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Caroline Reis_Resenha Construindo o Tradutor

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ROBINSON, D. Construindo o Tradutor. Tradução: Jussara Simões. Bauru, SP: Edusc, 2002, p. 448. Edição esgotada.
O olhar de Douglas Robinson sobre a tradução
O livro do norte-americano Douglas Robinson foi publicado pela primeira vez em 1997 com o título Becoming a Translator: An accelareted course. Ele foi reeditado em 2003, quando o subtítulo foi trocado para An Introduction to the Theory and Practice of Translation, e mais recentemente em 2012, mantendo o mesmo título da edição de 2003. No Brasil há uma única tradução feita por Jussara Simões e publicada em 2002 pela Edusc. Essa tradução intitulada Construindo o Tradutor é baseada na primeira edição de 1997 e é composto por 11 capítulos: Conhecimento externo, Conhecimento interno, O aprendiz de tradutor, O processo tradutório, Experiência, Gente, Profissionais, Línguas, Redes sociais, Cultura e Quando o hábito falha. Cada um desses 11 capítulos é seguido por discussões e exercícios propostos e a eles somam-se um capítulo introdutório, um apêndice para professores, as referências, um índice onomástico e uma lista de figuras. 
Na Introdução, Robinson apresenta as duas premissas de seu livro: (i) não há substituto para a experiência prática; e (ii) a rejeição ao fato de que não há como acelerar o processo de aprendizagem sem que se prejudique a habilidade do aluno de detectar erros em seu próprio trabalho. Assim, ele muda o foco do ensino da tradução, contrabalanceando a análise consciente (aprendizagem lenta) com a descoberta inconsciente e a assimilação (aprendizagem rápida). Isso, segundo o autor, acelera o processo de aprendizado. Ainda consoante Robinson, a necessidade de se manter a aprendizagem consciente (e lenta) junto da aprendizagem subliminar (e rápida) é que os aprendizes ainda precisam saber testar e desafiar o material e padrões que eles sublimam tão rapidamente e efetivamente. As palavras-chave usadas no capítulo são visão geral, estudo da tradução, graduação e pós-graduação.
O capítulo 1, Conhecimento Externo, mostra as relações entre o mercado (constituído também por pessoas que não são tradutoras), que vê a tradução como um produto, e os tradutores, que veem a tradução como uma atividade. Robinson lista e discute as expectativas (confiabilidade, prazos, custos, compensações) dos não tradutores em relação às traduções e como essas expectativas influenciam a atividade dos tradutores: “O duro fato é que os tradutores, com tantos conhecimentos internos, raramente podem dar-se ao luxo de ignorar as perspectivas externas de quem não é tradutor, mas é, afinal, sua fonte de renda.” (ROBINSON, 2002, p. 23). 
No capítulo seguinte, Conhecimento Interno, são explorados o ponto de vista do tradutor e os aspectos da prática profissional: acentua-se o papel do tradutor como um indivíduo que tem voz e convicções. São discutidos o que é a confiabilidade do ponto de vista do tradutor, a importância do envolvimento do tradutor com sua profissão, seus valores éticos, sua motivação, sua remuneração, a velocidade de trabalho, o gerenciamento dos projetos e o status da profissão. Todos esses aspectos foram negligenciados durante muito tempo, de acordo com autor, uma vez que a tradução era vista somente do ponto de vista de não tradutores (focando somente na confiabilidade e relegando aspectos importantes como rapidez e custos) (ROBINSON, 2002, p. 45). Ainda neste capítulo são mostradas as pressuposições do livro: 
1. Tradução está mais para pessoas do que para as palavras.
2. A tradução está mais para os serviços que as pessoas prestam do que para os registros e sistemas de signos.
3. A tradução está mais para a imaginação criadora do que para a análise textual regida por regras.
4. O tradutor assemelha-se mais a um ator ou músico (artista) do que a um gravador.
5. O tradutor, mesmo o de textos extremamente técnicos, está mais para um poeta ou romancista do que para um sistema de tradução automático. (ROBINSON, 2002, p. 66).
No próximo capítulo, O aprendiz de tradutor, são exploradas “[...] os complexos processos de aprendizado por meio dos quais os novatos vão se tornando profissionais mais experientes [...]” (ROBINSON, 2002, p. 74). São mostrados também os tipos de memória que o tradutor aplica na hora em que traduz: a memória figurativa (que é aquela que faz pararmos para refletir sobre alguma coisa; auxilia o saber declarativo) e a memória normativa (aquela que opera no modo subliminar; auxilia o saber procedimental). Ao longo do capítulo, explora-se como o equilíbrio entre a inteligência subliminar e consciente assumem papéis diferentes, mas salutares, na tarefa de tradução. Também são expostos os estilos de aprendizado diferentes para que o leitor aprenda a reconhecer em qual situação de aprendizagem se sai melhor e consiga explorar melhor o desenvolvimento de seu aprendizado e prática.
No capítulo subsequente, O processo tradutório, Robinson apresenta pela primeira vez os conceitos peirceanos de abdução, indução e dedução e como esses processos formam uma tríade. Consoante Robinson, a abdução (salto intuitivo), a indução (criação de particulares para universais) e a dedução (partir de universais para particulares) formam um ciclo que aproxima o tradutor do “hábito”. O ciclo agir(abdução)-selecionar(indução)-reter(dedução) poderia ser reformulado em traduzir-revisar-sublimar no mundo da tradução. 
Dando continuidade, no capítulo 5, Experiência, são apresentados os conceitos de abdução, indução e dedução que governam a gestão de experiências do tradutor. A abdução diz respeito aos saltos intuitivos que ocorrem durante o processo tradutório e que são imprescindíveis. A indução é a “procura incessante de regularidades, padrões, generalidades, que possam levar a certo grau de ordem e, assim, previsibilidade e até controle ao redemoinho da experiência.” (ROBINSON, 2002, p. 168). Já a dedução é a última parte do processo em que “o tradutor começa a impor regularidades aos novos materiais a título de prever e controlar o que acarretarão.” (Id., ibid., p. 169) Ainda de acordo com o autor, cada uma dessas etapas tem um papel fundamental na construção da experiência do tradutor: se o sujeito pautasse seu conhecimento apenas nas abduções, ele seria eternamente um tradutor novato; já apenas a indução sozinha se tornaria uma restrição e deixaria a atividade tradutória extremamente mecânica; e a dedução por si só seria estéril – a abdução contribui com perspectivas inovadoras, a indução agrega através da experiência prática da vida profissional e a dedução contribui com um panorama corretivo.
O capítulo 6, Gente, aborda a importância das relações interpessoais para o tradutor profissional. Este capítulo ensina como, ao contrário do que se pode pensar, o trabalho do tradutor não se limita a lidar com textos, mas como sua inteligência emocional (autopercepção emocional, autocontrole emocional, automotivação emocional, empatia e lidar com pensamentos) é primordial para lidar com clientes, agências e até consigo mesmo, mantendo-se motivado. Novamente são retomados os conceitos de abdução, indução e dedução de Peirce (1931-1966 apud ROBINSON, 2002), que devem ser adotados pelo tradutor, mas desta vez aplicados às relações com as pessoas na vida profissional.
Em Profissionais, capítulo 7, destaca-se a importância do aprendizado em contexto e de forma prática (aprendizado holístico) como uma forma de acelerar e tornar eficaz o aprendizado, em detrimento do aprendizado atomicista, que ocorre fora de contexto e de maneira puramente descritiva. Neste capítulo apresenta-se a ideia do tradutor como um “falsário”: “O tradutor que, como um ator ou romancista, finge ser profissional da área do texto original provavelmente vai transmitir à tradução uma coerência tonal ou retórica que tornará sua leitura mais natural [...]” (ROBINSON, 2002, p. 208-209). Neste capítulo também é apresentado formalmente o conceito de habitus como um “padrão de atividades, posturas e opiniões que estruturam a vida.” (BORDIEU, 1986 apud ROBINSON, 2002, p. 207). Consoante Robinson,o habitus é uma parte importante da profissão do tradutor, pois é ao se colocar na posição do outro profissional que produziu o texto na língua de partida que o tradutor consegue atingir um texto mais “natural”, mais próximo ao que uma pessoa da mesma classe profissional da língua de chegada produziria.
O próximo capítulo, Línguas, salienta que o papel da discussão sobre ‘pessoas’ ou ‘profissionais’ feita até este ponto do livro não foi o de conferir menor importância ao papel das línguas na tradução, mas sim inseri-la em um contexto maior no qual fique evidente que os textos são “canais pelos quais as pessoas exercem influência sobre os atos umas das outras”, em vez de um conjunto de estruturas e vocabulário que devem ser destrinchadas. É também nesta parte do livro que Robinson mostra como a teoria é importante. O autor afirma que, mesmo que não se concorde com uma determinada teoria, ao compreender os processos utilizados por determinado autor para formular uma teoria, o tradutor pode se apropriar dos mesmos processos e aplicá-los a sua realidade, a sua prática tradutória.
Prosseguindo, no capítulo 9, Redes sociais, Robinson (2002, p. 277) defende que “Ser tradutor é, além de aprender palavras e expressões e possuir computador e programas, ser membro de diversas comunidades ou redes sociais.” Assim, novamente ele evidencia que o componente humano e as relações sociais são parte indissociável da tradução. Ele apresenta as chamadas teorias sociais da tradução, que surgiram com o intuito de justificar os atos dos tradutores em contraposição à antiga tradição teórica de controlar os tradutores. Dentre os teóricos importantes dessas teorias sociais, Robinson cita Katharina Reiβ, Franz Vermeer, Justa Holz-Mänttäri, Christiane Nord, Itamar Even-Zohar, Gideon Toury, James Holmes, André Lefevere e Theo Hermans.
O penúltimo capítulo do livro, Cultura, Douglas Robinson começa discutindo o conceito de cultura a partir de indagações como “O que é cultura? Onde começa uma cultura e termina outra?”. Ele acentua as diferentes relações de poder existentes entre culturas e menciona a virada cultural na tradução, ou seja, o impacto da cultura de destino, trazida por movimentos como os Estudos Descritivos da Tradução, a teoria Feminista e a teoria Pós-Colonialista. 
O último capítulo do livro, Quando o hábito falha, discorre sobre a importância de o tradutor saber parar os processos subliminares (rápidos e internalizados) oriundos do conhecimento adquirido pela prática e dar lugar à análise consciente (e lenta) quando um problema é encontrado durante sua prática. Conforme o autor, “A diferença é que o bom tradutor educou as intuições de maneira mais completa que o medíocre, e, ao confiar nessas intuições, está, na verdade, confiando em anos de experiências interiorizadas e ponderações inteligentes.” (ROBINSON, 2002, p. 353, grifo do autor).
O apêndice para professores traz uma breve apresentação do livro e maneiras de adaptá-lo à realidade de cada contexto de ensino. Ele também menciona rapidamente a abordagem de ensino-aprendizagem que adota (uma abordagem cognitivista e construtivista, em que o professor não é mais o centro do processo de ensino-aprendizagem e em que o aluno assume cada vez mais o papel de construtor de seu conhecimento através da mediação do professor) e faz algumas considerações sobre os exercícios propostos ao longo do livro, além de acrescentar mais algumas sugestões de debates e exercícios.
O livro de Douglas Robinson conduz seu leitor desde questões mais simples sobre a tradução (o que os não tradutores esperam ao encomendar uma tradução, como funciona o mercado da tradução, entre outros aspectos) até discussões mais complexas (como as reflexões sobre a influência da cultura e das relações de poder que permeiam a tradução e como usar a teoria, mesmo aquelas com as quais não se concorda, a seu favor a partir da reflexão sobre ela, por exemplo). Destarte, seu texto traz bastante informação e apresenta um aspecto cognitivista, principalmente quando discorre sobre os processos de aprendizagem (abdução, indução e dedução) e como saber aproveitar melhor as próprias características para se tornar um tradutor mais satisfeito com sua profissão e bem sucedido.
Embora não use a nomenclatura, Robinson apresenta um modelo de aprendizagem por competência em que a competência tradutória é formada pelo desenvolvimento de várias subcompetências. Além disso, fica bastante marcada sua visão da tradução como um processo.
As discussões propostas ao longo do livro renderiam bons debates e reflexões em sala de aula. Já as atividades, que são apresentadas logo após as propostas de discussão, são um convite à prática – tão defendida pelo autor ao longo do livro. A partir dessas sugestões de discussões e atividades apresentadas no livro, o professor de um curso de tradução pode levantar outras questões e desenhar outras atividades que caibam dentro do contexto no qual atua.
Em conjunto com outros materiais, Construindo o Tradutor seria um livro bastante proveitoso em um curso de tradução. Seus primeiros dois capítulos serviriam como uma boa leitura introdutória de conscientização para os alunos iniciantes do curso, e à medida que o curso fosse se desenvolvendo, os capítulos de 3 a 9 poderiam ser apresentados gradativamente, reservando-se os capítulos 10 e 11 para o final do curso, quando os alunos estivessem visto e experienciado os vários aspectos da vida do profissional da tradução e, então, estivessem mais preparados para refletir sobre a prática tradutória em seu contexto.
Caroline Reis Vieira Santos
Universidade Federal de Santa Catarina

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