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História da África: Questões Gerais Introdutórias A resistência africana diante da colonização Material Teórico Responsável pelo Conteúdo: Prof. Ms. Avelar Cezar Imamura Revisão Textual: Profa. Ms. Rosemary Toffoli 5 Leia atentamente o conteúdo desta Unidade, que lhe possibilitará conhecer a luta travada pelas nações africanas em defesa de sua soberania e independência. Diferente da opinião corrente, o continente africano não aceitou pacificamente a intervenção e dominação estrangeiras. As estratégias de resistência sempre estiveram presentes. Você também encontrará nesta Unidade uma atividade composta por questões de múltipla escolha, relacionada ao conteúdo estudado. Além disso, terá a oportunidade de trocar conhecimentos e debater questões no fórum de discussão. É extremante importante que você consulte os materiais complementares, pois são ricos em informações, possibilitando-lhe o aprofundamento de seus estudos sobre este assunto. Entender como todos os povos africanos ofereceram algum tipo de resistência diante da colonização europeia da África. A resistência africana diante da colonização · A Resistência Africana Diante da Colonização · As teses e a resistência · Ideologias de resistência · A base religiosa das ideologias · A resistência numa perspectiva econômica · Algumas Considerações 6 Unidade: A resistência africana diante da colonização Contextualização No final do século XIX, as lutas de resistência contra o domínio estrangeiro no continente africano conheceram um líder da etnia xhosa, conhecido como Makana, o Profeta. No século seguinte, esta mesma etnia conhecerá outro líder, Nelson Mandela, que continuará lutando pela libertação da sua nação do domínio britânico, assim como o Arcebispo Desmond Tutu. São estas lutas por liberdade e soberania africanas que pouco conhecemos e cujos estudos ainda estão descobrindo e nos apresentando seus líderes, organização e alcance. Leia com atenção os textos, pesquise, e reflita sobre quais as consequências dos movimentos de resistência para as nações africanas. E como tais lutas se refletem em nossa nação, cuja origem é também no continente africano. 7 A Resistência Africana Diante da Colonização O período entre o final do século XIX e início do XX é marcado por rápidas transformações no continente africano. De nações, estados, reinos ou clãs independentes, os povos africanos tornaram-se colônias de nações europeias em ascensão. Os motivos que determinaram a corrida para o continente africano têm origens, sobretudo, econômicas. As relações de parceria deixam de existir e passam a ser de exploração e domínio, também político e cultural. Era urgente a reserva de novos mercadores consumidores, bem como fornecedores de matéria prima para atender à demanda das indústrias em desenvolvimento. A resistência africana estará presente em todas as fases da dominação. Os tipos de movimentos, as formas de ação, as ideologias e estratégias de luta se adaptarão ao momento e cada região, nação ou Estado irá, a seu modo, empenhar esforços para manter sua soberania e independência. Olharemos para esta resistência, suas interpretações e suas consequências para os conflitos e movimentos atuais de libertação. O paradoxo da conquista Muitos dos autores que se dedicam ao estudo da dominação e da resistência do continente africano apontam para o paradoxo dessa conquista das nações europeias. A intenção dos europeus de conquistar e ocupar a África era irreversível, pois eles tinham uma vantagem decisiva nas armas, na tecnologia de comunicação (com o uso da telegrafia) e transporte (ferrovias e navio a vapor). Por outro lado, era também resistível, uma vez que o processo não envolveu um grande número de homens, de recursos ou da tecnologia disponível à época. E a África tinha a força de seus homens para resistir às investidas dos europeus. As campanhas de conquista foram eficientes por que, em muitas situações, os europeus recrutaram africanos como auxiliares para compensar o número insuficiente de homens brancos. A estratégia utilizada era a mesma dos antigos impérios, mas sobre os detalhes eles sabiam menos que os dirigentes africanos. Diferente daquilo que pode ser imaginado, não existiu um plano estratégico e organizado para a corrida ao continente africano, pois A implementação da estratégia de penetração foi muito desordenada e inábil. Os europeus enfrentaram uma enormidade de movimentos de resistência que provocaram até inventaram por ignorância e medo. Tinham de “obter a vitória final”, e, uma vez obtida, trataram de pôr em ordem o conturbado processo. (RANGER, 2010, p. 51) Os livros que foram escritos sobre o processo de ocupação falavam de uma Pax Colonica* na ocupação da África. Tal expressão dava a entender que os africanos haviam aceitado pacificamente o domínio europeu. Estas narrações da conquista não mencionavam os movimentos de resistência africanos. 8 Unidade: A resistência africana diante da colonização Glossário: *o termo Pax Colonica faz referência a Pax Romana, expressão latina que quer dizer “paz romana”, referindo-se ao período de relativa paz, gerada pelas armas e pelo autoritarismo, experimentado pelo Império Romano que iniciou-se quando Augusto, em 28 a.C., declarou o fim das guerras civis e durou até o ano da morte de Marco Aurélio, em 180 d.C. Os primeiros registros da corrida e da conquista do território africano têm a visão dos invasores e os nativos são como peças em um tabuleiro de xadrez. As pesquisas das últimas duas décadas têm se esforçado em ampliar o olhar e em jogar novas luzes sobre esse período da história africana. As teses e a resistência As pesquisas mais recentes acerca da partilha do continente e da resistência africana não passam à margem a seriedade, os detalhes e a erudição dos estudos. Da mesma forma, eles não escondem as ambiguidades presentes no grande número dos movimentos de resistência. A maior parte dos estudiosos baseia-se em três postulados para a análise da atitude dos africanos. O primeiro postulado é aquele que afirma a importância da resistência africana, uma vez que jamais se resignaram diante da “pacificação” europeia. Depois, demonstram a racionalidade e inovação das ideologias que sustentavam a resistência em contradição com as teorias tradicionais que davam a estes movimentos um caráter desesperado ou ilógico. Em terceiro lugar, postulou- se que os movimentos de resistência não eram insignificantes, pelo contrário, tiveram grande importância em seu tempo e alguns, ainda hoje, continuam influenciar as lutas por libertação. Importante papel na revisão dos estudos sobre a resistência africana teve o historiador soviético A.B. Davidson quando, em 1965, fez um apelo aos historiadores do assunto [...] para que refutassem “as concepções da historiografia europeia tradicional”, segundo as quais “os povos africanos viram na chegada dos colonialistas um feliz acaso, que os libertava das guerras fratricidas, da tirania das tribos vizinhas, das epidemias e das fomes periódicas”. (RANGER, 2010, p. 52) O apelo de Davidson era para que não se continuassem com generalizações que dividiam os povos entre os pacíficos e os sedentos de sangue. Os primeiros seriam aqueles que, de alguma forma, teriam aceitado a ocupação, enquanto os demais haviam resistido com mais ferocidade ao desejo colonizador do branco. Para ele, havia distinções claras entre os movimentos de resistência e não havia justificativas para a recusa, por parte dos defensores da dominação colonial, em entender as rebeliões como fenômenos organizados. O autor irá dizer que, segundo Davidson, a única interpretação correta a ser admitida é a de que se tratava de guerras justas de libertação. Tal fato justificava a adesão da imensa maioria dos africanos a estes movimentos e rebeliões. 9 Embora existam evidências da existência de rebeliões, muitas delas ainda não foram estudadas e a falta de informações precisasdificulta verificar sua compreensão e extensão, mantendo-as no desconhecimento. A partir do alerta de Davidson, os estudos para a descoberta dos caminhos da resistência caminhou a passos largos. Os estudiosos debruçaram-se sobre as revoltas e passaram a classificá-las com maior rigor na tentativa de distinção entre “banditismo social”* e “rebelião camponesa” ou a guerrilha do choque entre exércitos. Para saber mais sobre o conceito de banditismo social, consulte as obras de E. Hobsbawm: Rebeldes primitivos, estudo sobre as formas arcaicas dos movimentos sociais nos séculos XIX e XX (1959), nas quais dedica um capítulo ao assunto e Bandidos (1969) O aumento dos estudos sobre o neocolonialismo* europeu irá ampliar o conhecimento sobre a diversidade da resistência africana. Assim, a opinião de que os povos mais organizados eram os únicos capazes de oferecer algum tipo de resistência foi desfeita pelas pesquisas de Shula Marks que, ao estudar os Khosain da África do Sul, verificou, mesmo sem contar com uma administração política centralizada, que foram capazes de travar combate com determinação contra o avanço dos brancos. Fonte: Wikimedia Commons Importante foi também a contribuição de John Thornton sobre o potencial de resistência das sociedades com e sem Estado e concluiu que as últimas estão em vantagem. Embora as sociedades mais organizadas tenham contribuído para a resistência, muitas entraram em colapso diante da ofensiva dos europeus. A ambiguidade do comportamento destes Estados contrasta com a atitude e resistência de estados menos organizados, mas que resistiram por longos períodos e, às vezes, de forma heroica para a manutenção de sua soberania. O autor irá citar os seus estudos realizados junto a Igbo, Baule, Agni etc que fizeram a guerra de guerrilha. 10 Unidade: A resistência africana diante da colonização A análise destes estudos comparativos permite afirmar que Em resumo, praticamente todos os tipos de sociedade africana resistiram, e a resistência manifestou-se em quase todas as regiões de penetração europeia. Podemos aceitar isso como um fato que não mais precisa de demonstração. (RANGER, 2010, p. 54) Os movimentos de resistência foram registrados em todas as regiões do continente com variações relacionadas às tradições locais. Daí a possibilidade de estudar a resistência por localidade e região específica. Embora tenha existido em todo território, a resistência ganha nuances diferentes em cada um dos Estados ou região onde os movimentos ocorreram. Portanto, foi possível constatar que Na Rodésia do Norte (atual Republica de Zâmbia), houve movimentos de resistência armada, mas em nada comparáveis, em amplitude e duração, aos organizados na Rodésia do Sul (atual República do Zimbabué), os quais, por sua vez, não se podem comparar, do ponto de vista da “organização”, aos movimentos de resistência contra os portugueses no vale do Zambeze. (RANGER, 2010, p. 54) As bases para a resistência estão nas ideologias, muitas vezes religiosas, que motivavam, sustentavam e alimentavam a luta por liberdade e soberania. Ideologias de resistência Os primeiros autores, defensores da historiografia tradicional com referência europeia, que estudaram os movimentos de resistência africana defendiam o caráter irracional e desesperado da resistência armada. Tratavam a luta dos africanos como resultado de superstição e sustentavam que as populações teriam sido trabalhadas por feiticeiros-curandeiros. Mesmo entre os críticos a essa teoria da superstição africana, há muitos que defendem a opinião de que, de fato, a cosmovisão de mundo e a realidade africana não conheciam técnicas ou possuíam referências que lhes dessem condições de reagir efetiva ou concretamente às agressões a seu modo de vida tradicional. Os movimentos de resistência eram considerados como destinados ao fracasso, uma vez que as ideologias de revolta que os sustentavam eram tidas como “magia do desespero”, fadadas ao malogro e sem perspectiva de futuro. Para os historiadores das últimas décadas, as discussões devem combater este tipo de argumentação e, no intento de atingir esse objetivo, adotaram a tática de, por um lado atribuir às revoltas ideologias estritamente profanas e, por outro, sanearam as ideologias religiosas. No estudo das ideologias profanas ganharam destaque os estudos de Jacob Ajayi, ao propor como principal ideologia o princípio da “soberania”. Para ele, o impacto mais importante da dominação foi a alienação da soberania. Isto, nas palavras dele significa afirmar que 11 [...] Quando um povo perde sua soberania, ficando submetido a outra cultura, perde pelo menos um pouco de sua autoconfiança e dignidade; perde o direito de se autogovernar, a liberdade de escolher o que mudar em sua própria cultura ou o que adotar ou rejeitar da outra cultura. Outros autores irão corroborar a opinião de Jacob e, nesse aspecto, as palavras de Walter Rodney são ainda mais enfáticas, pois para ele O caráter determinante do breve período colonial [...] resulta principalmente do fato de a África ter sido despojada de seu poder [...] Durante os séculos que precederam esse período, a África mantinha ainda em suas trocas comerciais certo controle da vida econômica, política e social, embora com desvantagens no comércio com os europeus. Até mesmo esse pequeno controle dos negócios internos se perdeu sob o colonialismo [...] O poder de agir com toda a independência e a garantia de uma participação ativa e consciente na história. Ser colonizado é ser excluído da história [...] De um dia para outro, os Estados políticos africanos perderam o poder, a independência e a razão de ser. Embora os líderes africanos não concebessem a soberania nas mesmas bases que os autores, as ameaças à soberania sempre foram enfrentadas com empenho e determinação por eles. Foram resgatados inúmeros registros de declarações de tais líderes, ora defendendo a soberania do seu clã ou reino, ora convocando os demais líderes para se unirem. Entretanto, a ofensiva europeia deixou marcas profundas nas regiões onde fincou raízes e não há dúvidas sobre as consequências que tal domínio trouxe para as nações africanas. A diversidade do continente também se reflete em suas lideranças, de tal forma que nem sempre os dirigentes foram os “guardiões da soberania do povo”. Os estudos apontam diferenças entre sociedades mais antigas com lideranças consolidadas e outras com chefia recente sem a confiança e o apoio popular. Daí a necessidade dos estudos que tratam de casos particulares, que não generalizem os estados e nações africanas. O avanço nas pesquisas tem demonstrado que, embora a defesa da soberania tenha sido a base dos movimentos de resistência, ela se manifestou e foi entendida de forma diversa entre os africanos. 12 Unidade: A resistência africana diante da colonização A base religiosa das ideologias Os estudos mais recentes procuram avaliar o papel das ideias religiosas nos movimentos de resistência. Suas conclusões estão distantes das opiniões que as consideram como de “fanáticos feiticeiros- curandeiros”, mencionadas nos relatórios coloniais ou identificadas como “magia do desespero”. As doutrinas ou os símbolos religiosos estavam ligados diretamente às questões da soberania e da legitimidade dos soberanos. A investidura ritual de um soberano garantia a sua legitimidade. E, uma vez assumida a defesa da sua soberania, junto com seu povo, apoiavam-se, naturalmente, nos símbolos e conceitos religiosos. Dentre suas pesquisas, Rodney menciona a resistência dos Ovimbundu, em Angola, e afirma que [...] dedicou-se muita atenção à resistência espiritual num estágio mais avançado da luta africana, notadamente em casos como as guerras Maji Maji”. Mas, “para os ‘movimentos de resistência primários’, há uma tendência a subestimar o fato de que os povos africanos resistiram espontaneamente em toda parte, não só em termos físicos, mas empregando igualmente suas próprias armasreligiosas e metafisicas (RANGER, 2010, p. 59) (Para saber mais sobre o que foram as guerras Maji Maji leia o capítulo 7 - Iniciativas e resistência africanas na África Oriental, 1880-1914 de Henry A. Mwanzido na História Geral da África – volume VII) Fonte: albanymuseum.blogspot.com.br Os chefes espirituais eram os responsáveis por exprimir a mensagem de uma unidade mais ampla e isto estava presente, de modo quase invariável, nos movimentos de resistência. A influência de ideologias religiosas alimentadas por líderes religiosos era um fenômeno presente em todos os contextos religiosos. As regiões que estavam sob o predomínio do islã tiveram as ideias do milenarismo islâmico espalhadas pelo cinturão sudanês de leste a oeste. Também nos contextos de influência cristã, os movimentos de resistência eram inspiradores da elaboração de uma doutrina de soberania, o protestantismo também será elemento importante neste processo. Com forte presença entre os africanos, as religiões tradicionais, sob a inspiração de seus líderes, não se excluíram desse processo de luta por independência e soberania. Vem ganhando destaque a releitura da doutrina profética que estava na base dos grandes movimentos de independência. Nos estudos tradicionais, o papel profético de algumas lideranças foi relatado de forma deturpada e agora estão sendo resgatados. 13 Um dos líderes proféticos mais conhecidos e que está tendo sua história recontada é o xhosa Makana, cuja mensagem foi enunciada no início do século XIX. Após o seu contato com o cristianismo, Makana desenvolveu o conceito de espaço e de difusão da luz, para expressar sua ideia de divindade. Isto, de certa forma, pode ser caracterizado como uma versão africana da ideologia cristã protestante de soberania. Ele foi o responsável por elaborar um corpo doutrinal que serviu como base ideológica à nação xhosa*. Glossário: *grupo étnico da África do Sul que fala a língua xhosa – uma das onze línguas oficiais faladas naquele país. Os falantes de xhosas são encontrados também nos países vizinhos como Botswana, Lesoto e nas províncias do Cabo. Nelson Mandela e o Bispo Desmod Tutu eram da etnia xhosa. O espírito e o gênio religioso capacitaram o profeta Makana a explorar as diferenças fundamentais de costumes, de divindades e de destinos entre brancos e negros. O profetismo emerge como uma reação às forças exógenas, porém tem mais significado na medida em que é compreendido dentro das razões de viabilidade e de adaptabilidade das religiões africanas. As exigências externas não são suficientes, por si só, para fazer emergir um profeta. O surgimento de um profeta ocorre quando o povo sente a necessidade profunda de mudanças, devido a situações internas que geram angustia e tensões, ou do sentimento geral por acelerar uma mudança de situação por meio de uma ação radical e inovadora. A resistência numa perspectiva econômica Na historiografia tradicional, o período entre 1880 e 1900 é considerado capital para a resistência africana. Mesmo que os esforços para a manutenção da soberania tenham se manifestados anos mais tarde. Na perspectiva econômica, a maioria dos autores entende que os movimentos importantes de resistência à dominação oficial datam do século XX. Mais precisamente, eles irão surgir quando os europeus rompem a aliança com os mercadores e intermediários africanos, e diante da resistência destes usam da força para instaurar o monopólio comercial. A resistência dos mercadores africanos se deu em várias frentes: estivessem eles no delta do Níger, conduzidos pelo chefe Nana Olomu, de Itsekiri ou fossem os chefes swahili*, que dominavam o comércio de escravos no norte de Moçambique ou, ainda, na África oriental sob a liderança de Rumaliza contra belgas e alemães, a resistência foi feroz. E a guerra travada por estes mercadores é apontada, por muitos, como um dos elementos decisivos do começo do colonialismo. Glossário: *o swahili (kiswahili, suaíli ou suaíle) é um idioma do grupo banto e possui o maior número de falantes. Embora seja um dos idiomas oficiais no Tanzânia, Quênia e Uganda, é falado também em algumas regiões da República Democrática do Congo, em zonas urbanas no Burundi, Somália, Ruanda, Moçambique, Zâmbia, Etiópia e Madagascar. O contato com o idioma árabe influenciou muitos dos vocábulos do swahili – que nas origens era escrito apenas com caracteres árabes. 14 Unidade: A resistência africana diante da colonização Boa parte do continente, sobretudo algumas regiões ao sul do Saara, havia alcançado um processo de desenvolvimento relativamente autônomo. As relações de parceria com o continente europeu, que eram mantidas pela intermediação de mercadores ou agentes estatais de comércio, por volta de 1879, entraram em colapso e tal estrutura entrou em desagregação. Desapareceram as relações de parceria comercial e entra em cena a dominação colonial. Ao final da primeira guerra, era possível confirmar o impacto desta dominação sobre os comerciantes africanos. O declínio radical da importância da classe de mercadores africanos e árabes era, portanto, um fato consumado. Do ponto de vista econômico, a resistência se dará não por questões de ressentimento contra a agressão comercial dos europeus, mas da consciência de que o objetivo dos brancos era o de obter mão de obra a baixo custo. Muito rapidamente, os africanos tiveram a percepção de que, embora os comerciantes africanos fossem gananciosos e chefes por demais exigentes, o jugo dos europeus que passaram a administrar os negócios era igualmente ou mais intolerável. A corrida para a África comporta, além da partilha territorial e da soberania dos africanos, o aspecto econômico da corrida pelos recursos africanos: além do diamante e do ouro que já figuravam entre os produtos de exportação, o recurso que, mais uma vez, irá figurar como, talvez, o mais precioso será aquele para o qual as autoridades coloniais se lançaram com paixão: a mão de obra africana. Com a mesma ênfase e determinação que as nações se lançaram na defesa de seu território e de sua soberania, irão fazê-lo na defesa de seu recurso mais precioso. A resistência ao domínio estrangeiro, desta feita, tomou a forma de deserções, de greves e de recusa ao trabalho debaixo da terra. Os trabalhos de pesquisa mais recentes abrem perspectivas para o estudo da resistência ao longo de toda uma rede interterritorial de migração de mão de obra do início da época colonial. Considerações finais A colonização europeia na África não poupou da ganância econômica nenhum dos aspectos da vida africana. O processo de ocupação do território foi só o início da dominação em todos os aspectos da cultura e sociedade africanas. Os estudos em andamento, sobretudo os realizados por pesquisadores africanos, apontam aspectos até então desconhecidos ou minimizados da luta dos africanos pelo seu direito de ocupar sua própria terra. Os movimentos de resistência mostram sua coerência com as origens do povo, sua ideologia tem bases concretas e reais e a dimensão religiosa não se limita a poções mágicas ou sacrifícios rituais. É o desconhecimento que gera o preconceito e as visões distorcidas das lutas por independência e soberania que ainda hoje são vividas por vários povos no continente africano. A tarefa da historiografia é, na medida em que pesquisa os acontecimentos do passado, oferecer novas possibilidades de compreensão da história de tantas lutas. 15 Material Complementar Livros: Embora não trate especificamente do continente africano, estas duas obras do historiador Erick Hobsbawm tratam do tema de “banditismo social” que, segundo alguns autores, foi uma das formas de movimentos de resistência na África colonizada: HOBSBAWM, E. Rebeldes primitivos, estudo sobre as formas arcaicas dos movimentos sociais nos séculos XIX e XX (1959); HOBSBAWM, E. Bandidos. São Paulo: Paz e Terra. Sites: Para complementar os conhecimentos adquiridos nesta Unidade, leia o artigoe veja o vídeo da palestra da escritora africana Chimamanda Adichie, sobre os perigos de se olhar a história de apenas um ângulo: http://www.pordentrodaafrica.com/cultura/o-perigo-de-uma-historia-unica-por-chimamanda-adichie http://www.pordentrodaafrica.com/cultura/o-perigo-de-uma-historia-unica-por-chimamanda-adichie 16 Unidade: A resistência africana diante da colonização Referências HERNANDES, Leila Leite. A África na sala de aula: visita à História Contemporânea. São Paulo: Selo Negro, 2005. RANGER, T. Iniciativas e resistência africanas em face da partilha e da conquista. In BOAHEN, A. A. (editor). História Geral da África VII: África sob dominação colonial 1980 - 1935. 2ªed. rev. Brasília: UNESCO, 2010. 17 Anotações
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