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Desnutrição protéico-energética e a anemia ferropriva 1. INTRODUÇÃO DPE: ● Pode ser definido como o estado de deficiência ou excesso tanto de macronutrientes quanto de micronutrientes causando um desequilíbrio entre o suprimento de energia, de nutrientes e a demanda do a do organismo, alterando a garantia na manutenção, no crescimento e nas funções metabólicas; ● A DPE, pode ser classificada como primária, quando não há outra doença associada, ou secundária, quando há doença relacionada {p.ex. cardiopatias crônicas, fibrose cística, doença celíaca}; ● Quanto a gravidade pode ser classificada em formas moderadas e graves. {dividida em: marasmo, kwashiorkor e kwashiorkor-marasmático} ● Com relação à forma clínica o tempo e a gravidade contribuem para a definição e classificação da desnutrição; OBS. As repercussões da desnutrição, principalmente em crianças, são gerais, afetando todos os sistemas, interferindo no crescimento e desenvolvimento adequados, reduzindo a qualidade de vida e restringindo as chances delas se tornarem adultos saudáveis. 2. QUADRO CLÍNICO: ● A criança com DEP vive um delicado equilíbrio homeostático ao colapso endócrino-metabólico; ● Apresenta mudanças intensas em múltiplos sistemas orgânicos: 1. endócrino; 2. imune; 3. nervoso central; 4. gastrointestinal; 5. cardiovascular; 6. real. ● A escassez de nutrientes, na DEP moderada e grave, favorece: 1. hipoglicemia; 2. lipólise; 3. glicólise; 4. glicogenólise; 5. alterações no eixo da insulina. {com diminuição da produção e aumento da resistência periférica pela ação dos hormônios contrarreguladores (hormônio de crescimento, epinefrina e corticosteróides}; 6. redução no metabolismos com alterações na via tireoidiana de aproveitamento de iodo e conversão hormonal; 7. alterações nas bombas iônicas de membrana celular {pela redução da oferta de fosfato energético}; ● Ajustado à época de aparecimento e ao grau da DEP, alterações morfofuncionais do sistema nervoso central (SNC) são esperadas. como: 1. mudanças no processo de mielinização do SNC; 2. mudanças nas atividades mitóticas dendríticas; 3. mudanças na produção dos neurotransmissores; 4. mudança no amadurecimento da retina. OBS: Por muito tempo, o kwashiorkor, de forma grave, não foi reconhecido como desnutrição. 3. DIAGNÓSTICO: {Tem que ser preciso e rápido para que ocorra uma intervenção rápida} ● Para o diagnóstico da desnutrição, é fundamental considerar os aspectos geográficos heterogêneos no Brasil, pois há áreas com: 1. Fome por escassez de recursos econômicos {p.ex. região Nordeste} ; 2. Deficiência de micronutrientes: fome oculta; 3. Riqueza de recursos naturais, mas com desconhecimento da oferta adequada dos alimentos regionais disponível para as crianças {por vezes, há práticas inadequadas, como a oferta de mingaus contendo apenas água e farinha, pobres em proteínas e micronutrientes}. ● A avaliação nutricional pode ser realizada por meio de quatro procedimentos básicos: anamnese, exame físico, incluindo a aferição de medidas antropométricas, como medida da circunferência braquial (CB), e exames laboratoriais; ● Na anamnese, deve-se dar ênfase aos antecedentes neonatais (prematuridade, crescimento intrauterino restrito), nutricionais (aleitamento materno – sim ou não; se sim, qual o tempo de exclusivo e total; se não – registrar o motivo; na história alimentar, identificar se há deficiência na quantidade e/ou qualidade); aspectos psicossociais, condições de saneamento e moradia, presença ou não de doenças associadas; ● Na ausência de medidas antropométricas, a desnutrição grave também pode ser diagnosticada com base na avaliação clínica, verificando-se a presença de emagrecimento intenso visível; alterações dos cabelos; dermatoses (mais observadas no kwashiorkor), hipotrofia muscular (p.ex., na região glútea) e redução do tecido celular subcutâneo. ● A desnutrição grave é diferenciada em duas formas clínicas: 1. Kwashiorkor: ➔ Acomete crianças acima de 2 anos; ➔ Desnutrição proteica; ➔ caracteriza-se por alterações de pele (lesões hipercrômicas, hipocrômicas ou descamativas), acometimento de cabelos (textura, coloração, facilidade de soltar do couro cabeludo), hepatomegalia (esteatose), ascite, face de lua, edema de membros inferiores e/ou anasarca e apatia; ➔ O edema geralmente é bilateral simétrico, começa nos pés, progride para os pés e as mãos baixas e, em casos graves, pode envolver a face. EDEMAS DA FORMA KWASHIORKOR. 2. Marasmo: ➔ Acomete crianças menores de 12 meses; ➔ Ausência tanto energética como proteica; ➔ É caracterizada por emagrecimento acentuado, baixa atividade, irritabilidade, atrofia muscular e subcutânea, com desaparecimento da bola de Bichat (último depósito de gordura a ser consumido, localizado na região malar), o que favorece o aspecto envelhecido (fáscies senil ou simiesca), com costelas visíveis e nádegas hipotróficas. ➔ O abdome pode ser globoso e raramente com hepatomegalia. OBS. Algumas crianças podem apresentar a forma mista conhecida como Kwashiorkor-marasmático: inicia com edema, depois de um tempo há presença do marasmo. Em todos os casos, as crianças tendem a desenvolver diarreia, infecções, múltiplas de nutrientes. 4. TRATAMENTO: ● Inicialmente, avalia-se a forma da desnutrição considerando na anamnese os seguintes questionamentos: 1. ‘’quem é essa criança?’’ {condições gestacionais maternas, antecedentes neonatais e pessoais}; 2. quando começou a alterar seu peso e/ou altura; 3. onde mora (qual região, condições de moradia e entorno?}, integração com equipe de saúde. ● Na DEP grave, avalia-se a presença de complicações clínicas e metabólicas que justifiquem a internação hospitalar. Didaticamente, a terapia nutricional pode ser dividida em: 1. Primeira fase: ❖ Estabilização: tratar as morbidades associadas com risco de morte, corrigir as deficiências nutricionais específicas,reverter anormalidades metabólicas e iniciar a alimentação. ❖ Alimentação: fornecer no máximo 100 kcal/kg/dia (iniciando com taxa metabólica basal acrescida de fator de estresse que varia de 10 a 30%, fornecendo de 50 a 60 kcal/kg/dia no primeiro dia e aumentando de acordo com a avaliação clínica e laboratorial da criança), 130 mL/kg/dia de oferta hídrica e 1 a 1,5 g de proteína/kg/dia, dieta com baixa osmolaridade (< 280 mOsm/L) e com baixo teor de lactose (< 13 g/L) e sódio. ❖ Se a ingestão inicial for inferior a 60 a 70 kcal/kg/dia, indica-se terapia nutricional por sonda nasogástrica. 2. SEGUNDA FASE: ❖ Reabilitação: progredir a dieta de modo mais intensivo, visando a recuperar grande parte do peso perdido, estimular física e emocionalmente; ❖ Nesta fase, pode-se utilizar preparado artesanal sugerido pela OMS contendo 100 kcal e 2,9 g de proteína para cada 100 mL, fórmula infantil com menor conteúdo de lactose ou dieta enteral polimérica pediátrica isenta de lactose para crianças com idade inferior a 1 ano; ❖ É importante o fornecimento de preparados com multivitaminas (1,5 vez a recomendação para crianças saudáveis) e de zinco, cobre e ferro. 3. TERCEIRA FASE: ❖ Acompanhamento (ambulatorial para prevenir recaída): pode ser realizado em hospitais-dia ou ambulatórios e tem por objetivo prosseguir na orientação, monitoração do crescimento (vigilância dos índices peso por estatura e estatura por idade) e desenvolvimento da criança, especialmente da relação estatura/idade e intensificação do trabalho da equipe multiprofissional. 1. INTRODUÇÃO DA ANEMIA FERROPRIVA + ETIOLOGIA: ● A principal causa de anemia é a deficiência de ferro, estando associada a mais de 60% dos casos em todo o mundo; ● Anemia é, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a condição na qual a concentração sanguínea de hemoglobina se encontra abaixo dos valores esperados (inferior a -2DP), tornando-se insufi ciente para atender as necessidades fi siológicas exigidas de acordo com idade, sexo, gestação e altitude; ● O ferro é o metal mais presente no corpo humano e participa de todas as fases da síntese proteica e dos sistemasrespiratórios, oxidativos e anti-infecciosos do organismo {A maior parte do ferro utilizado no organismo humano é proveniente do próprio sistema de reciclagem de hemácias, e uma pequena parte proveniente da dieta, advindo de fontes vegetais ou inorgânicas e da carne e ovos}; OBS. Calcula-se que quase dois bilhões de pessoas em todo o mundo apresentam anemia e que de 27% a 50% da população seja afetada pela deficiência de ferro. OBS. a anemia ferropriva ainda é uma doença que atinge prioritariamente às camadas socialmente menos favorecidas, de menor renda e desenvolvimento. ● Crianças de até dois anos de idade e gestantes são os grupos mais afetados por esses distúrbios. {após o nascimento, a criança precisa absorver grande quantidade de ferro diariamente para manter um nível adequado do mineral}; ● Mesmo entre crianças, alguns grupos são mais vulneráveis aos impactos da carência ao ferro, seja por questões fisiológicas ou pela qualidade da alimentação, sendo eles: 1. Prematuros e RN de baixo peso; 2. Lactentes a termo em aleitamento artificial; 3. Lactentes em aleitamento materno exclusivo até o seis mesmo sem aporte adequado de ferro dietético (reservas de ferro formadas durantes a gestação se esgotam de 4 a 6 meses); 4. Adolescentes de ambos os sexos; 5. Crianças com quadros diarréicos frequentes e prolongados e infestação parasitária. OBS. Durante a gestação a anemia (especialmente no primeiro e segundo trimestres) associa-se a desfechos obstétricos desfavoráveis, como prematuridade, baixo peso ao nascer e aumento da mortalidade perinatal e neonatal. 2. REPERCUSSÕES DA ANEMIA PARA A SAÚDE: ● A anemia ferropriva tem efeito no crescimento e desenvolvimento de populações em risco, por afetar grupos em idade de crescimento e comprometer o desenvolvimento cerebral; ● A carência de ferro na infância também predispõe a cáries dentárias, menor discriminação e identifi cação de odores em comparação aos grupos controle, alterações na imunidade não específi ca, paladar e apetite (com associação a quadros de pica - alterações do sabor e apetite); ● Pesquisas nacionais evidenciaram que a anemia materna exerceu influência sobre os valores de hemoglobina do lactente aos 6 meses de vida, mesmo em aleitamento materno exclusivo. {A Academia Americana de Pediatria inicia a suplementação de ferro aos 4 meses de vida}. 3. DIAGNÓSTICO CLÍNICO E LABORATORIAL: ● As manifestações clínicas da deficiência de ferro são determinadas pelos estágios de depleção, deficiência de ferro e anemia propriamente dita; ● Exames laboratoriais específicos oferecem diagnóstico em cada um destes períodos; 1. Depleção do ferro: ❖ É caracterizada por diminuição dos depósitos de ferro no fígado, baço e medula óssea; ❖ Pode ser diagnosticada a partir da ferritina sérica {principal parâmetro utilizado para avaliar as reservas de ferro}; ❖ Valores inferiores a 12μg/L são fortes indicadores de depleção das reservas corporais de ferro em crianças menores de 5 anos, e inferiores a 15μg/L para crianças entre 5 e 12 anos; 2. Deficiência de ferro: ❖ São utilizados para diagnóstico a própria redução do ferro sérico, aumento da capacidade total de ligação da transferrina e a diminuição da saturação da transferrina; ❖ Outros exames podem ser necessários como a transferrina, zincoprotoporfirina eritrocitária e capacidade total de ligação do ferro; ❖ O ferro sérico é relevante no diagnóstico quando seus valores se encontram menores que 30 mg/dl. 3. Anemia ferropriva: ❖ Diminuição sanguínea da hemoglobina e hematócrito e alterações hematimétricas; ❖ A OMS estabelece como ponto de corte para diagnóstico de anemia valores de hemoglobina menores que 11g/dl e 11,5g/dl para crianças de 6 a 60 meses e crianças de 5 a 11 anos de idade, respectivamente; ❖ Para o hematócrito, consideram-se inadequados valores abaixo de 33% e 34% para crianças de 6 a 60 meses e crianças de 5 a 11 anos de idade, respectivamente; ❖ Ainda na avaliação do hemograma, leucopenia e plaquetose também podem ser indicativos do quadro de anemia e devem ser considerados. {a referência para crianças do seu valor relativo é de 0,5% a 2%, e do valor absoluto de 25000-85000/mm3, devendo este último ser utilizado por ser mais fidedigno}; ❖ Também é necessário avaliar os sinais clínicos, podendo ser eles: 1. redução da acidez gástrica; 2. gastrite atrófica; 3. sangramento da mucosa intestinal; 4. irritabilidade; 5. distúrbios de conduta e percepção; 6. distúrbio psicomotor; 7. inibição da capacidade bactericida dos neutrófilos; 8. diminuição de linfócitos T; 9. diminuição da capacidade de trabalho e da tolerância a exercícios; 10. palidez da face, das palmas das mãos e das mucosas conjuntival e oral; 11. respiração ofegante; 12. astenia e algia em membros inferiores; 13. unhas quebradiças e rugosas; 14. estomatite angular. (sapinho) 4. TRATAMENTO: ● O tratamento da anemia ferropriva é pautado na orientação nutricional para o consumo de alimentos fonte, e reposição de ferro - por via oral - com dose terapêutica de 3 a 5 mg/kg/dia de ferro elementar para crianças por mínimo de oito semanas; ● A suplementação deve ser continuada visando a reposição dos estoques de ferro, o que varia entre dois a seis meses ou até obtenção de ferritina sérica maior que 15μg/dL; ● Dentre os diversos tipos de sais de ferro disponíveis para a suplementação destacam-se o sulfato ferroso, o fumarato ferroso e o gluconato ferroso {Os sais de ferro são eficazes na correção da hemoglobina e reposição dos estoques de ferro, apresentam baixo custo e a rápida absorção. Por sofrer influência dos componentes dietéticos, a suplementação com sais de ferro deve ser realizada longe das refeições, recomendando-se a tomada em jejum, 1h antes das refeições ou antes de dormir}; ● Apesar da eficácia, a adesão ao tratamento com sais ferrosos é geralmente baixa devido aos sintomas adversos frequentes (35% a 55%) e típicos da suplementação, como náuseas, vômitos, gosto metálico, pirose, dispepsia, plenitude ou desconforto abdominal, diarreia e obstipação; ● O sulfato ferroso ainda é o composto de escolha pelo Ministério da Saúde para os programas de suplementação no Sistema Único de Saúde; ● O ferro carbonila é a alternativa mais abundante em teor de ferro elementar (98%), com boa disponibilidade e efetividade, e menor taxa de efeitos adversos em relação aos sais ferrosos, porém mais do que os outros sais férricos. Diferentemente das demais alternativas, pode ter sua absorção diminuída por componentes da dieta, devendo ser administrado em jejum; ● Além da suplementação de ferro via oral, a reposição parenteral de ferro é recomendada em casos excepcionais como os de hospitalização por anemia grave após falha terapêutica do tratamento oral, necessidade de reposição de ferro por perdas sanguíneas, doenças inflamatórias intestinais, quimioterapia ou diálise ou após cirurgias gástricas com acometimento do intestino delgado. 5. PREVENÇÃO: ● Ações de educação alimentar e nutricional (EAN) voltadas para a prevenção da anemia ferropriva preveem o estímulo ao acesso universal à alimentação adequada, ao aleitamento materno exclusivo e prolongado, de forma a aumentar o consumo de alimentos fontes de ferro, bem como de alimentos que aumentam a biodisponibilidade e a absorção do ferro na introdução de alimentos complementares; ● A contraindicação de uso de leite de vaca in natura, não processado, em pó ou fluido antes dos 12 meses (limitação de consumo de 500ml/dia após os 12 meses) também é uma estratégia reconhecidamente protetora contra a deficiência de ferro e o desenvolvimento de anemia ferropriva; ● Dentre as políticas nacionais que visam a prevenção da anemia ferropriva em crianças, cita-se a fortificação de alimentos, adotada em consonância com a OMS e que visa abordagem sustentável e custo-efetiva para a prevenção da anemia ferropriva, a estratégia NutriSus (oferta de sachês com 15 micronutrientes em pó para acréscimo às preparações da criança na rotina escolar), e a fortificação da água potável comferro; ● O Brasil também apresenta políticas para a suplementação do ferro desde 2005 (Programa Nacional de Suplementação de Ferro - PNSF),atingindo crianças de seis a 24 meses de idade, gestantes e lactantes até o terceiro mês pós-parto com suplementação profilática com sulfato ferroso via oral.
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