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Endometriose: Definição e Formas de Apresentação

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Atenção Integral a Saúde da Mulher Mayra Cleres de Souza, UFR
endometriose
Definição e formas de apresentação
Caracteriza-se pela presença de tecido endometrial, glândula e/ou estroma endometrial, em localização ectópica, fora da cavidade endometrial. Confirma-se a presença desses tecidos à microscopia, associados ou não a macrófagos repletos de hemossiderina. 
A endometriose pode apresentar-se na forma de lesões vermelhas, acastanhadas ou negras, assim como pode se distinguir entre lesões pigmentadas, típicas, e não pigmentadas, atípicas, as quais incluem vesículas, lesões “em chama de vela” e aderências. As lesões vermelhas e as não pigmentadas são precoces e mais ativas e parecem reagir melhor ao tratamento hormonal, em comparação com lesões ovarianas ou profundas. 
As aderências podem ser extensas e envolver o intestino, a bexiga e os ureteres, levando, inclusive, à hidronefrose. Nos ovários, a lesão mais comum é o endometrioma, um cisto de conteúdo espesso e cor escura achocolatada. 
De acordo com a profundidade com que o implante endometrial penetra no tecido, classifica-se a doença em superficial ou profunda; esta última determina implantes que penetram mais de 5 mm na espessura do tecido. 
Ainda não está claro se as diferentes formas diferem com relação à dor, à infertilidade ou ao prognóstico. 
A variante adenomiose, antigamente englobada no mesmo processo, compreende a presença de tecido endometrial implantado no interior das fibras miometriais, denominada por alguns autores endometriose interna. Atualmente, endometriose e adenomiose são reconhecidas como patologias distintas.
localização
Diversos locais podem ser acometidos pela doença, isolados ou simultaneamente. A forma mais comum é a multifocal, e os sítios principais são o peritônio pélvico, principalmente nas fossetas ovarianas e nos ligamentos uterossacros, os órgãos pélvicos, ovários, tubas, bexiga, sigmoide e reto e, mais raramente, órgãos extrapélvicos, como fígado, pulmões, pleura e outros.
Na endometrioses pélvica, os focos de endometriose no ovário tornam-se encapsulados, formando cistos denominados endometriomas.
A endometriose extragenital, na maioria dos casos, é assintomática, mas deve ser suspeitada quando há dor ou massa fora da pelve com sintomas cíclicos.
etiopatogenia
teoria da menstruação retrógada
Defende ser o refluxo do sangue menstrual, por meio das tubas uterinas pérvias, o responsável pelo distúrbio. O sangue menstrual contém células viáveis, com capacidade de implantação, que, por fatores locais e sob estímulo estrogênico, formariam focos de tecido endometrial ectópico.
Teoria da metaplasia celômica
Algumas células indiferenciadas, pluripotenciais, situadas nos ovários, no peritônio e em outros locais sofrem diferenciação em células de endométrio. 
Teoria combinada
Aceita ambas as hipóteses concomitantemente. 
teoria imunológica
Considera uma série de alterações imunológicas,principalmente relacionadas à resposta imune celular Th1, como fator principal.
teoria da implantação
Propõe que células endometriais manipuladas durante cirurgias, parto cesárea, podem ser implantadas na cavidade endometrial e na parede pélvica, criando focos de endometriose. 
epidemiologia e fatores de risco
A prevalência não pode ser determinada com exatidão, em parte porque o diagnóstico de certeza só pode ser feito por laparoscopia, nem sempre realizada mesmo nos casos suspeitos. Além disso, pacientes assintomáticas só são diagnosticadas se submetidas a cirurgia por indicações diversas, e pacientes sintomáticas podem ter sintomas variados e não específicos. 
A endometriose é diagnosticada, em média, na terceira década de vida. É descrita a associação a mulheres com baixo índice de massa corpórea e níveis de ansiedade acima da média. O diagnóstico tardio favorece baixa qualidade de vida pelos sintomas álgicos, grande abstenção no trabalho ou escola e implicações na fertilidade. 
fatores envolvidos
fatores de risco 
· Antecedente familiar com parente de primeiro grau com endometriose;
· Menarca precoce e menopausa tardia;
· Nuliparidade;
· Gestação tardia;
· Fluxo menstrual aumentado, em volume e/ou duração;
· Estenose cervical e outras obstruções do fluxo de saída menstrual;
· Raça branca;
· Nível socioeconômico elevado;
· Quadros de ansiedade, depressão e outros transtornos psiquiátricos.
fatores protetores 
· Tabagismo;
· Uso de contraceptivos hormonais;
· Multiparidade;
· Primeira gestação precoce, antes dos 18 anos.
quadro clínico
A doença pode acometer a mulher durante toda a menacma, mas é mais comum ao redor da terceira década de vida. Entre as queixas, incluem-se as principais:
· Dismenorreia progressive, dor pélvica cíclica;
· Dor pélvica crônica;
· Dispareunia de profundidade;
· Infertilidade;
· Alterações intestinais e urinárias durante a menstruação.
Os sintomas intestinais podem ocorrer sob a forma de alteração do hábito intestinal, obstipação ou diarreia, desconforto, distensão abdominal e sangramento cíclico, hematoquezia.
A dismenorreia progressiva, refratária ao tratamento medicamentoso habitual, é o principal sintoma. Com a progressão da doença, os implantes endometrióticos aprofundam-se e lesam nociceptores, causando dor neuropática, clinicamente expressa por dor pélvica crônica. Esta geralmente é diária, de grande intensidade e piora durante o período menstrual. 
As alterações anatômicas causadas pela doença avançada ou pelo processo inflamatório causado por ela podem ter como consequência a infertilidade. 
Na anamnese devem ser investigados antecedentes familiars, perfil genético, principalmente acometendo parentes de primeiro grau e outras doenças. 
O exame físico pode ser normal, principalmente nos estágios iniciais, ou revelar dor à palpação localizada, sobretudo no fundo de saco posterior ou nos ligamentos uterossacros, fixação dos órgãos pélvicos pelas aderências que acompanham a doença, retroversão uterina fixa, dor ao toque, principalmente de útero/anexos e fundo de saco, dor à mobilização do colo, aumento anexial, quando há acometimento ovariano com a formação de endometriomas e empastamentos nodulares em fundo de saco ou espessamento dos ligamentos uterossacros. 
Ressalta-se que a gravidade da dor e a sua intensidade não se relacionam com a extensão ou com o estadiamento da doença, assim, uma paciente com doença mínima pode ter sintomatologia exuberante, e outra com doença avançada pode apresentar poucas queixas e poucos sintomas. 
 (
Para melhor identificação dos nódulos e empastamentos no fundo de saco vaginal, recomenda-se examinar a paciente durante o período menstrual.
)
Diagnóstico
A suspeita da doença baseia-se na história clínica, no exame físico e em exames laboratoriais. O diagnóstico definitivo é feito por videolaparoscopia diagnóstica com análise histopatológica de material obtido em cirurgia. No entanto, o diagnóstico de presunção é possível por meio da combinação de sinais, sintomas e exames laboratoriais e de imagem, permitindo iniciar um plano terapêutico de baixo risco e bem tolerado.
exames laboratoriais
CA-125
 Apresenta sensibilidade e especificidade medianas, por esse motivo não é utilizado em todos os servicos. A dosagem deve ser feita entre o primeiro e o terceiro dias do ciclo menstrual quando, normalmente, apresenta-se elevada. Pode ser repetida entre o oitavo e o décimo dias do ciclo. Eficácia para seguimento evolutivo e de tratamento de casos já confirmados. O marcador também pode se mostrar elevado nas pacientes com neoplasias ovarianas. O CA-125 é mais útil para seguimento (follow-up) de pacientes tratadas do que para auxiliar no diagnóstico.
proteína sérica amiloide A 
Mais relacionada aos casos de acometimento intestinal. Foi muito utilizada até alguns anos atrás; hoje, raramente é solicitada.
outras proteínas de atividade inflamatória 
São bastante inespecíficas.
antiocardiolipinas igm e igg
Também são consideradas inespecíficas, mas podem se elevar nas dosagens da fase folicular inicial, entre o primeiroe o terceiro dias.
exames de imagem
Podem ser de grande importância no diagnóstico. Nenhum deles pode fornecer o diagnóstico final, o qual só pode ser obtido com o estudo anatomopatológico do material colhido na videolaparoscopia.
USG pélvica e transvaginal 
Pode mostrar-se normal ou revelar cistos ovarianos de conteúdo espesso homogêneo, com aspecto “em vidro moído”. Atualmente, dá-se preferência à ultrassonografia transvaginal com preparo intestinal, que permite a visualização dos focos ectópicos e determina a extensão intestinal da doença, facilitando a abordagem cirúrgica. 
TC da pelve 
Tem valor relativo, pois não visualiza bem as lesões endometrióticas. É útil no afastamento de outras hipótesesque contemplem o diagnóstico diferencial de dor pélvica crônica, bem como na identificação de repercussões intestinais e urinárias. 
RM 
A ressonância magnética é considerada técnica de segunda linha, sendo solicitada após a ultrassonografia com preparo intestinal para avaliação da endometriose pélvica. É útil antes da cirurgia para estadiamento pré-operatório adequado.
ecocolonoscopia e usg transretal
Também possibilita avaliar a existência de acometimento intestinal e, quando presente, a profundidade das lesões em relação às camadas da parede intestinal. 
videolaparoscopia 
É o padrão-ouro para o diagnóstico, desde que acompanhada de confirmação anatomopatológica. É ideal, pois permite o estadiamento e pode ser utilizada como arma terapêutica. 
classificação
É classificada de acordo com os achados intraoperatórios, que levam em consideração tamanho, profundidade, localização dos implantes endometrióticos e gravidade das aderências. 
Estágios da classificação:
· Estágio 1, doença mínima: implantes isolados e sem aderências significativas;
· Estágio 2, doença leve: implantes superficiais com menos de 5cm agregados e espalhados, sem aderências significativas;
· Estágio 3, doença moderada: múltiplos implantes superficiais e profundos, aderências peritubárias e periovarianas evidentes;
· Estágio 4, doença grave: múltiplos implantes superficiais e profundos, incluindo endometriomas e aderências densas e firmes.
A dor é influenciada pela profundidade de implantação endometriótica e sua localização em áreas de maior inervação. 
Histologicamente, ainda se divide a endometriose em superficial e profunda. A profunda é definida como uma massa de endometriose sólida situada a mais de 5 mm de profundidade no peritônio. Encontra-se, geralmente, no septo retovaginal (também conhecido como septo retocervical), reto, cólon retossigmoide, bexiga, ureter e outras estruturas fibromusculares pélvicas, como os ligamentos uterinos e a vagina.
diagnóstico diferencial
Todas as doenças que cursam com dor pélvica, dispareunia e infertilidade, associadas ou isoladamente, são possíveis diagnósticos diferenciais. 
O estadiamento não está correlacionado à severidade dos sintomas. 
tratamento
A endometriose deve ser vista como uma doença crônica que requer um planejamento para abordagem em longo prazo. O objetivo é maximizar o tratamento medicamentoso e evitar procedimentos cirúrgicos repetidos. A decisão terapêutica deve ser individualizada, e também se devem considerar apresentação clínica, severidade dos sintomas, localização e extensão da doença, desejo reprodutivo, idade, efeitos colaterais das medicações e taxa de complicações cirúrgicas, além do objetivo da paciente. Se o objetivo é o controle da dor, o tratamento é diferente do daquelas que buscam engravidar. 
A abordagem inclui uso de analgésico, tratamento hormonal, intervenção cirúrgica e terapia combinada. 
tratamento clínico
O princípio da terapia medicamentosa é bloquear a produção estrogênica ovariana, evitando a proliferação endometrial e o sangramento dos implantes no momento da privação hormonal. Portanto, o objetivo do tratamento é manter a paciente em amenorreia, cuja obtenção facilita a remissão e o manejo dos sintomas. 
O que define o tratamento da endometriose após a videolaparoscopia é o desejo da paciente de gestar. 
contraceptivos orais combinados
São ideais para o início do tratamento, pois promovem melhor atrofia dos focos ectópicos. 
progestogênios
Visam à atrofia endometrial progressiva por meio da decidualização. 
gestrinona
Pelos seus efeitos colaterais e pela eficáciamoderada no combate aos sintomas, atualmente é pouco utilizada.
DANAZOL
Ação androgênica e agonista da progesterona, eliminando os picos de FSH e LH do meio do ciclo. Além disso, promove estado hipoestrogênico e hiperandrogênico, atrofiando o tecido endometrial ectópico. Tem efeitos colaterais nem sempre bem tolerados, motivo pelo qual tem sido cada vez menos usado. 
Análogos do gnrh 
Atuam na secreção das gonadotrofinas hipofisárias. Por determinarem um estado de “menopausa artificial” ou “pseudomenopausa” , algunsefeitos colaterais característicos da síndrome do climatério podem ser referidos. 
Apesar de excelentes para o controle dos sintomas de endometriose, os análogos do GnRH são reservados para casos específicos em função dos seus efeitos colaterais.
diu com levonogestrel 
A liberação contínua de progesterona promove a atrofia do endométrio e a regressão dos focos de endometriose. As pacientes que entram em amenorreia com o uso do endoceptivo apresentam excelentes taxas de regressão dos sintomas álgicos cíclicos.
inibidor da aromatase 
O tratamento é reservado para pacientes que continuam com sintomas refratários apesar do uso de agonista de GnRH. É muito raro haver necessidade da sua prescrição na atualidade. 
considerações do tratamento empírico
Na dependência da droga utilizada para o tratamento, podem-se apresentar alguns efeitos colaterais. 
Tendo em vista a alta prevalência de endometriose e a morbidade do procedimento que leva ao diagnóstico definitivo, o tratamento empírico tem sido recomendado pelos guidelines e entidades respeitadas no mundo. 
Para mulheres com sintomas severos e não responsivas à terapia descrita ou com evidência de lesões anexiais sugestivas de endometriomas, é indicada a laparoscopia diagnóstica, se não realizada ainda. Para pacientes que desejam gestar e preenchem critérios para infertilidade, 1 ano de tentativas sem sucesso, também estará indicada a videolaparoscopia. 
tratamento cirúrgico
Permite o diagnóstico histológico e o estadiamento da doença. Considera-se cirurgia nos seguintes casos: dor persistente, apesar da tentativa de tratamento por 6 a 12 meses; contraindicação ou recusa do tratamento clínico;necessidade de material para diagnóstico histopatológico; exclusão de malignidade na massa anexial; obstrução intestinal ou do trato urinário, endometriomas ovarianos com diâmetro superior a 4 cm, acometimento de apêndice (por ser um diferencial de tumor carcinoide), de íleo (pelo risco de oclusão intestinal) e de ureter (pelo risco de exclusão renal).
planejamento cirúrgico 
Deve considerar o resultado cirúrgico desejado pela paciente, aconselhamento sobre a extensão e abordagem da cirurgia programada com seus possíveis riscos. 
O tratamento cirúrgico é dividido em conservador, primeira linha e definitivo. No primeiro, executam-se a ablação ou excisão dos focos, a lise de aderências e a investigação da permeabilidade tubária. 
O tratamento definitivo inclui ooforectomia bilateral com ou sem histerectomia, reservada para casos de manejo difícil com falha de outras opções terapêuticas e de prole constituída. 
endometrioma
Visa à melhora dos sintomas, prevenção de complicações relacionadas com massa anexial, ruptura e torção, exclusão de malignidade, quando tem aparência atípica e volume grande, melhora da subfertilidade e preservação da função ovariana. 
prevenção de recidiva 
A forma mais eficaz de preveni-la ou retardá-la é a gravidez, com maiores chances de ocorrer a reincidência em até 1 ano a partir da cirurgia. Se esse não é o desejo da paciente, os anticoncepcionais hormonais ou o dispositivo intrauterino de progesterona permitem controle razoável da doença.
endometriose e infertilidade
A endometriose pode levar à infertilidade tanto nosestágios mais avançados, por alterações anatômicas causadas pelas aderências ou cistos endometrióticos, quanto nos mais iniciais. 
Nos primeiros meses após a ressecção ou cauterização de todos os focos visíveis de endometriose é quando a paciente apresenta as maiores chances de gestação 
espontânea. 
As técnicas de reprodução assistida indicadas para pacientes com endometriose são a Fertilização In Vitro (FIV) ou a injeção intracitoplasmática de espermatozoide (ICSI). 
endometriose e câncer
A doença aumenta o risco de câncer de ovário em duas a três vezes, principalmente dos tumores epiteliais de baixo grau, incluindo os adenocarcinomas endometrioides, os tumores borderline serosos e os adenocarcinomas de células claras. Ainda não se sabe exatamente o nexo causal dessa associação.

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