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A Cannabis sativa foi classificada botanicamente pelo botânico sueco Carolus Linnaeus em 1793 e vem sendo utilizada para fins recreativos, medicinais e em rituais religiosos. A posse, o uso ou a venda da maconha começou a se tornar ilegal no início do século XX em diversos países ocidentais. Atualmente, no início do século XXI, alguns países começaram a liberar o uso da maconha sob algumas circunstâncias. Pesquisas recentes têm reconhecido o efeito benéfico da maconha ou dos princípios ativos extraídos dela como estimulante de apetite, redução ou abolição de náuseas e vômitos produzidos por antineoplásicos e efeito anticonvulsivante em alguns casos de epilepsia refratária A cânibis é uma planta dioica, ou seja, são plantas em que as estruturas reprodutivas masculinas e femininas são formadas em indivíduos diferentes – existência de uma planta masculina e outra planta feminina As plantas desse gênero produzem uma classe única de compostos químicos, conhecidos como canabinoides, que atuam em receptores canabinoides (CB1 ou CB2) O princípio ativo da maconha é o tetraidrocanabidiol (TCH), substância que tem, como principal ação farmacológica, a depressão do sistema nervoso central e a alteração do comportamento A maior concentração do THC é encontrada na planta fêmea, na floração @veterinariando_ A maconha consiste nos caules, folhas e flores secos da Cannabis sativa, os quais são picados Esse material é consumido pelo ser humano por inalação (cigarros artesanais, cachimbo etc.) ou por via oral (chás, biscoitos etc.) Os animais podem ser expostos em diversas circunstâncias, como: ingestão devido ao descuido do tutor que facilitou o acesso, exposição à fumaça do cigarro elaborado com a planta, administração intencional da droga ou cães policiais em treinamento que acabam ingerindo/inalando a substância O principal constituinte da maconha é o delta-9-tetraidrocanabinol (THC). Além do TCH, a maconha possui mais de 60 canabinoides, como, por exemplo: o canabidiol e o canabiol A quantidade de TCH na planta pode variar, dependendo do solo, clima, estação do ano, época de colheita, tempo decorrido entre a colheita e o uso, dentre outros diversos fatores De modo geral, a maconha possui cerca de 4,5% de THC A dose letal mínima oral de THC em cães foi descrita como sendo superior a 3g/kg, que é cerca de 1000x superior à dose que produz alterações comportamentais no cão, indicando ampla margem de segurança O contato com a droga numa dose de 0,5mg/kg já é o suficiente para que cães e gatos manifestem sinais clínicos A absorção por via oral do THC é variável tanto no ser humano quanto nos animais, sendo que alimentos gordurosos podem aumentar sua absorção – o início dos efeitos ocorre entre 30 e 60 minutos Por via inalatória, os efeitos do TCH se iniciam entre 6 a 12 minutos O TCH é muito lipossolúvel, se distribuindo no tecido adiposo, fígado, sistema nervoso central e rins A biotransformação é hepática e ocorre rapidamente A excreção do THC e seus metabolitos são eliminados pelo rim (10-15%) e o restante é eliminado pelas fezes por meio da bile A meia vida inicial do THC é curta, devido a sua lipossolubilidade, mas como pode se depositar no tecido adiposo, sua meia vida biológica é de 2h e de seus metabolitos é de 35h → O THC atua no sistema endocanabinoide, esse sistema é constituído pelos receptores canabinoides (CB1e CB2), pelos agonistas endógenos, pelas enzimas envolvidas nos seu metabolismo e pelo transportador de membrana → Os receptores CB1 e CB2 são acoplados à proteína G – CB1 (está presente no sistema nervoso central) e CB2 (está presente em órgãos e tecidos periféricos 1. A distribuição do THC se inicia imediatamente após a absorção 2. No sangue, ele se liga as proteínas plasmáticas, fazendo que chegue primeiro nos tecidos mais irrigados (rim, pulmões, fígado, cérebro), em seguida ele se acumula no tecido adiposo 3. A natureza lipofílica do THC permite que ele atravesse a barreira placentária 4. No cérebro o TCH interage com neurotransmissores. Sua interação com o CB1 altera o padrão de funcionamento de diversos neurotransmissores (dopamina, serotonina, noradrenalina, ácido gama-aminobutirico, entre outros), podendo causar um efeito estimulatório ou inibitório 5. Quando um canabinoide interagem com um receptor canabinoides, as proteínas G são ativadas, logo se abrem ou se fecham os canais de cálcio e potássio, alterando a função do sistema nervoso central 6. O THC e a anandamina (ananda significa felicidade, prazer), seu agonista endógeno, inibem a enzima adenilato ciclase, diminuindo a produção de adenosina monofosfato cíclica, o que promove a abertura dos canais de potássio e a oclusão dos canais de cálcio, reduzindo a liberação de neurotransmissores 7. O metabolismo do THC ocorre em diversos tecidos, como: cérebro, intestino e pulmão, mas a principal via ocorre por meio da hidroxilação do THC pela enzima hepática citocromo P450, que resulta em mais de 100 metabólitos (cetonas, aldeídos, entre outros), dentre os quais, se aponta o 11-OH-THC como predominantes, podendo ser encontrado em níveis plasmáticos que se aproximam em 10% dos níveis de THC 8. O TCH é rapidamente metabolizado pelo fígado, convertido em 11-OH-THC, que é oxidado em 11-COOH-THC 9. A ativação do receptor CB2, que está presente principalmente em células do sistema imunitário, parece mediar efeitos imunossupressores O animal intoxicado geralmente apresentam sinais atribuídos à ação no sistema nervoso central, como: depressão, ataxia, midríase, desorientação, distúrbios comportamentais, hiperestesia e recumbência É menos frequente a ocorrência de estupor, tremor e convulsão A exposição por via oral pode causar leve irritação do trato gastrointestinal e vômito A hipotermia pode ser observada e é menos comum a ocorrência de hipertermia, bradicardia, vocalização e o comer compulsivo Em bovinos, os sinais clínicos têm início 20h após a ingestão da planta seca, sendo observados tremor muscular, sialorreia e midríase Os animais apresentam relutância para se locomoverem e incoordenação motora Em equinos foi descrita intoxicação pela ingestão de planta fresca, sendo observados dispneia, tremores, hipotermia, sialorreia, sudorese, recumbência e morte dentro de 30 minutos • Anamnese – que pode ser difícil uma vez que o tutor pode desconhecer a exposição em alguns casos em que outros indivíduos são responsáveis pela intoxicação ou tendo conhecimento da situação se negar a fornecer informações • ELISA – se baseia na presença do metabólito 11-OH-THC e 11-COOH-TCH, ambos derivados da degradação hepática e pulmonar do THC • Coleta de conteúdo gástrico – análise laboratorial a fim de encontram resquícios de intoxicação por cannabis por via digestória • o diagnóstico padrão de intoxicação por canabis se baseia nos sinais clínicos e na realização de uma boa anamnese e exame físico Não há tratamento específico para essa intoxicação, sendo possível fazer apenas um tratamento paliativo A indução da êmese é recomendada na primeira hora após contato com a droga (o THC tem ação antiemética) e apenas nos casos em que o paciente não apresentam sinais que possam facilitar a pneumonia aspirativa (relacionados a depressão no SNC) Em gatos, recomenda indução de êmese utilizando a xilazina (1,1 mg/kg por via intramuscular) Em cães se recomenda apomorfina (0,04 mg/kg por via intravenosa ou intramuscular) Administração de carvão ativado – evitando assim a chance de recirculação enterohepática e reduzindo a meia vida do THC no organismo Administração intravenosa de fluido (ringer lactato ou solução salina em taxa de manutenção), termorregulação e trocas alternadas de decúbito a cada quatro horas, além de monitoração da função respiratória e cardíaca Diazepam pode ser administradoem pacientes agitados, usando inicialmente uma dose baixa (0,25 – 0,5 mg/kg) para prevenir excesso de sedação ❖ RIOS, Otávio Luiz Cardoso et al. Intoxicação por Cannabis sativa: Desafios relacionados à clínica de animais de companhia. PUBVET, v. 14, p. 132, 2020. ❖ DE MIRANDA, Ana Luísa Soares; BENITO, S. O. T. O.; MELO, Marília Martins. Intoxicações de cães por drogas recreativas: maconha e cocaína. 2017. ❖ SPINOSA, Helenice de Souza et. al. Toxicologia Aplicada a Medicina Veterinária. Manole, 2ª edição.
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