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Stephane D’arc 5º semestre - Medicina Artite Reumatoide Introdução A Artrite Reumatoide (AR) é uma doença inflamatória crônica, relativamente comum, que afeta homens e mulheres de todas as idades. Apesar de poder acometer diversos órgãos e sistemas, sua apresentação clínica é caracterizada pelo envolvimento das articulações, num processo insidioso que frequentemente resulta em deformidades. Seu curso é tipicamente intermitente, marcado por períodos de remissão e atividade, mas sempre seguindo um processo contínuo de lesão tecidual. A patologia afeta especialmente a membrana sinovial e a cartilagem que reveste as articulações diartrodiais. O potencial para destruição cartilaginosa e erosão óssea, com posterior deformidade articular, é o marco fundamental da doença. Epidemiologia A doença predomina na faixa etária entre 25-55 anos, e a preferência, assim como acontece em outras moléstias autoimunes, é pelo sexo feminino (proporção de 3:1). É digno de nota que após os 65 anos a diferença de incidência entre os sexos diminui... O tabagismo é considerado um dos fatores de risco mais bem estabelecidos para AR, inclusive se associando à ocorrência de doença “soropositiva” (isto é, presença de fator reumatoide e/ou anti-CCP positivo. Outros fatores de risco são a exposição ocupacional à sílica, ao asbesto e à madeira. Patogênese A lesão histológica básica da AR, que inicia todos os eventos destrutivos articulares, é a inflamação das membranas sinoviais, conhecida como Sinovite. Mas o que é Membrana SINOVIAL? Trata-se de um tecido especializado que reveste a porção interna dos espaços articulares em articulações diartrodiais. Existem três tipos de articulação em nosso organismo: (1) sinartrodiais; (2) anfiartrodiais; e (3) diartrodiais ou “sinoviais”. As duas primeiras são formadas por tecido fibrocartilaginoso e são dotadas de pouca mobilidade. As articulações diartrodiais são encontradas unindo os ossos longos e apresentam grande mobilidade. Veja como são formadas... Existe uma cápsula fibrosa que recobre as extremidades ósseas, delimitando uma cavidade fechada: a cavidade articular. Esta cavidade possui um líquido incolor, transparente e viscoso: o líquido sinovial. Uma articulação diartrodial possui: (1) superfície articular cartilaginosa (cartilagem articular); (2) cavidade articular, contendo líquido sinovial e revestido pela sinóvia ou membrana sinovial; e (3) cápsula fibrosa. Voltando à patogênese da AR, o elemento fundamental é a proliferação inflamatória da membrana sinovial (sinovite). O tecido inflamatório sinovial em proliferação é chamado de “Pannus”. Pode-se visualizar o pannus como uma espécie de “manto” que recobre as estruturas intra-articulares e que, por estar Stephane D’arc 5º semestre - Medicina cronicamente inflamado, lesa por contiguidade os tecidos vizinhos, no caso a cartilagem articular e o tecido ósseo subjacente. A destruição final da cartilagem, dos ossos, dos ligamentos e dos tendões resulta, entre outros fatores, da produção local de enzimas proteolíticas, como é o caso da colagenase secretada na interface entre o pannus e a cartilagem. Uma vez iniciada, a resposta autoimune – na maioria dos pacientes – não desaparece... Linfócitos T CD4+ hiperestimulados migram para a sinóvia e atraem e ativam macrófagos e linfócitos B. Ocorre produção desordenada de citocinas, com destaque para o TNF- alfa. Tais substâncias respondem pela autoperpetuação do processo inflamatório sinovial e estimulam a proliferação das células sinoviais, levando a uma expansão progressiva do pannus ... A dependência de linfócitos T CD4+ é exemplificada pelo fato de a doença geralmente regredir na imunodepressão avançada pelo HIV! Os linfócitos B se transformam em plasmócitos, células capazes de secretar anticorpos. Assim, o paciente apresenta uma ativação policlonal das células B, podendo produzir uma série de autoanticorpos... Um dos mais encontrados é o Fator Reumatoide. Trata-se de um autoanticorpo, na maior parte das vezes do tipo IgM (mas que pode ser IgG ou IgA), que reconhece a porção Fc de anticorpos do tipo IgG, formando imunocomplexos com estes. Autoanticorpos contra peptídeos citrulinados (ex.: anti-CCP, que se liga a peptídeos citrulinados cíclicos) também são característicos da artrite reumatoide. Apresentação Clínica Com a evolução do quadro (semanas a meses), a doença geralmente assume a sua forma clássica, caracterizada por artrite simétrica de pequenas articulações das mãos e dos punhos. Os pés também podem ser acometidos, principalmente as metatarsofalangianas... Alguns pacientes abrem o quadro com acometimento de uma única articulação, de pequena intensidade, curta duração e com mínimas sequelas articulares (a chamada artrite indiferenciada). Por outro lado, há aqueles que experimentam um quadro fulminante de poliartrite em grandes e pequenas articulações, evoluindo rapidamente com sequelas irreversíveis, às vezes com manifestações extra-articulares (ex.: derrame pleural, nódulos subcutâneos, vasculite necrosante) e altos títulos de fator reumatoide/anti-CCP. A artrite reumatoide costuma se instalar de maneira insidiosa, com queixas intermitentes de dor e rigidez articular, muitas vezes acompanhadas de sintomas constitucionais, como fadiga, mal-estar, anorexia e mialgia. Manifestações Articulares As mãos - Inicialmente, o achado mais comum da artrite reumatoide é a tumefação das interfalangianas proximais, que ocorre caracteristicamente de forma simétrica. Com o avançar do processo, a frouxidão dos tecidos moles nas articulações metacarpofalangeanas dá origem a um clássico desvio ulnar dos dedos. As articulações interfalangianas distais costumam ser poupadas, o que é um sinal útil para diferenciar a artrite reumatoide da osteoartrose e da artrite psoriásica. Os Pés - Assim como as pequenas articulações das mãos, o envolvimento das pequenas articulações dos pés (especialmente das metatarsofalangianas) também é característico da artrite reumatoide. Como os pés sustentam todo o peso corpóreo, suas deformidades têm consequências que vão além da estética ou mesmo da funcionalidade das articulações. Os Punhos - O comprometimento simétrico dos punhos deve ser esperado na imensa maioria dos pacientes com AR, podendo haver prejuízo tanto dos movimentos de flexão quanto de extensão. As deformidades dos punhos, junto às metacarpofalangeanas, determinam um aspecto peculiar conhecido como “punhos em dorso de camelo”. A hipertrofia sinovial pode determinar a compressão do nervo mediano contra o ligamento transverso do carpo, originando a famosa síndrome do túnel do carpo, que se caracteriza por parestesias do polegar, segundo e terceiro dedos, e da metade radial do quarto dedo. Diagnóstico A exigência de que a artrite esteja presente há pelo menos seis semanas garante a exclusão de certas Stephane D’arc 5º semestre - Medicina síndromes articulares, principalmente virais, que por definição são autolimitadas (durando em média 2-3 semanas) e podem causar uma poliartrite semelhante à AR, inclusive com positividade para o fator reumatoide... Poliartrites ≥ 6 semanas não podem ser consideradas pós-virais, sendo o diagnóstico de AR muito mais provável em tal contexto. O diagnóstico de artrite reumatoide pode ser feito com razoável grau de certeza em paciente com: • sinovite clinicamente evidente em três ou mais articulações periféricas típicas (ex.: mãos, punhos e pés) • positividade para fator reumatoide e/ou ACPA; • aumento de VHS e/ou proteína C reativa; Marcadores sorológicos O Fator Reumatoide (FR) é um autoanticorpo que “ataca” a porção Fc das moléculas de IgG. Em geral se trata de um autoanticorpo da classe IgM mas, às vezes, o fatorreumatoide é uma IgA ou mesmo uma IgG... Pode ser encontrado em 70-80% dos adultos com a doença, e por isso um resultado negativo JAMAIS descarta o diagnóstico (20-30% são “soronegativos”)! Seu grande problema, na verdade, é a baixa especificidade, principalmente quando em títulos reduzidos, pois diversas outras condições, autoimunes ou não, também estimulam a produção de FR. O anti-CCP possui a mesma sensibilidade do FR (cerca de 70-80%), porém, sua grande vantagem é uma elevada especificidade (95%). Quadros iniciais de artrite indiferenciada têm chance maior de serem diagnosticados como AR na vigência de um anti-CCP positivo, principalmente se em altos títulos. Assim como o FR, o anti-CCP também se relaciona diretamente ao prognóstico: quanto maior seu nível sérico, mais elevada será a chance de doença agressiva, inclusive com manifestações extra-articulares. Tratamento A abordagem moderna, visando a remissão da doença, estabelece como dogmas os seguintes conceitos: (1) o tratamento deve ser “precoce” e “agressivo”; (2) deve ser reavaliado a intervalos curtos (ex.: a cada 3-5 semanas), reajustando as medicações conforme necessário; (3) deve ser individualizado, buscando a melhor resposta para determinado paciente com o menor custo e toxicidade... Por precoce queremos dizer: início logo após o diagnóstico. E por agressivo queremos dizer: uma DARMD sempre deve ser utilizada (DARMD = Droga Antirreumática Modificadora de Doença). É válido citar que na maioria das vezes acabam-se associando dois ou mais DARMDs... Devido a tais peculiaridades, recomenda-se que o tratamento SEMPRE seja conduzido por um reumatologista! A atual taxa de sucesso (indução de remissão da doença) gira em torno de 40-50%. Stephane D’arc 5º semestre - Medicina Tratamento Farmacológico - AINEs - Apesar de não alterarem o curso da doença (não evitam o surgimento de erosões ósseas), os AINEs são drogas adjuvantes no tratamento sintomático da AR, promovendo analgesia e desinflamação imediata do tecido osteoarticular. Seu uso a longo prazo deve ser evitado, devido à grande probabilidade de efeitos colaterais potencialmente graves. -Glicocorticoides- Em doses “baixas” a “intermediárias” (prednisona ≤ 7,5 mg/dia, ou > 7,5 e ≤ 30 mg/dia, respectivamente) fornecem rápido alívio sintomático na maioria dos pacientes, sendo considerados úteis como “ponte” até o início de ação das DARMDs (o que leva de semanas a meses). Também são úteis, por curtos períodos, para o controle dos surtos agudos de atividade da doença (os chamados flares) em pacientes que já vinham em uso de uma DARMD. Atualmente sabemos que, a longo prazo, essas doses de glicocorticoides também são capazes de retardar a progressão das erosões ósseas! No entanto, assim como acontece com os AINEs, seu uso prolongado deve ser evitado, pois a ocorrência de efeitos colaterais é essencialmente inevitável. Infelizmente, alguns doentes (não respondedores às DARMDs) de fato necessitam manter doses baixas de prednisona como parte essencial de seu esquema terapêutico... No caso de manifestações sistêmicas graves, com risco iminente de morte (ex.: vasculite necrosante), a pulsoterapia com altas doses de metilprednisolona torna-se necessária. Esta abordagem consegue melhorar os sintomas enquanto as DARMDs são iniciadas ou têm suas doses otimizadas. DARMDs Convencionais O grupo das DARMDs “convencionais” inclui substâncias quimicamente distintas, que apresentam em comum a propriedade de atrasar ou evitar a progressão das lesões estruturais induzidas pela AR... Diversas drogas fazem parte deste grupo, porém, a DARMD de primeira escolha é o Metotrexate (MTX). As DARMDs convencionais possuem efeitos anti- inflamatórios e analgésicos diretos mínimos, e demoram de 6 a 12 semanas para alcançar seu benefício terapêutico, justificando o uso concomitante de AINEs ou glicocorticoides para alívio imediato dos sintomas. A melhora clínica com essas drogas, observada em até 2/3 dos pacientes, geralmente se acompanha de melhora sorológica e radiológica. Metotrexate (Hytas) - Como vimos, o MTX é a DARMD de primeira escolha no tratamento da AR, devido a sua comprovada eficácia e segurança, além de um início de ação relativamente mais rápido que o das demais DARMDs. Seu mecanismo farmacológico é a inibição da enzima diidrofolato redutase, o que interfere no metabolismo de purinas e pirimidinas nas células do sistema imune. Seus principais efeitos adversos são: estomatite (mucosite), intolerância gastrointestinal, hepatotoxicidade (incluindo fibrose hepática), nefrotoxicidade (em altas doses), pneumonite por hipersensibilidade e mielotoxicidade. O risco de infecções, particularmente herpes-zóster, está aumentado em usuários de MTX. A suplementação com ácido fólico (1 mg/dia ou 5 mg/sem) ou ácido folínico (2 mg/sem) reduz a toxicidade do MTX, sem interferir, aparentemente, em sua eficácia! O MTX é (teratogênico), sendo que mulheres em idade fértil devem utilizar um método anticoncepcional seguro. A dose inicial é de 7,5 mg por semana (via oral), com incrementos semanais de 2,5 mg, caso não haja resposta após quatro semanas. A dose máxima é de 25 mg por semana, sendo que em doses elevadas o MTX pode ser ministrado por via SC ou IM, a fim de se reduzir a toxicidade gastrointestinal. Cloroquina e Hidroxicloroquina - Estes antimaláricos possuem efeito imunomodulatório, porém, o mecanismo de ação é largamente desconhecido. Em monoterapia, sua eficácia é inferior a do MTX e da leflunomida, mas, devido a sua menor toxicidade e boa tolerabilidade, muitos autores Stephane D’arc 5º semestre - Medicina consideram que pacientes com AR “leve” e “precoce” podem iniciar o tratamento com antimaláricos em monoterapia! O paraefeito mais grave é a toxicidade retiniana, uma complicação dose-dependente que tende a ser menos frequente com a hidroxicloroquina (que por isso é o antimalárico de escolha). Sulfassalazina - Trata-se de um composto formado pela associação de sulfapiridina + ácido 5- aminossalicílico (5-ASA). Apenas 10-20% da droga é absorvida intacta pela mucosa intestinal, sendo o restante metabolizado por bactérias colônicas, liberando sulfapiridina e 5-ASA isolados... Este último parece ser o princípio ativo no tratamento da colite ulcerativa (ação tópica). Por outro lado, acredita-se que a sulfapiridina (ou a própria sulfassalazina intacta) seja a substância ativa na AR! O mecanismo de ação é desconhecido... A dose vai de 0,5-3 g/dia (divida em duas tomadas), pela via oral. A sulfassalazina é utilizada em combinação a outras DARMDs, como no esquema que associa MTX + hidroxicloroquina + sulfassalazina, em pacientes refratários ao MTX isolado. Stephane D’arc 5º semestre - Medicina
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