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A maior parte da produção filosófica da Idade Média está concentrada entre os sécs. XII e XIV, período do surgimento e desenvolvimento da escolástica. Podemos dividir o período medieval em duas fases: a primeira corresponde ao período que se segue à queda do Império Romano(séc.V) praticamente até os sécs. IX-X, quando a situação econômica e política começa a se estabilizar. A fase final (séc.XI-XV) equivale ao desenvolvimento da escolástica e à grande produção filosófica que se dá com a criação das universidades até à crise do pensamento escolástico e o surgimento do humanismo renascentista. As origens da filosofia cristã A religião cristã surge e se desenvolve no contexto do helenismo, e é da síntese entre o judaísmo, o cristianismo e a cultura grega que se origina a tradição cultural ocidental que somos herdeiros. O helenismo fornece a base política e cultural que permite a aproximação entre a cultura judaica e a filosofia grega, e foi em Alexandria que encontramos as primeiras iniciativas. Alexandria era uma sociedade cosmopolita, onde várias culturas conviviam e se integravam, com grande tolerância religiosa e espírito de sincretismo. Pode-se apresentar Fílon como o primeiro representante significativo dessa tradição sincretista. Fílon produziu uma série de comentários que exibiam uma aproximação entre a cosmologia platônica no Timeu e a narrativa da criação do mundo no Gênesis. Na interpretação de Fílon, Deus cria o cosmo a partir das ideias em sua mente, e esta seria uma das origens da concepção as ideias deixam de ser entidades independentes como entidades independentes existindo em um mundo próprio como em Platão e passam a ser entendidas como entidades mentais, inicialmente na “mente de Deus”, posteriormente na mente humana. Fílon, embora sem ser cristão, abre o caminho para a síntese entre o cristianismo e a filosofia grega, que ocorre ao longo do início da religião cristã. Inicialmente, o cristianismo não se distingue do judaísmo. Fílon retoma o conceito grego de logos, interpretando-o como um princípio divino a partir do qual Deus opera no mundo. Essa visão irá influenciar o desenvolvimento da filosofia cristã. O primeiro marco na constituição do cristianismo como religião independente é a pregação de São Paulo, um judeu helenizado, que se converte e passa a pregar e difundir a religião cristã em suas viagens. É em São Paulo que encontramos a concepção de uma religião universal, não só a religião de um povo, e esta é uma diferença básica em relação ao judaísmo e às demais religiões da época, todas eram religiões de um povo ou de uma cultura, sem a pretensão de se difundir e converter outros povos. Talvez a possibilidade de se pensar e defender uma religião universal só faça sentido em um contexto como o do helenismo, em que há uma língua comum e uma cultura hegemônica, a grega. A difusão do cristianismo é um processo paulatino que se desenvolve ao longo de alguns séculos até sua consolidação com o Imperador Constantino e sua institucionalização como religião oficial do estado no Império Romano. O cristianismo difundiu-se progressivamente ao longo do séc. I através de núcleos de fiéis que surgiram como fruto da ação de vários pregadores, levando adiante a missão de São Paulo. Entretanto, cada um desses núcleos trabalhava de forma particular, fazendo com que não houvesse uma unidade fixa da religião cristã. Foi, portanto, necessário uma integração maior entre essas comunidades, uma unidade institucional e uma doutrina comum que deu identidade ao cristianismo, trazendo uma discussão que levará à formulação de uma unidade doutrinária e ortodoxa, sendo as divergências consideradas heresias. Os filósofos gregos são vistos como precursores do cristianosmo por sua sabedoria e virtude, não tendo sido cristãos de fato, mas essa posição não foi unânime. Tinham aqueles que afirmavam que a filosofia grega era pagã e ,portanto, alheia à mensagem de Cristo e de seus métodos. Os primeiros pensadores cristãos tomaram da filosofia grega aquilo que consideraram compatível com o cristianismo enquanto religião. Dessa forma, pode-se trazer a relevância da metafísica platônica, com seu dualismo entre mundo espiritual e material; a lógica aristotélica, com seus recursos demonstrativos e dialéticos; e a retórica dos estóicos e sua ética, com ênfase na resignação na austeridade e no auto-controle. Santo Agostinho e o platonismo cristão Santo Agostinho foi o filósofo mais importante devido à sua criatividade e originalidade, a surgir no pensamento antigo desde Platão e Aristóteles. É um pensador ainda profundamente ligado aos clássicos, mas já refletindo em sua visão de mundo e em suas preocupações as grandes mudanças pelas quais passa sua época, além de prenunciar o papel que o cristianismo terá na formação da cultura ocidental. A aproximação que elaborou entre a filosofia de Platão e o cristianismo constitui a primeira grande síntese entre o pensamento cristão e a filosofia grega, o assim chamado platonismo cristão. A filosofia de santo Agostinho foi elaborada com base em uma aproximação do neoplatonismo de Plotino e Porfírio com os ensinamentos de São Paulo e do evangelho de São João. O platonismo é visto, na linha da Escola de Alexandria, como antecipando o cristianismo, que era a “verdadeira filosofia”. Para santo Agostinho, a verdadeira e legítima ciência é a teologia, e é seus ensinamentos que o homem deve dedicar-se, pois preparam sua alma para a salvação e para a visão de Deus, que é sua recompensa. Santo Agostinho se pergunta como pode a mente humana, mutável e falível, atingir uma verdade eterna com certeza infalível. Sua resposta a essa questão se encontra em sua teoria da iluminação divina, elaborada com base na teoria platônica da reminiscência. Após uma detalhada consideração da natureza do signo e do processo de comunicação, santo Agostinho conclui que dada a convencionalidade do signo linguístico, este não pode ter qualquer valor cognitivo mais profundo, ou seja, não é através da palavra que conhecemos, logo não podemos transmitir conhecimento pela linguagem. A possibilidade de conhecer supõe algo prévio, inato, e essa posição é na mesma direção da filosofia platônica, que supõe que o conhecimento não pode ser derivado inteiramente da apreensão sensível ou da experiência concreta, necessitando um elemento prévio que sirva de ponto de partida Não aceita, entretanto, a doutrina da anamnese (reminiscência), mas desenvolve sua teoria de interioridade e da iluminação como uma resposta que considera mais completa para essa questão.Santo Agostinho assim desenvolveu uma noção de interioridade que prenuncia o conceito de subjetividade do pensamento moderno. Encontramos em seu pensamento a oposição interior-exterior e a concepção de que a interioridade é o lugar da verdade, é olhando para a sua intimidade que o homem descobre a verdade. Essa interioridade é dotada da capacidade de entender a verdade pela iluminação divina. A mente humana possui uma centelha do intelecto divino, A teoria da iluminação vem assim substituir a teoria platônica da reminiscência, explicando o ponto de partida do processo do conhecimento. Santo Agostinho interpreta a história da humanidade ,desde a sua origem na criação, como um processo sucessivo de alianças e rupturas entre o homem e seu Criador, iniciando-se com Adão até o juízo final e a redenção. Santo Agostinho formula assim uma noção de história como tendo um sentido, uma direção, marcada por um evento inicial e tendo um ponto final, o que rompe com a concepção grega antiga de tempo, que é cíclico, sem início ou fim.. Essa concepção de Agostinho terá grande influência no desenvolvimento da noção ocidental de tempo histórico . Sua lição consistia em que os eventos históricos devem ser interpretados à luz da revelação, que mostra que, no final, a cidade divina prevalecerá, já que a história tem uma direção. Essa visão deu esperança ao homem para viver em seu tempo, além de se verem como parte de um processo mais amplo, dando-lhe assim a esperançados tempos que virão. A concepção histórica de santo Agostinho e sua teoria da natureza humana e da iluminação divina foram fundamentais para a consolidação da Igreja nesse período, permitindo que a mesma iniciasse uma cristianização dos bárbaros ao invés de seu enfrentamento, que estava fadado ao fracasso.
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