no Curso de Direito da Universidade FUMEC/FCH, e não dispensa a leitura dos bons autores de Direito Tributário. Todos os direitos reservados, vedada a reprodução não autorizada pelo autor. 17 da presente Apostila. Porém, para maior aprofundamento dessa discussão, ver, da minha autoria, Segurança jurídica e praticabilidade: o consentimento do contribuinte na relação tributária (MUZZI FILHO, 2014) e Obrigação tributária bilateral: consentimento do contribuinte? (MUZZI FILHO, 2016). 16-C. Também as contribuições especiais, por sua vinculação a uma determinada finalidade, provocam discussões sobre a atualidade do conceito de tributo posto nos arts. 3º e 4º do CTN, tema abordado mais adiante (itens nº 74), no estudo destas contribuições especiais. 16-D. Todavia, apesar dessas inovações, ainda se adota, rotineiramente, o conceito de tributo contido no art. 3º do CTN, a despeito de novas figuras tributária que eventualmente contradigam ou não se conformem integralmente àquele conceito. Especialmente para fins do curso de graduação, deve ser prestigiado o conceito decorrente do art. 3º do CTN, complementado ainda pelo art. 4º também do CTN. 17. Necessário, ademais, destacar, com Geraldo Ataliba, a vinculação do conceito de tributo a um dado ordenamento jurídico positivo. O conceito de tributo, em termos jurídicos, há de ser formulado, hoje, de modo diverso, relativamente ao passado. Sofreu evolução. Pode modificar-se e até desaparecer. [...] Como todo conceito jurídico-positivo, é mutável, por reforma constitucional (ATALIBA, 1998, p. 37). A definição do artigo 3º do CTN 18. Passando-se, então, ao exame do conceito de tributo expresso no art. 3º do CTN, calha a sua transcrição literal, para, em seguida, se fazer a decomposição do referido conceito: Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada. 19. Tributo é toda prestação [...] compulsória. Afirmar que o tributo é prestação implica atribuir a ele uma natureza obrigacional, de modo que a a relação tributária entre fisco e contribuinte tenha natureza obrigacional. Consequentemente, por se tratar de relação obrigacional, um sujeito (ativo) pode exigir de outro sujeito (passivo) uma determinada prestação (tributo). E reconhecer ao tributo a natureza tributária significa, sob o enfoque jurídico, colocar fisco e contribuinte em um plano de igualdade jurídica, porque ambos se tornam parte de uma relação jurídica (de natureza obrigacional). Embora predominante o entendimento do tributo como relação jurídica obrigacional, há alguns autores que negam essa definição, por entender haver, sempre, uma relação verticalizada (de subordinação) entre fisco e contribuinte (Aurélio Seixas Pitanga Filho). Se se reconhece, porém, a existência de uma relação obrigacional, há que se negar essa subordinação, aceitando-se, ao contrário, a igualdade jurídica entre ambos. A obrigação tributária, por outro lado, é obrigação legal (ou ―ex lege‖), motivo pelo qual o CTN a ela se refere como compulsória. O dever de pagar decorre de previsão legal, pouco importando que o contribuinte queira, ou não, pagar o tributo. O contribuinte, normalmente, até quer praticar o fato gerador Apostila de Direito Tributário I Carlos Victor Muzzi Filho Esta apostila destina-se apenas aos estudantes regularmente matriculados no Curso de Direito da Universidade FUMEC/FCH, e não dispensa a leitura dos bons autores de Direito Tributário. Todos os direitos reservados, vedada a reprodução não autorizada pelo autor. 18 do tributo (isto é, a situação que dá origem ao dever de pagar o tributo): quer vender bem imóvel (fato gerador do ITBI – Imposto sobre a Transmissão Onerosa de Bens Imóveis, por ato inter vivos), quer auferir renda (fato gerador do IR – Imposto de Renda), quer vender mercadoria (fato gerador do ICMS – Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços), entre outros. Entretanto, ele não precisa querer pagar, nos exemplos, o ITBI, ou o IR, ou o ICMS, porque a prestação tributária é compulsória, vale dizer, praticado o fato gerador, incide a regra tributária, surgindo o dever tributário de pagar o valor devido. Luciano Amaro critica a redação do art. 3º do CTN, afirmando que tal dispositivo certamente quis expressar que o nascimento da obrigação de prestar (o tributo) é compulsório (ou forçado), no sentido de que esse dever se cria por força de lei (obrigação ex lege), e não da vontade dos sujeitos da relação jurídica (obrigação ex voluntate) (AMARO, 2012, p. 44). De modo mais preciso, pode se dizer que a vontade do contribuinte se mostra irrelevante na formação da obrigação tributária, que surge mesmo contra a sua vontade. Esta a distinção clara que há entre a obrigação legal e a chamada obrigação contratual ou voluntária (―ex contractu‖ ou ―ex voluntate‖), pois esta última, obrigação contratual ou voluntária, surge apenas como decorrência da manifestação de vontade da pessoa. O locatário se obriga a pagar o aluguel, desde que, antes, tenha concordado em celebrar o contrato de locação. Assinale-se que a distinção entre obrigação legal e contratual se faz tendo em vista a formação delas, e não em relação ao seu adimplemento ou cumprimento, pois que, sob este ângulo, ambas são obrigatórias, não havendo distinção. Como mencionado acima, a previsão contida no art. 146, parágrafo único, da Constituição Federal (acrescentado pela EC 42/3003), especialmente em seu inciso I, abre espaços para se sustentar a existência de tributos opcionais (que, na prática, já se fazem presentes no nosso ordenamento jurídico, embora a doutrinanão mostre preocupação com estas inovações normativas). Repita-se, contudo, que, para fins deste curso de graduação, ainda deve prevalecer o entendimento de que o tributo é sempre compulsório. 20. (Tributo é prestação) “pecuniária, (...) em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir” Esta a passagem mais criticada na definição legal de tributo. Afirma-se que a expressão ―em moeda‖ é redundante, porque ―prestação pecuniária‖ é prestação ―em moeda‖. Luciano Amaro afirma que a parte final, ―ou cujo valor nela se possa exprimir‖, apenas faria ecoar a redundância já decorrente do emprego dos termos ―prestação pecuniária‖ e ―em moeda‖ (AMARO, 2012, p. 41).. Paulo de Barros Carvalho critica a alusão à ―moeda ou cujo valor nela se possa exprimir‖, muito embora reconheça que, tal como posto no art. 3º do CTN, outras prestações cujo valor possa ser expresso em moeda integrariam o conceito legal de tributo, como seria o serviço militar ou o serviço eleitoral (CARVALHO, 2017, p. 56). Esta, aliás, a tese de Alfredo Augusto Becker (BECKER, 1972, p. 577), autor clássico do Direito Tributário brasileiro, renegada, porém, por grande número de autores, como Geraldo Ataliba (ATALIBA, 1998, p. 37/38), Luciano Amaro (AMARO, 2012, p. 42/43), Sacha Calmon (COÊLHO, 2016, p. 366) e Hugo de Brito Machado (MACHADO, 2017, p. 58), entre outros. Rubens Gomes de Sousa, em posição intermediária, afirmam que o art. 3º do CTN quis alcançar hipóteses, excepcionais, em que o crédito tributário se extinguiria, por exemplo, com a dação em Apostila de Direito Tributário I Carlos Victor Muzzi Filho Esta apostila destina-se apenas aos estudantes regularmente matriculados no Curso de Direito da Universidade FUMEC/FCH, e não dispensa a leitura dos bons autores de Direito Tributário. Todos os direitos reservados, vedada a reprodução não autorizada pelo autor. 19 pagamento (forma de pagamento, segundo o Direito Civil, que é feita com a entrega de prestação diversa daquela devida) (SOUSA; ATALIBA; e CARVALHO, 2007, p. 44). Hugo de Brito Machado admite esta hipótese, mas entende inútil a previsão, porque a dação em pagamento seria exceção, e não uma forma ordinária de extinção do crédito tributário (MACHADO, 2017, p. 58). Enfim, apesar da amplitude da expressão valor [que] nela se possa exprimir, predomina a tese de que tributo é prestação pecuniária. 21. (Tributo é prestação) “que não constitua sanção de ato ilícito” Tributo não é penalidade, não é sanção pela prática de ato ilícito (as multas de trânsito, as multas ambientais, por exemplo, não são tributos). Esta afirmação de que tributo não pode ser ―sanção de ato ilícito‖ provoca, por outro lado, muita discussão sobre a chamada tributação do ilícito. É possível afirmar que não poder ser o tributo a consequência (sanção) pelo descumprimento de dever jurídico, o que não impediria, contudo, a tributação de situações que, sendo manifestações de capacidade contributiva, tivessem origem em atos ilícitos. Há expressão latina, ―pecunia non olet‖ (que é imputada ao Imperador romano Tito Flávio Vespasiano, 7-79 DC), invocada nesse sentido: não importa a origem, de tal modo que mesmo a renda obtida ilicitamente. Nesse contexto, não se deveria tributar, por exemplo, o tráfico de drogas pelo ICMS (imposto que incide sobre o comércio de mercadorias); todavia, poder-se-ia admitir a tributação da renda auferida com o tráfico de drogas, porque o Imposto de Renda, neste caso, não incidiria diretamente sobre a atividade ilícita, mas sobre a renda (ainda que originada de um ato ilícito, o tráfico de drogas). O tema desperta muita polêmica na doutrinária, e será retomado, quando do estudo do fato gerador. Atenção para a hipótese prevista no art. 182, § 4º, da Constituição Federal, relativa ao IPTU. Embora o dispositivo refira-se à ―pena‖, não se trata, propriamente, de sanção, mas de medida indutora do ―adequado aproveitamento‖ da ―área incluída no plano diretor‖. O termo pena não foi empregado em sentido técnico. Tem-se, aqui, exemplo da chamada função extrafiscal dos tributos, que não implica em sua transformação em sanção. Na extrafiscalidade, a tributação assume também função regulatória, sendo empregada para inibir ou induzir comportamentos na sociedade, mas esses comportamentos induzidos ou inibidos são comportamentos lícitos (o tema será retomado mais adiante). 22. (Tributo é prestação) “instituída em lei” A vinculação à lei é a consagração do princípio da legalidade, que funciona como condição de validade para a instituição do tributo. Assim, a prestação pecuniária compulsória, que não constitua sanção por ato ilícito (isto é, o tributo), para ser validamente exigida, deve estar prevista em lei; se não estiver, será tributo inválido. Observe-se que a alusão à lei vem sendo atenuada, ao longo do tempo, até porque, segundo a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, os tributos podem ser criados também por medida provisória. Este entendimento foi consolidado com a EC 32/2001, antes da qual era possível a contínua reedição de medidas provisórias, às vezes por anos, de tal modo que tributos eram criados e disciplinados Apostila de Direito Tributário I Carlos Victor Muzzi Filho Esta apostila destina-se apenas aos estudantes regularmente matriculados no Curso de Direito da Universidade FUMEC/FCH, e não dispensa a leitura dos bons autores de Direito Tributário. Todos os direitos reservados, vedada a reprodução não autorizada pelo autor. 20 apenas por aquele instrumento. Ademais, como adiante abordado, há tributos que devem ser criados por lei complementar, embora a regra seja a criação por lei ordinária. 23. (Tributo é prestação) “cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada”. Há autores que criticam a expressão, porque, cada vez mais, os tributos são objeto de lançamento por homologação (ou autolançamento), os quais dispensariam qualquer ―atividade administrativa‖ (AMARO, 2012, p. 44). O contribuinte pagaria o tributo sem nenhuma intervenção estatal, cabendo ao Estado, apenas, o controle ―a posteriori‖ do cumprimento da obrigação tributária. Eduardo Marcial Ferreira Jardim afirma que tal cláusula nada diz com a configuração do tributo, ou seja, a forma de se cobrar (exigir) o tributo não afeta a sua natureza. Rubens Gomes de Sousa, todavia, afirma que esta expressão – ―cobrada mediante atividade...‖ – seria, em última análise, o elemento definidor do tributo em contraste com outras receitas públicas, vale dizer, o que definiria o tributo seria o tipo de atividade administrativa empregada na sua arrecadação. Esta afirmação me parece exagerada, porque a forma de se cobrar o tributo, efetivamente, não influi em sua natureza, ajustando-se às conveniências do fisco. O art. 4º do CTN: a denominação do tributo e o produto de sua arrecadação 24. O art. 4º do CTN complementa o conceito de tributo, dizendo sobre aspectos que não influenciam o conceito de tributo. 25. O nome adotado pelo legislador, bem como as demais características formais são irrelevantes (art. 4º, I, do CTN). O legislador não precisa ser jurista, de modo que o uso de denominações inadequadas já foi muito comum. Atualmente, há maior esmero legislativo na definição das novas exações, não havendo, assim, tentativa de disfarçar determinado tributo com o emprego desta ou daquela denominação equivocada. Ainda que haja, porém, o disfarce não prevalecerá, por força do art. 4º, I, do CTN. De igual forma, características formais não seriam suficientes para definir a natureza específica do tributo, o que, de certa maneira, contradiz a parte final do art. 3º do CTN, que, como visto, justamente invoca característica formal (a forma de cobrança) para definir o que seja tributo. 26. O destino do produto da arrecadação também não é relevante para a definição do tributo (inciso II do art. 4 º do CTN). Para Geraldo Ataliba,o art. 4º do CTN talvez seja o mais feliz de todos os existentes aqui no Código. Ainda com Ataliba, a destinação da receita é despesa pública, sendo, assim, matéria afetada ao Direito Financeiro. No plano constitucional, a Constituição Federal tem disposição expressa vedando a vinculação da ―receita de impostos a órgão, fundo ou despesa‖, embora faça várias ressalvas (art. 167, IV, com última redação da EC 42/2003; ver ainda, por exemplo, § 6 o do art. 216 da Constituição Federal, conforme EC 42/2003). Apostila de Direito Tributário I Carlos Victor Muzzi Filho Esta apostila destina-se apenas aos estudantes regularmente matriculados no Curso de Direito da Universidade FUMEC/FCH, e não dispensa a leitura dos bons autores de Direito Tributário. Todos os direitos reservados, vedada a reprodução não autorizada pelo autor. 21 27. Todavia, diante da importância que as chamadas contribuições especiais vêm assumindo na vida tributária, vários autores têm afirmado que, constitucionalmente, a destinação do produto da arrecadação passou a ser importante, ao menos para o estudo das contribuições, porque a própria Constituição de 1988 assim o previu (nesse tom, Misabel Derzi; Luciano Amaro; e Marco Aurélio Greco). Cogita-se, então, de tributos finalísticos, os quais teriam sua validade condicionada ou vinculada ao destino dado ao produto da arrecadação (conforme opinião de alguns autores). Confira-se, por exemplo, o § 1º do art. 149 da Constituição Federal, que vincula a receita da ―contribuição previdenciária ao custeio (...) do regime previdenciário‖ (também art. 195 da Constituição Federal); a contribuição de iluminação pública, de modo semelhante, destina-se ao ―custeio do serviço de iluminação pública‖ (art. 149-A da Constituição, conforme EC 39/2002). Fenômeno análogo ocorre quanto aos empréstimos compulsórios (art. 148 da Constituição Federal). A EC 45/2004, tratando do Poder Judiciário, também deu destinação específica à taxa judiciária: ―as custas e emolumentos serão destinados exclusivamente ao custeio dos serviços afetos às atividades específicas da Justiça” (art. 98, § 2º, da Constituição Federal). O tema ainda está em aberto, já existindo obras que dele cuidam especificamente (BOTELHO, 1994; e GRECO, 2000), sendo um dos pontos de desgaste do conceito de tributo posto no CTN (segundo Leandro Paulsen, pode-se dizer, tranquilamente, que o art 4º do CTN está superado). Em minha opinião, embora seja relevante a destinação dada ao produto arrecadado com o tributo - sob o ângulo do Direito Financeiro e, ainda, sob os ângulos político, ético, e da moralidade administrativa – me parece muito difícil que este controle possa ser feito apenas (ou principalmente) pelo Direito Tributário, porque o critério de validação do tributo seria posterior ao seu pagamento. Além de dificuldade lógico-jurídica, há dificuldades práticas em estabelecer relação direta entre o valor pago pelo contribuinte e o valor gasto pelo Poder Público. Assim, sob o ângulo prático, a regra do art. 4 o , II, do CTN, continua sendo a mais factível, sendo apressado afirmar a sua superação, mais ainda sua superação tranqüila, embora, repito, no plano ideal, fosse extremamente recomendável que o Direito Tributário pudesse regular, não só a arrecadação de recursos, mas o seu posterior gasto. Espécies tributárias 28. Visto o conceito de tributo (gênero), passa-se ao exame de suas espécies. A classificação das espécies tributárias também é tema recheado de polêmicas doutrinárias e jurisprudenciais. Várias classificações já foram propostas, havendo sempre a tensão entre conceitos doutrinários e regras de direito positivo. Às vezes, explicar o direito positivo é tarefa bastante ingrata, principalmente quando as normas tributárias têm por objetivo a resolução de problemas econômicos ou fiscais bem concretos, não se considerando, na busca desse objetivo, as proposições doutrinárias ou os conceitos teóricos. Por isso, então, a existência do que Sacha Calmon, jocosamente, apelidou de ornitorrincos jurídicos, criados pelo legislador em desarmonia com a lição da academia. 29. Geraldo Ataliba afirma que a classificação das espécies tributárias, ou a definição da natureza específica do tributo (nos termos do art. 4º do CTN), deve tomar em consideração os ―cânones Apostila de Direito Tributário I Carlos Victor Muzzi Filho Esta apostila destina-se apenas aos estudantes regularmente matriculados no Curso de Direito da Universidade FUMEC/FCH, e não dispensa a leitura dos bons autores de Direito Tributário. Todos os direitos reservados, vedada a reprodução não autorizada pelo autor. 22 constitucionais‖. Há inúmeros outros critérios de classificação, propostos pelo Direito Financeiro, mas estes critérios não são necessariamente jurídicos, muito embora possam fornecer elementos para inspirar o trabalho legislativo (elementos pré-jurídicos, segundo Ataliba). 30. A Constituição Federal afirma, à primeira vista, que seriam três as espécies tributárias: impostos, taxas e contribuição de melhoria (art. 145, incisos I a III). Há ressalvas, porém (item nº 41). A Constituição de 1946 fazia referência aos impostos (arts. 15, 19 e 29), à contribuição de melhoria (inciso I do art. 30), às taxas (inciso II) e a ―quaisquer outras rendas que possam provir do exercício de suas atribuições e da utilização de seus bens e serviços‖ (inciso III). Não dizia, porém, que estas três últimas figuras (art. 30) fossem tributos. A EC 18, de 06.12.1965 afirmou que ―o sistema tributário nacional compõe-se de impostos, taxas e contribuições de melhoria‖ (art. 1º). Esta regra foi repetida pelo art. 18 da Carta de 1967. Também no art. 18 da EC 1/1969. Tradicionalmente, pois, as Constituições, desde 1946, adotam classificação tripartida (impostos, taxas e contribuições de melhoria). 31. O Código Tributário Nacional (Lei 5.172), que é de 1966, adotou também a classificação tripartida (art. 5º), com ressalvas (conforme exposto, mais adiante, no item nº 41). 32. Esta classificação decorre da divisão que se faz, no plano doutrinário, entre tributos não vinculados a uma atividade estatal e tributos vinculados a uma atividade estatal (Sacha Calmon, Geraldo Ataliba, entre tantos outros), distinção esta que foi incorporada pelo legislador brasileiro, segundo a opinião doutrinária predominante. Por esta teoria, a natureza específica do tributo (isto é, a espécie do tributo) deve ser apurada a partir da análise do fato gerador (conforme art. 4º do CTN: ―a natureza específica do tributo é determinada pelo fato gerador da respectiva obrigação‖). Este o entendimento, v.g., de Sacha (COÊLHO, 2020, p. 280/285), Geraldo Ataliba e Bernardo Ribeiro de Moraes. Fato gerador, por agora, é a situação que, descrita em lei, faz surgir a obrigação de pagar o tributo (obrigação tributária). Se esta situação (isto é, o ―fato gerador‖) estiver relacionada (vinculada) a uma ação estatal, o tributo será tributo vinculado (a uma atividade estatal). Se tal situação (―fato gerador‖) não estiver relacionada (vinculada) a nenhuma ação estatal, ele será tributo não-vinculado (a uma atividade estatal). 33. Vários autores – conforme exposto também em tópico posterior – afirmam que esta ―natureza específica‖ deve ser apurada a partir, não apenas do exame do ―fato gerador‖, mas também do exame da ―base de cálculo‖ do tributo (v.g., Misabel Derzi e Paulo de Barros Carvalho). Há aqueles que ainda concentram importância na ―base de cálculo‖, relegando a segundo plano o ―fato gerador‖, como elemento definidor da ―natureza específica do tributo‖ (v.g., Alfredo Augusto Becker). O tema será retomado, quando se estudar a base de cálculo dos tributos, bastando assentar, por agora, a premissa de que o fato gerador é o que determina a natureza específica do tributo (isto é, a espécie tributária). 34. A Constituição Federal vincula as taxase a contribuição de melhoria a uma ação estatal, sendo, por isso, tributos vinculados. Apostila de Direito Tributário I Carlos Victor Muzzi Filho Esta apostila destina-se apenas aos estudantes regularmente matriculados no Curso de Direito da Universidade FUMEC/FCH, e não dispensa a leitura dos bons autores de Direito Tributário. Todos os direitos reservados, vedada a reprodução não autorizada pelo autor. 23 As taxas podem ser instituídas ―em razão do exercício do poder de polícia‖ ou em razão da ―utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição‖ (inciso II do art. 145). São, o exercício do poder de polícia e a prestação de serviço público, típicas atividades estatais, motivo pelo qual a taxa é tributo vinculado (isto é, tem seu fato gerador vinculado a uma atividade estatal). A contribuição de melhoria é ―decorrente‖ de obras públicas (inciso III do art. 145). No caso, atividade estatal é a realização de obra pública. Por serem vinculadas a uma atuação estatal, as taxas e contribuições podem ser exigidas por qualquer ente federativo, União, Estados, Distrito Federal ou Municípios, desde que eles exerçam a atividade estatal correspondente. 35. Os impostos, por sua vez, não merecem nenhuma referência específica da Constituição (inciso I do art. 145). Ela discrimina quais os âmbitos de incidência dos impostos federais, estaduais (ou distritais) e municipais (ou distritais), atribuindo a cada entidade da Federação a competência para instituir os impostos. Os fatos (ou situações) considerados pela Constituição, em relação aos impostos, não guardam nenhuma relação com uma atividade estatal (importação, exportação, rendas e proventos, operações de circulação de mercadorias, etc.), sendo atividades dos sujeitos passivos (―contribuintes‖). Por não ser vinculado a uma atividade estatal, o imposto somente pode ser criado pela entidade tributante designada (competente) pela Constituição Federal. 36. A teoria dos tributos vinculados e não vinculados é, assim, insumo para se fazer a repartição constitucional de competência tributária (COÊLHO, 2020, p. 42/49, especialmente 45/46). Rubens Gomes de Sousa, aliás, afirma que a classificação dos tributos seria desnecessária, não fosse a sua aplicação prática para a repartição daquela competência constitucional (SOUSA, 1960, p. 143 e p.. A questão será retomada no exame da competência tributária. 37. O Código Tributário Nacional acolheu a teoria dos tributos vinculados e tributos não vinculados, conceituando, em seu art. 16, o que é imposto: ―Imposto é o tributo cuja obrigação tem por fato gerador uma situação independente de qualquer atividade estatal especifica, relativa ao contribuinte‖. Já os tributos vinculados (a uma atividade estatal) são definidos no art. 77 (taxas) e no art. 81 (contribuição de melhoria). Na taxa, a vinculação seria direta (ou imediata) à atividade estatal, sendo indireta (ou mediata) na contribuição de melhoria (Geraldo Ataliba). Isso porque, em relação às taxas, basta o exercício do poder de polícia ou a prestação de serviço público específico e divisível; na contribuição de melhoria, além da atuação estatal (realização de obra pública), deveria haver benefício para o contribuinte (valorização do imóvel). 38. Várias são as classificações doutrinárias das espécies tributárias. Sucintamente, podem se elencadas as seguintes: Apostila de Direito Tributário I Carlos Victor Muzzi Filho Esta apostila destina-se apenas aos estudantes regularmente matriculados no Curso de Direito da Universidade FUMEC/FCH, e não dispensa a leitura dos bons autores de Direito Tributário. Todos os direitos reservados, vedada a reprodução não autorizada pelo autor. 24 a) Os tributos são impostos ou taxas, como sustentam Pontes de Miranda e Alfredo Augusto Becker (BECKER, 1972, p. 345/346). Quaisquer outras figuras se encaixariam nestes dois tipos, cuja distinção se baseia na vinculação ou não vinculação do fato gerador a uma atividade estatal. Simplificadamente, diz-se que o tributo é vinculado (taxa) ou não vinculado (imposto), não havendo nenhum gênero intermediário. b) Os tributos são impostos, taxas ou contribuição de melhoria (v.g., Geraldo Ataliba, Paulo de Barros Carvalho, Roque Carrazza). Classificação muito difundida, mantém a distinção feita na classificação anterior (item a), mas acrescenta uma espécie intermediária, a contribuição de melhoria, a qual exigiria uma atuação do Estado (obra pública) e um fato do sujeito passivo (valorização do imóvel). Para esta classificação doutrinária, outras figuras tributárias, como o empréstimo compulsório e contribuições em geral, se encaixariam naqueles três tipos. c) Os tributos são impostos, taxas, contribuição de melhoria e empréstimo compulsório (Fábio Fanucchi). Distingue o empréstimo compulsório como espécie autônoma, em função de ser o empréstimo compulsório tributo restituível. d) Os tributos são impostos, taxas, contribuições de melhoria e contribuições especiais, segundo Hugo de Brito Machado (MACHADO, 2017, p. 67/68), que não reconhece natureza tributária ao empréstimo compulsório, dada sua natureza restituível, não se constituindo, sob o ângulo do Direito Financeiro, receita. d) Os tributos são impostos, taxas, contribuição de melhoria, empréstimo compulsório e contribuições especiais (Ives Gandra, Celso Bastos, Leandro Paulsen e Eduardo Marcial Jardim). É a classificação também aceita no STF: De feito, a par das três modalidades de tributos (os impostos, as taxas e as contribuições de melhoria) a que se refere o artigo 145..., os artigos 148 e 149 aludem a duas outras modalidades tributárias, para cuja instituição só a União é competente: o empréstimo compulsório e as contribuições sociais, inclusive as de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais e econômicas (RE 146.733-SP, Pleno, Rel. Min. Moreira Alves, RTJ, 143/684). 39. Além destas classificações, anote-se, ainda, que Luciano Amaro oferece classificação peculiar: a) impostos; b) taxas (aqui incluídos o pedágio e a contribuição de melhoria); c) contribuições e d) empréstimos compulsórios (AMARO, 2019, p. 103 e seguintes). 40 Também Sacha Calmon Navarro Coêlho (COÊLHO, 2020, p. 285) apresenta sua classificação: a) impostos (tributos não-vinculados), divididos em: a.1) impostos gerais a.2) impostos restituíveis (empréstimos compulsórios) a.3) impostos especiais ou finalísticos (contribuições não-sinalgmáticas para a seguridade social, contribuições corporativas e contribuições interventivas, mencionadas no art. 149 e no art. 195 da Constituição Federal) b) taxas (tributos vinculados), divididas em b.1) de serviços b.2) de polícia c) contribuições (tributos vinculados), divididas em: c.1) contribuição de melhoria c.2) contribuição especial retributiva (contribuição previdenciária) Apostila de Direito Tributário I Carlos Victor Muzzi Filho Esta apostila destina-se apenas aos estudantes regularmente matriculados no Curso de Direito da Universidade FUMEC/FCH, e não dispensa a leitura dos bons autores de Direito Tributário. Todos os direitos reservados, vedada a reprodução não autorizada pelo autor. 25 40-A Observe-se que Sacha Calmon separa as contribuições em três categorias diferentes. As contribuições não sinalagmáticas para a seguridade social (basicamente, contribuições devidas pelos empregadores), as contribuições interventivas (ou CIDE – Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico) e as contribuições corporativas (devidas aos chamados Conselhos Profissionais, de Medicina, de Engenharia e Arquitetura, etc., ressalvando-se o caso da contribuição para a OAB, examinada no tópico nº 88). Já as contribuições especiais sinalagmáticas (art. 195 da Constituição Federal, notadamente as contribuições dos
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