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Hemorragia digestiva alta

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Alice Bastos 
Hemorragia digestiva alta 
Introdução 
A hemorragia gastrointestinal é um problema comum; 
A hemorragia pode ser alta ou baixa; 
Hemorragia digestiva baixa é derivada do trato 
gastrointestinal inferior (cólon). 
A hemorragia digestiva alta (HDA) refere-se ao 
sangramento derivado de lesões no trato 
gastrointestinal superior (esôfago, estômago e 
duodeno), ou seja, anteriormente ao ângulo de Treitz. 
Epidemiologia 
Aproximadamente 80% dos episódios de sangramento 
digestivo ocorrem no trato gastrointestinal alto; 
HDA é frequente nas unidades de emergência; 
É uma causa comum de admissão hospitalar, com 
níveis de mortalidade global em torno de 10%, 
independentemente da sua etiologia específica; 
Etiologia e fisiopatologia 
As causas mais comuns de HDA são: 
→ Úlcera péptica; 
→ Lesão aguda da mucosa gastroduodenal; 
→ Varizes de esôfago; 
→ Síndrome de Mallory-Weiss (laceração da 
transição esofagogástrica em casos de vômitos 
incoercíveis); 
A hemorragia digestiva alta pode ser dividida em: 
→ HDA varicosa; 
→ HDA não-varicosa. 
Hemorragia digestiva alta varicosa 
É consequente, sobretudo, da ruptura de varizes 
esofágicas, como uma das complicações da 
Hipertensão Portal; 
A hipertensão portal se caracteriza como um aumento 
do gradiente venoso portossistêmico, e pode advir de: 
→ Complicações de cirrose hepática alcoólica, 
viral ou criptogênica; 
→ Infestações parasitárias (esquistossomose ou 
leishmaniose, por exemplo); 
→ Episódios de tromboembolismo porto-
hepático; 
A formação das varizes ocorre quando a pressão portal 
está acima de 10 mmHg; 
→ As varizes tendem a aumentar de diâmetro 
progressivamente, de acordo com o aumento 
da pressão portal, sob influência do fluxo 
sanguíneo das veias colaterais da circulação 
portal; 
A ruptura das varizes é uma consequência do aumento 
da tensão da parede da variz, decorrente do aumento 
da pressão hidrostática no interior do vaso. 
IMPORTANTE! 
O sangramento raramente ocorrerá se o gradiente de 
pressão entre a veia hepática livre a ocluída estiver 
menor que 12 mmHg. 
A incidência deste tipo de hemorragia em pacientes 
cirróticos varia de 25 a 35%. 
Hemorragia digestiva alta não-varicosa 
Tem como etiologia mais frequente a úlcera péptica 
gastroduodenal (40 a 70% dos casos); 
→ Os fatores causais desta úlcera são: 
• Infecção por Helicobacter pylori; 
• Consumo de anti-inflamatórios não 
esteroides (AINEs); 
AINEs possuem o risco hemorrágico aumentado de 3 a 
5 vezes. 
A mortalidade da HDA por doença ulcerosa pode variar 
entre 3 e 14%; 
→ A mortalidade aumenta com a idade, entre os 
pacientes que estão hospitalizados e 
apresentam comorbidades; 
Cerca de 80% das vezes, o sangramento é autolimitado, 
sem a necessidade de terapêutica específica; 
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A terapia na HDA não varicosa secundária à úlcera 
péptica é eficaz em 90% dos casos; 
→ Cerca de 6 a 10% dos pacientes podem 
ressangrar (prognóstico de maior gravidade); 
Outras etiologias são: 
→ Lesões agudas de mucosa gástrica; 
→ Lesão de Mallory-Weiss; 
→ Neoplasias; 
→ Esofagites; 
→ Úlceras de boca anastomótica; 
→ Ectasias vasculares. 
 
Fatores de risco de mortalidade 
Existem alguns critérios que indicam um prognóstico 
de maior gravidade: 
→ Idade maior que 60 anos; 
→ Choque, instabilidade hemodinâmica (FC > 100 
bpm, PA sistólica < 100 mmHg); 
→ Comorbidades (cardiorrespiratória, renal, 
hepática, câncer avançado); 
→ Achados endoscópicos preditivos de 
ressangramento; 
→ Ressangramento (aumento da mortalidade em 
dez vezes). 
Quadro clínico 
A apresentação clínica é variável; 
O sangramento gastrointestinal superior geralmente 
se apresenta como: 
→ Hematêmese (é definida como vômitos de 
sangue vivo, geralmente em grande volume, 
com rápida repercussão hemodinâmica); 
→ Melena (fezes enegrecidas, pastosas e de odor 
fétido, na maioria das vezes decorrente de 
sangramento do trato digestivo alto); 
→ Enterorragia; 
Dependendo da gravidade do sangramento, os 
pacientes podem ser assintomáticos, podem 
apresentar fadiga ou tontura ou, ainda, choque 
hipovolêmico. 
Diagnóstico 
Avaliação inicial 
Inclui um histórico médico, sinais vitais e um exame 
físico abrangente; 
É de fundamental importância no diagnóstico, na 
definição dos critérios de gravidade e no manejo do 
paciente. 
ANAMNESE 
Durante a anamnese deve-se investigar: 
→ Forma de exteriorização do sangramento; 
→ Duração do evento; 
→ Episódios prévio de HDA, como hematêmese, 
melena ou enterorragia; 
→ Antecedentes patológicos de doenças 
hepáticas, úlcera péptica, ectasias vasculares 
cutâneo-mucosas e câncer; 
→ História de ingestão alcoólica, vômitos e uso de 
medicações (principalmente AINEs e 
anticoagulantes); 
As questões respondidas pelos pacientes ajudam a 
determinar a fonte do sangramento, por exemplo: 
→ Pacientes que tomam aspirina diariamente ou 
medicamentos anti-inflamatórios não 
esteroides (AINEs): suspeita de úlcera péptica; 
→ Vômito ou grande ingestão de álcool: suspeita 
de lacerações de Mallory-Weiss; 
→ Presença de sonda para alimentação ou 
nasogástrica por longos períodos, ou ainda 
histórico de refluxo gastroesofágico: suspeita 
de esofagite erosiva; 
→ Paciente com suspeita ou confirmação de 
doença hepática: suspeita de sangramento das 
varizes ou gastropatia relacionada à 
hipertensão portal. 
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EXAME FÍSICO 
Observar sinais da magnitude da perda sanguínea 
(sinais de hipovolemia): 
→ Palidez cutâneo-mucosa; 
→ Hipotensão; 
→ Taquicardia; 
Sinais que sugerem hepatopatia crônica: 
→ Telangiectasias; 
→ Ascite; 
→ Ginecomastia; 
→ Eritema palmar; 
Realizar exame retal; 
→ Para verificar o aspecto e a coloração das fezes, 
bem como para avaliar a presença de doenças 
anorretais. 
IMPORTANTE! 
Checar sinais vitais, avaliar a palidez cutânea e o nível 
de consciência são dados importantes que 
determinarão o status hemodinâmico dos indivíduos 
para classificação do grau do choque hipovolêmico, 
com o objetivo de identificar precocemente pacientes 
de alto risco, permitindo intervenção apropriada. 
Exames laboratoriais 
Os exames laboratoriais incluem hemograma 
completo, bioquímica sérica, testes hepáticos, 
bilirrubina total e frações, estudos de coagulação; 
Deve-se realizar a coleta de sangue sérico para estudos 
hematológicos padrão, químico, hepático e de 
coagulação, e o paciente deve ser tipado e submetido 
a reação cruzada para possível infusão de concentrado 
de hemácias; 
Também deve ser feita a avaliação renal, haja vista que 
o nível de ureia e creatinina, se estiverem elevadas, há 
uma menor probabilidade de sangramento do trato 
superior; 
A baixa contagem de plaquetas sugere doença 
hepática crônica, diluição, reação ao medicamento ou 
distúrbio hematológico. 
Lavagem nasogástrica 
A utilização da lavagem nasogástrica é controversa; 
Sugere-se que os pacientes só sejam submetidos a 
lavagem nasogástrica para remover material 
particular, coágulos de sangue do estômago e sangue 
fresco para facilitar a endoscopia; 
→ A presença de sangue vermelho ou material de 
café no aspirado nasogástrico ratifica uma 
fonte de sangramento no trato gastrointestinal 
superior e sinaliza se a lesão possui risco 
elevado de sangramento contínuo ou 
recorrente. 
Diagnóstico endoscópico 
A endoscopia digestiva alta é o método mais sensível e 
específico no diagnóstico da HDA; 
É considerado o exame prioritário, deve ser realizado 
logo que possível (dentro das primeiras 24 horas) com 
o doente hemodinamicamente estável; 
Além de ser possível identificar a localização definitiva 
da origem do sangramento, pode ainda, fornecer 
informação prognóstica importante quanto ao risco de 
ressangramento iminente, além de ser possível realizar 
o tratamento com aplicação de terapias hemostáticas 
específicas em lesões sangrantes e daqueles com risco 
de sangrar; 
Ospacientes de alto risco devem, obrigatoriamente, 
realizar endoscopia precoce (menos de 24 ou de 12 
horas da admissão hospitalar) assim que atingida a 
estabilização hemodinâmica ou da pressão arterial; 
Em pacientes de baixo risco, idealmente deve ser 
realizado o exame antes das 24 horas, para melhor 
estratificação de riscos e diminuir o tempo de 
permanência hospitalar, a necessidade de 
hemotransfusões, os custos envolvidos, os 
ressangramentos e as indicações cirúrgicas; 
A classificação endoscópica de Forrest avalia a 
probabilidade de recidiva hemorrágica (com base nos 
achados endoscópicos), na presença de estigmas de 
hemorragia ativa ou recente; 
→ Alto risco de ressangramento: Forrest IA, IB, IIA 
e IIB; 
→ Baixo risco de ressangramento: Forrest IIC e III; 
 
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A injeção intravenosa de agente procinético (tanto 
eritromicina, 250 mg, quanto metoclopramida 10 mg) 
30 a 60 minutos antes da endoscopia pode ajudar a 
mover o sangue para fora do estômago e para dentro 
do intestino delgado, melhorando, assim, a 
visualização endoscópica. 
Outros métodos diagnósticos 
CINTILOGRAFIA COM HEMÁCIAS MARCADAS 
É um método não invasivo, não necessita de preparo; 
Em sangramentos iguais ou superiores a 0,4 mL/min, 
sua sensibilidade pode ser de até 93% e especificidade 
de até 95%; 
Pode-se obter imagens por período de tempo 
considerável, sendo particularmente útil em casos de 
sangramentos intermitentes; 
É imprecisa na localização anatômica do sangramento, 
com execução demorada, e sua disponibilidade é 
variável, com difícil utilização na emergência. 
ANGIOGRAFIA DIGITAL 
É válida quando os demais métodos diagnósticos não 
foram solucionativos ou em casa de intervenção 
necessária; 
É invasiva, com custo elevado e está na dependência 
de profissionais especializados, tornando-a inviável em 
certos centros públicos; 
Possui viés de complicações decorrentes e intrínsecos 
do método, como riscos de embolia e perfuração, bem 
como riscos de falso-negativos camuflando o 
diagnóstico de base; 
Necessita de uma taxa de sangramento mínima de 0,5 
mL/min, para detecção, com sensibilidade de cerca de 
63-90% e especificidade de aproximadamente 100%. 
TOMOGRAFIA COMPUTADORIZADA COM MÚLTIPLOS 
DETECTORES (TCMD) 
É a união da angiografia digital e tomografia 
computadorizada; 
Possui alta resolução; 
Realiza-se reconstruções multiplanares identificando-
se com maior precisão sítios de sangramentos, 
principalmente nos locais de difícil acesso e precisão 
(perímetro do jejuno e íleo) pelos métodos clássicos. 
Manejo terapêutico 
Atendimento inicial 
A manutenção da via aérea pérvia, com oxigenação e 
ventilação adequadas, associada à ressuscitação 
volêmica é medida inicial vital no atendimento do 
paciente com hemorragia digestiva alta; 
É fundamental no manejo: 
→ Reposição volêmica; 
→ Controle do sangramento com terapêutica 
farmacológica e/ou endoscópica; 
→ Controle de infecções; 
Pacientes instáveis hemodinamicamente ou com 
sangramento ativo devem ser internados em uma 
unidade de terapia intensiva (UTI), sendo realizadas as 
medidas de reanimação; 
→ O paciente deve ficar em observação e 
monitoração automatizada da pressão arterial 
e eletrocardiográfica, bem como oximetria de 
pulso; 
Sangramentos ativos: 
→ Deve haver infusão de fluidos por via venosa 
(ringer lactato ou ringer simples), enquanto há 
análise de hemotransfusão; 
→ Varia o tempo de infusão e volume, de acordo 
com a situação hemodinâmica; 
→ Nos casos de insucesso, eleva-se a infusão de 
fluidos, considerando associação com 
vasopressores, sempre havendo 
monitorização, haja visto o risco de sobrecarga 
volêmica e complicações, como edema agudo 
de pulmão; 
Pacientes hipovolêmicos, sangramento ativos e 
hemoglobina aparentemente normal, porém com 
instabilidade hemodinâmica: pode ser necessário 
transfusão de hemácias, apesar da ressuscitação 
fluídica adequada; 
Sangramentos ativos, estabilidade hemodinâmica e 
com ressuscitação fluida: apenas devem receber 
transfusão se hemoglobina < 9g/dL em alto risco, e se 
for <7g/dL em baixo risco. 
 
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IMPORTANTE! 
Na suspeita de HDA varicosa evita-se transfusões, haja 
vista o agravamento do quadro. 
Pode ser necessária a transfusão de plaquetas se 
plaquetopenia <50.000/microL e é indicado o 
Concentrado do Complexo de Protrombina se o INR >2; 
A cada 4 unidades de concentrados de hemácias deve-
se administrar 1 unidade de plasma fresco congelado, 
já que glóbulos vermelhos concentrados não contêm 
fatores de coagulação. 
Tratamento farmacológico 
Agentes procinéticos podem ser utilizados precedendo 
a EDA para melhorar a visualização da mucosa gástrica 
e os inibidores de bomba de prótons que podem 
reduzir os ressangramentos se infundidos em doses 
elevadas (80 mg embolus, seguidos por 8 mg/h por 72 
horas); 
Em HDA aguda em pacientes internados sugere-se 
início empírico do inibidor da bomba de prótons (IBP) 
intravenoso (IV), podendo-se continuar até a 
confirmação da causa do sangramento; 
→ Ex.: omeprazol 40 mg IV duas vezes ao dia após 
um bolus prévio de 80 mg IV; 
Uso de medicamentos vasoativos: eficácia comprovada 
no tratamento de HDA de origem varicosa e não 
varicosa em fase aguda, tanto na redução do 
sangramento quanto no risco de recidivas de 
sangramento; 
→ HDA varicosa: octreotide via IV em bolus 
procedido de infusão contínua, ambos na dose 
de 20 a 50 mcg, sendo que o uso por cinco dias 
reduz as recidivas; 
→ A somatostatina e a vasopressina devem ser 
utilizadas na HDA varicosa nos pacientes 
hemodinamicamente instáveis ou visando-se 
reduzir o fluxo sanguíneo varicoso, pela 
constrição das veias mesentéricas ou 
esplênicas; 
Drogas antifibrinolíticas, como o ácido tranexânico, 
possuem ação na redução do sangramento local, 
melhorando os índices de mortalidade; 
Antibioticoterapia: uso destinado a pacientes com alto 
tempo de internação hospitalar e índices de 
ressangramento; 
→ No caso da HDA cirrótica é válida e de 
preferência precedendo a endoscopia, 
conferindo redução dos sangramentos, 
complicações e na mortalidade que pode 
chegar a 20%. 
Tratamento endoscópico 
A endoscopia, associada aos inibidores de bomba de 
prótons, é o método terapêutico de escolha na HDA; 
O objetivo da terapia endoscópica é parar o 
sangramento agudo e reduzir o risco de sangramento 
recorrente; 
O manejo endoscópico é diferenciado quanto a origem 
varicosa e não-varicosa da hemorragia; 
Na varicosa, a endoscopia deve ser realizada nas 
primeiras 24 horas, pois há elevadas chances de 
sucesso em grupos de baixo risco; 
Na HDA não-varicosa a endoscopia deve ser realizada, 
idealmente, nas primeiras 12 horas; 
É importante a proteção das vias aéreas antes da 
realização da EDA em casos de sangramentos de 
grande volume, encefalopatias em graus III e IV e em 
pacientes com saturação de oxigênio inferior a 90%. 
Insucesso terapêutico 
Em casos de insucesso terapêutico e persistência do 
sangramento ou em casos de ressangramentos, deve-
se reanalisar os tipos de procedimentos feitor e 
posteriormente tenta-se realizar uma segunda terapia 
endoscópica; 
Ou inicia-se a terapia de resgate o mais breve, a qual 
pode ser cirúrgica; 
→ Ou pode utilizar-se a terapia de embolização 
transarterial, em indivíduos com alto risco 
cirúrgico; 
Também pode fazer o aumento dos vasopressores, na 
dose de 2mg a cada 4 horas de terlipressina e até 500 
mcg/hora de somatostatina; 
Outro método é o tamponamento com balão (tubo de 
Segstaken-Blakemore), todavia este é temporário 
(máximo de 24 horas) até ser empregada uma 
terapêutica definitiva. 
 
 
Alice Bastos

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