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Emília Ferreiro - Alfabetização e letramento

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Emília Ferreiro: um divisor de águas na alfabetização | 
Silvia Colello 
 
No campo da Educação, as pesquisas de Emilia Ferreiro (as de seus 
colaboradores e todas as demais inspiradas no mesmo referencial teórico), 
sem dúvida alguma, marcaram definitivamente o modo como hoje pensamos o 
ensino da língua materna, a condição do sujeito cognoscente, o processo de 
aprendizagem e o papel do professor. Mais que isso, o conjunto desses 
trabalhos impõe aos educadores o desafio de conhecer o aprendiz para a ele 
ajustar o processo pedagógico, perspectiva sem a qual não mais podemos 
vislumbrar a educação de qualidade. 
Mudança de paradigmas 
Para situar a contribuição dessa pesquisadora argentina, hoje radicada no 
México, atuando no Centro de Investigações e Estudos Avançados do Instituto 
Politécnico Nacional, importa apontar o potencial transformador de seu trabalho 
como um divisor de águas, a partir do qual se delineiam os rumos hoje 
assumidos na alfabetização. 
Embora o referencial de Piaget já estivesse disponível desde a primeira metade 
do século XX, sua teoria sobre o desenvolvimento humano e os processos 
cognitivos pouco chegava às salas de aula, dadas as dificuldades de 
transposição da pesquisa básica para o cotidiano escolar. Até a década de 70, 
fora alguns aspectos da Matemática e da Geometria estudados pelo 
pesquisador suíço, a prática pedagógica inspirada em Piaget acabava por 
reproduzir as situações do seu método clínico, tentando estimular capacidades 
tais como classificar e seriar objetos. A despeito desses esforços isolados, o 
que prevalecia (e, em muitos contextos, ainda prevalece) na Educação era a 
concepção empirista, típica da escola tradicional, que pressupõe um aluno 
passivo na relação com o professor detentor do conhecimento. 
Ao retornar da Suíça em 1971, onde desenvolvera sua pesquisa de doutorado 
sob a orientação de Piaget, Ferreiro recupera o referencial de seu mestre, 
aplicando-o à aquisição da escrita, sob uma ótica nunca antes experimentada. 
Liderando um grupo de pesquisadoras na Universidade de Buenos Aires, 
Ferreiro partiu de dois pressupostos fundamentais: 1º) a criança é um sujeito 
ativo na construção do conhecimento e, como tal, não pede autorização para 
aprender; 2º) a língua escrita, longe de um código a ser dominado pelas 
técnicas de associar grafemas e fonemas (letras e sons) de acordo com as 
regras ortográficas ou de interpretar mecanicamente as marcas do papel, 
configura-se como um sistema complexo de representação da fala. A partir daí, 
importava compreender: como se comporta a criança diante da língua escrita? 
Quais as suas hipóteses para lidar com esse objeto cultural? Como se dá a 
passagem das diferentes concepções ao longo do seu processo de 
aprendizagem? E, finalmente, como a escola interfere nesse processo? 
 
HIPÓTESES INFANTIS 
Lidar com uma ordem de investigação em que a criança é o centro do processo 
de aprendizagem pressupõe, em primeiro lugar, a necessidade de descartar 
ideias preconcebidas e já tão arraigadas, como a concepção de que a 
aprendizagem é consequência necessária do ensino ou de que as crianças 
aprendem por uma única trajetória regida pelo método de ensino. Em segundo 
lugar, o estabelecimento de uma interlocução com a criança, respeitando-a 
enquanto sujeito construtor de conhecimento. Finalmente, é preciso preparar-
se para respostas inusitadas. 
De fato, quando se pede às crianças que escrevam do seu jeito, surgem 
estranhas produções que não parecem fazer sentido àquele que lê e escreve 
convencionalmente. Algumas interpretam cada letra do seu nome como sendo 
o nome completo dos pais e irmãos (afinal, todos vivem na mesma casa!); 
outras esperam encontrar correspondências entre a escrita e os objetos (não 
seria justo a palavra “formiguinha” ser maior do que “boi”!); há quem atribua o 
valor silábico a cada letra, não se conformando que a palavra “palhaço” tenha 
mais que três letras; alguns insistem em colocar um ponto ao final de cada 
linha como que endossando a ruptura espacial; outros dizem que, ao 
suprimirmos uma letra da palavra “gato”, teríamos “gatinho”. 
PROCESSO CONSTRUTIVO 
Todos esses exemplos nos dão prova de um sujeito cognitivamente ativo e das 
inúmeras problematizações em pauta para quem tenta compreender a escrita e 
interpretar a realidade grafocêntrica à sua volta. Eles nos dão também indícios 
de um processamento endógeno a partir de informações e observações 
vivenciadas no plano externo das interações sociais. Aprender a escrever é, 
então, um complexo processamento mental no qual a criança é levada a 
construir hipóteses, colocá-las à prova e, nos casos de conflitos (por exemplo, 
ao descobrir que “boi” é menor que “formiguinha”), ter bons motivos para 
reelaborar as suas concepções. Nesse processo construtivo, não há estaca 
zero de conhecimentos porque, vivendo em uma sociedade letrada e 
participando de experiências de leitura e escrita, a criança sempre lida com 
algum grau de informação, o que lhe permite lançar-se para a aventura do 
conhecimento. Vem daí uma compreensão revolucionária sobre o processo de 
aprendizagem: “Saber algo a respeito de certo objeto não quer dizer 
necessariamente saber algo socialmente aceito como ‘conhecimento’. ‘Saber’ 
quer dizer ter construído alguma concepção que explica certo conjunto de 
fenômenos ou de objetos da realidade” (FERREIRO, 1987). 
Compreender as hipóteses infantis, seus “erros” e, principalmente, como as 
concepções elementares vão progressivamente sendo substituídas por outras 
mais próximas do sistema convencional, permite ainda uma nova interpretação 
sobre as diferenças individuais no processo de aprendizagem. O que até então 
era considerado problema do indivíduo (incapacidade ou carência) passa a ser 
interpretado como falta de oportunidades de vivenciar o sistema de escrita, 
conhecer seus suportes ou refletir sobre suas funções e modo de 
funcionamento (principalmente no caso de crianças de classes menos 
favorecidas). Nessa concepção, evidencia-se o despreparo da escola para lidar 
com a heterogeneidade e a dificuldade em promover experiências significativas 
e contextualizadas na aprendizagem da leitura e da escrita. 
Em 1979, os primeiros resultados da pesquisa liderada por Ferreiro foram 
publicados em Los sistemas de escritura em el desarrollo del nino, em 
coautoria com Ana Teberosky (no Brasil, em 1986, com o título Psicogênese da 
língua escrita), trazendo perspectivas inovadoras para a Educação, mas 
também dificuldades que se traduziram tanto pela assimilação difícil, por vezes 
equivocada e reducionista, dos novos paradigmas, como pela complexidade no 
que diz respeito à transposição pedagógica. Exemplos disso são escolas que, 
nas sondagens junto aos alunos, procuram classificar as crianças segundos as 
clássicas hipóteses conceituais descritas pelas autoras (pré-silábico, silábico, 
silábico-alfabético e alfabético) desconsiderando a complexidade do processo 
construtivo e, ainda, insistindo em velhas práticas artificiais e sem sentido. 
REFLEXÃO LINGUÍSTICA 
O amplo espectro das pesquisas de Ferreiro teve um decisivo impacto na 
Educação em diversos países. Superando a dimensão mecânica e 
instrumental, o ensino da língua escrita passou a ser visto como um efetivo 
objeto de aprendizagem balizado pela reflexão linguística. Pela primeira vez, 
não mais dispomos de métodos preestabelecidos para o ensino da escrita, mas 
de uma convocação para que se assuma uma nova postura face aos alunos e 
ao processo de aprendizagem. 
Assim, é possível delinear diretrizes educacionais hoje indiscutíveis: 
1. Urgência de um ensino capaz de lidar com a diversidade; 
2. Necessidade de romper com a distância entre a escola e a vida, 
instituindo um ensino significativo e contextualizado; 
3. Valorização do sujeito cognoscente que, como centro da 
aprendizagem, é capaz de criar e recriar; 
4. Condução do ensinar na perspectiva do aprendiz; 
5. Reorientação do ensino pelas práticas interlocutivas,respeitando os 
alunos, colocando-os frente a propostas desafiadoras; e 
6. Enriquecimento de situações pedagógicas, visando ampliar a 
experiência do estudante. 
Alavancando o movimento construtivista, Ferreiro não pretendeu resolver o 
problema do analfabetismo, muito menos propor novos métodos para ensinar, 
mas situar o desafio de ressignificar a Educação em prol de uma sociedade 
efetivamente democrática. 
DESTAQUE: ANTES E DEPOIS DE EMÍLIA FERREIRO 
 
Aspectos predominantes nas 
práticas alfabetizadoras até a 
década de 70 
Diretrizes para a 
alfabetização a partir dos 
anos 80 
Sujeito aprendiz 
Tratado como ser passivo que 
nada sabe ao entrar na escola. 
Aluno como ser ativo 
colocado como centro da 
aprendizagem. 
Aprendizagem 
Dependente da ação sistemática 
do professor: pretensão de 
homogeneidade no grupo, sem 
considerar as diversidades e os 
processos dos alunos. 
Construção cognitiva com 
base em concepções, 
hipóteses, conflitos e 
reconstruções. 
Psicogênese como uma 
trajetória dinâmica de 
processos diversificados. 
Professor 
Como único informante 
autorizado, busca o método 
ideal e determina o que ensinar 
para controlar a aprendizagem. 
Problematizador, cria 
oportunidades e desafia o 
aluno a partir de situações 
significativas e 
contextualizadas. 
Língua escrita 
Código simples a ser aprendido 
pela associação de letras e sons 
ou pela silabação. 
Sistema complexo de 
representação da fala, 
assimilado pela compreensão 
da língua. 
Prática pedagógica 
Valorização dos exercícios de 
prontidão (habilidades 
perceptomotoras). 
Cartilhas como recurso 
privilegiado: progressão 
predeterminada, linear, 
cumulativa e fragmentada. 
Práticas mecânicas, repetitivas e 
descontextualizadas. 
Valorização da escrita 
espontânea, da interação, da 
variedade de experiências, 
gêneros e suportes. 
Escritas e leituras 
significativas, com propósitos 
sociais. 
Desafios e resolução de 
problemas. 
Dificuldades 
Problemas atribuídos aos 
alunos: carências, desequilíbrios 
ou inabilidades. 
Respeito ao ritmo da criança 
que teve menos oportunidade 
de aprender: estímulos e 
despertar de interesses.

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