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Módulo XI Proliferação Celular Raquel Rogaciano 1 APOPTOSE, A apoptose é uma via de morte celular, induzida por um programa de suicídio estritamente regulado no qual as células destinadas a morrer ativam enzimas que degradam seu próprio DNA e as proteínas nucleares e citoplasmáticas. Os fragmentos das células apoptóticas então se separam, gerando a aparência responsável pelo nome. A membrana plasmática da célula apoptótica permanece intacta, mas é alterada de tal maneira que a célula e seus fragmentos tornam-se alvos atraentes para os fagócitos. Rapidamente, as células mortas e seus fragmentos são removidos antes que seus conteúdos extravasem e, por isso, a morte celular por essa via não induz uma reação inflamatória no hospedeiro. A apoptose difere da necrose, que é caracterizada pela perda da integridade da membrana, digestão enzimática das células, extravasamento dos conteúdos celulares e, frequentemente, uma reação no hospedeiro). Entretanto, a apoptose e a necrose algumas vezes coexistem, e a apoptose induzida por alguns estímulos patológicos progride para a necrose. A morte por apoptose é um fenômeno normal que funciona para eliminar as células que não são mais necessárias e para manter, nos tecidos, um número constante das várias populações celulares. É importante nas seguintes situações fisiológicas: • Destruição programada de células durante a embriogênese. O desenvolvimento normal está associado à morte de algumas células e ao surgimento de novas células e tecidos. A expressão morte celular programada foi criada originalmente para denotar a morte de tipos celulares específicos, em tempos definidos, durante o desenvolvimento de um organismo. Apoptose é um termo genérico para esse padrão de morte celular, independentemente do contexto, mas frequentemente é usado em alternância com morte celular programada. • Involução de tecidos hormônios-dependentes sob privação de hormônio, tal como a célula endometrial, que se desprende durante o ciclo menstrual, e a regressão da mama após o desmame. • Perda celular em populações celulares proliferativas, como o epitélio de cripta intestinal, mantendo assim um número constante. • Morte de células que já tenham cumprido seu papel, como os neutrófilos na resposta inflamatória aguda e os linfócitos, ao término da resposta imune. Nessas situações, as células sofrem apoptose porque estão privadas dos sinais de sobrevivência necessários, como os fatores de crescimento. • Eliminação de linfócitos autorreativos potencialmente nocivos, antes ou depois de eles terem completado sua maturação, para impedir reações contra os tecidos da própria pessoa. • Morte celular induzida por linfócitos T citotóxicos, um mecanismo de defesa contra viroses e tumores que mata e elimina células neoplásicas e infectadas por vírus. A apoptose elimina células que estão geneticamente alteradas ou lesadas de modo irreparável, sem iniciar uma reação severa no hospedeiro, mantendo mínima a lesão tecidual. A morte por apoptose é responsável pela perda de células em vários estados patológicos: • Lesão de DNA. A radiação, as drogas citotóxicas anticâncer, os extremos de temperatura e mesmo a hipóxia podem lesar o DNA diretamente ou através da produção de radicais livres. Se os mecanismos de reparo não podem competir com a lesão, a célula dispara mecanismos intrínsecos que induzem a apoptose. Nessas situações, a eliminação da célula pode ser melhor alternativa do que arriscar em mutações no DNA lesado, o que pode progredir para uma transformação maligna. Esses estímulos nocivos causam apoptose se a lesão é leve, mas doses maiores do mesmo estímulo resultam em morte celular por necrose. A indução de apoptose em células cancerosas é um efeito desejado dos agentes quimioterápicos, muitos dos quais funcionam danificando o DNA. • Acúmulo de proteínas anormalmente dobradas. As proteínas impropriamente dobradas podem surgir de mutações nos genes que codificam essas proteínas ou devido a fatores extrínsecos, como a lesão causada por radicais livres. O acúmulo excessivo dessas proteínas no RE leva a uma condição conhecida como estresse do RE, que culmina em morte apoptótica das células. • Lesão celular em certas infecções, particularmente as infecções virais, nas quais a perda de células infectadas é devida em grande parte à morte apoptótica que pode ser induzida pelo vírus (como nas infecções por adenovírus e vírus da imunodeficiência humana) ou pela resposta imune do hospedeiro (como na hepatite viral). • Atrofia patológica no parênquima de órgãos após obstrução de ducto, como ocorre no pâncreas, na parótida e no rim. MECANISMOS DA APOPTOSE A apoptose resulta da ativação de enzimas chamadas caspases. A ativação das caspases depende de um equilíbrio finamente sintonizado entre vias moleculares pró e antiapoptóticas. Duas vias distintas convergem para Módulo XI Proliferação Celular Raquel Rogaciano 2 a ativação de caspase: via mitocondrial e via receptor de morte. Embora essas vias possam interagir, geralmente são induzidas sob diferentes condições, envolvem diferentes moléculas e exercem papéis diferentes na fisiologia e na doença. VIA MITOCONDRIAL (INTRÍNSECA) DA APOPTOSE A via mitocondrial é o principal mecanismo da apoptose em todas as células mamíferas e seu papel em uma variedade de processos fisiológicos e patológicos está bem estabelecido. Essa via de apoptose é o resultado do aumento de permeabilidade mitocondrial e liberação de moléculas pró-apoptóticas (indutoras de morte) dentro do citoplasma. As mitocôndrias são organelas notáveis por conterem proteínas como o citocromo c, essenciais para a vida, mas algumas dessas proteínas, quando liberadas dentro do citoplasma (uma indicação de que a célula não está saudável), iniciam o programa de suicídio da apoptose. A liberação dessas proteínas mitocondriais é controlada por equilíbrio finamente orquestrado entre membros pró e antiapoptóticos da família Bcl de proteínas. Essa família foi chamada depois de Bcl-2, a qual foi identificada como um oncogene em linfoma de célula B e é homóloga da proteína Ced9 do C.elegans. Existem mais de 20 membros da família Bcl e a maioria deles regula a apoptose. Fatores de crescimento e outros sinais de sobrevivência estimulam a produção de proteínas antiapoptóticas, principalmente Bcl-2, Bcl-x e Mcl-1. Essas proteínas residem normalmente no citoplasma e nas membranas mitocondriais, onde controlam a permeabilidade mitocondrial e impedem o extravasamento de proteínas mitocondriais que possuam capacidade de disparar a morte celular. Quando as células são privadas de sinais de sobrevivência ou seu DNA é lesado, ou proteínas anormalmente dobradas induzem ao estresse do retículo endoplasmático, os sensores de lesão ou estresse são ativados. Esses sensores também são membros da família Bcl e incluem as proteínas denominadas Bim, Bid e Bad, que contêm um único “domínio de homologia Bcl-2” (o terceiro dos quatro domínios presentes em Bcl-2) e são chamadas de “proteínas apenas BH3”. Os sensores, por sua vez, ativam dois efetores críticos (pró-apoptóticos), Bax e Bak, que formam oligômeros que se inserem na membrana mitocondrial e criam canais permitindo que as proteínas da membrana mitocondrial interna extravasem para o citoplasma. As proteínas apenas BH3 podem também se ligar a Bcl-2 e Bcl-x e bloquear suas funções, declinando, ao mesmo tempo, a síntese de ambas. O resultado final da ativação Bax-Bak, em conjunto com a perda das funções protetoras dos membros antiapoptóticos da família Bcl, é a liberação para o citoplasma de várias proteínas mitocondriais que podem ativar a cascata de caspases. Uma dessas proteínas é o citocromo c, bem conhecido pelo seu papel na respiração mitocondrial. Uma vez liberadono citosol, o citocromo c liga-se a uma proteína chamada Apaf-1 (fator-1 de ativação de apoptose, homólogo ao Ced-4 do C. elegans), que forma um hexâmero semelhante a uma roda e que tem sido chamado de apoptossoma. Esse complexo é capaz de se ligar à caspase-9, a caspase desencadeante crítica da via mitocondrial, e a enzima cliva moléculas adjacentes de caspase-9, iniciando, assim, um processo de autoamplificação. Outras proteínas mitocondriais, com nomes misteriosos como Smac/DIABLO, entram no citoplasma, onde se ligam e neutralizam as proteínas citoplasmáticas que funcionam como inibidores fisiológicos da apoptose (denominadas IAPs). A função normal das IAPs é bloquear a ativação das caspases, incluindo executoras como a caspase-3, e manter as células vivas. Portanto, a neutralização dessas IAPs permite o início da cascata de caspases. Existe alguma evidência de que a via intrínseca da apoptose pode ser disparada sem um papel da mitocôndria. A apoptose pode ser iniciada pela ativação da cascata de caspases da mitocôndria e o aumento subsequente da permeabilidade mitocondrial e liberação de moléculas pró-apoptóticas funcionam por amplificar o sinal de morte. Contudo, mecanismos de apoptose envolvendo a iniciação independente de mitocôndria não estão bem definidos. VIA RECEPTOR DE MORTE DA APOPTOSE (EXTRÍNSECA) Muitas células expressam moléculas de superfície, chamadas receptores de morte, que disparam a apoptose. A maioria dessas moléculas são receptores membros da família do fator de necrose tumoral (TNF) que contêm em suas regiões citoplasmáticas um “domínio de morte” conservado, assim chamado porque medeia a interação com outras proteínas envolvidas na morte celular. Os receptores de morte prototípicos são do tipo TNF I e Fas (CD95). O ligante de Fas (Fas-L) é uma proteína de membrana expressa, principalmente, em linfócitos T ativados. Quando essas células T reconhecem os alvos que expressam Fas, as moléculas Fas são ligadas em reação cruzada pelo Fas-L e proteínas de ligação adaptadoras via domínio de morte. Estas, por sua vez, recrutam e ativam a caspase 8. Em muitos tipos celulares, a caspase 8 pode clivar e ativar um membro pró- - apoptótico da família Bcl-2, chamado de Bid, portanto dentro da via mitocondrial. A ativação combinada de ambas as vias lança um golpe letal para a célula. As proteínas celulares, notadamente um antagonista de caspase chamado FLIP, bloqueia a cascata de ativação das caspases dos receptores de morte. De modo interessante, alguns vírus produzem homólogos de FLIP, e tem sido sugerido que isso seja um mecanismo usado pelos vírus para manter as células infectadas vivas. A via receptor de morte está envolvida na eliminação de Módulo XI Proliferação Celular Raquel Rogaciano 3 linfócitos autorreativos e na eliminação de células-alvo por alguns linfócitos T citotóxicos. ATIVAÇÃO E FUNÇÃO DAS CASPASES As vias mitocondrial e de receptor de morte levam à ativação de caspases desencadeantes, caspase 9 e 8, respectivamente. As formas ativas dessas enzimas são produzidas e clivam outra série de caspases chamadas de caspases executoras. Essas caspases ativadas clivam numerosos alvos, culminando na ativação das nucleases, que degradam as nucleoproteínas e o DNA. As caspases degradam também os componentes da matriz nuclear e do citoesqueleto, promovendo a fragmentação das células. AUTOFAGIA A autofagia (“comer a si próprio”) refere-se à digestão lisossômica dos próprios componentes da célula. Constitui mecanismo de sobrevivência, em períodos de privação de nutrientes, de tal modo que a célula privada de alimento sobrevive ingerindo seu próprio conteúdo e recicla os conteúdos ingeridos para fornecer nutrientes e energia. Nesse processo, as organelas intracelulares e partes do citosol são primeiramente sequestradas do citoplasma em um vacúolo autofágico, formado a partir de regiões livres de ribossomos do retículo endoplasmático. O vacúolo se funde com os lisossomos para formar um autofagolisossoma, que digere os componentes celulares através das enzimas lisossômicas. A autofagia é iniciada por várias proteínas que percebem a privação de nutrientes e estimulam a formação do vacúolo autofágico. Com o tempo, a célula privada de nutrientes não perdurará canibalizando a si mesma; nesse estágio, a autofagia pode também sinalizar a morte celular por apoptose. A autofagia está envolvida também na remoção de proteínas anormalmente dobradas, por exemplo, em neurônios e hepatócitos. Portanto, a autofagia defeituosa pode ser a causa de morte de neurônios, induzida pelo acúmulo dessas proteínas, subsequentemente gerando doenças neurodegenerativas. De modo contrário, a ativação farmacológica da autofagia limita a formação de proteínas mal dobradas nos hepatócitos de modelos animais, reduzindo a fibrose hepática. Os polimorfismos em um gene envolvido na autofagia têm sido associados com doença inflamatória intestinal, mas a ligação mecânica entre autofagia e inflamação intestinal não é conhecida. Assim, uma via de sobrevivência pouco apreciada nas células pode provar haver uma função na doença humana. REFERÊNCIAS ALBERTS, Bruce; et al. Biologia molecular da célula. 6. ed. Porto Alegre: Artmed, 2017. JUNQUEIRA, L. C.; CARNEIRO, J. Histologia básica: textos e atlas. 12. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2013. KUMAR, V.; ABBAS A. K; ASTER, J. C. Robbins e Cotran: bases patológicas das doenças. 8. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2016.
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