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1 Disciplina: Bases Neurológicas da Aprendizagem e Neuropsicopedagogia Autores: M.e Jefferson Souza Santos Revisão de Conteúdos: Carolinne Prado Engelhardt Revisão Ortográfica: Jacqueline Morissugui Cardoso Ano: 2017 Copyright © - É expressamente proibida a reprodução do conteúdo deste material integral ou de suas páginas em qualquer meio de comunicação sem autorização escrita da equipe da Assessoria de Marketing da Faculdade São Braz (FSB). O não cumprimento destas solicitações poderá acarretar em cobrança de direitos autorais. 2 Jefferson Souza Santos Bases Neurológicas da Aprendizagem e Neuropsicopedagogia 1ª Edição 2017 Curitiba, PR Editora São Braz 3 FICHA CATALOGRÁFICA SANTOS, Jefferson Souza. Bases Neurológicas da Aprendizagem e Neuropsicopedagogia/ Jefferson Souza Santos – Curitiba, 2017. 54 p. Revisão de Conteúdos: Carolinne Prado Engelhardt. Revisão Ortográfica: Jacqueline Morissugui Cardoso. Material didático da disciplina de Bases Neurológicas da Aprendizagem e Neuropsicopedagogia – Faculdade São Braz (FSB), 2017. ISBN: 978-85-94439-51-2 4 PALAVRA DA INSTITUIÇÃO Caro(a) aluno(a), Seja bem-vindo(a) à Faculdade São Braz! Nossa faculdade está localizada em Curitiba, na Rua Cláudio Chatagnier, nº 112, no Bairro Bacacheri, criada e credenciada pela Portaria nº 299 de 27 de dezembro 2012, oferece cursos de Graduação, Pós-Graduação e Extensão Universitária. A Faculdade assume o compromisso com seus alunos, professores e comunidade de estar sempre sintonizada no objetivo de participar do desenvolvimento do País e de formar não somente bons profissionais, mas também brasileiros conscientes de sua cidadania. Nossos cursos são desenvolvidos por uma equipe multidisciplinar comprometida com a qualidade do conteúdo oferecido, assim como com as ferramentas de aprendizagem: interatividades pedagógicas, avaliações, plantão de dúvidas via telefone, atendimento via internet, emprego de redes sociais e grupos de estudos o que proporciona excelente integração entre professores e estudantes. Bons estudos e conte sempre conosco! Faculdade São Braz 5 Apresentação da Disciplina Na disciplina de Bases Neurológicas da aprendizagem e neuropsicopedagogia serão feitas abordagens relacionadas as atividades neurológicas, desde o ponto de vista do desenvolvimento do ser humano, indo em direção às implicações educacionais decorrentes. Aspectos de anatomia, fisiologia e, especialmente, de funcionamento da atividade nervosa serão abordados aqui, além das bases neuropsicológicas de percepção, movimentação, atenção, memória, fala e pensamento como formas eminentemente humanas de organização, processamento e desenvolvimento mental. E por fim, serão abordadas as bases neurobiológicas do fenômeno da atenção e como sua compreensão pode contribuir para o aprimoramento do ensino e da aprendizagem. Copyright © - É expressamente proibida a reprodução do conteúdo deste material integral ou de suas páginas em qualquer meio de comunicação sem autorização escrita da equipe da Assessoria de Marketing da Faculdade São Braz (FSB). O não cumprimento destas solicitações poderá acarretar em cobrança de direitos autorais. 6 AULA 1 – DESENVOLVIMENTO CEREBRAL E NEUROPLASTICIDADE Apresentação da Aula 01 Nesta aula você terá a oportunidade de ir mais a fundo nos conhecimentos relacionados ao sistema nervoso, seu desenvolvimento e seus mecanismos básicos de plasticidade nervosa. Esse último caracteriza um fenômeno bem interessante quando refere-se ao momento da aquisição de informações e o aprendizado de crianças e adolescentes na escola. 1 DESENVOLVIMENTO CEREBRAL E NEUROPLASTICIDADE Para entender os mecanismos neurais da aprendizagem e sua aplicação no meio educacional torna-se importante estudar o desenvolvimento cerebral e a plasticidade das conexões neurais no cérebro humano. O comportamento humano é gerado a partir da maneira que as informações são recebidas e interpretadas no cérebro, considerando a existência das diferenças individuais que caracterizam a diversidade de comportamentos encontrados na população. Portanto, o professor deve estar engajado em entender como acontece a expressão dos comportamentos a nível de sistema nervoso central, e como direcionar esses comportamentos com a finalidade de aprimorar a aprendizagem de seus alunos, ferramenta essa de estudo da neuropsicopedagogia. 1.1 Revisando o Sistema Nervoso Todo corpo dos seres humanos é composto de células. Os músculos, o intestino, ossos, pele e o cérebro possuem bilhões dessas unidades básicas. Cada célula tem uma tarefa específica a desempenhar. As células que constituem o sistema nervoso central (SNC) compõem o cérebro e a medula espinhal que junto com o sistema endócrino (responsável pela secreção dos hormônios) são responsáveis por controlar todo o funcionamento do organismo. Os neurônios e as células gliais compõem basicamente o SNC. 7 Saiba Mais As células gliais garantem o suporte e nutrição aos neurônios. Ela atua como uma “cola” no momento do posicionamento e síntese de novas conexões neuronais. Ao contrário da maior parte das células nervosas, as células gliais reproduzem-se por toda a vida. O Sistema Nervoso é dividido em Sistema Nervoso Central e Sistema Nervoso Periférico: Sistema Nervoso Central → Localizado dentro do esqueleto axial (cavidade craniana e canal vertebral); Sistema Nervoso Periférico → Se localiza fora desse esqueleto axial. O desenvolvimento cerebral e a neuroplasticidade dependem do sistema nervoso (neurônios e córtex cerebral). 1.2 Unidade Básica Funcional do SNC – Neurônio Os neurônios estão presentes predominantemente no cérebro e na medula espinhal (que compõem nosso sistema nervoso central) em um número aproximado de 100 bilhões. Eles diferem da maioria das outras células do organismo em dois pontos principais. No primeiro, pode-se destacar a incapacidade de regeneração programada dos neurônios, o que não é visto nas demais células do organismo. Quando se corta um dedo, por exemplo, o processo de cicatrização acontece rapidamente, e por essa razão, as células do corpo estão se renovando continuamente. Se por acaso ocorre alguma lesão dos neurônios resultante de um AVC ou trauma craniano, sua regeneração torna-se bastante comprometida. O segundo ponto diferencial do neurônio está na sua habilidade de transmitir informações. Os neurônios se comunicam por sinais elétricos e químicos, e isso caracteriza a distinta 8 anatomia que é notada quando os comparamos com outras células do nosso corpo. Importante O neurônio difere das maioria das células do corpo: Incapacidade de regeneração programada; Transmissão de informações por meio de sinais elétricos ou químicos. Os neurônios possuem diferentes formas que variam de acordo com a localização e sua função no sistema nervoso. Independente da sua forma, os neurônios são compostos de um corpo celular (também chamado de soma) que contém um núcleo - projeções mais curtas que recebem os sinais elétricos dos neurônios das proximidades, chamadas de dendritos - um axônio que propaga todo esse sinal, o qual geralmente possui uma camada de lipídios chamada de bainha de mielina, e por fim, o terminal do axônio que tem o papel de transmitir o impulso nervoso aos neurônios adjacentes. Figura 1 – Tipos de neurônios encontrados no sistema nervoso central Fonte: http://docplayer.com.br/docs-images/25/5040672/images/7-0.png9 Figura 2 – Estrutura de um neurônio Fonte: http://www.ebah.com.br/content/ABAAAgweEAI/tecido-nervoso Amplie Seus Estudos SUGESTÃO DE LEITURA Para uma leitura mais aprofundada e atualizada sobre o sistema nervoso, recomenda-se o livro Cem Bilhões de Neurônios? Conceitos Fundamentais de Neurociência (2 ed) do Roberto Lent. O autor aborda tópicos atualizados em neurociência, além de abordar a plasticidade do sistema nervoso de uma maneira muito didática. 1.3 O Córtex Cerebral Compondo maior parte do cérebro, o néocortex compreende toda Massa Cinzenta Cerebral formada por seis camadas de células, sendo que além dessa, o cérebro internamente também possui a Massa Branca. Cada camada ou lobo cerebral possui diferentes funções. Vocabulário Massa cinzenta: compõe a região externa do cérebro, contendo geralmente um maior número de corpos neuronais. Massa branca: compõe em maior parte a região interna do cérebro, contendo feixes de dendritos e axônios. 10 Fonte: http://escolaeducacao.com.br/sistema-nervoso/ 1.3.1 Lobos Occipitais Localizados na parte posterior do cérebro, os lobos occipitais são os centros de processamento dos estímulos visuais no cérebro. Sendo referidos também como córtex visual, têm a função de processar as informações visuais advindas do meio externo (ambiente) dentro do cérebro. Uma vez que as informações chegam à região occipital, as mesmas são identificadas pela área associativa (córtex visual secundário), a qual compara informações visuais prévias com a informação recente. Isso permite distinguir rapidamente uma laranja de uma árvore, por exemplo. Fonte: Acervo do Autor. Duas pessoas que olham uma mesma imagem, por exemplo, podem focar em diferentes detalhes e descrever a imagem de diferentes maneiras. A área de percepção visual que realiza o foco em determinada imagem se comunica com outras redes neurais do cérebro que tem a finalidade de 11 classificar tal imagem como nova ou antiga. Os estímulos visuais tornam-se significantes apenas quando são marcados e comparados com informações visuais previamente adquiridas. Quando se foca a atenção a determinado estímulo, como acontece em situações em que professores exibem previamente os objetivos de uma atividade em sala de aula, facilita o aluno antecipar ações ou ideias para solucioná-las, aumentando a probabilidade do cérebro focar apenas numa informação essencial. A ação de se concentrar mentalmente para realizar uma tarefa com êxito requer foco e atenção, recursos processados primeiramente no córtex visual, exigindo um bom funcionamento do córtex occipital. 1.3.2 Lobo Temporais No outro lado do cérebro, logo abaixo das orelhas, estão localizados os dois lobos que se curvam para frente dos lobos occipitais, para baixo dos lobos frontais. Os lobos temporais têm a função principal de processar e compreender os estímulos auditivos, a linguagem e alguns aspectos relacionados à memória, especialmente a memória auditiva. Importante A audição é considerada um dos sentido mais importante no ser humano, permitindo nos comunicar com outras pessoas, ter o equilíbrio e perceber perigos eminentes, o que garantiu a sobrevivência no processo evolutivo. O som de um trem chegando informa que é preciso manter distância do mesmo para evitar danos ao organismo, assim como o som de qualquer coisa que está atrás de nós, fazendo-nos virar para conferir rapidamente quem ou o que está emitindo o som. Como visto nos lobos occipitais, os lobos temporais possuem muitas subdivisões. Quando a região auditiva primaria é estimulada por um som, a região associativa que mantêm conexões neurais com outras regiões do 12 cérebro também é ativada, auxiliando a percepção e o reconhecimento do que está sendo ouvido. Essas duas regiões principais do córtex auditivo têm o papel de identificar a altura, timbre e o tom dos sons. Fonte: Acervo do Autor. 1.3.3 Lobos Parietais Em alguns casos clínicos de AVC localizados no hemisfério cerebral direito, os indivíduos são acometidos por uma estranha doença chamada de anosognosia, na qual o paciente desconsidera que é doente e aparentemente tenta levar uma vida normal. Essas pessoas têm o lado esquerdo do corpo paralisado, sem terem a consciência disso. Essa ausência de sensibilidade do lado esquerdo do corpo induz a um comportamento de esquecimento desse lado, fazendo com que, por exemplo, o doente deixe de pentear os cabelos e vestir roupas nesse lado do corpo. Essa doença foi ocasionada pela lesão dos neurônios do córtex parietal que são responsáveis pela consciência e orientação espacial do corpo. Os lobos parietais são subdivididos nas partes anterior e posterior. A região anterior é chamada de córtex somatossensorial, encarregada de enviar informações aos músculos do corpo relacionadas a motricidade e receber estímulos táteis do ambiente, sensações de dor e pressão na pele, além de detectar a posição dos membros (propriocepção). Cada parte do corpo que está em contato com o meio externo é representada por uma área específica na superfície do córtex somatossensorial. A parte posterior do lobo parietal analisa e integra todas essas informações sensoriais com a finalidade de fornecer consciência espacial. O cérebro precisa estar atento sobre o que cada parte do corpo está localizada no ambiente em sua volta, portanto, um dano na 13 região parietal frequentemente causa prejuízos na manipulação de objetos (destreza), também chamada de apraxia. 1.3.4 Lobos Frontais A maior parte do cérebro é composta pelos lobos frontais, os quais desempenham funções bastante complexas. Localizados na frente do cérebro, essa região tem se expandido muito rapidamente nos últimos 20.000 anos do processo evolutivo das espécies, fato que distingue dos ancestrais. As habilidades de movimento consciente do corpo, de relembrar o passado, planejar o futuro, focar a atenção, refletir, tomar decisões, resolver problemas e participar de uma roda de conversa são possíveis graças a essa desenvolvida parte do cérebro. De todas essas habilidades, pode-se destacar o fato de que a presença dos lobos frontais no córtex cerebral permite ter consciência de todos os pensamentos e ações. Fonte: Acervo do Professor As funções do lobo frontal são subdivididas em duas categorias: de processamento motor e cognição. Logo atrás dos lobos frontais há um conjunto de neurônios que formam o córtex motor, onde toda atividade neuronal dirigida ao movimento muscular voluntário se origina. Similar ao córtex somatossensorial, cada parte do corpo possui uma região correspondente no córtex motor. Os músculos que realizam movimentos mais finos ocupam uma maior área de atividade no córtex motor, como os que controlam o movimento dos dedos, dos lábios e da língua. 14 Vocabulário Cognição: processo de aquisição de conhecimento e entendimento através do pensar, experienciar e sentir, intrínseco ao sistema nervoso central. Logo à frente do córtex motor, o córtex pré-frontal é caracterizado pelo seu tamanho muito maior em humanos, do que em outras espécies. Essa região cerebral é a que claramente nos define como humanos e o que separa dos outros animais, como dos primatas, o grupo de animais mais aparentados com os seres humanos na escala evolutiva. Parte do córtex pré-frontal está engajada na regulação da emoção nos seres humanos. A sub-região orbitofrontal (chamada assim devido à proximidade com as orbitas oculares) é responsável por avaliar e regular os impulsos emocionais que emanam de áreas cerebrais mais inferiores. Essa evidência nos ajuda a explicar a frequência de violência no trânsito em adultos e as flutuações emocionais diárias em crianças. Provavelmente, esses comportamentos socialmente negativos sãofruto de um dano cerebral que causa uma série de curtos-circuitos na região orbitofrontal do córtex pré-frontal. Ainda assim, algumas pesquisas na área de neuropsicologia destacam que o principal determinante na deficiência de regulação emocional nos humanos seria devido ao descontrole emocional dos pais durante os primeiros anos de vida do indivíduo. Todas as partes do cérebro devem trabalhar em conjunto para que até mesmo uma ação simples de piscar os olhos, aconteça. Embora se tenha abordado a estrutura e função das principais regiões do córtex cerebral separadamente, é de suma importância lembrar que nenhuma delas desempenham suas funções isoladamente num sistema extremamente complexo, que é o cérebro humano. 15 Amplie Seus Estudos SUGESTÃO DE LEITURA Um dos livros mais conceituados na área de neuropsicologia, a obra do António Damásio, O Erro de Descartes, enfatiza alguns casos clínicos que estimularam os estudos da região pré-frontal do cérebro humano. 1.4 Neurodesenvolvimento Fetal e Neonatal Acredita-se que grande parte do crescimento em número dos neurônios aconteça no período fetal. Durante esse período, os neurônios são gerados a partir de células-tronco que migram de um tubo nervoso simples para posições finais, geneticamente determinadas. Essa migração para distintas áreas do crânio irá diferenciar as várias regiões cerebrais (nos córtices frontal, parietal, occipital e temporal). Após a fase de diferenciação e migração dos neurônios é dado início a formação das conexões neuronais, gerando à criação das primeiras redes neurais no cérebro humano. Esse contato íntimo entre os neurônios é crucial para sincronização dos sinais elétricos no sistema nervoso, e esse padrão de organização na transmissão da informação é diferenciada na maioria das regiões cerebrais. Graças as sinapses, os neurônios têm a capacidade de comunicar entre si, decodificar e transmitir informações que irão gerar os mais variados comportamentos na espécie humana. No período fetal, a síntese de neurônios é muito maior em relação à sua demanda necessária ao funcionamento normal do sistema nervoso. Um grande número de células é perdido, as quais não conseguiram se localizar na região correta ou realizaram sinapses sem utilidade funcional ao cérebro. A figura abaixo exemplifica, de uma forma didática, o processo de refinamento do sistema nervoso (“poda” sináptica, ou, do inglês prunning) que se inicia na fase fetal e se prolonga no período pós-natal. Como numa brincadeira infantil das 16 cadeiras, os participantes que não conseguiram uma cadeira para sentar ficam de fora. Aplicando isso ao sistema nervoso em formação, muitas sinapses serão consolidadas, enquanto outras serão descartadas, numa espécie de “poda” dos prolongamentos sinápticos, que consequentemente levará a degeneração dos neurônios “desconectados”. Figura 4 – Os neurônios que não se estabelecem em conexões sinápticas são descartados do sistema nervoso em formação Fonte: Cosenza; Guerra (2011). A sinaptogênese (formação de novas sinapses), prevalente no sistema nervoso fetal e neonatal, permite a aquisição de novas habilidades cognitivas na criança. A criança nasce com um cérebro de aproximadamente 400g que, ao final do primeiro ano de vida, terá duplicado, pesando cerca de 800g. Nesse período não há formação de novas células nervosas, entretanto, a sinaptogênese é a responsável por esse crescimento cerebral maciço. 17 Figura 4 – Sinaptogênese do recém-nascido até os 2 anos de idade. Fonte: Cosenza; Guerra (2011) O sistema nervoso infantil em desenvolvimento precisa estar em constante interação com o ambiente, pois é nesse momento que as novas conexões nervosas geram o aparecimento de novos comportamentos. A estimulação ambiental é tão importante para o desenvolvimento do sistema nervoso que experimentos constataram que animais criados em ambientes com pouca estimulação ambiental desenvolviam um cérebro menos sofisticado. Portanto, o desenvolvimento inicial do sistema nervoso é de suma importância para o funcionamento normal das estruturas cerebrais durante toda a vida. Qualquer anormalidade nesse percurso advinda de fatores ambientais ou genéticos oportuniza o surgimento de distúrbios comportamentais. Crianças com má formação do sistema nervoso, em algum momento da vida, irão necessitar de intervenções pedagógicas especiais para realizar atividades cognitivas na escola. 1.4 Plasticidade Cerebral O sistema nervoso central nos primeiros anos de vida é extremamente plástico. A sinaptogênese é prevalente na infância e se estende por toda adolescência. O aumento das conexões entre as células corticais é prevalente na infância e declina na adolescência até atingir um padrão adulto, potencializando a aprendizagem. Na adolescência a aquisição de novas informações em curta faixa de tempo diminui, porém, a capacidade e usar e elaborar o que já foi aprendido é aprimorado. O cérebro adulto não tem essa 18 mesma facilidade de modificação, porém a plasticidade sináptica acontece durante toda a vida, em grau diminuído. Na fase adulta a plasticidade neural garante que a função cognitiva de aquisição de habilidades motoras, por exemplo, aconteça no momento do treino de direção de um automóvel. A plasticidade cerebral consiste na capacidade de realizar novas conexões neuronais fruto de constante estimulação ambiental. O treino de direção citado anteriormente leva ao surgimento de novas sinapses e a criação de novas redes neuronais dedicadas a execução e aprimoramento da tarefa motora. O treinamento constante de um pianista promove modificações nas redes neurais motoras e cognitivas que permite refinar o controle e expressão musical. Se porventura o indivíduo for acometido de doença que impeça de praticar a atividade motora ou simplesmente interromper seu treino, as sinapses nervosas dessa memória motora podem ser desfeitas, e, portanto, a habilidade motora será perdida. A capacidade de promover conexões plásticas entre neurônios caracteriza a aquisição de memórias e a consolidação da aprendizagem por toda vida. Com a senilidade, esses fenômenos demandam mais tempo para acontecer, necessitando maior esforço para que a aprendizagem ocorra. A medida que as sinapses encarregadas de desempenhar uma atividade motora nova são utilizadas, a aprendizagem torna-se mais efetiva. Quanto mais frequente for o contato com o conteúdo de estudo por um estudante, por exemplo, num ponto de vista neurobiológico, ocorrerá maior formação e consolidação de conexões sinápticas entre os neurônios. Os professores podem facilitar esse processo até certo ponto, pois a aprendizagem acontece de uma maneira individual no ser humano. As circunstâncias ambientais atuam diferentemente em cada indivíduo, portanto cada um responderá de maneira positiva ou negativa a um novo estímulo que é chegado ao sistema nervoso humano. Saiba Mais Você sabe o que significa Brainstorming? Traduzido do inglês como “tempestade cerebral”, é uma dinâmica de 19 grupo facilmente aplicada numa sala de aula. Tem o objetivo de desenvolver novas ideias e estimular o pensamento criativo em determinado tema. Portanto, estimule sempre seus alunos realizando periodicamente esse tipo de tarefa, a qual o professor expõe um tema no quadro e os alunos desenvolvem as ideias em cima do tema proposto. O sistema nervoso central é um órgão bastante plástico e diferenciado nos seres humanos, capaz de expressar os comportamentos mais complexos já vistos no reino animal. Todo esse órgão, apesar de visualmente dividido, funciona de uma maneira integrada para desempenhar desde um mínimo movimento de um dedo, até pensamentos mais complexos, como numa resolução de uma equação matemática. Portanto, os educadores devem ter a noçãoque esse sistema é extremamente plástico e diferente em cada indivíduo, e que a aprendizagem ocorrerá de diferentes maneiras num contexto escolar. Resumo da Aula 01 Na aula abordou-se o funcionamento e estrutura do sistema nervoso central, dando enfoque nas suas subdivisões corticais. Foi tratado também sobre o neurodesenvolvimento fetal e neonatal e a importância das sinapses na constituição do sistema nervoso nos primeiros anos de vida. Por fim, foram abordados aspectos relacionados à plasticidade cerebral, dando relativa importância a esse fenômeno mais frequente na infância e adolescência, com diminuição de sua intensidade nas fases adulta e senil. Atividade de Aprendizagem Considerando as diferenças individuais na aquisição de informações e aprendizado, haveria um método didático “ideal” para transmitir informação de forma efetiva aos alunos de uma classe? 20 AULA 2 – MEMÓRIA, APRENDIZAGEM E AS UNIDADES FUNCIONAIS Apresentação da Aula 02 Na aula serão abordados alguns aspectos neurobiológicos para entendimento do processo de aquisição de memórias e consolidação da aprendizagem. Essa fusão das áreas de conhecimento da neurociência e educação promove o esclarecimento de conceitos, auxiliando a atuação do professor na sala de aula. 2 MEMÓRIA “O que definiria memória?” Memória seria a habilidade de lembrar informações ou experiências do passado e trazê-las para o presente. As memórias são lembradas a todo tempo e são baseadas no reconhecimento de eventos similares que de alguma forma tornaram-se conectados. Isso acontece o tempo inteiro, fato que não seria diferente nos estudantes, os quais têm o poder de planejar o que aprenderão e como aprenderão os conteúdos escolares. O contexto de como o conteúdo de classe é passado para o aluno pode estimular a aquisição de diferentes tipos de memória de uma maneira individual, conduzindo a uma miríade de reflexões que podem positivamente ou não exercerem impacto na aprendizagem. Cognitivamente, a memória envolve o reconhecimento, lembrança e reflexão. Você sabia que a memória pode ser estimulada antes mesmo do nascimento? Inúmeras evidencias apontam que recém-nascidos conseguem reconhecer cheiros e sons que a eles foram apresentados ainda na fase fetal. As emissões sonoras dos bebês são interpretadas pelos pais e dizem respeito a momentos de fome, dor, simplesmente gesticulação. No amadurecimento, as emissões sonoras dão lugar à linguagem, que expressam as vontades e necessidades da criança. Nos anos seguintes, uma maior aquisição de memórias tende a ocorrer na criança e no adolescente, portanto, diferentes pontos de vista e perspectivas são traçados graças a experiências anteriores de memória. A memória é uma poderosa guia da aprendizagem e frequentemente fornece auxílio em todas as ações cotidianas das pessoas. 21 2.1 Tipos de Memória As memórias são operadas por mecanismos e regiões cerebrais diferentes e podem ser classificadas quanto ao tempo de retenção: memória ultrarrápida ou imediata (dura fração de segundos a alguns segundos), memória de curta duração (dura minutos ou horas e garante o sentido de continuidade do presente) e memória de longa duração (duas horas, dias ou anos, garantindo o registro do passado autobiográfico e dos conhecimentos do indivíduo). Na aula, serão abordadas com mais profundidade a memória quanto à sua natureza: explícita ou declarativa, implícita ou não-declarativa e operacional ou memória de trabalho, assim como se dá a amnésia. 2.1.1 Memória Explícita (Declarativa) Toda informação sensorial pode ser temporariamente armazenada na memória de curta duração, mas “como essa informação pode ser retida por uma faixa maior de tempo?” Para entender as bases neurais do armazenamento de memória declarativa, primeiro será analisado em qual local do cérebro que fica retida tal informação. Em outras palavras, serão explorados os engramas ou traços de memória. Por exemplo, quando aprende o significado de uma palavra em uma língua estrangeira, em qual local do cérebro ela ficará armazenada, ou seja, “onde ficará essa engrama?” Vocabulário Engrama é o traço permanente deixado no tecido nervoso por um estímulo muito forte, podendo também ser uma marca permanente deixadas na psique de um indivíduo por experiências psíquicas por ele sofridas. 22 O lobo temporal normalmente participa do processamento da linguagem e memória. Uma lesão qualquer nessa região pode afetar o conteúdo de memórias de palavras estrangeiras, mas deixar intactas as memórias da língua mãe. Logo, as memórias declarativas podem residir em várias partes do neocórtex, mas primeiramente, elas precisam em algum momento passar pelos lobos temporais. O lobo temporal fica localizado sobre o osso temporal do crânio. O fato dos cabelos da região das têmporas (laterais do crânio) tornarem-se brancos com mais rapidez do que as outras regiões do couro cabeludo caracterizou esse lobo como local engajado no registro de eventos passados. Acredita-se que a porção medial do lobo temporal (neocórtex temporal) armazena boa parte das memórias de longa duração, e conexões nervosas com o neocórtex são críticas para a formação de memórias declarativas. Figura 1 – Lobo temporal medial no cérebro humano Fonte: https://www.mccare.com/images/temporal_lobe.png A memória declarativa caracteriza a habilidade em armazenar e lembrar informações as quais pode-se declarar (fala e escrita). Requer um processo consciente que permite lembrar e discutir algo ou simplesmente lembrar e descrever um evento que ocorreu no passado. Essa dupla função conduz a uma subdivisão da memória declarativa em duas outras categorias: memória episódica e semântica. A memória episódica, chamada também de memória das origens, envolve as lembranças de onde e quando a informação foi adquirida. Permite lembrar do(a) colega que você foi apaixonado(a) no colégio, ou detalhes da sua festa surpresa de 15 anos de idade. É composta de registros faciais, musicais, fatos e experiências individuais (um conjunto de referências autobiográficas). 23 Da mesma maneira que se torna muito importante (como lembrar em qual vaga você estacionou seu carro), às vezes pode ser problemática. O cérebro não abriga memórias numa maneira linear, como uma câmera de vídeo, e sim em circuitos neurais. Quando lembramos de algo, normalmente reconstruímos um cenário mental o qual nos escapam detalhes, e nesse caso, o cérebro preenche os detalhes numa espécie de união de fragmentos de memória. Quando conta-se a lembrança normalmente a “embelezamos”, adiciona-se informações, tornando-a mais elaborada. Portanto, mesmo pensando que a dita memória caracterizou um evento vívido, os detalhes geralmente são imprecisos. A memória semântica, por outro lado, é bastante precisa. Inclui a memorização de palavras, seus símbolos associados e de como manipular as palavras para se comunicar. Consiste na memorização de regras da gramática, fórmulas matemáticas e seu conhecimento geral sobre o mundo. Esses fatos geralmente são independentes de uma condição particular de tempo e espaço. O fato de saber que “6 x 7 = 42” é um exemplo de memória semântica, porém lembrar em qual série da escola memorizou a tabela de multiplicação trata-se de memória episódica. 2.1.2 Memória Implícita (Não-Declarativa) Tratada também como memória procedural, geralmente não necessita “declarar” algo para que a informação seja armazenada. Ela envolve a habilidade de armazenamento de ações automáticas de cunho rotineiro. Compreende os simples procedimentos de caminhar, escovar os dentes, amarrar o tênis, até os mais complexos, como dirigir um carro ou decifrar palavras. Após um número considerável de repetições, consegue-se executar tarefas procedurais sem o pensamento consciente.A maioria das habilidades mencionadas acima envolvem atividade motora, mas alguns tipos de comportamento hábil não são baseados na aprendizagem de movimentos. Um exemplo claro seria a leitura. Quando aprende-se a ler, os olhos movem-se lentamente, de palavra em palavra, mas com a prática, consegue movê-los com mais rapidez numa leitura. Os leitores 24 mais habilidosos conseguem mover seus olhos por cerca de quatro vezes por segundo, gerando uma média de mais de 300 palavras lidas por minuto. A formação da memória implícita pode se dar de duas maneiras: por aprendizagem não associativa ou associativa. A aprendizagem não associativa pode ser descrita como uma mudança na resposta comportamental que ocorre num período de tempo, em resposta a um simples estímulo. Podem ser de dois tipos: habituação e sensibilização. Considere a situação hipotética, supondo que está em casa e toque seu telefone fixo. Quando atende, percebe que a chamada era para outra pessoa, a qual não se encontra na casa, porém, o telefone torna a chamar inúmeras vezes tentando falar com essa pessoa. A partir de um momento, você simplesmente para de atender o telefone, pois adquiriu aprendizagem por meio da habituação, a qual caracteriza ignorar um estímulo insignificante. Provavelmente, ao ler esse texto, deverá estará ignorando o barulho dos carros que passam na sua rua, um latido de um cachorro no bairro, ou mesmo o barulho da TV quem vem da sala, pois todos esses estímulos estão fora da sua realidade consciente devido a habituação. Supondo que esteja caminhando na rua, a noite, e acontece um blackout. Você começa a ouvir passos de pessoas vindo atrás, o que lhe dá bastante tensão (o que geralmente, caminhando numa rua iluminada, não sentiria). Luzes de carro se destacam na escuridão e, inconscientemente, recua mais ainda para a lateral da calçada. Essa forte estimulação sensorial ocasionada pelo blackout causou sensibilização, que seria uma forma de aprendizagem que intensifica sua resposta a todos os estímulos, mesmo considerando que o estímulo prévio normalmente causa pouca ou nenhuma reação. A aprendizagem associativa deriva de um comportamento alterado pela associação de eventos, a qual é distinguida em dois tipos: condicionamento clássico e instrumental. O condicionamento clássico caracterizado pelo russo Ivan Pavlov envolve a associação de um estímulo que gera uma resposta, com um segundo estímulo que geralmente não gera resposta. O primeiro, que evoca uma resposta, é normalmente chamado de estímulo não condicionado (EnC), pois o mesmo não necessita de treinamento para gerar a resposta. Nos 25 experimentos de Pavlov, o EnC foi a visão de um pedaço de carne, a qual gerava salivação num cachorro. O segundo, que não evoca resposta, é chamado de estímulo condicionado (EC), pois o mesmo requer treinamento (condicionamento) antes de gerar a resposta. No experimento de Pavlov, o EC era um sinal sonoro de um sino. O treinamento consistiu em parear a visão do pedaço de carne com o sinal sonoro, repetidas vezes. Depois de inúmeras repetições, a carne foi retirada do pareamento, e o animal salivou apenas com a presença do sinal sonoro. Portanto, o cachorro aprendeu que ganhará um pedaço de carne toda vez que ouvir tal estímulo sonoro, gerando uma resposta a um estímulo condicionado chamado de resposta condicionada. Figura 2 – Condicionamento clássico paviloviano Fonte: http://2.bp.blogspot.com/-tM- vE6or8SU/UP_Fb4HmcmI/AAAAAAAAAUg/o4ZLUvXZXio/s1600/c%C3%A3o.png No condicionamento instrumental, o indivíduo aprende a associar um estímulo ocasionado por uma ação motora com uma recompensa. Num experimento hipotético, um rato em jejum é colocado numa caixa que contém uma alavanca, a qual está suspensa num recipiente com comida. Por acidente, a rato pressiona essa alavanca e recebe uma quantidade de comida. Depois de várias ocorrências desse acidente, o rato aprende que toda vez que pressionar a alavanca ele será recompensado. Portanto, no condicionamento instrumental, o indivíduo aprende que um particular comportamento (pressionar uma alavanca) sempre estará associado a uma particular consequência (recompensar alimentar). 26 Figura 3 – Condicionamento instrumental Fonte: http://slideplayer.com.br/slide/3053850/11/images/12/Aprendizagem+por+Condicionam ento+Operante.jpg 2.2 Amnésia Como todos sabem, o esquecimento acontece tão frequentemente quanto a aprendizagem. De ocorrência menos comum, certas doenças cerebrais podem causar sérias perdas de memória, a qual é chamada de amnésia, como no alcoolismo crônico, encefalite, tumores cerebrais e AVC. Provavelmente já deve ter ouvido falar de uma pessoa que sofreu acidente e acordou sem lembrar dela mesma ou do passado. Esse tipo de amnesia absoluta é extremamente rara. Porém, dependendo do trauma no cérebro, pode-se diferenciar dois tipos de amnésia: retrógrada e anterógrada. Na amnésia retrograda ocorre a perda da memória relacionada a eventos bem próximos ao trauma (como coisas que o indivíduo aprendeu recentemente). Em casos mais severos, pode haver amnesia completa para todas as memórias declarativas anteriores ao trauma. Geralmente, ela provoca esquecimento de eventos na faixa de meses ou anos que precederam o trauma, preservando as memórias mais antigas. Na amnésia anterógrada há uma perda da habilidade em formar novas memórias após o trauma. Se for severa, o indivíduo pode ser completamente incapaz de aprender e lembrar algo novo. Em graus mais leves, a aprendizagem pode se tornar mais lenta e exigir mais repetições que o normal. Em casos clínicos, os dois tipos de amnesia são mais frequentes, com diferentes graus de severidade. 27 2.3 Memória, Aprendizagem e a Abordagem Luriana Até agora tem-se enfatizado a anatomia e fisiologia da principal função cognitiva que tem impacto direto no processo de aprendizagem do aluno, a memória. Irá agora considerar um assunto mais familiar aos educadores, o qual possui uma maior integração entre ensino e neurociência cognitiva. Esse assunto abrange a abordagem das unidades funcionais de Alexander Romanovich Luria. O sistema nervoso, segundo Luria, estaria organizando verticalmente, no qual áreas cerebrais inferiores serviriam de base para as estruturas superiores. As funções mentais superiores estariam mais vulneráveis pelo fato de se dedicarem a atividades mais complexas e por serem mais recentes na evolução do sistema nervoso central nas espécies. Essa divisão vertical, mais tarde daria origem às três unidades funcionais lurianas. A primeira seria dedicada à manutenção do alerta e da atenção (vigília). A segunda seria responsável pelo processamento de todos estímulos externos e internos, relacionados à visão, audição e sensibilidade tátil. A terceira se encarregaria de monitorar e manipular comportamentos relacionados às ações conscientes, relativos à mente. Figura 4 – Primeira, segunda e terceira unidades funcionais lurianas Fonte: Kruszielski (s.d.) 2.3.1 Primeira Unidade Funcional – Alerta e Atenção 28 Essa unidade é dependente do tronco cerebral (situado entre a medula e o cérebro) no qual possui uma estrutura dorsal chamada de formação reticular encarregada na regulação do ciclo sono-vigília. O estado de vigilância (ou alerta) está relacionado com o reflexo de orientação fruto de um confronto com um estímulo novo. O alerta possui relação próxima com a atenção, pois o mesmo está engajado na manutenção dos disparos neuronais responsáveis pela postura e pela atividade cortical. Mais especificamente, a atenção está relacionada à seletividade e a sustentação de todas funções mentais superiores. Tanto o alerta quanto a atenção são interdependentes, pois selecionam, focalizam, alocam e refinam a integração dos estímulos. Há um feixe de neurôniosque conecta a primeira unidade funcional com a terceira, chamado de Sistema Reticular Ascendente. Este sistema leva impulsos para o córtex pré-frontal, ou seja, para o topo da hierarquia neural: por isto ascendente. Há também um grupo de feixe neuronal que faz o caminho inverso, do córtex pré-frontal para o tronco, o Sistema Reticular Ascendente. É a partir deles que conseguimos regular uma certa intenção para nos mantermos despertos, atentos ou Adormecidos (KRUSZIELSKI, s.d.). 2.3.2 Segunda Unidade Funcional – Recepção, Integração, Codificação e Processamento Sensorial Composta pela parte posterior do cérebro, compreende os lobos occipitais, temporais e parietais, os quais processam a visão, percepção tátil, audição, orientação espacial e linguagem. Essa unidade recebe e analisa as informações que chegam aos órgãos sensoriais, interpretando-os e atribuindo significados. A memória é o componente cognitivo mais relacionado à essa unidade funcional. A codificação é um evento estritamente relacionado à memória e refere- se a toda análise, síntese, armazenamento e recuperação de informações 29 relativas a significação e a associação com memórias já integradas no cérebro. A informação pode ser codificada de duas formas: simultânea ou sequencial. No processamento simultâneo, a informação é sintetizada em unidades espaciais ou relacionais, que quando integradas, geram os processos cognitivos de leitura, escrita e aritmética. Qualquer disfunção nesse processamento poderá gerar uma miríade de dificuldade de aprendizagem, tais como as disnomias, disfasias, disartrias, dislexias, disortografias e disgrafias. No processamento sequencial, a informação é codificada numa unidade por vez (como no momento que um número de telefone é ditado). A codificação, que caracteriza um processo puramente cognitivo, depende da combinação desses dois tipos de processamento presentes na segunda unidade funcional do Luria. 2.3.3 Terceira Unidade Funcional – Execução Motora, Planificação e Avaliação Composta pelos lobos frontais, tem o papel de programar, regular e verificar toda atividade mental. A motricidade, intencionalidade, planejamento e linguagem expressiva são as principais funções mentais controladas por essa unidade. O ser humano é a espécie que proporcionalmente ao tamanho do corpo, possui os lobos frontais mais desenvolvidos, tanto em relação ao seu tamanho quanto a qualidade das redes neurais. Essa região é a última a se desenvolver nos humanos, consolidando suas conexões entre os 6 anos e 12 anos de idade, concluindo somente no início da fase adulta. Para descrever as nuances que cercam o processo de aprendizagem, geralmente o conceito das funções executivas torna-se um assunto pertinente. As ditas funções mentais superiores que ajudam a controlar o pensamento, aprendizagem e comportamentos são referidas como funções executivas. Um exemplo seria a memória operacional, que influencia o controle de memórias numa situação específica, como na resolução de problemas. Considere um estudante que está resolvendo um problema complexo de multiplicação. Para sua resolução, o estudante precisa manipular algumas informações ao mesmo tempo que tenta resolver o problema. A habilidade de reter e manipular 30 informações temporárias na memória (também chamado de problem-solving) caracteriza a memória operacional. Para finalizar essa discussão, Kruszielski (s.d.) enfatiza o estudo das unidades funcionais em conjunto: Por mais que estudemos as unidades funcionais e mesmo as funções mentais isoladamente, sempre é necessário que fique claro que todas elas atuam sempre em conjunto. Uma função mental nunca é o resultado de apenas uma unidade funcional, mas das três. A percepção, por exemplo. É necessário que a primeira unidade forneça o tônus cortical necessário, a segunda realize a análise e a síntese das informações que chega e a terceira execute os movimentos de busca controlados que conferem à percepção o seu caráter ativo. 2.4 Implicações Educacionais Algumas pesquisas científicas estão sendo dedicadas em saber a relação da memória e da consolidação da aprendizagem na sala de aula. Certamente, seria interessante que os professores soubessem o tempo necessário para seus estudantes consolidarem determinado conteúdo, para assim partirem para um próximo. O que se sabe é que a consolidação de novas informações é dependente do tempo e pode ser prejudicada de informações precocemente transmitidas, antes mesmo de consolidar as anteriores, podem prejudicar a aquisição de memória tanto anterior quanto a recente. Como não se sabe o tempo necessário para consolidar um conteúdo específico, deve-se ter cuidado no momento de introduzir novos conhecimentos nos alunos. Portanto, utilizar dos conhecimentos neuropsicopedagógicos no planejamento das aulas é de suma importância na consolidação da aprendizagem de conteúdos da disciplina. Uma maneira de aprimorar essa consolidação seria incorporar as novas informações de uma maneira gradual e repeti-las em intervalos regulares. As informações recentes são raramente consolidadas no cérebro se conteúdos novos são introduzidos tão prontamente. A maioria das memórias desaparecem em minutos, porém as informações que são relembradas periodicamente conseguem ser consolidadas em memórias de longa duração, por meses ou anos. 31 O professor precisa ter o conhecimento sobre como as memórias são adquiridas no sistema nervoso, e como a aprendizagem de conteúdo pode acontecer de uma maneira mais simples e duradoura, nos seus alunos. Dominando esses aspectos, os educadores não irão encontrar dificuldades em lidar com a transmissão de conteúdos escolares, os quais necessitam de ser aplicados de maneira gradual e dinâmica, com o intuito de maximizar o conhecimento de longa duração. Resumo da Aula 02 A memória envolve o reconhecimento, lembrança e reflexão de conteúdos que aconteceram no passado. São classificadas em memória ultrarrápida ou imediata, memória de curta duração e memória de longa duração quanto ao tempo de retenção, ou em memória explícita, implícita ou operacional, quanto à sua natureza. A memória é passível de esquecimento, a qual é chamado de amnésia, que podem ser de dois tipos: retrógrada ou anterógrada. As três unidades funcionais criadas por Luria dividem o sistema nervoso central em setores dedicados ao alerta e atenção; recepção, integração, codificação e processamento sensorial; e execução motora, planificação e avaliação. Atividade de Aprendizagem Na sua opinião, o ensino baseado nos princípios da neurociência tem a possibilidade de ressignificar o processo de ensino-aprendizagem na escola? A partir do conhecimento sobre os conceitos em neurociência, você estaria habilitado em iniciar um processo de ensino-aprendizagem baseado na repetição e transmissão fragmentada do conteúdo? AULA 3 – FUNÇÕES EXECUTIVAS E IMPLICAÇÕES EDUCACIONAIS 32 Apresentação da Aula 03 O sucesso acadêmico na nova era digital não está ligado apenas a facilidade com o que os estudantes lidam com a tecnologia, mas com seu domínio na estipulação de metas, planejamento, prioridades, organização, flexibilidade mental e o poder de manipular informações na sua memória operacional. Todos esses processos juntos compõem as funções executivas. 3.1 O Caso de Phineas Gage, o Córtex Pré-Frontal e as Funções Executivas Apesar dos conceitos sobre funções executivas estarem consolidados há algum tempo, relatos médicos anteriores sobre mudanças comportamentais após lesão cerebral já indicavam relações entre danos na região frontal do cérebro a alterações no funcionamento executivo. O caso de Phineas Gage é registrado como o mais famoso fato clínico sobre modificações comportamentais associadas a danos na região docórtex pré-frontal. Gage, que trabalhava na construção de uma linha férrea na região da Nova Inglaterra-EUA em 1848, tinha a função de detonar explosivos em buracos para abrir caminho em uma linha férrea. Utilizava-se de uma barra de ferro para empurrar a pólvora do explosivo para cavidades mais profundas da terra. Em mais um dia de realização desse procedimento rotineiro, Gage acidentalmente gerou uma faísca entre a barra e a pólvora, detonando todo o explosivo. A barra de ferro entrou no seu crânio, de baixo para cima, destruindo seu olho esquerdo, atravessando a parte frontal do encéfalo saindo pelo topo do crânio. Apesar da gravidade do acidente, Gage sobreviveu devido à cauterização que a barra de ferro quente causou na ferida. Fisicamente ele recuperou-se muito bem, porém foram identificadas mudanças no seu comportamento social e na tomada de decisões. John Hallow, o médico que acompanhou o tratamento de Gage, havia especulado que a lesão no córtex pré-frontal teria sido a causa do comprometimento na execução de planejamentos mentais e comportamentos adequados. Utilizando-se de ferramentas de neuroimagem, foi possível reconstituir a trajetória da barra de ferro no crânio de Gage e concluíram que a lesão cerebral atingiu os córtices 33 pré-frontal direito e esquerdo. Mais tarde, foi elucidado com mais detalhes os danos causados pela barra de ferro em Gage e constataram que as massas cinzenta e branca do córtex pré-frontal esquerdo foram as mais afetadas, sendo responsável pela desconexão neuronal entre áreas corticais e regiões de codificação de memória emocional episódica, o que pode ter sido a principal causa das flutuações emocionais presente após o acidente de Gage. Figura 1 – Desenho esquemático sobre a trajetória da barra de ferro que atravessou o crânio de Gage (a esquerda) e Phineas Gage, após o acidente, segurando a barra de ferro que se acidentou (a direita). Fonte: http://skeptikai.com/wp-content/uploads/2015/11/Phineas-Gage-with-skull- picture.png 3.2 Funções Executivas No início da vida escolar os estudantes começam a ter maiores responsabilidades pelo seu próprio processo de aprendizagem. Os professores tendem a fornecer uma grande quantidade de atividades que envolvem habilidades cognitivas de leitura e escrita, bem como trabalhos escolares de longa duração, os quais dependem, para sua execução, de todos os processos mentais que caracterizam as funções executivas. O sucesso acadêmico, portanto, se origina na habilidade de planejar e priorizar seu tempo, organizar materiais e informações, destacar as principais ideias e ter diferentes abordagens de um texto, perceber e refletir seu próprio progresso. Portanto, é de suma importância que os educadores ensinem estratégias voltadas ao desenvolvimento das funções executivas com a finalidade de auxiliar seus alunos a entenderem como eles pensam e porque eles aprendem. 34 As funções executivas constituem um conjunto de habilidades que possibilitam uma reflexão atenta, isto é, deliberada e intencionada a alcançar um objetivo. Um bom funcionamento executivo permite o indivíduo refletir antes de agir, trabalhar diferentes ideias mentalmente, solucionar desafios inesperados, pensar sob diferentes perspectivas, reconsiderar opiniões e evitar distrações. Essas habilidades são fundamentais para tomar decisões, viver e pensar com autonomia. Seu principal desenvolvimento ocorre de zero a seis anos de idade, período que corresponde a primeira infância, e é fortemente influenciado pela qualidade e quantidade de experiências que as crianças podem ter, inclusive relacionadas aos aspectos biológico e emocional. Diversas evidências apontam que o núcleo das funções executivas se encontra nos córtex pré-frontal, a região mais anterior do lobo frontal. Essa região expandiu-se ao longo da evolução das espécies, e no ser humano ela se desenvolveu de uma maneira mais intensificada. A região pré-frontal demora a amadurecer no desenvolvimento infantil, continuando a modificar-se até o final da adolescência. Logo, as funções executivas não estão em perfeito funcionamento até o início da fase adulta. Fonte: Acervo do Autor. Com relação às atividades cognitivas, as funções executivas podem ser divididas em três extratos: inibição (ou controle inibitório), memória operacional (ou memória de trabalho) e flexibilidade cognitiva. Esses extratos compõem as chamadas funções executivas de alto-nível, as quais envolvem o raciocínio, resolução de problemas e planejamento. 3.2.1 Controle Inibitório 35 Torna-se importante para o controle do comportamento, por exemplo, na substituição de respostas habituais por ações que caracterizam autocontrole (como no momento de resistir a tentações alimentares, como doces ou salgados, ou simplesmente dar uma resposta mais branda e menos impulsiva numa discussão calorosa). Outro comportamento típico que demanda controle inibitório é exercer disciplina, ou seja, resistir a vontade de desistir de uma tarefa. Portanto, o controle inibitório possibilita controlar e filtrar pensamentos, ter o domínio sobre atenção e comportamento. Conseguir ler um texto, mesmo na presença de barulhos incômodos, é um exemplo de uso dessa habilidade. É possível destacar três aspectos relevantes do controle inibitório: o controle inibitório da atenção, a inibição cognitiva e o autocontrole. O controle inibitório da atenção é importante para manter o foco sem ceder a estímulos exteriores que distraiam. Alguns estímulos visuais ou auditivos mais proeminentes atraem voluntariamente a atenção, mas há certos estímulos aos quais é possível escolher dar atenção ou não. Assim, por exemplo, é possível manter uma conversa com alguém, mesmo em um ambiente com som elevado. Na inibição cognitiva, o controle inibitório fará o indivíduo resistir a pensamentos e memórias não intencionais, capazes de tirar o foco. Essa habilidade é necessária para o bom funcionamento da memória de trabalho. Ela possibilita manter o foco nas informações desejadas, mesmo na presença de algum pensamento involuntário. Finalmente, o autocontrole é o aspecto que está relacionado a ter domínio sobre o comportamento, apesar da presença de impulsos e emoções, estimulando determinadas condutas. Ter autocontrole significa ter a possibilidade de agir de forma diferente da desejada intimamente, como ter disciplina para terminar atividades não prazerosas, mas necessárias para se atingir um objetivo desejado. Além disso, ter autocontrole significa também evitar cometer erros devido à impulsividade, como tirar conclusões precipitadas, falar algo sem pensar antes, ou não calcular as consequências de uma ação ou decisão. 3.2.2 Memória Operacional 36 A também chamada de memória de trabalho permite integrar memórias atualizadas com as antigas, para conscientemente manipular todo tipo de informação disponível. Dessa maneira, pode-se pensar que a memória de trabalho é uma condutora fiel para as memórias de curta duração, contudo, a maioria das informações que chegam até as pessoas é mantida temporariamente ou descartada do cérebro. Alguns cientistas a tratam como uma “área computacional do cérebro”, pois todas as informações recém- chegadas podem ser mantidas ou manipuladas conscientemente. Um exemplo disso é quando um aluno resolve uma conta de multiplicação rapidamente, como 24 x 8 = 192. Portanto, essa função executiva de alto-nível nos permite planejar e organizar ações. Importante A memória de trabalho é composta de dois conjuntos de habilidades: o de representações verbais, que possibilita reter informações e também relacioná-las e pensá-las no curto prazo. Com isso, podem-se armazenar distintos fatos e acontecimentos para, em seguida, manipulá-los. Dessa forma, essa habilidade permite armazenar durante um tempodiversas estratégias de prontidão a serem utilizadas como respostas a diferentes estímulos e circunstâncias (por exemplo, dizer obrigado após uma gentileza). O outro, de representações visuais, auditivas, táteis, olfativas e gustativas, que possibilita imaginar objetos, ações, acontecimentos não disponíveis de forma direta, ou seja, perceptiva. Tem-se, portanto, dois tipos distintos de memória de trabalho, de acordo com o conteúdo memorizado: a verbal e a não verbal (visual-espacial). Conectar diferentes informações, relacionar acontecimentos que ocorreram em momentos diferentes, reordenar itens mentalmente, considerar e incorporar alternativas ao planejamento, todas essas ações dependem do funcionamento da memória de trabalho. Essa habilidade é também essencial para a criatividade, ao tornar possível que se separe um todo em partes e reorganize as partes de uma nova sequência. 37 A memória de trabalho e o controle inibitório são mutuamente dependentes e dificilmente funcionam separadamente. Ter em mente o objetivo é indispensável para avaliar o que deve ser filtrado ou inibido. Mas, também, para trabalhar com informações mentalmente, é preciso ter a capacidade de resistir a distrações. E para manipular as ideias de forma criativa deve-se evitar repetir padrões habituais. 3.2.3 Flexibilidade Cognitiva Como terceira dimensão fundamental das funções executivas, ao lado da memória de trabalho e do controle inibitório, a flexibilidade cognitiva está relacionada à possibilidade de mudar de perspectiva no momento de pensar e agir. Essa habilidade existe quando o indivíduo é capaz de analisar uma mesma informação, considerando ângulos diferentes ou visões de outras pessoas. O desenvolvimento da flexibilidade cognitiva depende da evolução prévia da memória de trabalho e da inibição cognitiva, pois para mudar de perspectiva é necessário inibir a forma de pensar utilizada anteriormente e inserir na memória de trabalho uma nova forma de analisar a questão. Sem a flexibilidade cognitiva, os indivíduos não conseguiriam tentar resolver um problema de outra forma, ajustar-se a mudanças de prioridades, reconhecer erros e aproveitar oportunidades inesperadas. Durante a fase infantil, a flexibilidade cognitiva contribui para compreender distintas formas de jogar um jogo ou para tentar diversas estratégias na solução de conflitos com outras crianças ou adultos. Quanto à aprendizagem escolar, a flexibilidade cognitiva importa por possibilitar à criança experimentar diferentes ações até chegar a um resultado desejado de um experimento de ciências ou um problema de matemática. Considera-se que a partir dos três extratos que compõem as funções executivas (memória de trabalho, controle inibitório e flexibilidade cognitiva), são construídas as funções executivas de alto-nível, que envolvem a capacidade de raciocínio, solução de problemas e planejamento. Além disso, os três extratos são essenciais para a construção de diversas habilidades fundamentais para a autonomia individual, como criatividade, perseverança, cooperação, respeito mútuo, disciplina e flexibilidade. 38 Vídeo Sobre a importância das funções cognitivas para o desenvolvimento da criança em adulto, assista ao vídeo Funções Executivas: Habilidades para a Vida e Aprendizagem, Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=6gIY_X9IXH8 3.3 Testes Utilizados na Avaliação das Funções Executivas Diante das observações sobre o comportamento em indivíduos com lesões no córtex pré-frontal foram desenvolvidos testes que buscaram dissociar os componentes cognitivos envolvidos no funcionamento executivo afetado nessa condição. Dentre os vários testes empregados na atualidade, destacam- se o Wisconsin Card Sort Task (WCST) e o Iowa Gambling Test (IGT) que avaliam a tomada de decisões sobre os componentes de flexibilidade mental, formação de conceitos abstratos e planejamento de ações. As principais áreas do córtex pré-frontal afetadas e que consequentemente geram déficits cognitivos estão situadas no córtex pré-frontal dorsomedial, córtex pré-frontal ventromedial e córtex pré-frontal orbitofrontal, que, dependendo do local específico da lesão pode comprometer um ou mais componentes cognitivos da tomada de decisões do indivíduo. Estudos ainda destacam que lesões no córtex pré-frontal ventromedial provocam um comportamento que induz os indivíduos a fazerem escolhas de alto ganho monetário a curto prazo que resultam em grandes perdas monetárias no montante final no IGT. Essa estrutura provavelmente pode estar encarregada de perceber o risco de determinadas tomadas de decisão integrando informações sobre memória de trabalho, escolhas vantajosas da decisão e inibição de respostas negativas no futuro. Nas últimas décadas, têm-se destacado também a avaliação da função executiva de inibição de respostas realizada pelos testes Stop Signal e Go/No- Go os quais avaliam componentes cognitivos de atenção seletiva, flexibilidade e velocidade de processamento de estímulos. Os indivíduos são submetidos a 39 responderem rapidamente a determinado estímulo que lhes é apresentado (estímulo Go) e em intervalos irregulares, inibir sua resposta frente a uma minoria de respostas inibitórias que surgem (estímulo No-Go). Geralmente, pacientes com lesões no córtex pré-frontal ventrolateral, região anatomicamente próxima do giro pré-frontal inferior, possuem um pobre controle motor inibitório nesses testes. Considerando ainda um estudo que envolveu a aplicação de uma modificação do teste Go/No-Go, no qual os indivíduos recebiam recompensas negativas após cada erro, foi identificada participação do córtex pré-frontal orbitofrontal na modulação da recompensa. Indivíduos com lesões no córtex pré-frontal orbitofrontal não conseguiam esboçar reação de autojulgamento frente as recompensas negativas recebidas e continuaram a errar de uma maneira constante, por todo o teste. Considerando outro teste que busca avaliar o controle inibitório pode-se destacar a ampla utilização do teste Stroop. A inibição de estímulos não relevantes nesse teste é exibida em representações conflitantes as quais é necessária a inibição de uma resposta prepotente para resolver esses conflitos “mentais”. As estruturas do córtex pré-frontal envolvidas nesse teste diferem dos outros testes de controle inibitório, pois no momento que o indivíduo procura resolver essa interferência mental, regiões do córtex pré-frontal dorso e ventromediais são solicitadas. O indivíduo que possui lesão nessa região específica tem uma grande dificuldade de resolver conflitos mentais e passam a errar com mais frequência quando lhes é apresentado um estímulo não inibitório associado a um inibitório. Figura 2 – sub-regiões do córtex pré-frontal Fonte: Szczepanski; Knight (2014) 3.4 Por que o Estudo das Funções Executivas é Importante? 40 O sucesso acadêmico de todos estudantes, e particularmente o que possui alguma dificuldade de aprendizagem, está intrinsecamente ligado com a motivação, esforço, persistência e autoavaliação. Esses processos cognitivos e motivacionais estão conectados ciclicamente com as funções executivas e desempenho acadêmico dos estudantes. Quando os estudantes aprendem e aplicam estratégias de aprendizagem com eficácia, eles se tornam mais independentes na aquisição do conhecimento. Portanto, o sucesso acadêmico depende da confiança em si próprio e no automonitoramento de seu próprio desempenho, o que resulta num esforço a mais em tarefas que exigem complexidade na escola. O ambiente de aprendizagem e os materiais e métodos instrucionais assumem importante responsabilidade em mediar essa relação cíclica. Para todos os estudantes, e mais especificamente aos que possuem dificuldades de atenção e aprendizagem, a inclusão de atividades pedagógicasvoltadas a criação de estratégias e manutenção do foco auxilia-os a obter habilidades necessárias para suprir as demandas acadêmicas. De fato, o aluno com dificuldade de aprendizagem precisa de mais horas para produzir algo, e provavelmente a série escolar a que está inserido não reflete a sua capacidade executiva. Quando esses estudantes utilizam estratégias de organização, prioridades e checagem de ideias, frequentemente tornam-se capazes de flexibilizar seu pensamento para entender uma ideia em diferentes abordagens. Na busca de gerar motivação, persistência e ética nos estudantes, torna- se necessário que os mesmos entendam seus pontos fortes e fracos. Isso os permite determinar quais estratégias serão mais eficazes para resolver um problema, bem como o porquê, onde, quando e como aplicar estratégias específicas. Esse entendimento é conhecido como metacognição. Saiba Mais Metacognição é a habilidade de pensar sobre seu próprio pensamento e aprendizagem. A metacognição se refere ao próprio entendimento de como aprender algo, bem como a manipulação de estratégias que podem ser usadas para resolver determinada tarefa. Estudantes com consciência 41 metacognitiva conhecem e entendem seus próprios perfis de aprendizagem, além de relacionarem os extratos das funções executivas em seus pontos fortes e fracos, auxiliando-os na resolução das diversas tarefas escolares. As habilidades que compõem as funções executivas são essenciais para o controle consciente e deliberado sobre ações, pensamentos e emoções. Tais capacidades possibilitam ao indivíduo gerenciar seu comportamento e suas ideias de forma autônoma e independente. Sem um bom desenvolvimento das funções executivas, os indivíduos podem apresentar dificuldade para se lembrar de ideias e de fatos a fim de relacioná-los no curto prazo, ou para evitar que pensamentos ou evento externos distraiam a atenção ou ainda, para refletir sob diferentes ângulos. Dessa forma, o funcionamento executivo está relacionado a diferentes dimensões da vida das pessoas. Resumo da Aula 03 Nesta aula foram abordados aspectos relacionados ao córtex pré-frontal, o papel das funções executivas na consciência e na aprendizagem, além de ser parte primordial na formação social do ser humano. Ficou constatado que as funções executivas podem ser decompostas em três extratos, e que cada um deles podem ser cuidadosamente treinados na criança ou adolescente, no ambiente escolar. Atividade de Aprendizagem As funções executivas dependem exclusivamente da mediatização do educador com o aluno? Na sua opinião, os pais podem assumir um papel no desenvolvimento das funções executivas dos seus filhos? AULA 4 – ATENÇÃO E APRENDIZAGEM 42 Apresentação da Aula 04 Todos os estímulos que chegam ao sistema nervoso passam por um filtro elaborado através de diversos mecanismos. Antes mesmo da informação ser processada no cérebro, algumas redes neuronais que estão levando essa informação podem ser bloqueadas, auxiliando esse filtro. Alguns centros reguladores da atenção participam desse processo, e isso permite focar a atenção em determinados estímulos, ao mesmo tempo que se ignora outros. Portanto, a atenção se responsabiliza primariamente na aquisição de informações e no processo de aprendizagem. Os aspectos neurobiológicos da atenção merecem destaque quando se discute métodos de ensino- aprendizagem eficazes no campo escolar. 4.1 Conceito de Atenção A atenção é uma habilidade cognitiva que permite focar em determinada informação ou estímulo. A partir da aquisição dos cinco sentidos, o ser humano tornou-se capaz de processar mentalmente todas informações que o ambiente tem a lhe fornecer, e grande parte desse montante informativo é filtrado no cérebro sem ao menos percebermos. A atenção é uma função cognitiva complexa que é essencial para o comportamento humano. Reúne basicamente a seleção de informações externas (sons, imagens, cheiros) com internas (pensamentos) que podem ser mantidas no cérebro com certo grau de consciência. Ela não é estável, e, portanto, pode sofrer flutuações, pelo fato de não ser facilmente sustentada e frequentemente perdida inconscientemente durante uma tarefa. 4.2 Neurobiologia da Atenção Com a finalidade de manter a função cognitiva da atenção no sistema nervoso, é necessário que diversas áreas corticais e sub-corticais se comuniquem. Estudos de neuroimagem cerebral têm evidenciado que o 43 fenômeno da atenção estimula diversas áreas corticais em várias porções do cérebro. No momento em que se presta atenção a algo, neurônios do lobo frontal e do colículo superior (onde localizam-se um feixe de neurônios da visão) têm sua atividade aumentada. O processamento visual e a associação, que acontecem nos lobos occipitais e parietais, respectivamente, seguem o mesmo padrão de aumento de disparos neuronais, sugerindo que a atenção tem o poder de aguçar o processamento sensorial, facilitando as ações cotidianas de tomada de decisão. Os lobos corticais que mais contribuem para o processamento da atenção são o parietal, área pré-motora e córtex pré-frontal. Considerando que essas áreas trabalham em sincronia, pode-se destacar que o lobo frontal detecta o alvo e gera uma resposta adequada, ao mesmo tempo que o lobo parietal orienta e foca nossa atenção. Algumas áreas sub-corticais estão também envolvidas na atenção. A formação reticular do tronco encefálico tem a função de definir qual estímulo deve ser evidenciado, selecionando as informações que chegam, eliminando ou diminuindo algumas e concentrando-se em outras, gerando o que é chamado de atenção seletiva. A atuação do lobo frontal seleciona o que deve ou não passar para o néocortex, caracterizando-o como um filtro primário. Esse filtro atencional seleciona as informações mais relevantes ao indivíduo, os quais teriam prioridade de serem processadas na região da formação reticulada, permitindo o indivíduo focar e se concentrar com mais intensidade nessa informação. Em alguns casos, determinadas informações podem furar esse filtro e se tornarem “salientes” o suficiente para serem elevadas a categoria de foco de atenção. Como a capacidade atencional é limitada, esses estímulos salientes facilmente atrapalham o foco em determinada atividade, como no caso de um aluno que não consegue se concentrar em uma leitura (foco primário da atenção) na sala de aula, a qual possui um ventilador barulhento desviando seu foco (estímulo saliente). A atenção pode ser regulada de duas formas: de “baixo para cima” e “de cima para baixo”. No primeiro, os estímulos ambientais, bem como suas características (se é um novo estímulo ou causa algum contraste) podem ser tratadas como atenção reflexa, de cunho mais inconsciente. No segundo, a 44 consciência é mais evidente, o que permite ser regulada por processos mentais, a qual será chamado de atenção voluntária. A todo tempo as informações sensoriais trafegam do néocortex para regiões inferiores e vice- versa, com o intuito de realizar a seleção final dos estímulos que realmente são relevantes para o organismo. Fonte: Elaborado pelo Autor. Em uma típica situação do cotidiano para explicar o processamento atencional, está no momento que, por exemplo, numa reunião, escutamos nosso nome ser pronunciado num grupo de conversa próximo. Imediatamente, mudamos o foco da atenção para àquele grupo que entoou nosso nome, com a finalidade de captar informações que são de interesse. Alguns aspectos da atenção podem ser destacados nesse caso. Um estímulo externo (ambiental) de alta saliência surge e desvia o foco da nossa atenção; logo, ajustamos o foco da atenção para essa nova direção com o intuito de captar a maior quantidade de informação possível. A partir da observação desse padrão de desvio atencionalforam originados dois sistemas que regulam esses processos. O sistema orientador, localizado no córtex parietal, permite o desvio da atenção de um ponto para outro, como também realizar ajustes para que os estímulos sejam claramente recebidos. Permite também que o foco da atenção seja dedicado a outros sistemas sensoriais, como na ação voluntária de aguçar mais a audição do que a visão numa conversa distante. O sistema executivo permite a manutenção da atenção por um período maior de tempo, ao mesmo tempo que inibe estímulos que podem causar 45 distração. A área cerebral dedicada a essa função cognitiva localiza-se no giro do cíngulo, localizada numa região mais interna do lobo frontal. A atenção executiva está engajada em mecanismos de autorregulação que são capazes de modular o comportamento de acordo com o contexto emocional e social da situação. Ela torna-se importante na aquisição e manipulação da aprendizagem consciente. Isso torna-se mais claro quando deparamos com alunos com transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH), que possuem uma grande dificuldade em focar e manipular a atenção, e consequentemente, a aprendizagem. 4.3 Atenção e Alerta Uma importante consideração sobre o pleno funcionamento das redes neurais da atenção pode ser feita quando se diz que o nível de vigilância ou alerta que o indivíduo se encontra é determinante para manter atenção em algo. O cérebro passa por variações de atividade e repouso todos os dias (vigília e sono) e o estado de vigilância provoca flutuações consideráveis na atenção. Durante a sonolência ou o sono, a atenção é prejudicada, e, portanto, o sono torna-se componente crucial para o desempenho atencional. A privação de sono, a qual gera sonolência é muito frequente na sala de aula, gerando uma diminuição generalizada da atenção e prejuízos na aprendizagem. Ao contrário disso, o alto estado de alerta tende a ocasionar um quadro de ansiedade que prejudica, além da atenção, outras diversas funções cognitivas. Para o cérebro realizar o processamento da atenção, portanto, torna-se essencial um nível adequado de vigília para preservação das habilidades de foco e eliminação de distrações. No cérebro há um grupo de neurônios dedicados em regular os níveis de vigilância. O núcleo dessa rede neuronal possui um pigmento azulado, o qual foi nomeado de locus ceruleus (local azul), localizado logo abaixo do cérebro. O neurotransmissor dessa rede neuronal é a noradrenalina, importante na estimulação e regulação do estado de alerta do organismo. 46 4.4 Tipos de Atenção Há dois tipos de atenção que são necessárias para se manter o foco em uma determinada informação por vez: atenção sustentada e atenção seletiva. Os outros dois tipos são necessários para manter o foco em múltiplas informações ao mesmo tempo: atenção alternada e atenção dividida. 4.4.1 Atenção Sustentada É a habilidade de focar em uma tarefa específica por uma longa duração de tempo sem que nenhum fator de distração intervenha. A atenção sustentada provavelmente reflete quando se escuta palavras de incentivo como: Atenção! Foco! Concentre-se! Usa-se a atenção sustentada quando precisa-se manter o foco em uma determinada tarefa ou se concentrar em uma atividade por um período prolongado de tempo, as quais exigem distração mínima. Alguns exemplos compreendem assistir uma aula, ler um livro ou assistir um vídeo. É um tanto desafiador manter esse tipo de atenção por um período extenso de tempo, considerando que a sociedade está cada vez mais saturada de informações e situações frequentes que causam distração. Porém, o nível de atenção sustentada pode variar, a partir do momento que se está intensamente focados, e que, de repente, inicia-se um lapso (perda abrupta da atenção). Contudo, uma grande vantagem da atenção sustentada é a sua habilidade de retornar rapidamente ao foco após uma situação de lapso ou de distração. 4.4.2 Atenção Seletiva É a habilidade de selecionar e focar um dentre vários fatores ou estímulos disponíveis. Todo dia se está exposto a um grande número de estímulos ambientais, porém o cérebro realiza uma filtragem elaborada de aspectos particulares que são relevantes para manter o foco. A atenção seletiva basicamente permite ter a habilidade para selecionar o que necessita realmente de atenção. Utiliza-se esse tipo de atenção quando, por exemplo, se 47 está em uma multidão e se deseja ouvir apenas a voz de uma pessoa, ou quando se tenta estudar num ambiente barulhento. Quando utiliza-se a atenção seletiva, está tentando evitar que distrações externas (barulho) e internas (o próprio pensamento) venham a prejudicá-la. Portanto, pessoas que conseguem utilizar com eficácia a atenção seletiva são muito boas em ignorar distrações e focar com mais facilidade, além de manterem um nível estável de desempenho e produção mesmo na presença de estímulos que a distraiam. Vídeo Assista ao vídeo Selective Attention Test, e verifique como a atenção seletiva funciona no cérebro. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=vJG698U2Mvo 4.4.3 Atenção Alternada É a habilidade ligada à flexibilidade mental que permite mudar o foco da atenção e transitar entre tarefas que exigem diferentes recursos cognitivos. Nesse caso, torna-se possível alternar facilmente a atenção entre duas tarefas que requisitam diferentes regiões cerebrais. Utiliza-se a atenção alternada quase a todo momento. Frequentemente se tem que fazer mudanças repentinas no cotidiano das atividades e ações, as quais exigem mudanças no foco. Um exemplo disso é quando se está lendo uma receita, ao mesmo tempo que cozinha o que está descrito (pois em um momento o foco está na receita, e em outro, focado no cozimento dos alimentos), ou quando se está alternando tarefas distintas, como cozinhar e ajudar na tarefa do filho ao mesmo tempo. 4.4.4 Atenção Dividida 48 É a habilidade de processar duas ou mais respostas ao mesmo tempo, dividindo a atenção entre duas ou mais tarefas. Frequentemente refere-se à atenção dividida com a capacidade multitarefa. Um exemplo seria quando se lê um e-mail e ouve pessoas numa reunião, quando se está conversando ao mesmo tempo que se alimenta, ou quando fala ao telefone ao mesmo tempo que se veste. Diferente da atenção alternada, na atenção dividida não permite que se mude o foco de uma tarefa para outra, completamente diferente. Nesse caso, se tenta realizar todas ao mesmo tempo, fato que permite dizer que está dividindo a atenção. Apesar da atenção dividida ser pensada como a habilidade de focar em duas ou mais atividades ao mesmo tempo, torna-se quase impossível se concentrar em duas tarefas distintas simultaneamente. O cérebro tem a capacidade de processar apenas uma tarefa por vez, portanto, é mais factível aceitar que se consegue focar em apenas uma tarefa por vez, o que indica que a todo momento se está alternando entre tarefas. Isso explica o porquê é tão difícil e perigoso estar ao telefone e dirigir ao mesmo tempo. 4.4.5 Alterações da Atenção e Suas Consequências Grande parte das alterações nos processos atencionais são oriundas de quadros lesionais e disfuncionais orgânicas, as quais podem sofrer alterações de intensidade, como: alterações simples, brandas, oscilatórias e flutuantes. As alterações relacionadas aos aspectos quantitativos da atenção são classificadas como distração, hiperprosexia, hipoprosexia e aprosexia: A distração é a dificuldade para concentrar a atenção sobre um estímulo mais significativo. Ela pode ser frequente em pessoas com alto grau de ansiedade, pelo fato de exibirem excesso de concentração. Ocorre também em situações de hipervigilância, as quais envolvem focos emocionais, como assistir filmes de terror, no terror noturno, condições
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