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Doença Renal Crônica A DRC é definida como anormalidade de estrutura ou função renal apresentada por no mínimo 3 meses consecutivos, com estimativa da taxa de filtração glomerular (TFG) em geral menor ou igual a 60 ml/min/1,73 m² de superfície corporal, associada a pelo menos um marcador de dano renal parenquimatoso ou alteração no exame de imagem. Assim, albuminúria ≥ 30 mg/dia, história de transplante renal e anormalidades de sedimentos urinários e eletrólitos são consideradas marcadores de danos renais. Sua progressão é dividida em estágios de acordo com a TFG e a albuminúria persistente. Estágio Classificação TFG Albuminúria 1 Lesão renal com TFG normal ou aumentada ≥ 90 Presente 2 Lesão renal com ↓ leve da TFG 89 a 60 Presente 3a Lesão renal com ↓ moderada da TFG 59 a 45 Presente ou ausente 3b Lesão renal com ↓ moderada da TFG 44 a 30 Presente ou ausente 4 Lesão renal com ↓ grave da TFG 29 a 15 Presente ou ausente 5 Insuficiência renal terminal ou fase dialítica < 15 Presente ou ausente CAUSAS Hipertensão arterial Diabetes mellitus Glomerulonefrites crônicas Pielonefrites/ nefropatias tubulointersticiais crônicas Doenças autoimunes (lúpus, vasculites, etc.) Doenças obstrutivas crônicas (litíase renal, bexiga neurogênica, etc.) Doenças hereditárias (rins policísticos, síndrome de Alport, etc.) FISIOPATOLOGIA A DRC tem como característica o caráter progressivo que se mantém independentemente da presença do fator causal inicial. Dessa maneira, insultos renais graves quase sempre evoluem para esclerose glomerular e atrofia tubular, com perda total da função renal. Os mecanismos que determinam o caráter progressivo da doença ainda não são totalmente conhecidos. De acordo com a teoria mais aceita, após o insulto, os glomérulos dos néfrons remanescentes, ou seja, aqueles ainda funcionantes, sofreriam um processo de hipertrofia decorrente da hiperperfusão que levaria à hipertensão glomerular com consequente hiperfiltração glomerular e lesão das estruturas do glomérulo. Essas modificações funcionais e morfológicas resultam em perda de seletividade da membrana dos capilares glomerulares, resultando na passagem de macromoléculas, principalmente proteínas. O intenso tráfico de proteínas ao longo dos túbulos renais desencadeia uma série de respostas imunológicas, inflamatórias e hormonais que contribuem para a fibrinogênese renal, levando a subsequentes reduções do número dos néfrons remanescentes. Assim, o processo de adaptação que permite a manutenção das funções renais, mesmo após a redução significativa do número de néfrons funcionantes, determina a progressão da doença. Outros fatores como a hiperlipidemia, a retenção de fosfato, a acidose e as próprias toxinas urêmicas podem também contribuir para a progressão da lesão renal. Nesse processo, os túbulos também sofrem alterações estruturais e funcionais de modo a manter a homeostase e evitar, ainda que parcialmente, a retenção de excretas e o acúmulo ou depleção de água, sódio, potássio, ácidos, fósforo e outros componentes essenciais ao meio interno. No entanto, esses mecanismos adaptativos têm um limite a partir do qual os distúrbios hidroeletrolíticos, metabólicos e hormonais se tornam evidentes desencadeando uma série de sinais, sintomas e manifestações clínicas características da DRC particularmente nos estágios mais avançados. MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS Nerurológicos Centrais Insônia Tremor Fadiga Irritabilidade Dificuldade de concentração Neurológicos Periféricos Redução de reflexos Neuropatia autônoma Câimbras Soluço Fraqueza muscular Pericardite Edema Cardiovascula res E Pulmonares Hipertensão arterial Disfunção endotelial Aterosclerose acelerada Edema agudo de pulmão Insuficiência cardíaca Arritmia Dermatológico s Pele seca Prurido Equimoses Conjuntivite Dificuldade de cicatrização Gastrointestin ais Anorexia Náusea Vômito Gastrite Sangramento digestivo Hálito urêmico Hematológico s E Imunológicos Anemia Sangramento Disfunção granulocítica Disfunção dos linfócitos Imunodeficiência Inflamação Metabólicos E Hormonais Distúrbios do metabolismo mineral e ósseo Acidose metabólica DEP Dislipidemia Hiperparatireoidis mo Intolerância a glicose Resistência insulínica Hipercatabolis mo proteico Hipoalbuminemia Redução da libido Impotência Hipotermia Parâmetros bioquímicos Os pacientes apresentam elevações discretas, mas constantes, nas concentrações séricas de ureia e creatinina. As concentrações plasmáticas de sódio, potássio, cálcio e fósforo permanecem normais ou muito próximas do normal até os estágios mais avançados da doença. O pH é mantido até fases mais avançadas da doença, porém com queda progressiva nos níveis de bicarbonato. De maneira geral, principalmente nos estágios 4 e 5 da doença pode ocorrer elevação plasmática de potássio, fósforo e paratormônio (PTH) e redução do calcitriol (di-hidroxivitamina D). Hipoalbuminemia decorrente de síndrome nefrótica (proteinúria), inflamação crônica e DEP também podem ocorrer no curso da doença. Diminuição na concentração da hemoglobina também é comumente observada, sobretudo em consequência da redução da produção de eritropoetina pelos rins, caracterizando a anemia normocrômica e normocítica frequentemente encontrada em pacientes com DRC. TRATAMENTO CLÍNICO Os estágios G2 até G4 compreendem a fase pré- dialítica, que corresponde ao tratamento conservador e se caracteriza pela contínua diminuição da função renal. Geralmente, somente no estágio 5 a terapia renal substitutiva deve ser instituída. Com a redução da função renal, quando é observada exacerbação dos sinais e sintomas da doença, o paciente é direcionado para a terapia renal substitutiva (TRS), configurando-se como opções de tratamento hemodiálise, diálise peritoneal ou transplante renal. Hemodiálise (HD) Entre as TRS, a HD tem sido a mais instituída. O sangue é filtrado e purificado de modo a remover líquido, ureia e outros produtos tóxicos que necessitam ser eliminados. O procedimento é efetuado a partir do acesso venoso, que possibilita o transporte do sangue por um sistema de circulação extracorporal até o filtro capilar (dialisador), onde é depurado e depois devolvido à circulação do paciente. No dialisador ocorrem trocas entre o sangue e a solução de diálise (dialisato) através de uma membrana semipermeável. Nesse processo, a remoção de solutos do plasma é realizada por difusão, com base no gradiente de concentração do soluto entre o sangue e o dialisato, embora também ocorra a difusão de substâncias do dialisato para o compartimento sanguíneo (p. ex., bicarbonato). A HD tradicional, prescrita de acordo com as condições do paciente, normalmente é realizada durante 4 horas, 3 vezes/semana. A sobrevida dos pacientes em HD aumentou nos últimos anos devido aos inúmeros avanços tecnológicos do tratamento dialítico. No entanto, não é capaz de substituir completamente todas as funções renais, além de causar diversas alterações sistêmicas, metabólicas e hormonais, dentre as quais o estado de inflamação e estresse oxidativo crônicos, fortemente associadas a altas taxas de hospitalização e mortalidade. Diálise peritoneal (DP) É o método dialítico que usa a própria membrana peritoneal do paciente como filtro semipermeável. A solução de diálise (dialisato) é instalada dentro da cavidade peritoneal e é composta por glicose, que tem a finalidade de aumentar a osmolaridade da solução e resultar na remoção de líquido e toxinas do espaço vascular para a cavidade peritoneal, que serão então drenados e eliminados do corpo através de um cateter peritoneal. As modalidades mais utilizadas são a diálise peritoneal intermitente (DPI), a diálise peritoneal ambulatorial contínua (CAPD) e adiálise peritoneal automatizada (APD). A DPI é utilizada em nível hospitalar durante todo o dia, 2 vezes/semana. Na CAPD existe a presença contínua de dialisato na cavidade peritoneal, com pequenas interrupções somente para drenagem e instilação de dialisato novo. A APD é um método mais moderno e utiliza a cicladora, que instila e drena o dialisato da cavidade peritoneal em intervalos mais rápidos do que na CAPD. Esse método viabiliza maior flexibilidade do paciente durante o dia e menor manipulação do cateter. NUTRIÇÃO NO TRATAMENTO CONSERVADOR Objetivos: retardar o ritmo de progressão da disfunção renal, prevenir as complicações, tratar as comorbidades e preparar o paciente para a terapia renal substitutiva. Energia DRC 1-5 estável1 25 a 35 kcal/kg < 60 anos2 30 a 35 kcal/kg > 60 anos2 35 kcal/kg Proteína DRC 3-5 estável1 0,55 a 0,6 g/kg 0,28 a 0,43g/kg + cetoácidos/ análogos de aminoácido para completar necessidades de proteína (0,55 a 0,6 g/kg) DRC 3-5 + diabetes1 0,6 a 0,8 g/kg DRC 1-2 0,8 a 1 g/kg DRC 3 0,6 a 0,75 g/kg DRC 4-5 0,6 a 0,75 g/kg ou 0,3g/kg suplementada com aminoácidos essenciais e cetoácidos Diabetes descompensado 0,8 g/kg Proteinúria 0,6 a 0,8 g/kg Proteinúria > 3g/24h 0,8 g/kg + 1g para cada g de proteinúria Outros nutrientes Carboidratos 50 a 60% VET Lipídeos 25 a 35% VET Potássio 50 a 75 mEq/dia Fósforo 750 mg/dia Cálcio 1400 a 1600 mg/dia Sódio 2 a 3g/dia Líquidos Sem restrição 1 KDOQI, 2020 2 Cuppari, 2014 A hipertensão arterial sistêmica, que agrava a perda progressiva de função renal, precisa ser bem controlada para produzir benefícios com a restrição proteica. O controle adequado da glicemia também é importante no controle da progressão da insuficiência renal em indivíduos com diabetes mellitus. Muitos pacientes com DRC no estágio inicial tomam diuréticos que eliminam potássio (p. ex., furosemida), exigindo suplementação com potássio. Quando o débito urinário cai abaixo de 1 L/dia, esses mesmos pacientes podem necessitar de uma mudança para a restrição de potássio, visto que o rim não é mais capaz de excretar todo potássio ingerido. Isso tipicamente ocorre de modo bastante tardio, no estágio 4 da DRC. A importância de controlar o fosfato em pacientes com doença em estágio inicial é frequentemente negligenciada. As concentrações séricas de fósforo aumentam na mesma taxa de diminuição da TFGe. Recomenda-se o monitoramento contínuo do fósforo do paciente bem como o uso de ligantes de fosfato. Recomenda-se rotineiramente aos pacientes com DRC um suplemento de vitaminas hidrossolúveis personalizado, visto que as restrições no consumo de frutas, vegetais e laticínios podem deixar a dieta inadequada. Para pacientes com DRC desnutridos ainda nos estágios anteriores à diálise, recomenda-se aumentar a ingestão de energia com uso de suplementos hipoproteicos e hipercalóricos específicos para pacientes com DRC. Esses suplementos contêm baixa quantidade de potássio e sódio e fornecem em torno de 400 kcal e 8 g de proteína em 200 mℓ. No entanto, devido ao seu elevado custo, algumas estratégias podem ser utilizadas, como: aumentar a quantidade de azeite de oliva nas refeições, aumentar a ingestão de carboidratos complexos e realizar lanches mais calóricos. No caso de pacientes não diabéticos, recomenda-se também o uso de mel, bem como de farofas junto às refeições. NUTRIÇÃO NA TERAPIA RENAL SUBSTITUTIVA A doença renal em estágio terminal (DRET) reflete a incapacidade do rim de excretar os produtos de degradação, de manter o equilíbrio hidreletrolítico e de produzir certos hormônios. Como a insuficiência renal progride de modo lento, a concentração circulante de produtos de degradação leva finalmente ao aparecimento dos sintomas de uremia. A uremia é uma síndrome clínica de mal-estar, fraqueza, náusea, vômitos, cãibras musculares, prurido, gosto metálico na boca e comprometimento neurológico, que é causada por uma concentração inaceitável de produtos nitrogenados no corpo. Objetivos ✓ Evitar a deficiência e manter um bom estado nutricional (e, no caso de crianças, o seu crescimento) por meio de ingestão adequada de proteínas, energia, vitaminas e minerais ✓ Controlar o edema e o desequilíbrio eletrolítico pelo controle da ingestão de sódio, potássio e líquidos. ✓ Evitar ou retardar o desenvolvimento de osteodistrofia renal por meio de equilíbrio do cálcio, fósforo, vitamina D e PTH. ✓ Permitir ao paciente ingerir uma dieta palatável e atraente, que esteja o máximo possível de acordo com o seu estilo de vida. ✓ Coordenar os cuidados do paciente com a família, nutricionistas, enfermeiros e médicos em centros de cuidados agudos, ambulatoriais ou clínicas de repouso especializadas. ✓ Fornecer uma orientação nutricional inicial, aconselhamento periódico e monitoramento em longo prazo dos pacientes, com a meta de proporcionar ao paciente uma educação suficiente para que possa administrar seus próprios cuidados e dieta. Hemodiálise Diálise peritoneal Energia 35 kcal/kg 30 a 35 kcal/kg Proteínas 1,2 g/kg 1,2 a 1,5 g/kg Líquidos 750 a 1000ml + diurese Mín. 1000ml + diurese Potássio 2 a 3g ou 40mg/kg 3 a 4 g/kg Sódio 1,5 a 2g 1,5 a 4g Fósforo 0,8 a 1,2 g ou <17mg/kg 0,8 a 1,2 g REFERÊNCIAS MAHAN L K e ESCOTT-STUMP S. Krause - Alimentos, Nutrição e Dietoterapia. 14ª Edição,. Ed. Elsevier, 2018. ROSSI L.; POLTRONIERI F. Tratado de Nutrição e Dietoterapia. 1ª ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2019. CUPPARI, L. Nutrição Clínica no Adulto. São Paulo: Manole, 3ª Ed. 2014. IKIZLER T. A. et al. KDOQI Nutrition in CKD Guideline Work Group. KDOQI clinical practice guideline for nutrition in CKD:2020 update. Am J Kidney Dis. 2020; 76(3)(suppl 1):S1-S107.
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