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Sepse – profa Francielle Garcia 1 Sepse A sepse pode ser definida como a presença de disfunção orgânica ameaçadora à vida em decorrência da resposta desregulada do organismo na presença de infecção, seja ela causada por bactérias, vírus, fungos ou protozoários. Apresenta incidência alta – com cerca de 17 milhões de casos anualmente em todo o mundo, sendo que é a principal causa de morte não cardiológica em UTIs, de modo que a detecção rápida melhora o prognóstico. Anteriormente era dividida em infecção, síndrome da resposta inflamatória sistêmica (SIRS), sepse (infecção + 2 parâmetros de SIRS), sepse grave (sepse + disfunção orgânica) e choque séptico (hipotensão refratária a reposição volêmica). Atualmente considera-se sepse como a associação de infecção com disfunção orgânica, enquanto que choque séptico se caracteriza por um quadro de sepse associada à necessidade de drogas vasoativas para manutenção da pressão arterial média (PAM>65 mmHg) e lactato > 2 mmol/L após ressuscitação volêmica adequada. Os critérios de SIRS ainda são importantes para triagem de pacientes com risco de sepse, não sendo mais requeridos para o diagnóstico. A presença de hiperlactatemia isolada, independente dos níveis, não foi considerada critério de disfunção. Fatores de risco: idade > 65 anos, uso de técnicas invasivas (cateteres vesicais ou intravasculares, tubos endotraqueais), pacientes imunossuprimidos, diabetes, abuso de álcool, entre outros. Etiologia: a causa mais comum de sepse é a pneumonia, seguido por infecções do trato gastrointestinal, renal e geniturinário – a tabela ao lado traz as principais manifestações de acordo com a etiologia. Dentre os microrganismos Gram positivos tem-se Streptococcus pneumoniae, Staphylococcus aureus, além dos Gram negativos como E. coli, Klebsiella e Pseudomonas aeruginosas. Além disso, fungos e protozoários também podem gerar um quadro de sepse. Fisiopatologia: a inflamação é uma resposta normal do hospedeiro contra agentes infecciosos, mas na sepse e no choque séptico esse processo ocorre de modo excessivo, de modo que os mediadores inflamatórios e as células de defesa promovem uma anarquia metabólica, causando danos ao organismo. A primeira linha de defesa ocorre nas primeiras 12 horas após infecção e é realizada por células fagocitárias, via alternativa do complemento, barreiras epiteliais e células NK agindo de maneira não específica. Em seguida, a imunidade adquirida passa a ser ativada, com ação de células B, anticorpos e células T efetoras para produção de uma imunidade específica contra o patógeno – estimulada por componentes específicos da parede bacteriana, endotoxinas ou outros PAMPs. Infecção Sepse Choque séptico Sepse – profa Francielle Garcia 2 Assim, desencadeia-se uma cascata inflamatória com liberação de TNF- e IL-1, que estimula a liberação de mediadores secundários, esses que perpetuam o ciclo inflamatório. Com a metabolização do ácido araquidônico também se tem liberação de leucotrienos, tromboxano A2 e prostaglandinas, além de fatores como NO e PAF, que agem diretamente no endotélio vascular. Desse modo, tem-se a manutenção de um estado pró- inflamatório e pró-coagulante, além de aumentar a permeabilidade vascular, causar edema e dificultar a perfusão – fator que é piorado por uma vasodilatação sistêmica e gera hipotensão. O desequilíbrio entre os fatores de coagulação (redução de anticoagulantes e da ação do sistema fibrinolítico com aumento da cascata de coagulação), associado à estase causada pela saída de líquido intravascular facilita a formação de microtrombos que atingem, preferencialmente, a circulação periférica e pequenos vasos – prejudicando também a perfusão e piorando a lesão endotelial. Os pacientes sépticos apresentam resistência a insulina e hiperglicemia, além de poder ter uma insuficiência suprarrenal com déficit funcional de glicocorticoides. Por fim, a hipóxia celular com diminuição da fosforilação oxidativa e produção anaeróbia de energia levam ao aumento da produção de lactato e consequente acidose lática. A hipotensão sistêmica, o edema e a microtrombose diminui o fornecimento de oxigênio e nutrientes para os tecidos, exacerbando a inflamação e a hiperlactatemia. Quadro clínico: geralmente apresentam taquicardia, febre e leucocitose, mas também pode-se ter alterações do estado de consciência, taquipneia, hipotermia, acidose metabólica, oligúria, elevação de ureia e creatinina plasmáticas, leucopenia com desvio a esquerda, hipotensão, disfunções orgânicas, diminuição do enchimento capilar, entre outros. → Disfunção cardiovascular: taquicardia, hipotensão secundária à vasodilatação, diminuição da pré- carga, função cardíaca diminuída (redução de contratilidade e fração de ejeção), hipoperfusão tecidual, cianose de extremidades e redução do enchimento capilar periférico (t > 3s). → Disfunção pulmonar: taquipneia, dispneia, hipoxemia, redução da complacência pulmonar, redução da relação PaO2 /FiO2. → Disfunção neurológica: alteração da consciência, confusão, delirium, coma, hiporreflexia, comprometimento cognitivo e neuromuscular. → Disfunção renal: injúria pré-renal por hipovolemia e hipotensão, necrose tubular aguda, lesão por apoptose celular, oligúria, aumento de creatinina e ureia sérica. → Disfunção hematológica: trombose na microcirculação, alargamento do tempo de tromboplastina parcial e redução da atividade de protrombina, queda de plaquetas, anemia, petéquias, púrpuras. → Disfunção gastrointestinal: gastroparesia, íleo adinâmico, diarreia, intolerância à dieta, refluxo, colestase trans-infecciosa. → Disfunção endocrinológica: disfunção adrenal, hiponatremia, hipercalemia, hiperglicemia, redução dos hormônios tireoidianos. Diagnóstico: o diagnóstico de sepse se dá pela presença de infecção associada à disfunção orgânica, essa que pode ser mensurada pelo aumento de 2 ou mais pontos no escore SOFA, esse que conta com avaliação de função hepática e renal, coagulação, respiração, estado de consciência e perfil hematológico (plaquetas). Sepse – profa Francielle Garcia 3 O qSOFA score é uma ferramenta para se usar à beira do leito para identificar pacientes com suspeita ou documentação de infecção, que estariam sob maior risco de desfechos adversos. Os critérios utilizados são: pressão arterial sistólica < 100mgHg (hipotensão), frequência cardíaca > 22/min (taquipneia) e rebaixamento do nível de consciência (Glasgow < 15). Cada variável conta um ponta no score, que vai de 0 a 3 – se for igual ou maior que 2 indica um risco maior de mortalidade ou permanência prolongada na UTI. Dentre os exames laboratoriais recomendados incluem os níveis de lactato, hemograma completo. contagem de leucócitos, concentrações plasmáticas de proteína C-reativa ou pró-calcitonina, bem como testes de função urinária, enzimas hepáticas e testes de função e coagulação. Como exames para pesquisa de foco infeccioso utiliza-se 2 pares de hemocultura de punções diferentes, urina I e urocultura, cultura de secreção traqueal, radiografia de tórax, ultrassonografia de abdome, tomografia de tórax, líquor e tomografia de crânio. O tratamento do paciente com sepse é feito pelo pacote de 1 hora, devendo medir nível de lactato e gasometria, obter hemoculturas antes de iniciar antibióticos, iniciar antibióticos de amplo espectro, ressuscitação volêmica com 30 ml/Kg de cristaloide em casos de hipotensão ou lactato > 4 mmol/L e iniciar vasopressores se paciente hipotenso durante ou após ressuscitação volêmica para manter PAM > 65 mmHg. O lactato é um marcador de hipoperfusão tecidual, de modo que pode ser utilizado como um marcador prognóstico e um alvo terapêutico, objetivando a permanência de níveis < 2 mmol/L ou queda de 20% do valor inicial em 2 a 6 horas – de modo que a coleta deve ser repetida durante a internação.As culturas devem ser rapidamente colhidas, de modo a não atrasar a antibioticoterapia, sendo realizada sempre em foco suspeito e hemocultura. Além disso, deve-se realizar exames complementares para identificar possíveis sinais de infecção. A antibioticoterapia deve ser iniciada precocemente, por via endovenosa e no máximo em uma hora, e deve ser direcionada de forma empírica para o foco suspeito de infecção, após a coleta de culturas. Além disso, deve-se resolucionar o foco infeccioso, como drenar abscessos e retirar cateteres contaminados. Depois do 1) Medir o lactato 2) Colher culturas 3) Administrar antibioticoterapia 4) Administrar cristaloides (30ml/kg) 5) Vasopressores para PAM > 65 mmHg Sepse – profa Francielle Garcia 4 resultado da cultura, ou quando a situação clínica permitir, deve-se descalonar a antibioticoterapia para o antibiótico mais adequado de acordo com o patógeno causador da infecção. A administração de terapia antifúngica empírica só é justificada em pacientes neutropênicos ou com forte suspeita de Candida ou de Aspergillus, podendo utilizar como medicação de escolha equinocandinas (para Candida) ou voriconazol (para Aspergillus). Deve-se iniciar a expansão volêmica na primeira hora com 30ml/kg de cristaloides balanceados, com preferência para ringer lactato, avaliando as necessidades do paciente, geralmente administrando 500ml por vez, em bolus e infusão rápida – observando evolução de sinais como pressão arterial, tempo de enchimento capilar, frequência cardíaca e temperatura da pele. O alvo pressórico é de PAM maior ou igual a 65 mmHg, podendo usar drogas vasopressoras para essa manutenção – droga preferencial é a noradrenalina. A dobutamina pode ser utilizada quando exista evidência de baixo cardíaco ou sinais clínicos de hipoperfusão tecidual, como livedo, oligúria, tempo de enchimento capilar lentificado, baixa saturação venosa central ou lactato aumentado. O uso de corticoides é recomendado em pacientes com choque séptico refratário, ou seja, que não conseguem manter a pressão arterial alvo mesmo com reposição volêmica e uso de vasopressores. A droga recomendada é a hidrocortisona (50mg 6/6h ou 200mg/dia). As transfusões de hemácias devem ser reservadas para pacientes com nível de hemoglobina < 7 g/dL, exceto em quadros de choque hemorrágico concomitante ou isquemia miocárdica ativa, que têm indicações específicas de hemotransfusão. Nota-se que o controle glicêmico rigoroso, em comparação com o tratamento convencional, está associado a reduções significativas na morbidade e mortalidade, de modo que a recomendação é manter glicemia sérica < 180 mg/dL, se necessário com insulina de ação rápida. Caso necessário realizar intubação orotraqueal em paciente em choque séptico, evitar drogas cardiodepressoras ou hipotensoras como o midazolam, o fentanil e o propofol para indução em sequência rápida, tendo quetamina e etomidato como boas opções. Deve-se manter ventilação mecânica protetora com uso de baixo volume corrente e limitação da pressão de platô abaixo de 30 cmH2O. Não está indicado o uso de bicarbonato nos casos de acidose lática em pacientes com pH >7,15, pois o tratamento dessa acidose é o restabelecimento da adequada perfusão. Recomenda-se a utilização de dispositivos invasivos (cânula orotraqueal, cateter venoso central, pressão arterial invasiva e cateter vesical de demora) pelo menor tempo possível afim de se evitar complicações mecânicas e infecciosas. Sepse – profa Francielle Garcia 5 A reavaliação das 6 horas deve ser feita em pacientes que se apresentem com choque séptico, hiperlactatemia ou sinais clínicos de hipoperfusão tecidual. Deve-se reavaliar marcadores do estado volêmico ou de parâmetros perfusionais, como tempo de enchimento capilar, presença de livedo, mensuração de pressão venosa central, entre outros.
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