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O POSSUIDOR ESBULHADO NA POSSE E A LEGITIMIDADE DE SEU SUCESSOR

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O POSSUIDOR ESBULHADO NA POSSE E A LEGITIMIDADE DE SEU
SUCESSOR PARA A AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE
O POSSUIDOR ESBULHADO NA POSSE E A LEGITIMIDADE DE SEU SUCESSOR
PARA A AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE
Revista de Processo | vol. 51/1988 | p. 75 - 88 | Jul - Set / 1988
DTR\1988\125
Nelson Manada
 
Área do Direito: Processual
Sumário:
 
1. Introdução (colocação do problema) - 2. Natureza jurídica da posse - 3. Ofensa à posse - 4. ius
possidendi e ius possessionis - 5. Successio possessionis e accessio possessionis - 6. Proteção
possessória - 7. Legitimação ad causam - 8. Alienação da coisa ou do direito - 9. Pretensão e ação - 10.
Prescrição e ação - 11. Prescrição da ação possessória - 12. Legitimidade do sucessor a título singular
para propor a ação de reintegração na posse, ainda que o alienante já não a tivesse (posse) à época da
alienação
 
1. Introdução (colocação do problema)
Já dizia Alberto Montei, para o direito italiano, que "il chiamato all'eredità può esercitare le azioni
possessorie a tutela del beni ereditari, anche senza bisogno di materiale apprensione" ( La disciplina del
possesso nel códice civile italiano, Torino, 1951, p. 66).
Entre nós, escreveu Lafayette Rodrigues Pereira: "A posse civil do defunto passa aos herdeiros,
segundo a dita lei e Ass., com todos os efeitos da posse natural, sem necessidade de ser corporalmente
tomada... 2 - Que o herdeiro, tendo adquirido a posse civil com todos os efeitos da natural, pode, no
caso de turbação e esbulho, mesmo ocorridos em vida do defunto, invocar, como qualquer outro
possuidor, os interditos retinendae ou recuperandae possessionis" (Direito das coisas, adaptação ao
Código Civil (LGL\2002\400) por José Bonifácio de Andrada e Silva, edição histórica, 1977, p. 80,
rodapé).
Nesse sentido também a observação mais recente de João Batista Monteiro ( Ação de reintegração de
posse, 1987, pp. 145-146, n. 42.5).
Todavia, já se decidiu que: "A posse também se adquire, em princípio, por sucessão causa mortis. Na
contingência, porém, se os legítimos herdeiros não tomarem providências oportunas, no sentido de
impedir que se consolide a posse em favor de terceiros, por exercício de fato, certamente perderão em
favor deles, não podendo pleiteá-la por meio do interdito, embora não operada ainda prescrição
aquisitiva alguma" (R. Limongi França, Jurisprudência das ações possessórias, 1979, pp. 135-138).
Para a sucessão inter vivos, no dizer de Pinto Ferreira: "a simples vontade das partes não basta para
operar a mudança de domínio ou posse: é necessária a objetivação de tal vontade ou intenção por um
fato externo, que se chama tradição, colocando a coisa sobre o poder físico do adquirente" (Posse, Ação
possessória e Usucapião, 2ª ed., 1983, pp. 39-40).
Confirmando essa orientação, proclama a jurisprudência: "O primeiro e essencial requisito para o
interdito reintegratório é a posse do autor ao tempo do esbulho, exercida de fato sobre a coisa" (R.
Limongi França, ob. cit., pp. 115-116).
Não seria possível uma orientação uniforme para essas questões, em face dos princípios que regem o
processo civil?
2. Natureza jurídica da posse
Questão controvertida é a que diz respeito à natureza da posse.
Para Clóvis Beviláqua "a posse é um mero fato", embora assuma "o fato a posição de direito, não
propriamente, a categoria" ( Código Civil (LGL\2002\400), 1955, vol. III/7; Direito das coisas, 5ª ed.,
atualizada por José de Aguiar Dias, s/d., vol. I/39).
Também essa é a colocação de Sílvio Rodrigues, depois de aludir à posição de Ihering - segundo a qual
a posse é um direito, embora diferente dos outros -, porque "na posse o direito existe enquanto a
situação de fato existir" ( Direito Civil, vol. V, Direito das coisas, 2ª ed., s/d., p. 34).
Outros juristas de igual nomeada, porém, consideram a posse um direito. Assim Lafayette Rodrigues
Pereira, para quem "O elemento material da posse, a detenção, é em si um mero fato que não acarreta
conseqüências legais. Mas o concurso do elemento moral, a intenção transformando-o em posse,
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comunica-lhe caráter jurídico. Este caráter jurídico, resultante da natureza elementar da posse, e a
maneira pela qual ela tem sido tratada pela legislação civil, elevam-na à categoria de um direito" (ob.
cit., p. 39).
Neste último sentido a orientação de Washington de Barros Monteiro, que se refere à posição de Cunha
Gonçalves, que conceitua a posse "como direito real provisório", além de mencionar farta
jurisprudência pátria no sentido de tratar-se de direito real ( Curso de direito civil, vol. 3º, Direito das
coisas, 18ª ed., 1979, pp. 20-21).
Maria Helena Diniz, depois de sintetizar as três correntes doutrinárias existentes, conclui: "A grande
maioria de nossos civilistas reconhece a posse como um direito, havendo divergência de opiniões no
que concerne a sua natureza real ou pessoal... Entendemos, como Daibert, que a posse é um direito
real, posto que é a visibilidade ou desmembramento da propriedade" ( Curso de direito civil brasileiro,
vol. 4º, Direito das coisas, 3ª ed., 1985, pp. 41-42).
3. Ofensa à posse
Dispõe o art. 489, do CC, que "É justa a posse que não for violenta, clandestina, ou precária".
Interpretando o dispositivo legal, escreveu J. M. Carvalho Santos: "l - Posse justa. Significa a que é
isenta de vícios, isto é, a que não é adquirida com violência, clandestinidade, ou com precariedade, ou
abuso de confiança - vi, clam, aut, precário" (Código Civil (LGL\2002\400) brasileiro interpretado, 7ª
ed., 1961, vol. VII/39).
De forma clara, outrossim, observa o citado jurista, que a posse violenta é "a que se adquire pela
força"; a clandestina "a que se estabelece às ocultas"; e a precária "a que se origina de abuso de
confiança" (aut. e ob. cits., pp. 39-41).
Essas, pois, as formas mais conhecidas de ofensa à posse, que autorizam a reintegratória, quando, em
razão delas, se perde a posse.
Porém, acrescenta Washington de Barros Monteiro, o esbulho se caracteriza por "qualquer moléstia aos
direitos do possuidor, como quando ocorra recusa de restituir a coisa que deva ser restituída" (ob. cit.,
p. 48).
4. ius possidendi e ius possessionis
Washington de Barros Monteiro, com bastante clareza, distingue o ius possidendi do ius possessionis,
dizendo: "Por fim, cabe ainda aludir ao jus possidendi e ao jus possessionis. O primeiro é o direito à
posse, decorrente do direito de propriedade. Não se confunde com o segundo, que é o direito de posse,
resultante da posse exclusivamente, compreendido o poder sobre a coisa e sua defesa pelos interditos.
Por outras palavras, aquele é atributo do domínio, enquanto este deriva do próprio fato da posse. O
primeiro é o direito do titular do poder jurídico de possuir o que é seu, o segundo, o complexo dos
direitos que a posse, por si só, gera para o possuidor (commoda possessionis), notadamente o direito à
tutela possessória" (ob. cit., p. 33).
Para este estudo interessa o ius possessionis "resultante da posse exclusivamente".
5. Successio possessionis e accessio possessionis
Para o art. 496, do CC: "O sucessor universal continua de direito a posse do seu antecessor; e ao
sucessor singular é facultado unir sua posse à do antecessor, para os efeitos legais".
Segundo o art. 495, da mesma lei civil, outrossim: "A posse transmite-se com os mesmos caracteres
aos herdeiros e legatários do possuidor".
Na lição de Carvalho Santos, o art. 495 cuida da sucessão da posse, enquanto o art. 496 trata da
conjunção ou união das posses, distinguindo, ainda, na última hipótese, o sucessor por título universal
do sucessor por título singular (ob. cit., pp. 71-72).
À conjunção ou união de posses é que se denomina, também, accessio possessionis.
A esse respeito, disse Pontes de Miranda: "Na successio possessionis, o sucessor continua a posse do
sucedido. Na accessiopossessionis, o sucessor pode unir à do sucedido. Ali, há uma só posse, que
passa de uma pessoa a outra. Aqui, duas ou mais posses, que podem unir-se, ou não se unir
(facultatividade da acessão da posse)" (Tratado de direito privado, 1955, t. X/223).
Importante para Carvalho Santos mostra-se o art. 495, do CC, porque aí a nossa lei civil "firmou o
princípio da constituição da posse aos herdeiros e legatários do possuidor, abandonando a doutrina
insustentável do Direito romano que a considerava intransmissível" (ob. cit., p. 68).
Interessa a este estudo, também, a consideração que faz Pontes de Miranda a respeito da transmissão,
continuação e união das posses. Escreveu o saudoso jurisconsulto: "Há a transmissão e a continuação
da posse. Há, ainda, a união das posses. Na transmissão, o poder fático, que tinha o sucedido, passa ao
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sucessor, ainda que esse não no tenha obtido. Na continuação, o sucessor, que obtém o poder fático,
continua a posse do sucedido. Na união das posses, o sucessor singular (exceto o legatário), que obtém
o poder fático, pode unir a sua posse à do autor, ou não na unir: fica a seu critério, e tão-só a ele" (ob.
últ. cit., pp. 227-228).
A distinção é feita, igualmente, no direito italiano: "Tanto per il nuovo códice, quanto per il vecchio, il
possesso dell'autore e quello dell'erede si considerano come un único possesso, laddove nel caso di
successione a titolo particolare si tratta di due possessi ben distinti, che il successore ha la facoltà di
unire (in atre parole, la successione nel possesso è necessária, l'accessione è facoltativa) " (Alberto
Montei, ob. cit., p. 65).
Essa distinção é que permite a seguinte afirmação de Montei: "il chiamato all'eredità può esercitare le
azioni possessorie a tutela dei beni ereditari, anche senza bisogno di materiale apprensione", citando
dispositivo do Código civil italiano (aut. e ob. cits., p. 66).
Portanto, no caso de transmissão da posse (art. 495, do CC brasileiro), o sucessor poderia intentar a
ação de reintegração de posse, ainda que o de cujus, ao falecer, não tivesse o poder fático sobre a
coisa. O mesmo não aconteceria na accessio possessionis (art. 496).
A primeira parte do art. 496 e o art. 495, do CC, são completados pelo art. 1.572, que dispõe: "Aberta
a sucessão, o domínio e a posse da herança transmitem-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e
testamentários".
6. Proteção possessória
A posse é protegida, por razões várias, através das ações possessórias, cujas principais são a de
manutenção, de reintegração e o interdito proibitório, formas evoluídas dos antigos interditos do direito
romano ( adispiscendae possessionis, retinendae possessionis e recuperandae possessionis) (Barros
Monteiro, ob. cit., pp. 42-43).
Cumpre destacar, no entanto, que o interdito adispiscendae possessionis não era, no direito romano,
propriamente um interdito possessório; "era a ação pela qual se demandava a aquisição de uma posse
nova e por conseguinte ainda não existente" (Lafayette Rodrigues Pereira, ob. cit., p. 79, nota de
rodapé).
Aqui interessa o interdito recuperandae possessionis, que corresponde à ação de reintegração de
posse: a recuperação da posse daquele que a perdeu ao esbulhador.
7. Legitimação ad causam
"O direito de ação é o direito subjetivo público de pleitear ao Poder Judiciário uma decisão sobre uma
pretensão" (Vicente Greco Filho, Direito processual civil brasileiro, 1981, vol. 1º/67).
Entre os requisitos da ação encontram-se as chamadas condições da ação, que são: "1) possibilidade
jurídica; 2) interesse; 3) legitimidade" (Alfredo Buzaid, Do agravo de petição, 2ª ed., 1956, p. 88).
Dessas condições da ação interessa, aqui, a legitimidade, ou legitimidade ad causam, que é "a
pertinência subjetiva da ação, a titularidade na pessoa que propõe a demanda" (Alfredo Buzaid, ob. cit.,
p. 89), e que Vicente Greco Filho esclarece ser "a regularidade do poder de demandar de determinada
pessoa sobre determinado objeto" (ob. cit., p. 69).
Sobre o assunto escrevem, outrossim, Antonio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e
Cândido R. Dinamarco: " Legitimidade - Ainda como desdobramento da utilidade do provimento
jurisdicional, temos a regra que o Código de Processo Civil (LGL\1973\5) enuncia expressamente no
art. 6º: 'Ninguém poderá pleitear, em nome próprio, direito alheio, salvo quando autorizado por lei'.
Assim, em princípio, é titular de ação apenas a própria pessoa que se diz titular do direito cuja tutela
pede (legitimidade ativa), podendo ser demandado apenas aquele que seja titular da obrigação
correspondente (legitimidade passiva)" (Teoria geral do processo, 3ª ed., 1981, pp. 223-224).
Essa legitimidade para a causa não se confunde com a legitimidade ad processam, "que é a capacidade
de estar em juízo, isto é, a capacidade de ser sujeito da relação jurídica processual" (Alfredo Buzaid,
ob. cit., p. 125; Vicente Greco Filho, ob. cit., pp. 91-92).
8. Alienação da coisa ou do direito
Diz o art. 42, do CPC (LGL\1973\5): "A alienação da coisa ou do direito litigioso, a título particular, por
ato entre vivos, não altera a legitimidade das partes. § 1º. O adquirente ou o cessionário não poderá
ingressar em juízo, substituindo o alienante, ou o cedente, sem que o consinta a parte contrária. § 2º .
O adquirente ou o cessionário poderá, no entanto, intervir no processo, assistindo o alienante ou o
cedente. § 3º. A sentença, proferida entre as partes originárias, estende os seus efeitos ao adquirente
ou ao cessionário".
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Se não são, ainda, litigiosos o direito ou a coisa, por falta de lide, no processo, não se aplicam as regras
consubstanciadas no mencionado art. 42 e seus §§.
A aplicação das referidas regras justifica-se pela ocorrência da dissociação nos "planos do processo e do
Direito Material", no momento em que já se possa falar em coisa ou direito litigioso (José Manoel
Arruda Alvim, Código de Processo Civil (LGL\1973\5) comentado, 1975, vol. II/302-303).
Discorrendo sobre a aplicação dos princípios consagrados na norma legal, escreve, de passagem,
Arruda Alvim: "1ª) se a legitimação é a relação entre alguém e uma coisa, e, em nome de cuja relação
esse alguém é demandado (p. ex., o possuidor é demandado - réu - de uma ação reivindicatória, pelo
fato de ter a posse da coisa), a circunstância de alterar-se essa relação, no curso do processo (o fato da
posse) não altera a legitimação" (aut. e ob. cits., p. 303).
Quando se tratar de ação possessória, a alteração do direito discutido no processo (e já se viu que a
posse é direito - retro n. 2), também não pode alterar a legitimação.
E já se decidiu: "Se, no curso da ação de reintegração de posse, os autores alienam a coisa litigiosa, a
ação prossegue entre as partes originárias" (R. Limongi França, ob. cit., pp. 251-253).
A posse, aí, foi configurada como coisa litigiosa.
Está correta a afirmação, pois, como diz Hélio Tornaghi: " A coisa é litigiosa quando um direito real
sobre ela é objeto de controvérsia" (Comentários ao Código de Processo Civil (LGL\1973\5), 1974, vol.
I/201; Edson Prata, Comentários ao Código de Processo Civil (LGL\1973\5), 1ª ed., 1987, vol. II, t. I/
183-184, n. 125). E a posse é um direito real (retro, n. 2).
Diversamente, se a alienação do direito ou da coisa ocorre antes de ajuizada a ação, quem deve propô-
la é o adquirente ou cessionário, porque este passou a ser o titular do direito material.
De fato, na lição de Donaldo Armelin: "Assim, a problemática da legitimidade ordinária no processo,
exceção feita à complexidade de situações resultante do litisconsórcio necessário, não oferece maiores
dificuldades, levando-se em conta sempre que ela resulta do pedido do autor enfocado sob prisma do
contexto jurídico material em que aquele se inseriu" (Legitimidade para agir no direito processual
brasileiro,1979, p. 120, n. 115).
9. Pretensão e ação
"O conceito de pretensão simples (em sentido substancial ou material) não se encontra claramente
formulado na doutrina de nossos civilistas", escreve Ricardo Reimundín (Los conceptos de pretensión e
acción en la doctrina actual, Buenos Aires, 1966, p. 35).
Segundo Arruda Alvim, "É profundamente variada a gama de significações do termo pretensão" (Direito
processual civil - Teoria geral do processo de conhecimento, 1972, vol. II/67).
A leitura das lições de Pontes de Miranda e Carlos Ramírez Arcila, entre outros, confirma essas
afirmações ( Tratado das ações, 1970, t. I/44-116; Teoria de la acción, Bogotá, 1969, pp. 19-37).
José Frederico Marques entende que a pretensão "consiste na exigência de subordinação de um
interesse alheio a um interesse próprio" ( Instituições de direito processual civil, 1ª ed., 1958, vol. II/
20), noção que se surpreende também em Ricardo Reimundín (ob. e loc. cits.), mas que é de Carnelutti
(Carlos Ramírez Arcila, ob. cit., p. 19; Sistema de derecho procesal civil, trad. de Niceto Alcalá-Zamora
y Castillo e Santiago Sentis Melendo, Buenos Aires, 1944, vol. II/7, n. 122). As pretensões contêm
exigibilidade, ou exigir, segundo Pontes de Miranda (ob. últ. cit., pp. 45 e 48).
O conceito de pretensão, outrossim, num certo sentido, se não se confunde, aproxima-se do antigo
conceito de ação e de direito subjetivo material.
Realmente, no dizer de Antonio Carlos de Araújo Cintra, Ada Pellegrini Grinover e Cândido R.
Dinamarco: "segundo a definição de Celso, a ação seria o direito de pedir em juízo o que nos é devido (
ius quod sibi debeatur in iudicio persequendi). Durante muitos séculos, dominados que estavam os
juristas pela idéia de que ação e processo eram simples capítulos do direito substancial, não se
distinguiu a ação do direito subjetivo material. Assim sendo, pela escola denominada clássica ou
imanentista (ou, ainda civilista, quando se trata de ação civil), a ação seria uma qualidade de todo o
direito ou o próprio direito reagindo a uma violação" (ob. cit., pp. 213-214).
O ensinamento de Arruda Alvim confirma o que se disse: "Tanto o § 194 do BGB, quanto a definição de
Celso, transportada para as institutos, levemente modificada, fazem coincidir o primeiro, a pretensão
com o próprio direito, devido ao titular da ação. Afastemos, pois, estes conceitos, que em última
análise, fazendo coincidir os conceitos de direito (direito subjetivo) e o instrumento mediante o qual se
faz valer aquele, vêm dar praticamente dois nomes para uma mesma realidade jurídica. É bem verdade
que, tanto a Anspruch quanto a actio são nomes processuais que são dados ao direito subjetivo, ou
seja, passam a denominá-lo quando ele se projeta no plano processual; sem embargo disto, não
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deixam a Anspruch e a pretensão, empregadas nesse sentido, substancialmente, de dar nomes
diversos a uma mesma realidade, o direito subjetivo material" (ob. últ. cit., p. 67).
Teresa Arruda Alvim Pinto distingue a pretensão de direito material da pretensão processual: "Diferente
é a posição de Calmon de Passos com que, data vênia, não concordamos. Diz ele que a perempção
difere da prescrição por atingir aquela a pretensão à atividade jurisdicional do Estado (ação) e essa a
pretensão de direito material. Não nos parece fiel à melhor técnica essa observação, visto que, em
rigor, inexiste uma pretensão de direito material. A pretensão é fenômeno processual, pois trata-se de
expressão sinônima de pedido, de lide, de fundo do litígio, de objeto litigioso. Todas essas expressões
ligam-se a um mesmo referencial: a afirmação de um direito (que pretende seja reconhecido pelo
Poder Judiciário). Ora, a afirmação de um direito - no plano do direito material - do ponto de vista
jurídico - não equivale a uma pretensão. Entretanto, do ponto de vista processual, é uma pretensão (ou
pedido, ou lide, ou mérito etc.). E a posição de Schwab. Embora a doutrina se refira à pretensão (no
sentido substancial), como sendo o direito de exigir uma prestação, que se dirige contra o obrigado, e
ver a ação, como um conceito paralelo ao de pretensão no direito material, isto é, como o direito de
obter do Estado a tutela jurisdicional, exercendo-se um direito subjetivo público" (Nulidades da
sentença, 1987, pp. 35-36, n. 1.4.3).
Na verdade Teresa Arruda Alvim Pinto, como se viu, sequer admite a existência de uma pretensão de
direito material.
Cândido R. Dinamarco também fala de uma pretensão de direito material e outra processual: "Na
Alemanha, como disse, é que os estudos sobre o objeto do processo têm sido mais acurados. Os
germânicos, a quem a ciência processual deve os primeiros trabalhos científicos sobre a ação, hoje não
são afetos a esta, tanto quanto são os italianos e somos nós brasileiros. Eles são muito mais ligados ao
instituto da Anspruch (geralmente traduzido por pretensão), que já Windscheid apontava como o
correspondente da actio romana no direito moderno. A idéia está inclusive consagrada legislativamente
na Alemanha, por obra desse mesmo autor (BGB, § 194), significando 'a faculdade de impor a própria
vontade em via judiciária'. Na lei, Anspruch está definida como 'o direito de exigir de outrem um fazer
ou um não-fazer' (BGB, § 194, cit.).... A lei processual alemã indica a Anspruch como objeto do
processo (ZPO, § 147), mas a doutrina se apressa em esclarecer que 'a pretensão da ZPO não é a
pretensão do BGB', ou seja, 'essa pretensão que constitui o objeto do processo não é a pretensão de
que fala o § 194 do Código Civil (LGL\2002\400) (BGB)'. A pretensão, segundo o Código Civil
(LGL\2002\400) alemão (BGB), é um conceito de direito material e, se fosse ela o objeto do processo,
'um processo condenatório que terminasse com a rejeição da demanda por falta de pretensão civil teria
carecido de objeto'. Daí a assertiva, generalizada em doutrina hoje em dia, de que constitui objeto do
processo a pretensão processual. Trata-se de fenômeno de natureza processual, que na teoria do
processo há de encontrar solução. Como primeira aproximação, podemos dizer da pretensão
processual, com Carnelutti, que ela é 'um ato', não um poder; algo que alguém faz, não que ele tem;
uma manifestação, não uma superioridade do querer (ob. cit., nota 3, esp. n. 8, p. 8). Pretender é
exigir, como já foi salientado aqui; pretensão é uma exigência e já foi dito quais são os objetos dessa
exigência (imediato, mediato)" ("Conceito de mérito em processo civil", em Fundamentos do processo
civil moderno, 1986, pp. 182-219, esp. pp. 213-215, n. 115).
Para Ovídio A. Baptista da Silva pretensão de direito material "é a faculdade de se poder exigir a
satisfação do direito", diferente da pretensão de tutela jurídica, que é o poder "de exigir do Estado a
prestação da atividade jurisdicional" (Curso de processo civil, 1987, vol. I/62 e 72, respectivamente).
O que vai interessar a este estudo, não obstante algumas críticas, é o conceito de pretensão de direito
material ("direito de exigir uma prestação, que se dirige contra o obrigado"; "a faculdade de impor a
própria vontade em via judiciária"; "o direito de exigir de outrem um fazer ou um não-fazer" - BGB, §
194; "faculdade de se poder exigir a satisfação do direito"), porque é esta que o possuidor esbulhado
transfere ao seu sucessor, naquilo que diz respeito ao enfoque aqui buscado.
10. Prescrição e ação
Yussef Said Canali, depois de dizer que a distinção entre prescrição e decadência "representa o novo
cabo Horn da ciência jurídica", parafraseando Ihering, quando este se referiu à distinção entre Moral e
Direito, escreve: "Ademais, enquanto uma - a prescrição - é um instituto de direito substantivo, a outra
- a preclusão - é um instituto processual e, portanto, de direito adjetivo. A prescrição tem por
fundamento a necessidade social. A preclusão tem por fundamento a necessidade processual ou a
ordem processual. Em ambas o tempo tem relevante importância,porém, atua de forma diversa.
Assim, a preclusão extingue o direito de praticar certos atos no processo; a prescrição extingue o
direito de praticar o primeiro deles, que é a ação" (Aspectos processuais da prescrição e da decadência,
1979, n. 9).
O texto precisa ser bem entendido: 1) a prescrição é um instituto de direito substantivo; 2) a
prescrição extingue a ação.
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A ação a que se refere o autor, todavia, não é evidentemente, a ação no sentido processual, que é,
como se viu, "... o direito subjetivo público de pleitear ao Poder Judiciário uma decisão sobre uma
pretensão" (Vicente Greco Filho, ob. cit., p. 67).
Outras colocações têm sido tentadas.
Assim, para Nelson Luiz Pinto: "A nosso ver, tanto a prescrição quanto a decadência vão atingir,
diretamente, o fundamento de uma pretensão processual. O que seria, então, o fundamento de uma
pretensão processual? Em certa medida, podemos dizer que o fundamento de uma pretensão
processual é a materialização do que se costuma chamar de 'pretensão de direito material', seria a
vontade interna do sujeito titular do direito material expressada em forma de fundamento de uma
pretensão processual. O termo pretensão, a nosso ver, só deve ser utilizado, como realidade no direito,
no sentido de pretensão processual. Pretensão é o pedido contido na ação, é aquilo que é levado ao
Poder Judiciário, é a afirmação em juízo da existência de um direito, sinônimo de lide, de objeto
litigioso, de mérito. Vemos pretensão apenas nesse sentido, processual. Não falamos em 'pretensão de
direito material', apesar de reconhecermos que essa expressão é utilizada pela maioria dos
doutrinadores" ("O fundamento da pretensão processual como objeto da prescrição e da decadência",
RePro abril-junho/1984, 34/60, esp. p. 79, n. IV).
Como se pode perceber, ainda que tentada uma diversa colocação, o que e prescrição atinge é a
pretensão de direito material, mesmo que considerada como fundamento de uma pretensão processual.
Mas, voltando ao tema, adotada a posição de Câmara Leal a respeito da prescrição, é preciso saber
qual o seu conceito de ação.
Para Câmara Leal "Duas condições exige a ação, para se considerar nascida (nata), segundo a
expressão romana: a) um direito atual atribuído ao seu titular; b) uma violação desse direito, à qual
tem ela por fim remover" (Da prescrição e da decadência, 2ª ed., 1959, atualizada por José de Aguiar
Dias, p. 36).
A noção de ação aí adotada é a da escola denominada clássica ou imanentista, ou, ainda, civilista
(Araújo Cintra, Grinover e Dinamarco, ob. cit., pp. 213-214) e que, se não se identifica, muito se
aproxima do conceito de pretensão (ob. cit., p. 67).
Portanto, quando se fala que a prescrição extingue a ação, fala-se nesse sentido, se não idêntico,
aproximado de pretensão de direito material, de exigibilidade de um fazer ou não-fazer. Daí dizer-se
que a prescrição é instituto de direito substantivo.
Outra não é a conclusão de José Gaspar Gonzaga Franceschini: "Isso mostra que a prescrição, na
realidade, não extingue a ação, mas sim a pretensão. A ação, como observa Arruda Alvim, tem por
finalidade acionar a jurisdição para a aplicação da lei", embora adotando a noção de pretensão "como
afirmação de um direito" ("Prescrição e decadência. Análise do problema conjuntamente com a teoria
da ação", em RePro outubro-dezembro/79, 16/69 e 86/87, respectivamente) .
O prazo prescricional da ação de reintegração de posse é importante para este estudo, já que,
enquanto não prescrita a ação pode ela ser proposta.
11. Prescrição da ação possessória
Mencionando um acórdão do Tribunal de Relação de Minas, Carvalho Santos refere que o prazo
prescricional da ação possessória é de trinta anos (hoje vinte anos - art. 177, do CC), por se tratar de
ação pessoal ( Código Civil (LGL\2002\400) brasileiro interpretado, 9ª ed., 1963, vol. III/462-463).
Hoje, porém, não obstante ainda haja disputa, as ações possessórias se qualificam "cientificamente
como ações reais (Serpa Lopes, Astolfo Rezende, Washington de Barros Monteiro)" (Caio Mário da Silva
Pereira, Instituições de direito civil, vol. IV, Direitos reais de fruição, garantia e aquisição, 6ª ed., 1984,
p. 50, n. 296).
As ações de reintegração de posse prescrevem, portanto, "em dez entre presentes e, entre ausentes,
em quinze, contados da data em que poderiam ter sido propostas" (art. 177, do CC).
Nesse sentido a lição de Pontes de Miranda ( Tratado de direito privado, 2ª ed., 1955, t. VI/297-298, §
702).
Enquanto não transcorrido o prazo prescricional, pois, pode ser proposta a ação de reintegração de
posse, que é um processo de procedimento especial de jurisdição contenciosa (arts. 926 a 931, do CPC
(LGL\1973\5)).
12. Legitimidade do sucessor a título singular para propor a ação de reintegração na posse,
ainda que o alienante já não a tivesse (posse) à época da alienação
Com as considerações feitas, já é possível esboçar uma conclusão.
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A posse, como direito, e direito real, que é, pode ser alienada, transmitida a outrem, antes ou depois
do aforamento da ação de reintegração de posse (retro, ns. 2 e 8), transferindo-se com ela a pretensão
de direito material (retro, n. 9). E a ação de reintegração de posse pode ser exercida enquanto não
extinta pela prescrição (retro, ns. 10 e 11).
Ao propósito que interessa, anote-se a seguinte lição de Moreira Alves: "Essa, a gênese dos arts. 485 a
523 que disciplinam, nesse Código, a posse e a detenção. Neles, como se evidenciará no segundo
volume deste livro, convivem, na desarmonia natural dos inconciliáveis, princípios da posse romana, da
posse canônica e da Gewere. Esta resulta a norma contida na primeira parte do art. 496 ('O sucessor
universal continua de direito a posse de seu antecessor'), que se prende à do art. 1.572 ('Aberta a
sucessão, o domínio e a posse da herança transmitem-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e
testamentários'), e que aberra da noção romana de posse, como já havia observado Manuel de Almeida
e Souza - Lobão -, ao dizer que 'nenhuma das definições que excogitaram os D.D. e que se encontram,
é apta a compreender a posse estatutária transferida por lei (entre nós o Alvará de 09.11.1754), que
com efeitos de natural, se adquire ao absente, ao ignorante, ao pupilo, ao existente no útero da mãe
que não podem ter tal ânimo e afeto e reter a coisa como sua'. A adoção desse preceito está a
demonstrar, por si só, que o Código Civil (LGL\2002\400) brasileiro não seguiu integralmente Ihering,
que, embora influenciado por concepções advenientes da Gewere, visou a explicar, em face dos textos,
a possessio romana, que jamais admitiu transmissão dessa natureza" (José Carlos Moreira Alves,
Posse, 1ª ed., 1985, vol. 1/369-370, n. 59), que, acrescenta, ainda, depois de dizer que "segundo a
doutrina nacional hoje prevalecente - é apenas direito real limitado que não o de hipoteca, rejeitada,
portanto, a extensão que lhe deram os canonistas medievais": "Poder-se-á negar que o conceito de
posse, no Código Civil (LGL\2002\400) brasileiro, é o exercício de fato de um direito, porque ele não
abarca a hipótese do herdeiro que, por ignorar que se lhe transmitiu automaticamente a posse dos
bens do de cujus, não se comporta com relação a estes como titular de qualquer direito? A exceção não
destrói a regra; apenas comprova que, no terreno jurídico, a lógica se submete à realidade que a ela
resiste" (p. 371), como que a esclarecer que a transmissão da posse só ocorre na sucessão universal.
Pontes de Miranda a seu turno afirma: "O que comprou, ou por outro modo contratou a aquisição da
coisa, não tem ação possessória para havê-la. Tratando-se de bem móvel, é preciso que já tenha
havido a tradição, inclusive pela brevis manus, ou pelo constituto possessório; tratando-se de bem
imóvel, é de mister o acordo de transmissão da posse,que - se há óbice ao exercício do poder de fato -
dá a pretensão imitiva, ou, se sobrevêm esbulho, ou turbação, a ação possessória. A 4ª Câmara Civil
da Corte de Apelação de São Paulo, a 19.02.1936 (RT 122/521), decidiu: "A ação possessória não
compete ao proprietário e sim ao possuidor, não valendo alegação de posse pro tempore, que se não
adquire por simples efeito do título de transmissão". A redação do julgado foi deficiente e defeituosa.
Nas escrituras públicas de compra e venda de imóvel costuma-se juntar ao contrato consensual a
declaração de acordo de transmissão da propriedade e da posse, e isso nos vem de séculos de boa
heuremática portuguesa. Se a escritura examinada pela 4ª Câmara Civil continha os dois acordos, o de
transferência da propriedade e da posse, aquele depende, para eficácia real, de registro, porém não
esse, que é um dos 'modos de aquisição em geral'. A 4ª Câmara Civil baralhou conceitos (contrato
consensual de compra e venda, acordo de transmissão da propriedade imobiliária, acordo de
transmissão da posse)" (Comentários ao Código de Processo Civil (LGL\1973\5), 1ª ed., 1977, t. XIII/
248-249).
Assim, pois, criticando o mencionado acórdão, que não aceitou a alegação de posse do comprador,
asseverou que o acordo de transmissão da propriedade e da posse, ao mesmo tempo, era antigo
costume português, e que enquanto a eficácia real da transmissão da propriedade dependia de registro,
o mesmo não acontecia com a eficácia real da transmissão da posse, com a conseqüência de que,
havendo acordo sobre a transmissão da posse era admissível a ação possessória pelo comprador,
diversamente do decidido.
Para Pontes de Miranda, portanto, diferentemente do que sustenta Pinto Ferreira ( Posse, ação
possessória e usucapião, 2ª ed., 1983, p. 39), é possível a convenção para a aquisição da posse.
Rompendo com a tradição romana que sequer admitia a transferência do crédito, hoje é possível falar-
se em cessão de bens, direitos e ações (Barros Monteiro, Curso de direito civil, vol. 4º, Direito das
obrigações, 1ª parte, 15ª ed., 1979, pp. 342-343).
Transmitindo-se ou transferindo-se a posse litigiosa, portanto, no curso do processo, é invocável o art.
42, e seus §§, do CPC (LGL\1973\5), sucedendo o adquirente ao alienante, se houver consentimento
do réu, ou, não havendo o dito consentimento, podendo o adquirente intervir no feito possessório como
assistente litisconsorcial (arts. 42, §§ 1º e 2º, e 54, do CPC (LGL\1973\5)).
Se assim é quando a coisa já é litigiosa, isto é, pendente processo, nenhum óbice legal existe que
impeça a transmissão ou transferência da posse perdida, ou direito a ela correspondente, com sua
exigibilidade (pretensão de direito material), antes de aforada a ação possessória.
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Por essa linha de pensamento se orienta Alberto Levoni ( La tutela del possesso, Milano, 1979, vol. I/
246, n. 81).
No entanto no livro Posse e propriedade - Doutrina e jurisprudência, coordenado por Yussef Said Cahali,
há notícia de um acórdão extraído da RJTJESP 61/133, que decidiu: "'Ao contrário das outras relações
jurídicas que subsistem não obstante o desaparecimento do fato que lhes deu origem - produzido este,
os efeitos imediatamente dele se separam - a posse, para subsistir, necessita da energia permanente
do fato material. Na posse, o fato gerador do direito e o próprio direito confundem-se, nascem e
extinguem-se simultaneamente' (Manuel Rodrigues, A posse, 2ª ed., 1940, Coimbra, p. 299)" (Yussef
Said Cahali, Posse e propriedade - Doutrina e jurisprudência, 1987, p. 681).
Essa colocação choca-se, evidentemente, com a existência de um prazo prescricional para o exercício
da ação possessória, porque ainda que decorrido prazo superior a ano e dia do esbulho, para obtenção
da liminar, a ação, embora tenha que se submeter ao procedimento ordinário, continua possessória
(art. 924, do CPC (LGL\1973\5)).
Depois, como adverte Limongi França: "Ora, proteger a posse pela posse, conforme se viu, e esposar
uma orientação que se insere entre as teorias absolutas, assim qualificadas pelo próprio Ihering, e com
as quais não concorda" (As teorias da posse no direito positivo brasileiro, em posse e propriedade -
Doutrina e jurisprudência, coordenado por Yussef Said Cahali, pp. 663-677, esp. p. 676, n. VIII).
Assim,, enquanto não prescrita a ação de reintegração de posse, o adquirente pode exercê-la, porque
passou a ser o titular do direito e da pretensão de direito material que pertenciam ao alienante;
pretensão essa que tem sido considerada o fundamento da pretensão processual.
13. Petição inicial - "causa petendi"
Através da petição inicial é "que se formaliza o pedido de prestação jurisdicional" do autor (Frederico
Marques, Manual de direito processual civil, 1974 vol. 2/39).
Essa peça é da maior importância, porque, entre outras razões, nela é que se formula o pedido, com
fundamento numa causa petendi.
Para Frederico Marques " Pedido, em sentido amplo, é a dedução da pretensão em juízo. No pedido, o
autor formula sua pretensão para que o Estado declare a vontade concreta da lei destinada a disciplinar
e regular a situação jurídica derivada do conflito de interesses, ou litígio. Em sentido estrito, pedido
designa o objeto da ação, ou seja, a formulação do bem jurídico que o autor pretende obter. Nesse
sentido é que o vocábulo vem empregado no art. 158, IV, bem como nos arts. 153, 154, 155 e 157. Por
onde se verifica que no pedido, ou petitório, vem contido o objeto da ação, compreendendo a tutela
jurisdicional invocada (objeto imediato) e o bem jurídico, material ou incorpóreo, que é alvo da
pretensão (objeto mediato)" (Instituições de direito processual civil, 1ª ed., 1959, vol. III/38, n. 558).
No mesmo sentido a lição de Cândido R. Dinamarco ("Conceito de mérito em processo civil", em
Fundamentos, cit., pp. 185-186), que fala também em objetos imediato e mediato da exigência
inserida no conceito e pretensão processual (p. 215).
Sobre o pedido escreve, mais, Frederico Marques: "constitui o próprio objeto do processo, além de ser
a sua mola propulsora, a ratio essendi de sua instauração" (ob. últ. cit., p. 39, n. 558).
Por outro lado, "o fato e os fundamentos jurídicos do pedido" (art. 282, III, CPC (LGL\1973\5) - art.
158, III, CPC (LGL\1973\5)/39), são a " causa petendi da pretensão deduzida em juízo". E "na causa
petendi, tem a pretensão exposta o seu fundamento e base, e o petitum o seu título" (ob. últ. cit., p.
70, n. 580).
Da seguinte passagem escrita por José Ignácio Botelho de Mesquita, na mesma linha de pensamento
de José Frederico Marques, extrai-se igual conclusão: "A meu ver, no atual estágio do desenvolvimento
da concepção da ação como direito autônomo, não pode padecer dúvida alguma que a matéria a ser
identificada seja o objeto do processo constituído pela causa petendi e pelo petitum desde o momento
em que são introduzidos em juízo por via da petição inicial. E, daí, decorre outra afirmação que não
pode perder-se de vista; causa petendi e petitum, intimamente ligados, qual verso e reverso da mesma
medalha, ou alicerces e paredes do mesmo edifício, são por excelência os elementos identificadores do
objeto do processo, pois o petitum é condição da existência da causa petendi e esta, por sua vez, não
se limita a qualificá-lo ou restringi-lo, mas o individua plenamente" ("A causa petendi nas ações
reivindicatórias", em Revista de direito processual civil, 1967, 6º/183).
A causa petendi a ser exposta pelo sucessor singular daquele que já havia perdido a posse, portanto,
deve ser objeto de muita cautela.
Assim, deve dizer claramente que é sucessor singular e narrar precisamente os fatos que caracterizam
o esbulho da posse do antecessor, aduzindo que o que pretende reaver, obter de volta (reintegrar-se) é
aquela posse esbulhada ao seu antecessor.
01/04/2021 Envio | Revista dos Tribunais
https://www.revistadostribunais.com.br/maf/app/delivery/document 9/10Não é bastante dizer-se adquirente da coisa, ou cessionário do direito de posse do antecessor
esbulhado.
Dependendo da data da ofensa à posse caberá pedido de mandado liminar de manutenção ou
reintegração de posse (arts. 924 e 928, CPC (LGL\1973\5), e art. 523, do CC)
Outrossim, já se afirmou em acórdão: "Quem adquire a propriedade de um terreno sem entrar na
posse de fato do mesmo, porque em poder de terceiro, não pode invocar os interditos possessórios
para fazer valer seus direitos de proprietário, por falta dos requisitos fundamentais que dão vida e
substância jurídica às ações de manutenção ou reintegração de posse" (RT 553/241).
Realmente, não é para fazer valer os direitos de proprietário (propriedade), que se lança mão da ação
possessória. O direito de propriedade (domínio) dá embasamento à ação petitória, reivindicatória,
porque o fundamento da pretensão à posse, aí, é o ius possidendi e não o ius possessionis. O ius
possessionis é que dá fundamento à ação possessória e, por isso, a sua causa petendi é,
exclusivamente, a posse já perdida pelo antecessor.
Em face dos princípios que regem o processo, e por aqueles que informam o próprio direito material,
não se mostra atual a afirmação segundo a qual "na posse o direito existe enquanto a situação de fato
existir".
Essa assertiva, além disso, contraria a instrumentalidade do processo, tão bem posta em destaque por
Cândido R. Dinamarco em recente tese de concurso ( A instrumentalidade do processo, 1987).
Se o prazo prescricional deve ser encurtado, é outro problema.
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