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Hemocromatose Definição A hemocromatose hereditária (HH) é um distúrbio comum do metabolismo do ferro. Dano causado aos tecidos pelo acúmulo de ferro no organismo. Primária: quando a sobrecarga de ferro é causada por defeito na regulação do metabolismo do metal. Tem ausência da hepcidina, aumento da absorção intestinal de ferro, e efluxo de ferro dos macrófagos, com acúmulo nos tecidos. Secundária: ocorre por outros motivos. Fisiopatologia Classificação das Síndromes de Sobrecarga de Ferro A forma mais comum dessa condição, HH associada ao HFE, é decorrente da homozigosidade para a mutação C282Y no gene HFE. Nesse tipo, o complexo que estimula a expressão de hepcidina não é formado, causando acúmulo de ferro, principalmente no fígado. Outras formas hereditárias de sobrecarga de ferro são denominadas HH não associada ao HFE e incluem: ● Formas autossômicas recessivas caracterizadas pelo acúmulo rápido de ferro e causadas por mutações nos genes da hemojuvelina e hepcidina (hemocromatose juvenil); ● Forma autossômica dominante causada por mutações no gene da ferroportina; ● Forma autossômica recessiva resultante das mutações no gene da TfR-2; ● Formas raras resultantes das mutações no gene DMT-1 ou na região reguladora do RNA mensageiro da ferritina. Uma condição rara denominada sobrecarga neonatal de ferro é caracterizada por um aumento modesto de ferro hepático, acompanhado por lesão hepática grave presente no momento do nascimento. Quatro estágios de HH foram descritos: ● Predisposição genética sem expressão fenotípica; ● Sobrecarga de ferro (aproximadamente de 2 a 5g de ferro total no corpo) assintomática; ● Sobrecarga de ferro com sintomas leves ou iniciais; ● Sobrecarga de ferro com lesão tecidual, como a cirrose. Genética e fisiopatologia da hemocromatose Sabe-se que o gene da hemocromatose está localizado na região do HLA, no cromossomo 6. O HFE codifica uma molécula similar ao MHC classe 1, que, como as proteínas MHC, necessita da interação com ß2- microglobulina para apresentação normal na superfície celular. Fisiologia A absorção do ferro na dieta ocorre quase totalmente no duodeno, onde é captado como ferro iônico ou heme. O ferro iônico requer a redução ao estado ferroso, realizada pelas redutases férricas, expressas na superfície luminal dos enterócitos duodenais. Esse ferro ferroso atravessa a membrana apical por meio do transportador de metal divalente-1, e o ferro captado pelos enterócitos é armazenado como ferritina ou transferido pela membrana basolateral para o plasma. Este último processo ocorre por meio do transportador ferroportina e torna necessária a oxidação do ferro ao estado férrico pela ferroxidase hefaestina. A hepcidina é um peptídeo de 25 aminoácidos considerada atualmente o principal hormônio regulador do ferro. Continuação... A desregulação da expressão da hepcidina contribui para a patogênese da HH. Os pacientes com HH associada ao HFE possuem baixa expressão hepática de hepcidina, apesar do excesso de depósito de ferro hepático. Inversamente, a superexpressão de hepcidina com HFE impede o fenótipo de HH. Estudos revelaram que a regulação da expressão da hepcidina induzida pelo ferro envolve uma via de sinalização dependente da proteína morfogenética óssea (BMP). As BMPs ligam-se a receptores específicos nos hepatócitos, desencadeando a ativação dependente da proteína SMAD da expressão de hepcidina. A inibição seletiva de sinalização de BMP revoga a suprarregulação de hepcidina induzida pelo ferro. A hemojuvelina é um correceptor de BMP e facilita a ligação desta ao seu receptor e a supressão do gene da hemojuvelina diminui acentuadamente a sinalização de BMP e expressão de hepcidina, causando a sobrecarga de ferro. Na HH, o ferro em excesso (tanto a transferrina ligada como a transferrina não ligada) é avidamente captado pelos hepatócitos e armazenado. As reservas de ferro aumentam a ponto de induzir dano oxidativo com consequente lesão e necrose celular com fagocitose pelas células de Kupffer. As células de Kupffer repletas de ferro tornam-se ativadas e produzem citocinas profibrogênicas, que estimulam as células estreladas a sintetizar excesso de colágeno e outras proteínas da matriz. Consequentemente, ocorre fibrose hepática e, em seguida, a cirrose. Diagnóstico Padrão ouro: biópsia hepática com análise da concentração de ferro por espectroscopia de absorção atômica. Método invasivo. Inclui a realização de exames como determinação da saturação de transferrina e ferritina sérica. Em pacientes sintomáticos ambos valores estão elevados; todavia, a saturação de transferrina é o marcador fenotípico mais precoce de HH e pode estar elevada em pacientes jovens homozigotos para a mutação C282Y com ferritina sérica normal. A alteração na ferritina sérica não é específica para a sobrecarga de ferro. Susceptometria (squid): aplicação de campo magnético sobre o paciente. Mede mudança no campo causada pela sobrecarga de ferro. Atualmente, os testes genéticos para as principais mutações da HH são indicados na presença de alteração nos resultados do perfil de ferro. Entre os indivíduos homozigotos para a mutação C282Y ou heterozigotos compostos (C282Y/H63D), a biópsia hepática é reservada para pacientes com elevação nos níveis de enzimas hepáticas ou ferritina sérica >1.000ng/mL. A análise histológica demonstra que o depósito de ferro é encontrado preferencialmente na região periportal (zona acinar 1) do lóbulo hepático, com diminuição no gradiente nas zonas acinares 2 e 3. Com sobrecarga significativa, ocorre depósito de ferro nas células de revestimento sinusoidal (célula de Kupffer), nas células dos ductos biliares e no tecido fibroso nas vias portais ou septos. A avaliação histológica dos padrões de coloração de ferro fornece informações complementares para as obtidas por testes bioquímicos tradicionais para a sobrecarga de ferro, junto com o teste genético. Quadro clínico Assintomático: ● Estudos anormais de ferro sérico no painel bioquímico de triagem de rotina; ● Testes hepáticos anormais; ● Identificado por rastreamento familiar; ● Identificado por rastreamento populacional. Sintomas sistêmicos inespecíficos: fraqueza, fadiga, letargia, apatia, perda de peso. Sintomas específicos relacionados com o órgão: ● Perda de peso (hepatomegalia); ● Artralgias (artrite); ● Diabetes (pâncreas); ● Amenorreia (cirrose); ● Perda de libido, impotência (hipófise, cirrose); ● Insuficiência cardíaca congestiva (coração); ● Arritmias (coração); ● Hiperpigmentação da pele (pele prateada). Tratamento O paciente deve ser submetido à flebotomia terapêutica com retirada de cerca de 500mL de sangue total (aproximadamente 200 a 250 mg de ferro). Suspender se Hb <11 g/dL. Manter ferritina entre 50-100 ng/L. A programação de flebotomia deve ser realizada de forma intensiva (semanal) até que se desenvolva uma eritropoiese ferrolimitada, identificada pela não recuperação do nível de hemoglobina. A saturação da transferrina e o nível sérico de ferritina devem ser monitorizados periodicamente (a cada 3 meses). A flebotomia terapêutica deve ser mantida até que a saturação de transferrina esteja <50% e o nível sérico de ferritina esteja <50 ng/mL. Alguns pacientes podem necessitar de flebotomia semanal durante ≥1 ano. Uma vez atingido o alvo terapêutico, a maioria dos pacientes requer flebotomia de manutenção, com a retirada de cerca de 500 mL de sangue a cada 2 a 3 meses. A resposta com a depleção de ferro inclui melhora da disposição geral, desaparecimento da dor abdominal, melhora da função hepática e maior controle do diabetes. Entretanto, a depleção de ferro não altera cirrose, acropatia e atrofia testicular.A quelação de ferro pode ser necessária para pacientes com anemia e que não toleraram a flebotomia. A administração subcutânea contínua ou endovenosa de deferoxamina, deferiprona ou deferarixox é uma das estratégias para quelação de ferro. Efeitos adversos desse medicamento incluem ototoxicidade e toxicidade ocular. Prevenção Rastreamento familiar O estudo investigacional deve ser oferecido a todos os parentes de 1º grau de um indivíduo portador de HH. A análise mutacional do HFE é recomendada junto com a determinação da saturação de transferrina e nível sérico de ferritina. A análise mutacional do HFE é recomendada no cônjuge do portador de HH para predizer o genótipo dos filhos. Se um parente adulto de um portador homozigoto para a mutação C282Y apresentar também homozigosidade para a mutação C282Y ou heterozigosidade composta com alteração no perfil de ferro, o diagnóstico presuntivo de HH pode ser feito e a flebotomia terapêutica iniciada. Rastreamento populacional Prognóstico A expectativa de vida de um portador de HH é a mesma de um indivíduo saudável do mesmo sexo e idade desde que o diagnóstico e o tratamento sejam instituídos antes do desenvolvimento da cirrose. A instalação da cirrose aumenta o risco de morte prematura por complicações da doença hepática crônica ou carcinoma hepatocelular. Em virtude do risco de desenvolver hepatocarcinoma, o portador de HH com cirrose deve ser submetido à vigilância por imagem abdominal a cada 6 a 12 meses. Atualmente, recomenda-se a análise mutacional do HFE quando há alteração no perfil de ferro em pacientes com hepatite C crônica. Além disso, recomenda-se que colorações para ferro sejam feitas em amostra de biópsia hepática, quando são realizadas para graduar e estagiar a hepatite C crônica. Diante da constatação de sobrecarga de ferro, flebotomia terapêutica antes de se iniciar a terapia antiviral é uma estratégia razoável.
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