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4 SEM DIVESIDADE ETNICO CULTURAL UNID 5 Pluralidade Cultural, Educação e Políticas Públicas no Brasil Breve História da(s) Cultura(s) Brasileira(s) O Brasil é um país onde existem muitas raças e culturas, no qual houve também grande processo de miscigenação, ou seja, os diversos grupos que vieram para o Brasil, em menor ou maior grau, foram se mesclando, em um processo de relações inter-raciais e culturais entre homens e mulheres, ocasionando diferentes características físicas e culturais ao povo brasileiro. Contudo, tais processos nem sempre foram ocasionados pelo respeito ao próximo e à outra cultura, mas também pela coerção a quem foram submetidos os escravos, por exemplo. Desse processo de miscigenação derivam palavras como mulato, cafuzo e caboclo. Quando os colonizadores portugueses chegaram ao que hoje chamamos de território do Brasil, havia inúmeros povos que passamos a denominar indígenas, embora alguns ainda os chamem de índios, termo que é genérico demais para expressar as diferenças culturais existentes entre os quais. Depois vieram também diferentes grupos oriundos da África, tornados escravos e igualmente diversos em relação às crenças e aos modos de vida e cultura que tinham Por fim, vários grupos de imigrantes ao longo da história brasileira aqui aportaram, legal ou ilegalmente, formados principalmente pelos europeus, mas não exclusivamente. Além de alemães, italianos, espanhóis, portugueses, ucranianos e poloneses, europeus que vieram em maior número, houve também imigração de judeus, árabes – sírio- libaneses, principalmente –, japoneses, chineses, coreanos, bolivianos, entre tantos outros. Assim, existem diversos grupos e territorialidades no Brasil, vivendo de formas variadas em diferentes condições no território nacional, sob as leis do marco jurídico-político brasileiro. O povo brasileiro, desde o período colonial, é formado pela miscigenação de diferentes grupos humanos, sob distintas influências culturais que foram se mesclando, ou que se sobrepuseram às demais formas de identidades culturais. De forma resumida, delinearemos três questões que, em geral, são tratadas nos livros da Educação Básica e no mundo acadêmico, a saber: os grupos indígenas, os negros e sua diversidade cultural e, por fim, as imigrações europeia e japonesa. Embora o título se refira à cultura brasileira, é importante ressaltar que não existe uma única cultura nacional, sendo esta multicultural, multifacetada, diversa. É fato, também, que há traços mais comuns e que nos distinguem como brasileiros quando somos comparados a outros povos. A maioria tem na língua portuguesa seu principal idioma, alguns hábitos e crenças comuns, do conhecimento da cultura esportiva atrelada ao futebol, da religiosidade, entre outros aspectos, os quais tidos como importantes referências culturais. Há também os regionalismos culturais, não somente das macrorregiões – Norte, Sul, Sudeste, Nordeste e Centro-Oeste –, mas também internamente a essas regiões. Caso, por exemplo, do Pantanal mato-grossense, que tem no ir e vir das águas dos rios um ritmo de vida que está em boa parte atrelado a essa condição da natureza; ou do gaúcho das planícies dos pampas, com a cultura do churrasco e chimarrão, os quais não são apenas partes de uma cultura alimentar, mas também de gestos, expressões, linguajares próprios. Há especificidades com os sotaques e expressões da língua que são marcas de determinadas regiões; das formas de se alimentar, que têm inúmeras características regionais, todas baseadas em uma relação que se estabelece com a história, com a economia e com a natureza do lugar; entre outros fatores. A seguir, delinearemos um pouco dessas culturas. Povos Indígenas Quando os portugueses e outros migraram para este território – onde atualmente chamamos de Brasil – havia inúmeras tribos indígenas falando várias línguas. Houve miscigenação desde o princípio, entre brancos europeus e indígenas, principalmente os que habitavam próximo ao litoral, onde a ocupação do empreendimento colonizador foi maior. Isso resultou em um choque de culturas logo de início, pois os grupos indígenas, em geral, tinham crenças animistas e maior relação com a natureza; ao contrário dos portugueses que eram cristãos, em sua grande maioria. Imperava entre os colonizadores a lógica da catequese, feita pelos jesuítas, os quais buscavam cristianizar os povos indígenas e salvar suas almas, dentro da premissa cristã da época e, ao mesmo tempo, tentando homogeneizar as diferenças entre os diversos grupos indígenas existentes, como explica o pesquisador sobre o tema: De todo modo, a necessidade de identificar os povos que habitavam o Brasil, fosse para melhor catequizá-los, escravizá-los, combatê-los ou mesmo aliar-se a eles, levou os colonizadores, leigos ou eclesiásticos, a rascunhar classificações minimamente etnográficas. A que mais prosperou, sem escapar da nominação genérica, foi a que distinguiu os Tupis dos Tapuias, correspondendo os primeiros aos povos que, pela semelhança de língua e costumes, predominavam no litoral brasílico no século XVI, e os segundos correspondendo aos “outros”. Aos que não falavam o que os jesuítas chamaram de “língua geral” ou “língua mais usada na costa do Brasil”, nas palavras de Anchieta, o primeiro a compor uma gramática da língua tupi. De maneira que, na verdade, nunca houve um grupo cultural ou lingüístico “tapuia”, que nada mais era do que, basicamente, o vocábulo tupi utilizado para designar os que não falavam essa língua, ou seja, povos de outros troncos ou famílias linguísticas (VAINFAS, 2007, p. 38, grifos do autor). Aos poucos, os grupos de origem tupi foram chamados de tupinambás, tupiniquins, potiguares, caetés, tamoios etc., ocupando um vasto território do Ceará ao litoral de Santa Catarina. Aldeias inteiras foram flageladas, devido a doenças como gripes e outras infecções, já que os nativos não tinham anticorpos naturais para as doenças de origem europeia. Isso resultou em um declínio demográfico indígena, principalmente nas regiões próximas ao litoral brasileiro. Em 1755, D. José I aprovou um documento que deveria ser usado para os grupos indígenas da Capitania do Grão- Pará e Maranhão e que posteriormente foi estendido para todo o território ocupado pelos portugueses. Em tal documento proibia-se a escravidão de indígenas, acabava-se então com a tutela das missões religiosas sobre esses grupos e determinava que os indígenas seriam vassalos livres da Coroa Portuguesa, como diz Vainfas (2007, p. 51): Por meio dele, a Coroa planejava, com o auxílio dos novos vassalos, preservar as fronteiras, incrementar e diversificar a agricultura e converter os índios em mão-de-obra disciplinada para as frentes de expansão colonial, sobretudo na região amazônica. Cada povoação teria o seu diretor, nomeado pelo governador e capitão-geral do Estado. A língua portuguesa tornava-se obrigatória, os ritos e crenças indígenas considerados práticas condenáveis, a bigamia perseguida e os casamentos mistos incentivados. Os índios seriam incluídos na “civilização” por intermédio da agricultura, comercialização de produtos agrícolas e pagamento de tributos. Complementarmente, o Alvará de 4 de abril de 1755 estabeleceu que os portugueses que se casassem com índias não perderiam seus privilégios, nem cairiam em infâmia, antes seriam preferidos nas terras onde se estabelecessem com a família. As legislações posteriores, no período imperial, buscavam também que os grupos indígenas fossem assimilados à cultura brasileira – considerada cristã. A própria identidade nacional foi sendo construída após a Independência do Brasil (1822) e a literatura de autores como José de Alencar, com a obra O guarani, publicada em 1857, teve um papel importante em relação à assimilação dos grupos indígenas. Por exemplo, tal obra literária trata de um indígena que aceita os valores cristãos e uma portuguesa que aceita osvalores do Novo Mundo sobre a natureza, fundandose, assim, a visão de uma nação luso-tupi. Importante ressaltar que nessa época a concepção do indígena que aceitasse o cristianismo era vista de forma positiva; já os outros eram considerados selvagens; ao passo que os negros e suas formas de expressão cultural não eram aceitos pela sociedade da época, porque eram escravos. Nas décadas de 1940 e 1950, com as pesquisas dos irmãos Villas Bôas e com o interesse dos governos em ocupar a Amazônia, instituiu-se a criação do Parque do Xingu, com várias etnias em uma reserva indígena delimitada formalmente. Mais recentemente, com o novo período de democratização, a Constituição de 1988 reconheceu as línguas, tradições e crenças indígenas, bem como houve o reconhecimento da etnicidade dos diversos grupos, no lugar da visão de assimilação e aculturação existente anteriormente. Apesar de na prática haver inúmeros conflitos sobre essas territorialidades indígenas, formais ou não, nas últimas décadas houve avanços em relação às políticas indigenistas no Brasil, caso da possibilidade de Educação Especial para os grupos indígenas, que tem permitido o resgate cultural desses povos. Negros e suas Diversas Culturas Em relação aos negros, houve também inúmeras formas de simplificação e preconceito em relação à cor da pele – característica racial – e também cultural. Dito de outra forma, do mesmo modo que não existe o índio em si, o negro é uma expressão que se refere à cor da pele, aos traços raciais, mas é importante ressaltar que estes podem ter diversas características étnico-culturais. Os negros foram trazidos para o Brasil para serem escravizados, advindos principalmente da costa ocidental e do Sudoeste da África. Eram de diversas etnias que compunham, grosso modo, dois grupos principais: os bantos, do Sul do Continente africano; e os sudaneses, da costa ocidental na região próxima à atual Nigéria. Entre essa população trazida da África, havia aqueles que tinham crenças animistas, outros fetichistas, e ainda grupos que seguiam a religião islâmica. Aqui, vieram para trabalhar na cana-de-açúcar da zona da mata nordestina e, posteriormente, grandes grupos foram para as minas – nas cidades mineiras – e para o Vale do Paraíba – em São Paulo – e Rio de Janeiro para o trabalho com o café. No Maranhão, especialmente em São Luís – que fora a capital da Capitania do Grão-Pará e Maranhão – houve também grande concentração de escravos negros, tanto no campo como nas cidades. Na Bahia predominavam os negros da região do Golfo do Benin – atual área próxima à Nigéria –; já para o Rio de Janeiro, então capital, vinham de Luanda e Moçambique. Tais condições propiciaram diversas diferenças culturais entre os grupos, muito embora sejam chamados comumente – pela literatura – de “negros”, como se fossem todos iguais. Do Golfo do Benin vieram os Dogomés, Jejes, Ussás, Bornos, Tapas e Nagôs, entre outros. Alguns desses acreditavam em orixás, que eram considerados deuses, em uma crença politeísta. Como havia proibição dessas crenças se estabelecerem formalmente, criou-se o chamado sincretismo religioso, com a prevalência dos preceitos e deuses – orixás – africanos, pela substituição desses por nomes de santos da igreja católica, como forma de disfarçar suas crenças, o que posteriormente originaria o candomblé e a umbanda, religiões brasileiras. Em relação à escravidão, algumas poesias e obras dos séculos XVIII e XIX foram contra tal condição, caso de Escrava Isaura, de Bernardo Guimarães, na qual retrata uma escrava de cor de pele branca, mas de ascendência negra, que sofre as consequências da origem negra de sua mãe escrava. Bernardo Guimarães criou a personagem Isaura como escrava branca buscando evidenciar que qualquer um pode ser submetido à escravidão. Trouxe à tona tal discussão, mas, ainda assim, com uma escrava branca – e não negra. As alforrias tornaram-se mais comuns no século XVIII, principalmente na região de Minas Gerais, mas apenas no século XIX houve o fim da escravidão no Brasil de modo formal, especificamente a partir de 1850 – com o fim do tráfico de escravos – e em 13 de maio de 1888 – com a abolição da escravidão no País. Nesse período houve negros e mulatos que tiveram grande importância para a sociedade brasileira, caso dos irmãos Rebouças, engenheiros que construíram importantes redes ferroviárias no Brasil; Machado de Assis, atualmente reconhecido como um dos maiores escritores brasileiros de todos os tempos; Teodoro Sampaio, geógrafo, historiador e engenheiro, entre outros, como afirma Reis (2007, p. 88): Nas cidades ela ocupava vários importantes setores da estrutura de trabalho, era a mão-de-obra qualificada — os chamados “oficiais mecânicos” — e aos poucos forçou sua entrada em ambientes que constituíam espaços exclusivamente brancos, como eram as profissões liberais. Muitos foram os mulatos que ao longo do século XIX alçaram posições de médicos, professores, advogados, engenheiros, periodistas, escritores, alguns ocupando também funções políticas e administrativas no Legislativo e no Executivo. Mesmo que não exibissem e defendessem causas sociais ligadas aos de sua cor — gente como os abolicionistas negros Luiz Gama, José do Patrocínio e o pardo André Rebouças —, muitas vezes brilhavam em círculos quase inteiramente brancos, como foi o caso de Machado de Assis no mundo das letras. Todos, no entanto, enfrentaram preconceitos raciais que certamente barraram a maioria de também ascender socialmente, de ir além das ocupações manuais. Você Sabia? Quem foi Teodoro Sampaio? Foi um dos maiores engenheiros do País, além de geógrafo e historiador, Teodoro foi o primeiro a mapear a região da Chapada Diamantina. Suas anotações ajudaram Euclides da Cunha a escrever Os sertões. Foi também um dos homens públicos de maior importância nos debates e projetos urbanísticos do País, no final do século XIX e início do XX. Hoje, municípios em São Paulo e na Bahia carregam seu nome, além de escolas, túnel, ruas e travessas de cinco bairros da Cidade de Salvador e ruas de cidades como Feira de Santana, Curitiba, Londrina, Rio de Janeiro e Santos, entre outras. Em 1879, foi criada a Comissão Hidráulica do Império, para melhorar os portos e a navegação dos grandes rios do interior brasileiro. Teodoro Sampaio fez parte da equipe, como engenheiro de segunda classe, mas seu nome não apareceu no Diário Oficial junto dos demais integrantes, por ser o único negro. Somente após a interferência do senador Viriato de Medeiros é que foi incluído no Diário. Em 1881, foi nomeado engenheiro de primeira classe. Na Comissão, participou de uma expedição pelo Rio São Francisco e suas anotações serviram de base para seus livros O Rio São Francisco e A Chapada Diamantina, de 1905. Em 1883, integrou a Comissão de Melhoramentos do Rio São Francisco, como primeiro engenheiro-ajudante. Lá colaborou nas obras de barragem e desobstrução dos trechos encachoeirados do rio. Em 1886, Teodoro integrou a Comissão Geográfica e Geológica de São Paulo, como primeiro engenheiro e chefe de topografia. No governo de Prudente de Morais (1890), assumiu a chefia dos Serviços de Água e Esgoto da Cidade de São Paulo. A partir da década de 1890, Teodoro ganhou reconhecimento intelectual cada vez maior, devido, entre outros fatores, à sua participação na comissão que organizou a Escola Politécnica de São Paulo. Em 1901, lançou o livro O tupy na geografia nacional, obra reconhecida como referência fundamental no estudo do tupy e de sua influência na formação cultural do País (COSTA, 2003; TELLES, [20--]). No final do século XIX e começo do XX, iniciou-se um período de forte imigração europeia para o Brasil, principalmente de italianos, alemães, espanhóis, poloneses, ucranianos. Havia uma ideologia de “branquear” a população brasileira e trazer europeus que detinham conhecimento em agricultura. Obras como O mulato, de AluísioAzevedo, retratam um pouco da visão preconceituosa contra o negro, mas via no mulato uma forma de ascensão cultural em relação aos negros, como explica Fiorin (2016, p. 21): Observa-se em O mulato, de Aluísio Azevedo, que é preciso acabar com o preconceito contra o mulato, porque a mistura do negro com branco é uma melhoração e não uma pejoração, como pensava a tacanha sociedade de São Luís. A melhoração era o afastamento do negro, considerado rude, sem cultura, incivilizado, e a aproximação com o branco, modelo da sociedade brasileira. Nesse livro evidenciam-se expressões depreciativas, como a de que os negros tinham alma negra, além de expressões pejorativas de todo tipo, retratando um discurso da época, ao mesmo tempo em que ilustra o branqueamento do mulato por meio da mestiçagem entre brancos e negros como algo positivo. Apenas mais recentemente a legislação brasileira tratou da questão na educação, de forma a se evidenciar a pluralidade cultural no Brasil e se reconhecer a importância dos negros e suas culturas para o País. Imigrações Europeia e Japonesa Entende-se por imigrante aquela pessoa que se deslocou de uma região ou país para outro, chegando a um novo lugar, geralmente buscando fixar residência. A mudança de território é sempre um impacto para quem migra. Em lugares diferentes há diferenças culturais, socioeconômicas, políticas, espaciais, entre outras, que modificam, de alguma forma, a existência do migrante. As referências socioculturais as quais são elaboradas ao longo da história, nos diferentes lugares do mundo, e nas quais vivemos, confrontam-se a outras referências em outros lugares. Seja na materialidade, no jeito de se vestir, na comida, nas formas de construção etc., seja nos hábitos, nos costumes, nas crenças, nas formas de linguagem, no idioma, na religião, no clima, entre outras condições. Tais elementos socioculturais trazem ao morador que lá vive há algum tempo certa referência cultural, do convívio, das relações sociais e do espaço vivido no cotidiano. Então, o migrante vai conhecendo novas referências e, ao mesmo tempo, marcando o espaço em que convive para, a partir daí, criar novas territorialidades. No século XIX houve as primeiras grandes levas de imigração para o Brasil. Vieram para o território brasileiro principalmente imigrantes europeus: italianos, suíços, alemães, espanhóis etc.; bem como sírio-libaneses – à época denominados turcos. Esse processo se intensificou na década de 1850, devido à Lei de terras no Brasil (1850) e ao fim do tráfico de escravos, imposto pela Inglaterra. Desse modo, havia um interesse pela substituição da mão de obra imigrante no lugar dos escravos, que se tornaram mais difíceis de serem adquiridos. Assim, o governo brasileiro e também empreendedores que buscavam mão de obra passaram a fazer propagandas externas tentando atrair estrangeiros. Para o “empreendimento” capitalista do café, por exemplo, era interessante ter trabalhadores imigrantes, assim como, por uma questão racial, optou-se principalmente por imigrantes europeus, que eram brancos. Alguns autores dizem que essa questão serviria então para branquear a população brasileira que, de certo modo, era bastante miscigenada e com cor de pele mais escura, ou seja, imperou também o preconceito racial e cultural nesse caso. Houve então a entrada de milhares de imigrantes europeus, principalmente para São Paulo e o Sul do Brasil. Em São Paulo, vieram trabalhar especialmente em lavouras do café, no interior do Estado. No Sul do Brasil, como decorrência de disputas territoriais com os países vizinhos, no século XIX, o governo brasileiro tentou criar colônias de povoamento, em regiões cuja ocupação era menos densa, iniciada, por exemplo, com alemães, em São Leopoldo, RS, em 1824. Em geral, no Sul os imigrantes ganhavam pequenos lotes de terra no campo e também ajudavam a fundar cidades que aos poucos foram adquirindo características culturais e cujas paisagens retratavam um pouco de suas culturas. Os alemães, por exemplo, instalaram-se no Vale do Itajaí, em Santa Catarina, em cidades de Brusque, Blumenau e Joinville, e também em São Leopoldo e Novo Hamburgo, RS. Outro grupo bastante comum em São Paulo e no Sul foram os italianos. Em São Paulo, vieram para trabalhar na produção do café e no Sul, tornaram-se colonos, por exemplo, na serra gaúcha, em cidades como Flores da Cunha, Caxias do Sul e Bento Gonçalves. Para os italianos e seus descendentes a construção de sua territorialidade no Sul do Brasil se fez principalmente pelas construções, pela inserção de alimentos e pratos que eram comuns na Itália – ainda que adaptados à realidade brasileira – e também pela religiosidade católica. Ao passo que para os alemães o resgate se voltou à língua materna, inclusive, ensinada em muitas escolas bilíngues que têm descendentes de imigrantes, na comida e nas construções que lembram um pouco a arquitetura de seu país de origem. Atualmente, muitas dessas territorialidades alemães e italianas no Sul do Brasil se situam em lugares “turistificados”, caso das cidades do circuito das serras gaúchas, onde encontramos Gramado, Caxias do Sul e Bento Gonçalves, municípios conhecidos pelas vinícolas, produção de uva e vinho, além da culinária principalmente italiana. Já no Vale do Itajaí, SC, em Blumenau e Joinville prevalece a ocupação dos descendentes de alemães, com as casas e construções que remetem às antigas edificações aos moldes germânicos, bem como a Oktoberfest, que se tornou conhecida nacionalmente. A imigração japonesa para o Brasil foi posterior às europeias do século XIX. Iniciou-se no século XX, com o primeiro navio vindo em 1908, cujos trabalhadores foram atuar, principalmente, nas lavouras de café e de algodão no Oeste paulista, por meio de contratos. A reestruturação proposta pelo imperador japonês Meiji (1868-1912) produziu profundas transformações na sociedade e no território japonês, modernizando o País e buscando industrializá-lo. Isso ocasionou problemas sociais que levaram pequenos agricultores, comerciantes e artesãos a tentarem a vida no Brasil. Ao longo das décadas de 1920 e 1930 vieram grupos maiores, indo para cidades do Oeste paulista e também para o Norte do Paraná. Culturalmente, além da língua, trouxeram para o Brasil hábitos alimentares que se tornaram comuns nas grandes cidades, caso de várias hortaliças e também da comida propriamente japonesa – como o sushi e o sashimi – aqui no Brasil. Não podemos dizer que é cultura brasileira, mas que é cultura japonesa inserida em território brasileiro, ressignificada. Essa influência nipônica se deu também nas filosofias de vida e na religião, caso da seicho-no-ie ou do budismo, muito praticado em países do Extremo Oriente – Leste da Ásia. A produção da cultura é um processo, portanto, dinâmico. Alguns traços mais brasileiros vão se mesclando, produzindo uma multiculturalidade no território brasileiro. De culturas europeias que aqui foram transformadas, ou de culturas africanas que também foram sendo remodeladas ao longo do tempo, ora se mesclando, ora sendo subjugadas. Por isso, afirmamos que o Brasil é uma país multicultural, onde existem influências de inúmeras etnias, povos e culturas. Políticas Públicas, Educação e CulturaExistem culturas que assimilam melhor as diferenças, reconhecem a diversidade e outras que são mais fechadas, menos suscetíveis a compreender o “outro”, a diferença, a mistura, a miscigenação. Em 1948, foi instituída pela Organização das Nações Unidas (ONU) a Declaração dos Direitos Humanos como um marco importante no entendimento da busca da cidadania, da igualdade e da fraternidade no mundo, embora concretamente ainda há muito a ser feito em diversos países. Há muito tempo o Brasil é visto, tanto pelos próprios brasileiros como em outros países, como uma nação tolerante racial e culturalmente, com grande miscigenação, de convívio harmônico comoutros povos. Se compararmos o que ocorre no Brasil ao que acontece a alguns povos e em dados momentos da história, realmente podemos nos considerar mais tolerantes. Basta comparar a rotina brasileira com eventos tais como guerras tribais entre hutus e tutsis em Ruanda, que dizimaram milhões de pessoas na década de 1990, ou de países onde movimentos políticos de extrema direita foram intolerantes com outros povos migrantes – caso da Alemanha nazista –, enfim, teríamos inúmeros exemplos no mundo sobre essa questão. No governo Vargas (1930-1945) essa condição brasileira foi forjada com a criação de símbolos que servissem de identidade nacional. Muita dessa simbologia sobre o que é ser brasileiro está presente em nosso cotidiano, caso da feijoada, do carnaval e do futebol, dando a ideia da existência de um único “povo brasileiro”. Ao longo do século XX foi se construindo a ideia da formação do povo brasileiro com as três raças – branco, negro e índio. Tais termos, em si, não retratam nem a questão étnica, tampouco a raça – apenas a cor da pele. Contudo, tanto nos livros quanto na mídia e também no senso comum foi se construindo a imagem de “democracia racial”, de país tolerante. Basta, no entanto, um olhar mais aprofundado em nossa história para percebermos que tivemos – e ainda temos – vários problemas em relação a aceitar o “outro”. Há casos de preconceitos e também de intolerância social, cultural e especificamente religiosa. Em 1951, elaboraram no Brasil uma Lei que ficou conhecida como Lei Afonso Arinos, promulgada no governo Vargas e que proíbe a discriminação racial ou por cor da pele no País, cuja punição ocorre somente por meio de flagrante. No Brasil, principalmente após a nova Constituição Federal, de 1988, e com o processo de redemocratização, com eleições livres para a presidência, novas políticas relacionadas à cultura e à educação foram construídas. Nessas políticas referentes à diversidade cultural, termos como multiculturalismo, pluralidade, diferença, intolerância passaram a ser mais comuns em livros didáticos, na mídia, nas redes sociais e no cotidiano. Tais normas, leis e políticas representam o reconhecimento de que o Brasil é um país plural, diverso, formado por diferentes etnias e culturas. Há enfoque, por exemplo, nos povos indígenas, quilombolas, nas comunidades tradicionais rurais, na questão do negro e da afrodescendência, nas políticas afirmativas e de cotas, na pluralidade cultural como tema transversal, na Educação Especial, na ética e cidadania. Este novo período se coaduna com mudanças no mundo e com as transformações políticas no Brasil, com o final dos governos militares (1964-1985). Em 2010, por exemplo, foi criado o Estatuto da Igualdade Racial, destinado a propiciar condições de igualdade de oportunidades aos negros no Brasil, em defesa dos direitos étnicos, contra a intolerância e discriminação étnico-racial, social e no trabalho. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN), de 1996, trouxe novas preocupações relativas à pluralidade e respeito às diferenças. E nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) surgiu a pluralidade cultural como tema transversal. Contudo, em um modelo de ensino ainda muito tradicional, reproduzse a ideia das três raças, sem discutir questões como racismo, intolerância religiosa e cultural, bem como os preconceitos de todo o tipo, que ainda faltam ser melhor debatidos na Educação Básica e nas universidades. Promoveu-se uma política de maior acesso à educação, com maior universalização da escolarização, mas pouco se alterou a metodologia de ensino, os conteúdos e maneiras de se refletir o currículo definido. Os valores dominantes e hegemônicos ainda são dos brancos, cristãos e das classes sociais mais abastadas – e aqueles que divergirem disso enfrentarão preconceito, ainda que velado, caso das religiões que foram influenciadas pelos negros no Brasil (candomblé, por exemplo). Recentemente, com o aumento de imigrantes africanos e também de haitianos que vieram ao Brasil, detectou-se entre os quais que muitos perceberam o preconceito racial e cultural existente em nosso país – ainda que em alguns casos apareça de forma sutil. Ou seja, na prática se trata de pouca pluralidade cultural e uma visão monocultural da sociedade brasileira. Para que seja multiculturalista, ou com pluralidade cultural, é fundamental reconhecermos que o Brasil é um Estado com muitas nações e diferentes culturas regionais, de grupos socioculturais diversos, com povos que são minorias e precisam ser respeitados em suas diferenças, em suas formas de expressão cultural. Não buscando uma essencialidade, pois sabemos que não existe nem raça, nem cultura “pura”, há sempre transformações, assimilações de costumes de um ou outro povo; mas que isso possa ocorrer dentro de princípios éticos, democráticos – e não por meio da imposição de uma cultura sobre a outra. Nos PCN há um tema transversal – temas que devem ser tratados de maneira transdisciplinar – denominado pluralidade cultural, objetivando a valorização das diferentes características étnico-culturais dos diversos grupos existentes em território brasileiro. Como afirma esse documento, nas escolas brasileiras ainda há muitas formas de discriminação e preconceitos produzidos por alunos, professores, diretores, funcionários e também por familiares dos alunos, que ocorrem de forma consciente ou não. Por isso, é necessário que a educação, em todos os níveis de ensino, trate dessa diversidade cultural no Brasil, da intolerância religiosa, racial e cultural, buscando criar novos comportamentos em relação à questão, como se afirma no próprio documento: A criança na escola convive com a diversidade e poderá aprender com ela. Singularidades presentes nas características de cultura, de etnias, de regiões, de famílias, são de fato percebidas com mais clareza quando colocadas junto a outras. A percepção de cada um, individualmente, elabora-se com maior precisão graças ao Outro, que se coloca como limite e possibilidade. Limite, de quem efetivamente cada um é. Possibilidade, de vínculos, realizações de “vir-a-ser”. Para tanto, há necessidade de a escola instrumentalizar-se para fornecer informações mais precisas a questões que vêm sendo indevidamente respondidas pelo senso comum, quando não ignoradas por um silencioso constrangimento. Esta proposta traz a necessidade imperiosa da formação de professores no tema da pluralidade cultural. Provocar essa demanda específica na formação docente é exercício de cidadania. É investimento importante e precisa ser um compromisso político-pedagógico de qualquer planejamento educacional/escolar para formação e/ou desenvolvimento profissional dos professores (BRASIL, 1997, p. 123). Evitando-se expressões de cunho racista ou que depreciem determinada cultura, buscando se imaginar no lugar do “outro”, da outra pessoa, da outra cultura. Pessoas e diferentes grupos socioculturais têm se tornado alvos de ataques racistas e culturais que depreciam povos, etnias e culturas nas redes sociais. Deveríamos nos preocupar em melhorar nossas vidas, ao invés de buscar, por meio de discursos em redes sociais, depreciar ou atacar outros grupos sociais e pessoas que sejam diferentes de nós. Edgar Morin (2000), em sua obra Os sete saberes necessários à educação do futuro, comenta sobre a importância da educação voltada à paz, que discuta temas como racismo, xenofobia, desprezo, principalmente no mundo atual, onde o processo de globalização tem colocado muitos povos em contato, por conta das migrações. Como afirma esse autor: O etnocentrismo e o sociocentrismo nutrem xenofobias e racismos e podem até mesmo despojar o estrangeiro da qualidade de ser humano. Por isso, a verdadeira luta contra os racismos se operaria mais contra suas raízes ego-sócio- cêntricas do que contra seus sintomas. As idéias preconcebidas, as racionalizações com base em premissasarbitrárias, a autojustificação frenética, a incapacidade de se autocriticar, os raciocínios paranóicos, a arrogância, a recusa, o desprezo, a fabricação e a condenação de culpados são as causas e as conseqüências das piores incompreensões, oriundas tanto do egocentrismo quanto do etnocentrismo (MORIN, 2000, p. 98). São valores egocêntricos, do individualismo, da visão a partir de seu povo – etnocentrismo – e sociedade – sociocentrismo –, sem respeitar o outro; essas concepções têm ocorrido em muitos lugares no Brasil e no mundo. Então, nessa educação para a compreensão, é fundamental revermos conceitos, termos pejorativos que usamos como se fossem corretos, buscando a solidariedade moral e intelectual da humanidade, como diz Morin (2000). É ainda essencial aceitarmos a pluralidade cultural, o multiculturalismo existente no território brasileiro, em suas múltiplas identidades socioculturais, respeitando a diversidade existente. Finalizando, nesta Unidade abordamos de forma sucinta algumas características das diversas culturas existentes no Brasil, bem como a relação entre pluralidade cultural e educação.
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