Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
1 Beatriz Cavalcanti Regis Aula 4 – Mariana + Manual do Residente de Clínica Médica 2ª ed. INTRODUÇÃO • 3 bilhões de indivíduos no mundo têm cefaleia (Global Burden Disease, 2016); alta prevalência ao longo da vida (90% homens e 99% muheres). • Prevalência de 26,1% para tipo tensão e 14,4% para migrânea/enxaqueca (embora seja a mais comum na emergência; principal causa de anos vividos com incapacidade, dos 15-49 anos ). • Cefaleia: 3ª queixa mais frequente nos ambulatórios; 4ª queixa mais comum na emergência; 9,3% das consultas da ESF não agendadas. • Definição: cefaleia é todo processo doloroso referido no segmento cefálico, podendo envolver tanto estruturas faciais quanto cranianas. • Estruturas sensíveis a dor: couro cabeludo, periósteo, parte basal da dura-máter e estruturas faciais (seios paranasais, mucosa nasal e da cavidade oral), vasos sanguíneos extracranianos, artérias do polígono de Willis, seios venosos e tributárias, nevos cranianos (V, VII, IX e X) e nervos cervicais superiores. CLASSIFICAÇÃO • Primária: não estão associadas a nenhuma alteração estrutural (ex.: não tem tumor, hemorragia, compressão, distensão); predisposição genética; mais frequentes em qualquer faixa etária. • Secundária: associação com doença orgânica. INVESTIGAÇÃO • História clínica: idade de início, localização, circunstâncias da instalação, caráter da dor (latejante, aperto), intensidade (EVA de 0 a 10), duração (segundos, horas, dias), agravamentos (luz, som, atividade física, ao abaixar a cabeça), história familiar de cefaleia, medicamentos (ACO, antipsicóticos, anticoagulantes, uso abusivo de analgésicos e anti- inflamatórios), comorbidades (câncer, HIV+, histórico de trombose), relação com o sono, impacto na rotina diária e aspectos emocionais. • Exame físico: PA, temperatura, palpação do crânio, percussão dos seios da face, ausculta de carótidas (sopro devido a dissecção de carótida), percussão da mastoide, exame neurológico, fundo de olho (papiledema) e sinais meníngeos. CLASSIFICAÇÃO (ICHD) Obs.: O diagnóstico das cefaleias não é excludente e não raramente pode-se fazer o diagnóstico de ≥ 2 tipos de cefaleia em um único doente. CEFALEIAS PRIMÁRIAS MIGRÂNEA/ENXAQUECA • Reação neurovascular anormal, relacionada à herança genética multifatorial, desencadeada por fatores ambientais (gatilhos). • Fatores precipitantes: estresse, ciclo menstrual, bebida alcoólica, insônia, ACO, alimentos específicos (vinho tinto, abacaxi, chocolate, café), jejum prolongado, anormalidade do sono, quadros emocionais, certos odores e fadiga. • Deriva do grego hemicrania (metade da cabeça): dor unilateral e fronto-temporal. • História familiar: 37-91%. • Mais comum em adultos jovens: 20-49 anos (principalmente mulheres). • Sensibilidade aumentada do segmento cefálico, com menor limiar de desconforto com estímulos olfatórios, gustatórios, mecânicos e sonoros que indivíduos não enxaquecosos, mesmo nos períodos intercríticos. • Comorbidades psiquiátricas são comuns (ansiedade, depressão, transtorno bipolar, síndrome do pânico). Quando associadas aos transtornos do sono, são as principais causas de refratariedade ao tratamento. • Formas clínicas: ✓ Migrânea sem aura (80%). ✓ Migrânea com aura (15-20%). ✓ Migrânea crônica: cefaleia que ocorre em 15 ou mais dias/mês por > 3 meses, a qual, em ao menos 8 dias/mês, possui características de cefaleia migranosa. ✓ Complicações da migrânea: AVEi. ✓ Estado migranoso: crise de migrânea debilitante durando > 72h. ✓ Provável migrânea. ✓ Síndromes episódicas que podem estar associadas à migrânea (ex.: vômitos cíclicos nas crianças). 2 Beatriz Cavalcanti Regis Aula 4 – Mariana + Manual do Residente de Clínica Médica 2ª ed. • Quadro clínico: 1. Pródromo: ✓ 24-48h antes da fase álgica; ✓ Manifesta-se com: distúrbios do humor (irritabilidade, depressão), distúrbios do sono (insônia, sonolência), alterações na capacidade intelectual (concentração), distúrbios gastrintestinais (anorexia, bulimia). 2. Aura: ✓ Sintoma neurológico focal transitório: - Visual (mais comum); - Sensitiva (paresia, hipoestesia, hipersensibilidade ao toque); - Motora; -Afásica (anormalidades na linguagem). ✓ Progressiva em 5-20min; ✓ Duração < 60min; ✓ Pode preceder ou acompanhar a dor; ✓ Em 20% dos casos pode vir isolada. Obs.: A persistência do déficit neurológico após a crise com aura associada à lesão isquêmica nos exames de imagem configura infarto migranoso (migrânea complicada). Espectro de fortificação: escotoma + teicopsia (aura mista). 3. Fase álgica: ✓ Cefaleia de início insidioso (pico em 1-2h); ✓ Caráter pulsátil (85%); ✓ Localização fronto-temporal (50-60%); ✓ Intensidade moderada a forte; ✓ Agravada por atividade física e por movimento da cabeça; ✓ Duração: 4-72h; ✓ Sintomas associados: náuseas (90%), vômitos (30%), fotofobia (80%), fonofobia, osmofobia, diarreia, anorexia, visão borrada. 4. Fase de recuperação (pósdromo): ✓ Astenia, cansaço, euforia, irritabilidade, depressão, dificuldade de concentração, sensibilidade aumentada à dor. Critérios – migrânea sem aura A- Pelo menos 5 episódios na vida preenchendo critérios B a D. B- Episódios de cefaleia com duração de 4-72h (sem tratamento com com tratamento ineficaz). C- A cefaleia tem, pelo menos, duas das quatro características seguintes: ✓ Localização unilateral; ✓ Caráter pulsátil; ✓ Intensidade moderada ou forte; ✓ Agravada por atividade física rotineira (ex.: caminhar ou subir escada). D- Durante a cefaleia, pelo menos, um dos seguintes: ✓ Náuseas e/ou vômitos; ✓ Fotofobia e fonofobia. E- Não se encaixa em outro diagnóstico de cefaleia. Obs.: Quando a migrânea se manifestar com aura, somente 2 crises preenchendo os critérios B a D fecham o diagnóstico. • Fisiopatologia: ✓ Cérebro predisposto + gatilho → depressão cortical alastrante → impulso elétrico → nociceptores trigeminais periféricos na dura-máter → neuroquinina A, substância P e CGRP → receptores dos vasos meníngeos → vasodilatação + inflamação neurogênica → nervo trigêmeo → gânglio do trigêmeo → núcleos do trigêmeo (tronco encefálico) → tálamo → córtex sensitivo (processamento da dor). • Tratamento da fase aguda: ✓ Não farmacológico: repouso e gelo. ✓ Farmacológico: Analgésicos o Paracetamol (500-750mg); dipirona (1-2g). AINEs o AAS (1g); naproxeno (550-1.250mg); ibuprofeno (200-800mg); piroxicam (200- 400mg); cetoprofeno (100mg); corticoide. Derivados ergóticos* o Vasoconstritores; o Usar até 4h após início da dor; o Náuseas e vômitos; o Contraindicação: doença coronariana, AVE, HAS grave, gravidez e amamentação; o Exemplos: tartarato de ergotamina (1-2mg por via sublingual ou retal); mesilato de di- hidroergotamina (0,5mg em spray nasal). 3 Beatriz Cavalcanti Regis Aula 4 – Mariana + Manual do Residente de Clínica Médica 2ª ed. Triptanos* o Agonistas do 5HT1B e 5HT1D; o Maior tolerabilidade; o Pode iniciar após muito tempo da crise; o Contraindicação: sumatriptano na gestação classe C; o Exemplos: - Sumatriptano (50-200mg/dia VO ou 6- 12mg/dia SC); - Naratriptano 2,5-5mg/dia VO; - Zolmitriptano 2,5-5mg/dia VO (desuso); - Rizatriptano 5-10mg/dia VO; - Eletriptano 40-80mg/dia VO. • Protocolo nacional para diagnóstico e manejo das cefaleias das unidades de urgência do Brasil (2018). Obs.: O uso de opioides no tratamento da crise de enxaqueca deve ser desencorajado, já que existem medicações mais eficazes que não têm o risco de abuso e dependência. • Tratamento profilático: ✓ Interferência na rotina do paciente; ✓ Frequência de crises (≥ 3 crises/mês); ✓ Falência das medicações agudas; ✓ Alguns subtipos de auras; ✓ Preferência do paciente; ✓ Reavaliar após 8 semanas; ✓ Duração:6 meses a 4 anos (média de 1 ano). Migrânea crônica: preferir topiramato. / Nefrolitíase e idade fértil: contraindica topiramato. / Asma: contraindica propranolol. Toxina botulínica: somente migrânea crônica. Anticorpos monoclonais (Anti-CGRP). 1 aplicação SC 1x/mês. Quase nenhum efeito colateral. Boa resposta. Custo elevado (planos de saúde não cobrem). CEFALEIA TIPO TENSÃO (CTT) • Cefaleia primária mais frequente (40-78%); • Pior no final do dia; • Tem caráter de pressão ou aperto; • Localização bilateral (frontal ou nucal); • Não é agravada por atividades físicas de rotina; • Pode estar associada a rigidez da musculatura cervical; • Classificação: ✓ CTT episódica infrequente: < 1 dia/mês (< 12 dias/ano) → mais comum (situações de estresse emocional). ✓ CTT episódica frequente: 1 a 14 dias/mês por > 3 meses. ✓ CTT crônica: ≥ 15 dias/mês por > 3 meses (≥ 180 dias/ano). 4 Beatriz Cavalcanti Regis Aula 4 – Mariana + Manual do Residente de Clínica Médica 2ª ed. Critérios – CTT episódica A- Pelo menos 10 episódios na vida preenchendo critérios B a D. B- Episódios de cefaleia como duração de 30 min a 7 dias. C- A cefaleia tem, pelo menos, duas das quatro características seguintes: ✓ Localização bilateral; ✓ Em pressão ou aperto (não pulsátil); ✓ Intensidade leve a moderada; ✓ Não é gravada por atividade física rotineira. D- Ambos dos seguintes aspectos: ✓ Ausência de náuseas ou vômitos; ✓ Apenas um dos sintomas: fotofobia ou fonofobia. E- Não se encaixa em outro diagnóstico de cefaleia. • Protocolo nacional para diagnóstico e manejo das cefaleias das unidades de urgência do Brasil (2018). ✓ Orientar quanto à baixa gravidade do quadro; ✓ Medidas educativas (sono regular, controle do estresse); ✓ Prescrição de analgésicos e/ou AINEs: - Associações com cafeína aumentam a eficácia analgésica; - Se não há resposta em 1 ou 2h com uma medicação, pode-se usar outra; - Exemplos: paracetamol 750-1.000mg até 6/6h; dipirona 500-1.000mg até 6/6h; ibuprofeno 400- 800mg até 6/6h; diclofenaco 50mg até 8/8h; cetoprofeno 50mg até 6/6h; naproxeno sódico 500mg dose inicial e 250 mg até 6/6h. • Tratamento profilático: ✓ Cefaleia tensional crônica (≥ 15 dias/mês por > 3 meses); - Antidepressivos tricíclicos (1ª linha; amitriptilina), mirtazapina, topiramato (ainda não há consenso) e auxílio psicológico ou psiquiátrico. CEFALEIA TRIGÊMINO-AUTONÔMICA • Dor excruciante, orbitária e com sintomas autonômicos (lacrimejamento; rinorreia; ptose; miose; hiperemia conjuntival; congestão conjuntival e nasal; edema palpebral; sudorese frontal ou facial; sensação de plenitude na orelha – ipsilateral à dor). • Tipos: ✓ Cefaleia em salvas; ✓ Hemicrania paroxística; ✓ Hemicrania contínua; ✓ Cefaleia neuralgiforme unilateral de curta duração (SUNT/SUNA). • Sempre afastar quadro secundários (dissecção carotídea, HSA, tumoração). Cefaleia em salvas (CLUSTER): • Sexo masculino (6:1); • Entre 20 e 30 anos de idade; • Etilistas, fumantes, hipoxemia e agentes vasodilatadores (gatilho); • Associada com traumatismo craniano e história familiar de cefaleia; • Dor excruciante, periorbitária ou temporal; • Pelo menos um sintoma autonômico ipsilateral; • Em até 5% dos casos, é secundária a uma doença (adenoma de hipófise, tumor do seio cavernoso ou do clivus, meningioma parasselar, aneurisma encefálico e fraturas craniofaciais). Critérios – cefaleia em salvas A. Pelo menos 5 episódios na vida preenchendo critérios B a D. B. Dor forte e muito forte unilateral, orbitária, supraorbitária e/ou temporal, durando 15min-3h, se não tratada. C. Acompanhada pelo menos um dos seguintes sinais ou sintomas ipsilaterais: ✓ Lacrimejamento; rinorreia; ptose; miose; hiperemia conjuntival; congestão conjuntival e nasal; edema palpebral; sudorese frontal ou facial; sensação de plenitude na orelha; ✓ Sensação de inquietude ou agitação. D. As crises têm uma frequência de 1 crise/2 dias a 8 crises/dia. ✓ Por semanas a meses, seguidas por períodos de remissão de ao menos 14 dias, até vários meses. E. Não se encaixa em outro diagnóstico de cefaleia. • Tratamento das crises agudas: ➔Analgésicos comuns e opioides são ineficazes! ➔Estudos com os anticorpos anti-CGRP – ex.: emgality (ótima resposta na crise). • Tratamento profilático: ✓ Verapamil 240-480mg VO; 5 Beatriz Cavalcanti Regis Aula 4 – Mariana + Manual do Residente de Clínica Médica 2ª ed. ✓ Carbonato de lítio 300-1.200 mg/dia, com regulação da dosagem pelo nível plasmático (0,7-1 mmol/L); ✓ Valproato de sódio; ✓ Indometacina. Obs.: Orientar o diário da dor nas cefaleias primárias! CEFALEIAS SENCUNDÁRIAS Sinais de alerta para cefaleia secundária (mnemônico SNOOP): S (SYSTEMIC) Sinais sistêmicos como toxemia, rigidez de nuca, rash cutâneo, portadores de neoplasia ou HIV, usuários de imunossupressores. N (NEUROLOGIC) Presença de déficits neurológicos focais, edema de papila, convulsão. O (OLDER) Cefaleia que iniciou após os 50 anos O (ONSET) Cefaleia de início súbito ou primeira cefaleia P (PATTERN) Mudança do padrão de cefaleia prévia ou cefalia progressiva (intensidade, frequência ou duração) ou cefalia refratária. CEFALEIA ATRIBUÍDA À TRAUMA OU LESÃO CEFÁLICA E/OU CERVICAL Obs.: Cefaleia cervicogênica → associada a traumatismo cervical tipo chicote (após acidentes automobilísticos). CEFALEIA ATRIBUÍDA À TRANSTORNO VASCULAR CRANIANO E/OU CERVICAL Arterite de células gigantes: • Idade > 50 anos; • Sintomas sistêmicos (febre, mialgia); • Claudicação da mandíbula; • Dor à palpação da artéria temporal; • VHS elevada; • Diagnóstico: biópsia da artéria temporal; • Tratamento: prednisona dose alta. Emergência neurológica: risco de amaurose irreversível. CEFALEIA ATRIBUÍDA À TRANSTORNO INTRACRANIANO NÃO VASCULAR CEFALEIA ATRIBUÍDA À UMA SUBSTÂNCIA OU À SUA SUPRESSÃO 6 Beatriz Cavalcanti Regis Aula 4 – Mariana + Manual do Residente de Clínica Médica 2ª ed. Cefaleia por uso excessivo de medicamentos: cefaleia ocorrendo em ≥ 15 dias/mês em um paciente com uma cefaleia primária pré-existente e desenvolve como consequência do uso regular e excessivo de medicação aguda ou sintomática para cefaleia (em ≥ 10 dias ou ≥ 15 dias/mês) por > 3 meses. • ≥ 10 dias/mês por > 3 meses: ergotamínicos, triptanos, opioides, associação de analgésicos, múltiplas classes. • ≥ 15 dias/mês por > 3 meses: analgésicos simples (paracetamol, dipirona, AAS e AINEs). CEFALEIA ATRIBUÍDA À INFECÇÃO Obs.: Prova de Brudzinski é essencial. CEFALEIA ATRIBUIDA À TRANSTORNO DA HOMEOSTASE Hipertensão intracraniana idiopática: • Mulheres jovens e obesas na 3ª ou 4ª década de vida; • Papiledema, defeitos do campo visual e paralisia do abducente; • Dificuldade na reabsorção do líquor sem levar a uma hidrocefalia; • Diagnóstico: pressão > 20cm H2O + ausência de uma causa para a hipertensão intracraniana (neuroimagem com nada que justifique). • Tratamento: medicamentos para HIC; se gestante, resolve após a gestação. NEUROPATIAS CRANIANAS DOLOROSAS, OUTRAS DORES FACIAIS E CEFALEIAS NEURALGIA DO TRIGÊMEO • Caráter unilateral, em pontada, latejante, choques; • Pode ocorrer ruborização da face e lacrimejamento; • Episódios paroxísticos de curta duração; • Espontânea ou deflagrada por gatilhos (mastigação, ao se barbear ou escovar os dentes); • Fisiopatologia: conflito neurovascular (angioRM), processo degenerativo, infecções viróticas; • Tratamento: carbamazepina, gabapentina e cirurgia.
Compartilhar