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BASES FISIOLÓGICAS E FARMACOLÓGICAS DA NUTRIÇÃO 1 1 Sumário FACUMINAS ............................................................................................ 3 INTRODUÇÃO ......................................................................................... 4 ABSORÇÃO E METABOLISMO DOS FÁRMACOS/NUTRIENTES ........ 5 FASE BIOFARMACÊUTICA .................................................................... 6 FASE FARMACOCINÉTICA .................................................................... 6 FASE FARMACODINÂMICA ................................................................... 7 INTERAÇÃO FÁRMACO-NUTRIENTE ................................................... 8 PROCESSO ABSORTIVO ..................................................................... 10 MODIFICAÇÃO DO PH DO CONTEÚDO GASTRINTESTINAL ........... 11 VELOCIDADE DO ESVAZIAMENTO GÁSTRICO ................................. 11 COMPETIÇÃO PELOS SÍTIOS DE ABSORÇÃO .................................. 13 FLUXO SANGUÍNEO ESPLÂNCNICO (FSE) ....................................... 13 INTERFERÊNCIA DO ESTADO NUTRICIONAL NA BIODISPONIBILIDADE DOS FÁRMACOS ...................................................... 14 INTERFERÊNCIA DO FÁRMACO NO ESTADO NUTRICIONAL ......... 15 O PACIENTE IDOSO............................................................................. 16 CONFORMAÇÃO E QUÍMICA DOS FÁRMACOS E DOS RECEPTORES ......................................................................................................................... 19 NÍVEIS DE ESTRUTURA DAS PROTEÍNAS ........................................ 21 INTERAÇÕES ....................................................................................... 21 IMPACTO DA LIGAÇÃO DO FÁRMACO SOBRE O RECEPTOR ........ 25 EFEITOS DAS MEMBRANAS SOBRE AS INTERAÇÕES FÁRMACO– RECEPTOR ..................................................................................................... 26 DETERMINANTES MOLECULARES E CELULARES DA 2 2 SELETIVIDADE DOS FÁRMACOS .................................................................. 28 PRINCIPAIS TIPOS DE RECEPTORES DE FÁRMACOS .................... 30 CANAIS IÔNICOS TRANSMEMBRANA................................................ 31 RECEPTOR NICOTÍNICO DE ACETILCOLINA REGULADO POR LIGANTE .......................................................................................................... 33 RECEPTORES TRANSMEMBRANA ACOPLADOS À PROTEÍNA G ... 34 RECEPTORES TRANSMEMBRANA COM DOMÍNIOS CITOSÓLICOS ENZIMÁTICOS ................................................................................................. 37 RECEPTORES COM TIROSINOCINASES ........................................... 38 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...................................................... 41 3 3 FACUMINAS A história do Instituto Facuminas, inicia com a realização do sonho de um grupo de empresários, em atender à crescente demanda de alunos para cursos de Graduação e Pós-Graduação. Com isso foi criado a Facuminas, como entidade oferecendo serviços educacionais em nível superior. A Facuminas tem por objetivo formar diplomados nas diferentes áreas de conhecimento, aptos para a inserção em setores profissionais e para a participação no desenvolvimento da sociedade brasileira, e colaborar na sua formação contínua. Além de promover a divulgação de conhecimentos culturais, científicos e técnicos que constituem patrimônio da humanidade e comunicar o saber através do ensino, de publicação ou outras normas de comunicação. A nossa missão é oferecer qualidade em conhecimento e cultura de forma confiável e eficiente para que o aluno tenha oportunidade de construir uma base profissional e ética. Dessa forma, conquistando o espaço de uma das instituições modelo no país na oferta de cursos, primando sempre pela inovação tecnológica, excelência no atendimento e valor do serviço oferecido. 4 4 INTRODUÇÃO O alimento, independentemente da cultura do indivíduo e da época vivida, é um fator essencial e indispensável à manutenção e à ordem da saúde. Sua importância está associada à sua capacidade de fornecer ao corpo humano nutrientes necessários ao seu sustento. Para o equilíbrio harmônico desta tarefa é fundamental a sua ingestão em quantidade e qualidade adequadas, de modo que funções específicas como a plástica, a reguladora e a energética sejam satisfeitas, mantendo assim a integridade estrutural e funcional do organismo. No entanto, esta integridade pode ser alterada, em casos de falta de um ou mais nutrientes, com consequente deficiência no estado nutricional e necessidade de suplementação (regime dietoterápico). Por outro lado, os nutrientes são também capazes de interagir com fármacos, sendo um problema de grande relevância na prática clínica, devido às alterações na relação risco/benefício do uso do medicamento. Estas interações são facilitadas, pois os medicamentos, na sua maioria, são administrados por via oral. Os nutrientes podem modificar os efeitos dos fármacos por interferirem em processos farmacocinéticos, como absorção, distribuição, biotransformação e excreção (Oliveira, 1991; Yamreudeewong et al., 1995), acarretando prejuízo terapêutico. A absorção dos nutrientes e de alguns fármacos ocorre por mecanismos semelhantes e frequentemente competitivos e, portanto, apresentam como principal sítio de interação o trato gastrintestinal. Desde a década de 80, a Joint Commission on Accreditation of Hospitals vem incentivando profissionais, como farmacêuticos e nutricionistas, a monitorar as interações fármaco-nutriente que ocorrem com pacientes internados, bem como orientá-los a este respeito quando eles deixam o hospital (Murray & Healy, 1991; Lasswell & Loreck, 1992). Portanto, na equipe de saúde, estes profissionais desempenham um papel importante na identificação destas interações, bem como na educação de 5 5 pacientes em programas de aconselhamento (Thomas, 1995). Entretanto, nos Estados Unidos, em uma ampla pesquisa, constatou-se não haver, na maioria dos hospitais, um programa de consulta formal (Wix et al., 1992). Um maior conhecimento em relação a este processo conduz a um controle mais efetivo da administração do medicamento e da ingestão de alimentos, favorecendo, assim, a adoção de terapias mais eficazes. Portanto, o presente artigo tem como objetivo apresentar os diversos aspectos envolvidos na interação fármaco-nutriente. ABSORÇÃO E METABOLISMO DOS FÁRMACOS/NUTRIENTES A maioria dos fármacos administrados oralmente é absorvida por difusão passiva, enquanto os nutrientes são absorvidos, preferencialmente, por mecanismo de transporte ativo. Quando se administra um fármaco por via oral, sua absorção pelo tubo gastrintestinal e, consequentemente, sua concentração sanguínea, são dependentes de vários fatores (Tabela 1) (Roe, 1984a). https://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1415-52732002000200011&script=sci_arttext#tabela1 6 6 O trajeto dos fármacos no organismo pode ser representado através de três fases: biofarmacêutica, farmacocinética e farmacodinâmica (Figura 1). FASE BIOFARMACÊUTICA Compreende todos os processos que ocorrem com o medicamento a partir da sua administração, incluindo as etapas de liberação e dissolução do princípio ativo. Esta fase deixa o fármaco disponível para a absorção. Entretanto, sua natureza química, estado físico, tamanho e superfície da partícula, quantidade e tipo dos excipientes utilizados, processo farmacêutico empregado e formulação são fatores os quais podem influirna biodisponibilidade do princípio ativo, fazendo variar o tempo de absorção e a quantidade absorvida. FASE FARMACOCINÉTICA Esta fase inclui os processos nos quais o organismo interfere sobre o fármaco. A farmacocinética é o estudo dos processos de absorção, distribuição, biotransformação e excreção. O metabolismo ocorre em dois tipos de reações básicas, referidas como reações fase I e fase II (Figura 1). A primeira inclui reações bioquímicas, como oxidação, redução e hidrólise, as quais conduzem a modificações nas moléculas dos fármacos. A segunda corresponde àquelas que conjugam os grupos funcionais dos fármacos a moléculas endógenas. Estas reações são catalisadas por enzimas ou sistemas enzimáticos, sendo o fígado o principal local de metabolismo de compostos ativos, em função de seu amplo sistema microssomal. Outros órgãos e tecidos, como pulmões, rins, mucosa intestinal, pele e https://www.scielo.br/img/fbpe/rn/v15n2/11839f1.gif https://www.scielo.br/img/fbpe/rn/v15n2/11839f1.gif 7 7 plasma sanguíneo, também podem participar deste processo (Silva, 1994). O sistema de catálise do metabolismo oxidativo, dependente do citocromo P450, atua sobre uma ampla gama de substâncias endógenas, bem como sobre substâncias químicas estranhas, tais como fármacos, poluentes ambientais e carcinógenos. Modificações na atividade desse sistema pode alterar a resposta metabólica frente a estas substâncias (Anderson et al., 1982; Anderson, 1988). Há similaridades na absorção, mas as distribuições metabólicas do fármaco e do nutriente são diferentes (Figura 2). Os nutrientes entram no processo metabólico normal da célula também na forma de substrato para reações bioenergéticas, produzindo energia para contrabalançar a entropia ou na forma de cofator para as reações anabólicas e catabólicas. Os fármacos, por sua vez, geralmente participam de reações que resultam na modificação química, na atividade farmacológica e na sua excreção (Hayes & Borzelleca, 1985). FASE FARMACODINÂMICA Fase responsável pelo estudo das interações moleculares que regulam o reconhecimento molecular de um fármaco pelo receptor (Barreiro & Fraga, 2001). O resultado desta interação produz o efeito terapêutico, cuja resposta é variável e depende de diversos fatores individuais, além dos farmacocinéticos (Silva, 1994). O conceito de biodisponibilidade, no sentido restrito, é o termo empregado para descrever a fração da dose administrada de um produto farmacêutico capaz de alcançar a circulação sistêmica e exercer ação terapêutica. Este parâmetro expressa a extensão e a velocidade das fases biofarmacêutica e farmacocinética da substância ativa (Reynolds, 1993). https://www.scielo.br/img/fbpe/rn/v15n2/11839f2.gif 8 8 INTERAÇÃO FÁRMACO-NUTRIENTE As interações entre nutrientes e fármacos podem alterar a disponibilidade, a ação ou a toxicidade de uma destas substâncias ou de ambas. Elas podem ser físico-químicas, fisiológicas e patofisiológicas (Roe, 1985; Roe, 1993). Interações físico-químicas são caracterizadas por complexações entre componentes alimentares e os fármacos. As fisiológicas incluem as modificações induzidas por medicamentos no apetite, digestão, esvaziamento gástrico, biotransformação e clearance renal. As patofisiológicas ocorrem quando os fármacos prejudicam a absorção e/ou inibição do processo metabólico de nutrientes (Toothaker & Welling, 1980; Thomas, 1995). O consumo de alimentos com medica-mentos pode ter efeito marcante sobre a velocidade e extensão de sua absorção. A administração de medicamentos com as refeições, segundo aqueles que a recomendam, se faz por três razões fundamentais: possibilidade de aumento da sua absorção; redução do efeito irritante de alguns fármacos sobre a mucosa gastrintestinal; e uso como auxiliar no cumprimento da terapia, associando sua ingestão com uma atividade relativamente fixa, como as principais refeições (Gai, 1992; Kirk, 1995). Entretanto, estes motivos são insuficientes para justificar este procedimento de forma generalizada, pois a ingestão de alimentos poderá afetar a biodisponibilidade do fármaco através de interações físico-químicas ou químicas (Gai, 1992; Roe, 1994; Thomas, 1995). Sendo afetada a biodisponibilidade, por modificação dos processos farmacocinéticos, ocorrerá alteração da farmacodinâmica e da terapêutica (Thomas, 1995). Assim, é de fundamental importância conhecer as substâncias ativas cuja velocidade de absorção e/ou quantidade são alteradas, bem como aquelas que não são afetadas pela presença de nutrientes (Toothaker & Welling, 1980). Estudos aprofundados com humanos sobre estes mecanismos têm sido 9 9 realizados, com a finalidade de demonstrar mais precisamente os efeitos dos nutrientes sobre a biodisponibilidade dos fármacos (Radulovic et al., 1995; Lavelle et al., 1996). Analgésicos e anti-inflamatórios, por exemplo, são com frequência administrados com alimentos. O objetivo é diminuir as irritações da mucosa gástrica provocadas, principalmente, pela administração destes medicamentos por tempo prolongado. De acordo com a maioria das pesquisas realizadas, os nutrientes diminuem a velocidade de absorção dos fármacos, provavelmente por retardarem o esvaziamento gástrico (Souich et al., 1992). O retardo na absorção de certos fármacos, quando ingeridos com alimentos, nem sempre indica redução da quantidade absorvida. Mas, provavelmente, poderá ser necessário um período maior para se alcançar sua concentração sanguínea máxima, interferindo na latência do efeito. Entretanto, substâncias que se complexam com nutrientes estão frequentemente indisponíveis para absorção (Gai, 1992). O sistema renal constitui uma das principais vias de excreção de fármacos, sendo importante no processo de interação. O pH urinário sofre variações conforme a natureza ácida ou alcalina dos alimentos ou de seus metabólitos. Assim, dietas ricas em vegetais, leite e derivados elevam o pH urinário, acarretando um aumento na reabsorção de fármacos básicos, como, por exemplo, as anfetaminas. No entanto, com fármacos de caráter ácido, como barbitúricos, verifica-se elevação da excreção. Por outro lado, ovos, carnes e pães acidificam a urina, tendo como consequência o aumento da excreção renal de anfetaminas e outros fármacos básicos (Trovato et al., 1991; Basile, 1994). A natureza das diferentes interações pode apresentar os seguintes caminhos (Truswell, 1975): • alguns nutrientes podem influenciar no processo de absorção de fármacos; 1 0 10 • alguns nutrientes podem alterar o processo de biotransformação de algumas substâncias; • alterações na excreção de fármacos podem ocorrer por influência de nutrientes; • fármacos podem afetar o estado nutricional; • o estado nutricional pode interferir sobre o metabolismo de certos fármacos, diminuindo ou anulando seu potencial terapêutico ou aumentando seu efeito tóxico. PROCESSO ABSORTIVO A influência dos nutrientes sobre a absorção dos fármacos depende do tipo de alimento, da formulação farmacêutica, do intervalo de tempo entre a refeição e sua administração e do volume de líquido com o qual ele é ingerido. (Welling, 1977; Welling,1984; Williams et al., 1993; Fleisher et al., 1999). O trato gastrintestinal representa o principal sítio de interação fármaco- nutriente, uma vez que o processo de absorção de ambos ocorre por mecanismos semelhantes e podem ser competitivos. A maioria das interações clinicamente significativas ocorrem no processo de absorção (Toothaker & Welling, 1980), segundo os estudos até hoje realizados. A ingestão de alimentos é capaz de desencadear no trato digestivoa liberação de secreção que, por ação qualitativa e quantitativa dos sucos digestivos, age hidrolisando e degradando ligações químicas específicas, através da ação do ácido clorídrico e de enzimas específicas (Guyton, 1992). Portanto, substâncias sensíveis a pH baixo podem ser alteradas ou até inativadas pelo ácido gástrico quando ingeridas com alimentos (Toothaker & Welling, 1980), como, por exemplo no caso da inativação da penicilina e da eritromicina (Welling, 1978; Welling, 1984). Paralelamente, o nutriente pode influenciar na biodisponibilidade do fármaco através da modificação do pH do conteúdo gastrintestinal, 1 1 11 esvaziamento gástrico, aumento do trânsito intestinal, competição por sítios de absorção, fluxo sanguíneo esplâncnico e ligação direta do fármaco com componentes dos alimentos (Welling, 1984; Souich et al., 1992). MODIFICAÇÃO DO PH DO CONTEÚDO GASTRINTESTINAL Após a ingestão de alimentos ou líquidos o pH de 1,5 do estômago se eleva para aproximadamente 3,0. Esta modificação pode afetar a desintegração das cápsulas, drágeas ou comprimidos e conseqüentemente a absorção do princípio ativo. O aumento do pH gástrico em função dos alimentos ou líquidos pode reduzir a dissolução de comprimidos de eritromicina ou de tetraciclina (Welling & Tse, 1982; Trovato, 1991). Por outro lado, medicamentos como a fenitoína ou o dicumarol desintegram-se mais facilmente com a alcalinização do pH gástrico (Welling, 1984). O pH também interfere na estabilidade, assim como na ionização dos fármacos, promovendo uma alteração na velocidade e extensão de absorção (Harrison et al., 1992). VELOCIDADE DO ESVAZIAMENTO GÁSTRICO A presença de alimentos no estômago contribui para o retardo do esvaziamento gástrico, devido aos sinais de retroalimentação duodenal, incluindo principalmente o reflexo enterogástrico e a retroalimentação hormonal. Portanto, a velocidade do esvaziamento do estômago é limitada pela quantidade de quimo que o intestino delgado pode processar (Guyton, 1992). Refeições sólidas, ácidas, gordurosas, quentes, hipertônicas e volumes líquidos acima de 300 mL tendem a induzir um acentuado retardo do 1 2 12 esvaziamento gástrico, enquanto refeições hiperprotéicas têm efeito menor neste processo (Welling, 1984; Guyton, 1992). Assim, a composição da dieta influencia o tempo de permanência dos fármacos no trato digestivo e, consequentemente, aumenta ou diminui a absorção dos mesmos. O esvaziamento gástrico lento pode aumentar a absorção dos fármacos que se utilizam de mecanismos saturantes, isto é, há um prolongamento do tempo de contato do princípio ativo com a superfície de absorção, (Welling, 1984; Gai, 1992), facilitando-a difusão através da membrana celular. Aumento da atividade peristáltica do intestino A atividade peristáltica do intestino delgado é provocada, em parte, pela entrada de quimo no duodeno e pelo fluxo gastroentérico. Este reflexo eleva o grau geral de excitabilidade do intestino delgado e também aumenta a motilidade e secreção (Guyton, 1992). O aumento moderado da motilidade tanto pode favorecer a dissolução do medicamento, facilitando o contato das substâncias ativas com a superfície de absorção e otimizando, assim, a velocidade do processo (Toothaker & Welling, 1980), quanto pode diminuir a sua biodisponibilidade, em função da elevação da velocidade do trânsito intestinal. Secreções de ácidos, enzimas e sais biliares aumentam na presença de alimentos. Os ácidos e sais biliares, pelas suas propriedades tensoativas, auxiliam a solubilização e favorecem a absorção de fármacos lipossolúveis (Toothaker & Welling, 1980; Basile, 1994). Os sais biliares também podem formar complexos não absorvíveis com substâncias como a colestiramina (Toothaker & Welling, 1980; Roe, 1985). De forma geral, as secreções podem ampliar a disponibilidade do fármaco, dependendo da sua natureza, ácida ou básica, da lipofilicidade ou da formulação do medicamento (Welling, 1984). É o caso, por exemplo, da griseofulvina, que tem sua absorção aumentada quando ingerida com dietas hiperlipídicas (Kirk, 1995). 1 3 13 COMPETIÇÃO PELOS SÍTIOS DE ABSORÇÃO A presença de nutrientes pode constituir uma competição pelos sítios de absorção, cuja conseqüência dependerá de qual componente apresentar maior afinidade com este sítio. A levodopa (L-dopa), usada no tratamento da doença de Parkinson, tem ação terapêutica inibida por dieta hiperprotéica; entretanto, uma dieta hipoprotéica potencializa e estabiliza este efeito (Duvoisin & Sage, 1996). Esta alteração deve-se ao fato de os aminoácidos competirem com a levodopa tanto na absorção intestinal, quanto na penetração no cérebro (Welling, 1977). FLUXO SANGUÍNEO ESPLÂNCNICO (FSE) A circulação esplâncnica é constituída pelo suprimento sanguíneo do trato gastrintestinal, baço e pâncreas. A ingestão de alimentos aumenta o fluxo sanguíneo esplâncnico, e o grau de modificação depende do tipo e da quantidade da refeição ingerida. Dietas hiperprotéicas e hiperlipídicas elevam o FSE, o qual é maior para as grandes refeições do que para as pequenas. O aumento do FSE pós-prandial tem sido implicado na diminuição do efeito de primeira passagem, levando, portanto, à ampliação da disponibilidade sistêmica de um número de fármacos, incluindo alguns bloqueadores beta- adrenérgicos (Welling, 1989). Ligação direta do fármaco com componentes dos alimentos (complexação) A interação fármaco-nutriente pode ocorrer por mecanismo de complexação, resultando na diminuição da sua disponibilidade. Os íons di e trivalentes (Ca2+, Mg2+, Fe2+ e Fe3+), presentes no leite e em outros alimentos, são capazes de formar quelatos não absorvíveis com as tetraciclinas, ocasionando a excreção fecal dos minerais, bem como do 1 4 14 fármaco (Welling, 1977; Welling, 1984). INTERFERÊNCIA DO ESTADO NUTRICIONAL NA BIODISPONIBILIDADE DOS FÁRMACOS As deficiências nutricionais resultam de quantidades de nutrientes essenciais ingeridas inadequadamente, o que acarreta precariedade do estado nutricional. Este, por sua vez, pode afetar a ação do fármaco, por alterar a absorção, a distribuição, a biotransformação e a excreção, influenciando, portanto, a resposta terapêutica (Krishnaswamy et al., 1981; Hoyumpa & Schenker, 1982). Provavelmente, o fator mais importante do regime alimentar no metabolismo de compostos ativos é a quantidade de proteína na dieta. Um regime alimentar com elevado teor de proteína e baixo teor de carboidrato aumenta a velocidade do metabolismo do fármaco, enquanto dieta com baixo teor de proteína e alto teor de carboidrato favorece o efeito oposto (Roe, 1978; Roe, 1984b). A proteína e outros nutrientes podem influenciar a atividade enzimática do citocromo P450 microssomal hepático no homem. Desta forma, a meia-vida plasmática de vários fármacos pode ser alterada em função dos nutrientes oferecidos pela dieta, aumentando ou reduzindo a atuação deste importante sistema enzimático (Anderson et al., 1982; Roe, 1984b; Basile, 1994). Micronutrientes (zinco, magnésio, ácido ascórbico e riboflavina) apresentam papel de grande relevância na metabolização hepática de fármacos (Insogna et al., 1980; Hoyumpa & Schenker, 1982), como é o caso do zinco, essencial para enzimas específicas associadas às fases I e II no processo de biotransformação. 1 5 15 INTERFERÊNCIA DO FÁRMACO NO ESTADO NUTRICIONAL Os fármacos podem modificar o metabolismo de nutrientes. Estas interações normalmente resultam em alteração do estado nutricional (Trovato et al., 1991), sendo imprescindível o controledo uso de substâncias produtoras de efeitos prejudiciais à nutrição, como, por exemplo, o metotrexato e a ciclosporina, que danificam a mucosa intestinal, diminuindo a absorção de cálcio (Roe, 1984a). No tratamento de doenças crônicas, o uso prolongado de medicamentos pode provocar a perda de nutrientes. Nestes casos, a suplementação dietética é necessária para restabelecer as condições nutricionais normais do paciente. A alteração causada pelas substâncias ativas na absorção de nutrientes pode ser primária ou secundária. A má absorção primária induzida por medicamentos é uma consequência dos efeitos diretos dos agentes farmacológicos sobre a mucosa ou sobre o processo intraluminal (Tabela 2). A má absorção secundária é causada pelo pobre estado fisiológico ou, ainda, pela interferência do fármaco sobre o metabolismo de um nutriente que, por sua deficiência, poderá ocasionar a má absorção de outros (Roe, 1984a; Trovato et al., 1991). Substâncias como antiácidos, laxativos e antibióticos (Tabela 2) podem causar a perda de nutrientes. O uso prolongado de laxativos estimulantes como bisacodil induz o aumento da velocidade do trânsito intestinal e consequentemente reduz a absorção de glicose, proteína, sódio, potássio e algumas vitaminas, enquanto o uso excessivo daqueles que contêm fenolftaleína diminui a absorção de vitaminas C e D (Roe, 1978; Roe, 1984b). Grandes doses de óleo mineral interferem na absorção de vitaminas lipossolúveis (A, D, E, K), b-caroteno, cálcio e fosfatos, devido à barreira física e/ou diminuição do tempo de trânsito intestinal (Clark et al., 1987; Trovato et al., 1991). O metabolismo da vitamina D, cálcio e fosfatos está inter-relacionado, ou seja, a deficiência de uma destas substâncias poderá conduzir a https://www.scielo.br/img/fbpe/rn/v15n2/11839t2.gif https://www.scielo.br/img/fbpe/rn/v15n2/11839t2.gif 1 6 16 anormalidades metabólicas, caracterizando má absorção secundária (Yamreudeewong et al., 1995). O uso excessivo de óleo mineral pode provocar raquitismo em crianças e osteomalacia em adultos, por deficiência de cálcio (Roe, 1978; Insogna et al., 1980). Aumento na excreção de minerais ocorre com o uso prolongado ou com a ingestão de altas doses de diuréticos. A furosemida, diurético de alça, acarreta perda de potássio, magnésio, zinco e cálcio (Roe, 1984b). O PACIENTE IDOSO A ingestão de nutrientes como proteínas, lipídeos, minerais e vitaminas em quantidade e qualidade adequadas é importante para a manutenção do estado nutricional. No idoso, o requerimento nutricional é diferenciado, em virtude, principalmente, da diminuição do metabolismo basal, aliada na maioria das vezes ao sedentarismo. Modificações fisiológicas, como as descritas no Quadro 1, não sendo adequadamente avaliadas, podem afetar o estado nutricional do idoso (Varma, 1994). Portanto, para a preservação da integridade estrutural e funcional de seu organismo, é preciso monitorar suas necessidades e condições nutricionais, o que pode ser feito através de alimentação, de medidas antropométricas, de exames bioquímicos, da avaliação clínica e da análise de fatores socioeconômicos e ambientais, como, por exemplo, a instabilidade emocional, a proximidade da família e dos amigos e o abuso de álcool ou de medicamentos (Munro et al., 1987). https://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1415-52732002000200011&script=sci_arttext#quadro1 1 7 17 Os problemas nutricionais e as reações medicamentosas, no idoso, advêm das alterações próprias do processo de senescência e de fatores diversos (Quadro 2) (Roe, 1985). A probabilidade de prescrição medicamentosa para o idoso é maior, quando comparada com outras faixas etárias, em virtude do tratamento de doenças crônicas e/ou agudas intercorrentes (Varma, 1994; Schumann, 1999). Ele pode vir a ingerir de 3 a 10 medicamentos/dia, elevando o risco de indução da deficiência nutricional (Varma, 1994). Comumente o idoso tem como prática a automedicação, para alívio dos sintomas relacionados à doença ou a outro problema qualquer de saúde, vinculados ou não com a idade. Os medicamentos de venda livre ingeridos por ele com frequência são os laxativos, os anti-histamínicos, as vitaminas, os minerais, os analgésicos e os antiácidos, os quais, quando consumidos de forma abusiva, causam efeitos adversos sobre o apetite e o estado nutricional (Roe, 1994; Schumann, 1999). Na Espanha, de acordo com dados do Encontro Nacional de Saúde, 23% da população adulta e 21% da população infantil fazem uso da automedicação (Gil Esparza, 1997). https://www.scielo.br/img/fbpe/rn/v15n2/11839q2.gif 1 8 18 Segundo Teresi & Morgan (1994) no ano 2010 metade do total dos medicamentos que a população dos Estados Unidos consumirá não será prescrita diretamente pelo médico. Os medicamentos utilizados pelo idoso podem ser mais ou menos absorvidos, dependendo das condições de consumo, ou seja, se associados ou não às refeições, bem como do seu estado nutricional (Roe, 1984a; Chen et al., 1985). Por outro lado, as deficiências nutricionais podem ocorrer por indução medicamentosa, sendo as mais frequentes as depleções de vitaminas e de minerais (Flodim, 1990; Murray & Healy, 1991). Medicamentos podem causar um estado nutricional insatisfatório em pacientes idosos por diferentes mecanismos. Em contrapartida, a condição nutricional inadequada pode alterar a ação do fármaco. A digoxina, importante agente terapêutico no tratamento da insuficiência cardíaca congestiva, possui propriedade anorexígena, além de causar náuseas e vômitos. O uso concomitante com diurético facilita a perda não somente de sódio, mas também de potássio, magnésio e cálcio. Em mulheres na menopausa a perda de cálcio aumenta o risco de osteoporose (Roe, 1993). A Figura 3 ilustra fatores que levam à desnutrição suas consequências, as quais acarretam modificações na ação, efeito e utilização do medicamento (Basile, 1988). A idade exerce uma grande influência no processo farmacocinético do fármaco e, portanto, o idoso representa uma população de grande risco quanto à interação fármaco-nutriente. Por que determinado fármaco afeta a função cardíaca, enquanto outro altera o equilíbrio da água e dos íons nos rins? Por que o ciprofloxacino mata efetivamente as bactérias, porém raramente prejudica o paciente? Essas perguntas podem ser respondidas se examinarmos, em primeiro lugar, a interação entre determinado fármaco e seu alvo molecular específico e, https://www.scielo.br/img/fbpe/rn/v15n2/11839f3.gif 1 9 19 em seguida, considerarmos o papel dessa ação dentro de um contexto fisiológico mais amplo. Este capítulo enfoca os detalhes moleculares das interações fármaco– receptor, enfatizando a variedade de receptores existentes e seus mecanismos moleculares. Essa discussão fornece uma base conceitual para a ação dos numerosos fármacos e classes de fármacos considerados neste livro. Embora os fármacos possam, teoricamente, ligar-se a quase qualquer tipo de alvo tridimensional, a maioria dos fármacos produz seus efeitos desejados (terapêuticos) através de uma interação seletiva com moléculas- alvo, que desempenham importantes papéis na função fisiológica e fisiopatológica. Em muitos casos, a seletividade da ligação do fármaco a determinados receptores também estabelece os efeitos indesejáveis (adversos) de um fármaco. Em geral, os fármacos são moléculas que interagem com componentes moleculares específicos de um organismo, produzindo alterações bioquímicas e fisiológicas dentro desse organismo. Os receptores de fármacos são macromoléculas que, através de sua ligação a determinado fármaco, medeiamessas alterações bioquímicas e fisiológicas. CONFORMAÇÃO E QUÍMICA DOS FÁRMACOS E DOS RECEPTORES Por que o imatinibe atua especificamente sobre a tirosinocinase do receptor BCR-Abl, e não sobre outras moléculas? A resposta a essa pergunta e a compreensão da razão pela qual determinado fármaco liga-se a um receptor específico podem ser encontradas na estrutura e nas propriedades químicas das duas moléculas. A presente seção irá discutir os determinantes básicos da estrutura dos 2 0 20 receptores e química da ligação fármaco–receptor. A discussão aqui prioriza principalmente as interações dos fármacos, que são pequenas moléculas orgânicas, com receptores-alvo, que consistem principalmente em macromoléculas (especialmente proteínas); entretanto, muitos desses princípios também se aplicam às interações de produtos terapêuticos à base de proteína com seus alvos moleculares. Como muitos dos receptores de fármacos humanos e microbianos consistem em proteínas, é conveniente proceder a uma revisão dos quatro principais níveis de estrutura das proteínas. Em seu nível mais básico, as proteínas consistem em longas cadeias de aminoácidos, cujas sequências são determinadas pelas sequências do DNA que codificam as proteínas. A sequência de aminoácidos de uma proteína é conhecida como estrutura primária. Após a síntese de uma longa cadeia de aminoácidos sobre um ribossomo, muitos dos aminoácidos começam a interagir com aminoácidos adjacentes na cadeia polipeptídica. Essas interações resultam na estrutura secundária da proteína, formando conformações bem definidas, como hélice, lâminas pregueadas e barril. Em consequência de sua forma altamente organizada, essas estruturas com frequência se acondicionam firmemente entre si, definindo ainda mais a forma global da proteína. A estrutura terciária resulta da interação dos aminoácidos mais distais entre si ao longo de uma cadeia simples de aminoácidos. Essas interações incluem a formação de ligações iônicas e a ligação covalente de átomos de enxofre para formar pontes de dissulfeto intramoleculares. Por fim, os polipeptídios podem sofrer oligomerização, formando estruturas mais complexas. A conformação que resulta da interação de polipeptídios separados é denominada estrutura quaternária. As diferentes porções que compõem a estrutura de uma proteína geralmente apresentam afinidades distintas pela água, e essa característica 2 1 21 possui um efeito adicional sobre a forma da proteína. Como tanto o meio extracelular quanto o intracelular são compostos primariamente de água, os segmentos proteicos hidrofóbicos estão frequentemente recolhidos no interior da proteína ou protegidos da água pela sua inserção em membranas de dupla camada lipídica. NÍVEIS DE ESTRUTURA DAS PROTEÍNAS A estrutura de uma proteína pode ser dividida em quatro níveis de complexidade, conhecidos como estrutura primária, secundária, terciária e quaternária. A estrutura primária é determinada pela sequência de aminoácidos que compõem a cadeia polipeptídica. A estrutura secundária é determinada pela interação de átomos de hidrogênio de carga positiva com átomos de oxigênio de carga negativa em carbonos da mesma cadeia polipeptídica. Essas interações resultam em diversos padrões secundários característicos de conformação da proteína, incluindo a hélice e a lâmina pregueada. A estrutura terciária é determinada por interações de aminoácidos que estão relativamente distantes no arcabouço da proteína. Essas interações, que incluem ligações iônicas e ligações de dissulfeto covalentes (entre outras), conferem às proteínas a sua estrutura tridimensional característica. A estrutura quaternária é determinada pelas interações de ligação entre duas ou mais subunidades proteicas independentes. INTERAÇÕES Fármaco–Receptor hidrofílicos frequentemente localizam-se na superfície externa da proteína. Uma vez concluído todo esse processo de 2 2 22 torção e dobramento, cada proteína assume uma forma peculiar que determina a sua função, a sua localização no corpo, a sua relação com as membranas celulares e as interações de ligação com fármacos e outras moléculas. O sítio de ligação refere-se ao local onde o fármaco liga-se ao receptor. Cada sítio de ligação de fármacos possui características químicas singulares, que são determinadas pelas propriedades específicas dos aminoácidos que compõem o sítio de ligação. A estrutura tridimensional, a forma e a reatividade do sítio, bem como a estrutura inerente, a forma e a reatividade do fármaco, determinam a orientação do fármaco em relação ao receptor e estabelecem a intensidade de ligação entre essas moléculas. A ligação fármaco–receptor resulta de múltiplas interações químicas entre as duas moléculas, algumas das quais são bastante fracas (como as forças de van der Waals), enquanto outras são extremamente fortes (como a ligação covalente). A soma total dessas interações proporciona a especificidade da interação fármaco–receptor global. A favorabilidade de uma interação fármaco–receptor é designada como afinidade do fármaco pelo seu sítio de ligação no receptor. A química do ambiente local onde ocorrem essas interações — como hidrofobicidade, hidrofilicidade e pKa dos aminoácidos próximo ao sítio de ligação — também pode afetar a afinidade da interação fármaco–receptor As forças de van der Waals, que resultam da polaridade induzida em uma molécula em consequência da mudança de densidade de seus elétrons, proporcionam uma força fraca de atração para os fármacos e seus receptores. Essa polaridade induzida constitui um componente ubíquo de todas as interações moleculares. A ligação de hidrogênio, mediada pela interação entre átomos de polarização positiva (como o hidrogênio fixado ao nitrogênio ou oxigênio) e átomos de polarização negativa (como o oxigênio, o nitrogênio ou o enxofre), resulta em ligações de força significativa. As ligações de hidrogênio produzem lâminas pregueadas e hélices em 2 3 23 sua estrutura. As interações iônicas, que ocorrem entre átomos de cargas opostas, são mais fortes do que as ligações de hidrogênio, porém menos intensas do que as ligações covalentes. A ligação covalente resulta do compartilhamento de um par de elétrons entre dois átomos em diferentes moléculas. As interações covalentes são tão fortes que, na maioria dos casos, são essencialmente irreversíveis. Conforme assinalado anteriormente, o ambiente onde ocorre a interação entre fármacos e receptores também afeta a favorabilidade da ligação. O efeito hidrofóbico refere-se ao mecanismo pelo qual as propriedades singulares do solvente universal, a água, intensifica a interação de uma molécula hidrofóbica com um sítio de ligação hidrofóbico. A ligação fármaco–receptor raramente é produzida por um único tipo de interação; na verdade, é uma combinação dessas interações de ligação que proporciona ao fármaco e a seu receptor as forças necessárias para formar um complexo fármaco–receptor estável. Em geral, a maioria das interações fármaco–receptor é constituída por múltiplas forças fracas: uma interação fármaco–receptor típica pode consistir em 10 ou mais interações de van der Waals e em algumas ligações de hidrogênio; as interações iônicas e a ligação covalente são muito menos comuns. Por exemplo, o imatinibe estabelece numerosas interações de van der Waals e ligações de hidrogênio com o sítio de ligação do ATP na BCR-Abl tirosinocinase. A soma total dessas forças cria uma forte interação (alta afinidade) entre esse fármaco e seu receptor. Apesar de serem relativamente raras, as interações covalentes entreum fármaco e seu receptor representam um caso especial. Com frequência, a formação de uma ligação covalente é essencialmente irreversível, e nesses casos o fármaco e o receptor formam um complexo inativo. 2 4 24 Para readquirir a sua atividade, a célula precisa sintetizar uma nova molécula de receptor para substituir a proteína inativada; por outro lado, a molécula do fármaco que também faz parte do complexo inativo não está disponível para inibir outras moléculas do receptor. Os fármacos que modificam seus receptores-alvo (frequentemente enzimas) através desse mecanismo são algumas vezes denominados substratos suicidas. A estrutura molecular de um fármaco é que determina as propriedades físicas e químicas que contribuem para sua ligação específica ao receptor. Os fatores importantes incluem a hidrofobicidade, o estado de ionização (pKa), a conformação e a estereoquímica da molécula do fármaco. Todos esses fatores combinam-se para estabelecer a complementaridade do fármaco com o sítio de ligação. As bolsas de ligação dos receptores são altamente específicas, e pequenas alterações no fármaco podem ter um acentuado efeito sobre a afinidade da interação fármaco–receptor. Por exemplo, a estereoquímica do fármaco possui grande impacto sobre a força da interação de ligação. A varfarina é sintetizada e administrada como mistura racê mica (uma mistura contendo 50% da molécula dextrógira e 50% da molécula levógira); todavia, o enantiômero S é quatro vezes mais potente do que o enantiômero R, em virtude de uma interação mais forte da forma S com o seu sítio de ligação na vitamina K epóxido redutase. A estereoquímica também pode afetar a toxicidade nos casos em que um enantiômero de um fármaco produz o efeito terapêutico desejado, enquanto o outro enantiômero exerce um efeito tóxico indesejável, talvez em virtude de uma interação com um segundo receptor ou de seu metabolismo a uma espécie tóxica. Embora seja algumas vezes difícil a síntese e purificação em larga escala de enantiômeros individuais por laboratórios farmacêuticos, alguns dos fármacos atualmente comercializados são produzidos como enantiômeros individuais nos casos em que um dos enantiômeros possui maior eficácia e/ou 2 5 25 menor toxicidade do que a sua imagem especular. IMPACTO DA LIGAÇÃO DO FÁRMACO SOBRE O RECEPTOR De que maneira a ligação do fármaco produz uma alteração bioquímica e/ou fisiológica no organismo? No caso dos receptores com atividade enzimática, o sítio de ligação do fármaco é frequentemente o sítio ativo onde uma transformação enzimática é catalisada. Por conseguinte, a atividade catalítica da enzima é inibida por fármacos que impedem a ligação do substrato ao sítio ou que o modificam de modo covalente. Nos casos em que o sítio de ligação não é o sítio ativo da enzima, os fármacos podem produzir uma mudança ao impedir a ligação de ligantes endógenos às bolsas de ligação de seus receptores. Entretanto, em numerosas interações fármaco–receptor, a ligação de um fármaco a seu receptor resulta em uma mudança na conformação do receptor. A alteração da forma do receptor pode afetar sua função, aumentando, inclusive, a afinidade do fármaco pelo receptor. Essa interação é frequentemente designada como adaptação induzida, visto que a conformação do receptor é modificada de modo a melhorar a qualidade da interação de ligação. O princípio de adaptação induzida sugere que a ligação fármaco–receptor pode ter profundos efeitos sobre a conformação do receptor. Ao induzir alterações na conformação do receptor, muitos fármacos não apenas melhoram a qualidade da interação de ligação, como também alteram a ação do receptor. A mudança de forma induzida pelo fármaco é algumas vezes idêntica àquela produzida pela ligação de um ligante endógeno. Por exemplo, todos os análogos da insulina administrados de forma exógena estimulam o receptor de 2 6 26 insulina na mesma intensidade, apesar de suas sequências de aminoácidos serem ligeiramente diferentes. Em outros casos, a ligação do fármaco altera a forma do receptor, tornando-o mais ou menos funcional do que o normal. Por exemplo, a ligação do imatinibe à BCR-Abl tirosinocinase faz com que a proteína assuma uma conformação enzimaticamente inativa, inibindo, assim, a atividade cinase do receptor. Outra maneira de descrever o princípio de adaptação induzida é considerar o fato de que muitos receptores ocorrem em múltiplos estados de conformação — por exemplo, estado inativo (ou fechado), ativo (ou aberto) e dessensibilizado (ou inativado) — e o fato de que a ligação de um fármaco ao receptor estabiliza uma ou mais dessas conformações. EFEITOS DAS MEMBRANAS SOBRE AS INTERAÇÕES FÁRMACO–RECEPTOR A estrutura do receptor determina não apenas as suas afinidades de ligação para fármacos e ligantes endógenos, mas também a localização da proteína em relação aos limites celulares, como a membrana plasmática. As proteínas que possuem grandes domínios hidrofóbicos são capazes de residir na membrana plasmática, em virtude do elevado conteúdo de Base estrutural da inibição enzimática específica: interação do imatinibe com a BCR- Abl. porção cinase da BCR-Abl tirosinocinase é mostrada em formato de fita (cinza). Um análogo do imatinibe, um inibidor específico da BCR-Abl tirosinocinase, é mostrado na forma de modelo espacial (azul). Diagrama detalhado das interações intermoleculares entre o fármaco (na cor azul) e os resíduos de aminoácidos da proteína BCR-Abl. As ligações de hidrogênio estão indicadas por linhas tracejadas, enquanto as interações de van der Waals (indicadas por halos ao redor do nome do aminoácido e sua posição na sequência da proteína) são mostradas 2 7 27 para nove aminoácidos com cadeias laterais hidrofóbicas. A interação do fármaco (azul) com a proteína BCR-Abl (cinza) inibe a fosforilação de uma alça de ativação crítica (formato em fita de cor azul intensa), impedindo, assim, a atividade catalítica. Interações lipídios da membrana. Muitos receptores transmembrana apresentam domínios lipofílicos que estão assentados na membrana e domínios hidrofílicos que residem nos espaços intracelular e extracelular. Outros receptores de fármacos, incluindo diversos reguladores da transcrição (também denominados fatores de transcrição), só possuem domínios hidrofílicos e podem residir no citoplasma, no núcleo ou em ambos. Assim como a estrutura do receptor determina a sua localização em relação à membrana plasmática, a estrutura de um fármaco afeta a sua capacidade de ter acesso ao receptor. Por exemplo, os fármacos que são altamente hidrossolúveis têm, com frequência, menos capacidade de atravessar a membrana plasmática e ligar-se a moléculas-alvo situadas no citoplasma. Em contrapartida, certos fármacos hidrofílicos que são capazes de atravessar canais transmembrana ou de utilizar outros mecanismos de transporte podem ter rápido acesso a receptores citoplasmáticos. Os fármacos que são altamente lipofílicos, como muitos hormônios esteroides, são capazes de atravessar o ambiente lipídico hidrofóbico da membrana plasmática sem canais ou transportadores especiais, tendo consequentemente acesso a alvos intracelulares. A capacidade dos fármacos de alterar a forma dos receptores faz com que a ligação de um fármaco a seu receptor sobre a superfície celular possa afetar funções no interior das células. Muitos receptores proteicos na superfície celular possuem domínios extracelulares que estão ligados a moléculas efetoras intracelulares através de domínios do receptor que se estendem pela membrana plasmática. Em alguns casos, a mudançana forma do domínio extracelular pode alterar a conformação dos domínios do receptor que atravessam a membrana 2 8 28 e/ou que são intracelulares, resultando em alteração na função do receptor. Em outros casos, os fármacos podem estabelecer ligações cruzadas entre os domínios extracelulares de duas moléculas receptoras, formando um complexo receptor dimérico que ativa moléculas efetoras no interior da célula. Todos esses fatores — estrutura do fármaco e do receptor, forças químicas que influenciam a interação fármaco–receptor, solubilidade do fármaco na água e na membrana plasmática e função do receptor no seu ambiente celular — conferem especificidade significativa às interações entre fármacos e seus receptores-alvo. Este livro apresenta numerosos exemplos de fármacos que podem ter acesso e ligar-se a receptores de modo a induzir uma mudança de sua conformação, produzindo consequentemente um efeito bioquímico ou fisiológico. Esse princípio sugere que, uma vez adquirido o conhecimento da estrutura de um receptor, pode-se, teoricamente, projetar um fármaco capaz de interromper a atividade deste receptor. Com efeito, existem, no momento atual, muitas pesquisas em andamento, que têm por objetivo aumentar a eficácia e reduzir a toxicidade dos fármacos através de uma alteração da sua estrutura, de modo que possam ligar-se de modo mais seletivo a seus alvos. Esse processo, conhecido como planejamento racional de fármacos, propiciou o desenvolvimento de inibidores da protease que afetaram profundamente a evolução da doença pelo HIV, bem como de agentes antineoplásicos, como o imatinibe. DETERMINANTES MOLECULARES E CELULARES DA SELETIVIDADE DOS FÁRMACOS Um fármaco ideal é aquele capaz de interagir apenas com um alvo molecular que produza o efeito terapêutico desejado, mas não com alvos moleculares capazes de provocar efeitos adversos indesejáveis. 2 9 29 Embora esse fármaco ideal ainda não tenha sido descoberto (isto é, todos os fármacos de uso clínico atual têm o potencial de produzir efeitos adversos, bem como efeitos terapêuticos), os farmacologistas podem tirar proveito de diversos determinantes da seletividade dos fármacos numa tentativa de atingir essa meta. A seletividade quanto à ação de um fármaco pode ser obtida através de pelo menos duas categorias de mecanismos: (1) a especificidade de subtipos de receptores quanto ao tipo celular e (2) a especificidade do acoplamento receptor–efetor quanto ao tipo celular. Embora numerosos receptores potenciais de fármacos estejam amplamente distribuídos entre diversos tipos de células, alguns receptores são mais limitados na sua distribuição. A administração sistêmica de fármacos que interagem com esses receptores localizados pode resultar em efeito terapêutico altamente seletivo. Por exemplo, os fármacos cujos alvos consistem em processos universais, como a síntese de DNA, tendem a causar efeitos colaterais tóxicos significativos; este é o caso de numerosos agentes quimioterápicos atualmente disponíveis para o tratamento do câncer. Outros fármacos cujos alvos consistem em processos que se restringem a determinado tipo de célula, como a produção de ácido no estômago, podem ter menos efeitos adversos. O imatinibe é um fármaco extremamente seletivo, visto que a proteína BCR-Abl não é expressa nas células normais (não-cancerosas). Em geral, quanto mais restrita a distribuição celular do receptor-alvo de determinado fármaco, maior a probabilidade de o fármaco ser seletivo. De forma semelhante, embora muitos tipos diferentes de células possam expressar o mesmo alvo molecular para determinado fármaco, o efeito desse fármaco pode diferir-nos vários tipos celulares, devido a mecanismos diferenciais de acoplamento receptor–efetor ou a exigências diferenciais do alvo do fármaco nos vários tipos de células. Por exemplo, embora os canais de cálcio regulados por voltagem sejam 3 0 30 universalmente expressos no coração, as células marca-passo cardíacas são relativamente mais sensíveis aos efeitos dos agentes bloqueadores dos canais de cálcio do que as células musculares ventriculares cardíacas. Esse efeito diferencial é atribuível ao fato de que a propagação do potencial de ação depende principalmente da ação dos canais de cálcio nas células marca-passo cardíacas, enquanto os canais de sódio são mais importantes que os de cálcio nos potenciais de ação das células musculares ventriculares. Em geral, quanto maior a diferença nos mecanismos de acoplamento receptor–efetor entre os vários tipos de células que expressam determinado alvo molecular para um fármaco, mais seletivo tende a ser o fármaco. PRINCIPAIS TIPOS DE RECEPTORES DE FÁRMACOS Tendo em vista a grande diversidade de moléculas de fármacos, seria, aparentemente, muito provável que as interações entre fármacos e seus alvos moleculares fossem igualmente diversas. Isso é apenas parte da verdade. Com efeito, a maioria das interações fármaco–receptor atualmente elucidadas podem ser classificadas, em sua maioria, em seis grandes grupos. Esses grupos compreendem as interações entre fármacos e (1) canais iônicos transmembrana, (2) receptores transmembrana acoplados a proteínas G intracelulares, (3) receptores transmembrana com domínios citosólicos enzimáticos, (4) receptores intracelulares, incluindo enzimas, reguladores da transcrição e proteínas estruturais, (5) enzimas extracelulares e (6) receptores de superfície celular. O fato de saber se determinado fármaco ativa ou inibe o seu alvo e com que intensidade ele o faz fornece valiosas informações sobre a interação. Embora a farmacodinâmica (o estudo dos efeitos dos fármacos sobre o corpo humano) seja considerada de modo detalhado no próximo capítulo, é 3 1 31 conveniente citar de modo sucinto as principais relações farmacodinâmicas entre fármacos e seus alvos antes de examinar os mecanismos moleculares das interações fármaco–receptor. Os agonistas são moléculas que, através de sua ligação a seus alvos, produzem uma alteração na atividade desses alvos. Os agonistas integrais ligam-se a seus alvos e os ativam até o grau máximo possível. Por exemplo, a acetilcolina liga-se ao receptor nicotínico de acetilcolina e induz uma alteração de conformação no canal iônico associado ao receptor, de um estado não-condutor para um estado totalmente condutor. Os agonistas parciais produzem uma resposta submáxima através de sua ligação a seus alvos. Os agonistas inversos causam inativação de alvos constitutivamente ativos. Os antagonistas inibem a capacidade de ativação (ou inativação) de seus alvos por agonistas fisiológicos ou farmacológicos. Os fármacos que bloqueiam diretamente o sítio de ligação de um agonista fisiológico são denominados antagonistas competitivos. Os fármacos que se ligam a outros sítios na molécula do alvo e que, portanto, impedem a alteração de conformação necessária para a ativação (ou inativação) do receptor podem ser antagonistas não-competitivos. Como o mecanismo de cada interação fármaco–receptor é delineado nas várias seções que se seguem, convêm considerar, em nível estrutural, como podem ser produzidos esses diferentes efeitos farmacodinâmicos. CANAIS IÔNICOS TRANSMEMBRANA A passagem de íons e de outras moléculas hidrofílicas através da membrana plasmática é necessária para numerosas funções celulares. Esses processos são regulados por canais transmembrana especializados. As funções dos canais iônicos são diversas, incluindo funções fundamentais na neurotransmissão, na condução cardíaca, na contração muscular e na secreção. Por conseguinte, os fármacos cuja ação é direcionada3 2 32 para os canais iônicos podem exercer impacto significativo sobre as principais funções orgânicas. São utilizados três mecanismos principais na regulação da atividade dos canais iônicos transmembrana. Em alguns canais, a condutância é controlada pela ligação do ligante ao canal. Em outros canais, essa condutância é regulada por mudanças de voltagem através da membrana plasmática. As interações fármaco–receptor podem ser divididas, em sua maioria, em quatro grupos. A. O fármaco pode ligar-se a canais iônicos que se estendem pela membrana plasmática, produzindo uma alteração na condutância do canal. B. Os receptores hepta-helicoidais que se estendem através da membrana plasmática estão acoplados funcionalmente a proteínas G intracelulares. Os fármacos podem influenciar as ações desses receptores através de sua ligação à superfície extracelular ou à região transmembrana do receptor. C. O fármaco pode ligar-se ao domínio extracelular de um receptor transmembrana e causar uma alteração de sinalização no interior da célula, por meio da ativação ou inibição de um domínio intracelular enzimático (boxe retangular) da molécula do receptor. D. Os fármacos podem sofrer difusão através da membrana plasmática e ligar-se a receptores citoplasmáticos ou nucleares. Trata-se frequentemente da via utilizada pelos fármacos lipofílicos (por exemplo, fármacos que se ligam a receptores de hormônios esteróides). Alternativamente, os fármacos podem inibir enzimas no espaço extracelular, sem a necessidade de atravessar a membrana plasmática (não mostrado). A maioria dos canais iônicos compartilha uma certa semelhança estrutural, independentemente de sua seletividade para íons, magnitude de condutância ou mecanismos de ativação (regulação) ou inativação. Os canais iônicos tendem a ser macromoléculas semelhantes a tubos, constituídas por certo número de subunidades proteicas que atravessam a membrana plasmática. O domínio de ligação do ligante pode ser extracelular, localizado dentro 3 3 33 do canal, ou intracelular, enquanto o domínio que interage com outros receptores ou moduladores é, com mais frequência, intracelular. A estrutura do receptor nicotínico de acetilcolina (ACh) foi estabelecida até uma resolução de Å, fornecendo um exemplo da estrutura de um importante canal iônico regulado por ligante. Duas das subunidades foram designadas como; cada uma contém um único sítio de ligação extracelular para a ACh. No estado livre (sem ligante) do receptor, o canal encontra-se ocluído por cadeias laterais de aminoácidos e, dessa maneira, não permite a passagem de íons. A ligação de duas moléculas de acetilcolina ao receptor induz uma alteração de sua conformação, que abre o canal e permite a condutância de íons. Embora o receptor nicotínico de ACh pareça assumir apenas dois estados, isto é, aberto ou fechado, muitos canais iônicos são capazes de assumir outros estados. Assim, por exemplo, alguns canais iônicos podem tornar-se refratários ou inativados. Nesse estado, a permeabilidade do canal não pode ser alterada durante um certo período de tempo, conhecido como período refratário do canal. O canal de sódio regulado por voltagem sofre um ciclo de ativação, abertura do canal, fechamento do canal e inativação do canal. Durante o período de inativação (refratário), o canal não pode ser reativado durante alguns milissegundos, mesmo se o potencial de membrana retornar para uma voltagem que normalmente estimula a abertura do canal. RECEPTOR NICOTÍNICO DE ACETILCOLINA REGULADO POR LIGANTE A. O receptor de acetilcolina (ACh) da membrana plasmática é composto de cinco subunidades — duas subunidades , uma subunidade , uma subunidade e uma subunidade . 3 4 34 B. A subunidade foi removida para mostrar a estrutura esquemática interna do receptor, demonstrando que ele forma um canal transmembrana. Na ausência de ACh, a comporta do receptor está fechada, e os cátions (mais especificamente íons sódio [Na+]) são incapazes de atravessar o canal. C. Quando a ACh liga-se a ambas as subunidades , o canal abrese, e o sódio pode seguir ao longo de seu gradiente de concentração para dentro da célula. Um estados diferentes do mesmo canal iônico. Essa ligação dependente do estado é importante no mecanismo de ação de alguns anestésicos locais e agentes antiarrítmicos, respectivamente. Os anestésicos locais e os benzodiazepínicos constituem duas classes importantes de fármacos que atuam através de alteração na condutância dos canais iônicos. Os anestésicos locais bloqueiam a condutância dos íons sódio através dos canais de sódio regulados por voltagem nos neurônios que transmitem a informação da dor da periferia para o sistema nervoso central, impedindo, assim, a propagação do potencial de ação e, consequentemente, a percepção de dor (nocicepção). Os benzodiazepínicos também atuam sobre o sistema nervoso, porém através de um mecanismo diferente. Esses fármacos inibem a neurotransmissão no sistema nervoso central ao potencializar a capacidade do transmissor ácido gama-aminobutírico (GABA) de aumentar a condutância de íons cloreto através das membranas neuronais, fazendo com que o potencial de membrana se afaste ainda mais de seu limiar para ativação. RECEPTORES TRANSMEMBRANA ACOPLADOS À PROTEÍNA G Os receptores acoplados à proteína G representam a classe mais abundante de receptores no corpo humano. 3 5 35 Esses receptores, que estão expostos na superfície extracelular da membrana celular, atravessam a membrana e possuem regiões intracelulares que ativam uma classe singular de moléculas de sinalização, denominadas proteínas G. (As proteínas G são assim designadas em virtude de sua ligação aos nucleotídios de guanina, GTP e GDP.) Os mecanismos de sinalização acoplados à proteína G estão envolvidos em numerosos processos importantes, incluindo visão, olfação e neurotransmissão. Uma das principais funções das proteínas G consiste em ativar a produção de segundos mensageiros, isto é, moléculas de sinalização que transmitem o sinal fornecido pelo primeiro mensageiro — habitualmente um ligante endógeno ou um fármaco exógeno — a efetores citoplasmáticos. A via mais comum associada às proteínas G consiste na ativação de ciclases, como a adenilil ciclase, que catalisa a produção do segundo mensageiro, o 3ʼ,5ʼ-monofosfato de adenosina cíclico (cAMP), e a guanilil ciclase, que catalisa a produção do 3ʼ,5ʼ-monofosfato de guanosina cíclico (cGMP). As proteínas G podem ativar a enzima fosfolipase C (PLC), que, entre outras funções, desempenha um papel essencial no processo de regu lação da concentração de cálcio intracelular. Após ativação por uma proteína G, a PLC cliva o fosfolipídio de membrana, o fosfatidilinositol-4,5-difosfato (PIP2), produzindo os segundos mensageiros diacilglicerol (DAG) e inositol-1,4,5-trifosfato (IP3). O IP3 deflagra a liberação de Ca2+ das reservas intracelulares, aumentando acentuadamente a concentração citosólica de Ca2+ e ativando eventos moleculares e celulares distais. O DAG ativa a proteinocinase C, que, a seguir, medeia outros eventos moleculares e celulares, incluindo contração do músculo liso e transporte iônico transmembrana. Todos esses eventos são dinamicamente regulados, de modo que as diferentes etapas nas vias envolvidas são ativadas e inativadas com cinéticas características. Na atualidade, já foi identificado um grande número de isoformas da 3 6 36 proteína G, exibindo, cada uma delas, efeitos singulares sobre seus alvos. Algumas dessas proteínas G incluem a proteína G estimuladora (Gs), a proteína G inibitória (Gi ), Gq, Go e G12/13.As proteínas G têm a propriedade de interagir com vários tipos diferentes de moléculas efetoras. O subtipo de proteína G que é ativado frequentemente determina o efetor a ser ativado pela proteína G. Duas das subunidades mais comuns de G são a Gs e a Gq, que estimulam a adenilil ciclase e a fosfolipase C, respectivamente. Quando estimulada pela Gs, a adenilil ciclase converte o ATP em AMP cíclico (cAMP). A seguir, o cAMP ativa a proteinocinase A (PKA), que fosforila diversas proteínas citosólicas específicas. Quando estimulada pela Gq, a fosfolipase C (PLC) cliva o fosfolipídio de membrana fosfatidilinositol-difosfato (PIP2) em diacilglicerol (DAG) e inositol- trifosfato (IP3). O DAG difunde-se na membrana para ativar a proteinocinase C (PKC), que, a seguir, fosforila proteínas celulares específicas. O IP3 estimula a liberação de Ca2+ do retículo endoplasmático para o citosol. A liberação de cálcio também estimula eventos de fosforilação de proteínas, que levam a alterações na ativação de proteínas. Apesar de não estarem ilustradas aqui, as subunidades das proteínas G também podem afetar determinadas cascatas de transdução de sinais celulares. Algumas das quais podem acoplar-se de diferentes maneiras ao mesmo receptor em tipos celulares distintos, é provavelmente importante na seletividade potencial de fármacos futuros. As subunidades das proteínas G também podem atuar como moléculas de segundos mensageiros, embora suas ações não estejam totalmente caracterizadas. O grupo dos receptores-adrenérgicos constitui uma importante classe dentro da família dos receptores acoplados à proteína G. Entre esses receptores, os que foram mais extensamente estudados foram designados como 1, 2 e 3. 3 7 37 Cada um desses receptores é estimulado pela ligação de catecolaminas endógenas, como a epinefrina e a norepinefrina, ao domínio extracelular do receptor. A ligação da epinefrina induz uma alteração na conformação do receptor, ativando proteínas G associadas ao domínio citoplasmático do receptor. A forma ativada da proteína G (isto é, ligada ao GTP) ativa a adenilil ciclase, resultando em aumento dos níveis intracelulares de cAMP e em efeitos celulares distais. RECEPTORES TRANSMEMBRANA COM DOMÍNIOS CITOSÓLICOS ENZIMÁTICOS A terceira classe importante de alvos celulares para fármacos consiste em receptores transmembrana que transduzem uma interação de ligação com ligantes extracelulares numa ação intracelular através da ativação de um domínio enzimático ligado. Esses receptores desempenham diversos papéis num conjunto diverso de processos fisiológicos, incluindo metabolismo, crescimento e diferenciação celulares. Os receptores que possuem um domínio enzimático intracelular podem ser divididos em cinco classes principais, com base no seu mecanismo citoplasmático de ação. Todos esses receptores consistem em proteínas que atravessam uma única vez a membrana, ao contrário do modelo que atravessa sete vezes a membrana encontrado nos receptores acoplados à proteína G. Muitos receptores com domínios citosólicos enzimáticos formam dímeros ou complexos de múltiplas subunidades para a transdução de seus sinais. Muitos dos receptores com domínios citosólicos enzimáticos modificam proteínas pela adição ou remoção de grupos de fosfato de resíduos de aminoácidos específicos. A grande carga negativa dos grupos de fosfato pode alterar 3 8 38 drasticamente a estrutura tridimensional de uma proteína e, consequentemente, modificar a atividade dessa proteína. Além disso, a fosforilação é um processo facilmente reversível, permitindo, desse modo, que esse mecanismo de sinalização possa atuar especificamente no tempo e no espaço. RECEPTORES COM TIROSINOCINASES O maior grupo de receptores transmembrana com domínios citosólicos enzimáticos é a família dos receptores com tirosinocinase. Esses receptores transduzem sinais de numerosos hormônios e fatores de crescimento através da fosforilação de resíduos de tirosina na cauda citoplasmática do receptor. Isso leva ao recrutamento e à fosforilação subsequente da tirosina de diversas moléculas sinalizadoras citosólicas. O receptor de insulina é um receptor com tirosinocinase bem caracterizado. Esse receptor é constituído por duas subunidades extracelulares, que estão ligadas de forma covalente a duas subunidades que atravessam a membrana. Principais tipos de receptores transmembrana com domínios citosólicos enzimáticos. Existem cinco categorias principais de receptores transmembrana com domínios citosólicos enzimáticos. A. O maior grupo é constituído pelos receptores com tirosinocinases. Após ativação induzida pelo ligante, esses receptores sofrem dimerização e transfosforilam resíduos de tirosina no receptor e, com freqüência, em proteínas citosólicas alvo. O receptor de insulina e a proteína BCR-Abl fornecem exemplos de receptores com tirosinocinases. B. Alguns receptores podem atuar como tirosinofosfatases. Esses receptores desfosforilam resíduos de tirosina em outros receptores transmembrana ou em proteínas citosólicas. Muitas células do sistema imune possuem receptores com tirosinofosfatases. C. Alguns receptores associados a tirosinocinase carecem de um 3 9 39 domínio enzimático definitivo, porém a ligação do ligante ao receptor desencadeia a ativação de proteinocinases associadas ao receptor (denominadas tirosinocinases não-receptoras) que, em seguida, fosforilam resíduos de tirosina em certas proteínas citosólicas. D. Os receptores com serina/treoninocinases fosforilam resíduos de serina e de treonina em determinadas proteínas-alvo citosólicas. Os membros da superfamília de receptores do TGF- pertencem a essa categoria. E. Os receptores com guanilil ciclase contêm um domínio citosólico que catalisa a formação do cGMP a partir do GTP. O receptor do peptídio natriurético tipo B é um dos receptores de guanilil ciclase que foi bem caracterizado. Ao final da década de 90, verifica-se uma vasta literatura demonstrando como os constituintes dos alimentos podem influenciar a biodisponibilidade de fármacos e vice-versa. Entretanto, depara-se com a falta de informações de ordem prática, em programas hospitalares, os quais ajudariam muito a equipe de saúde e, principalmente, os usuários de medicamentos de uso contínuo, portadores de doenças crônicas degenerativas, idosos e aqueles com estado nutricional insatisfatório. Muitos dos efeitos adversos observados ao longo da vida de um indivíduo não são documentados ou, então, são simplesmente entendidos como consequências do medicamento, não se considerando o processo de interação fármaco-nutriente. No Brasil, não existe um programa de educação e acompanhamento do paciente em hospitais, universitários e não universitários, envolvendo este assunto. Nos países de Primeiro Mundo, a exemplo dos Estados Unidos, são poucos os hospitais que possuem programa de educação e acompanhamento, com o objetivo de determinar a extensão destes processos, os quais ocorrem no dia-a-dia. Programas de monitorização ajudariam a detectar e prevenir problemas potencialmente sérios de interação fármaco-nutriente. Em síntese, Basile (1994) comenta com muita propriedade: "O 4 0 40 conhecimento prévio das características do paciente (necessidades, idade, funções fisiológicas, estado nutricional, hábitos de alimentação), da doença (crônica, aguda ou ambas) e do medicamento (eficácia, margem de segurança, posologia, modo e tempo de utilização) constitui conduta ética que, com certeza, cerceia os riscos advindos das interações entre fármacos e alimentos".4 1 41 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ANDERSON, K.E., CONNEY, A.H., KAPPAS, A. Nutrition and oxidative drug metabolism in man: relative influence of dietary lipids, carbohydrate, and protein. 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