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UNIVERSIDADE DO ESTADO DO AMAZONAS ESCOLA SUPERIOR DE CIÊNCIAS DA SAÚDE DISCIPLINA: SOCIOLOGIA EM SAÚDE PROFESSORA SAMIA FEITOSA MIGUEZ ATIVIDADE AVALIATIVA 2.1 “SOCIEDADES EM TEMPOS DE PANDEMIA: ANÁLISES DE CONJUNTURAS ECONÔMICAS VERSUS A CRISE NA SAÚDE PÚBLICA, FUNDAMENTAÇÃO NA SOCIOLOGIA CONTEMPORÂNEA” NOME: Raiandra Campos da Costa JOURDAIN e NAULIN1, ao abordarem o ofício do sociólogo, defendem a cientificidade da sociologia, apesar de suas diferenças em relação às ciências naturais. Nestas, observador e objeto estariam separados de forma mais nítida, o que não aconteceria nas ditas “ciências históricas”, na qual se encontraria a sociologia, dificultando a construção de uma episteme “científica” nesta última. Os autores então retomam a contribuição de Pierre Bourdieu, Jean-Claude Chamboredon e Jean Claude Passeron para a questão, elencando a necessidade de se realizar um controle epistemológico dos métodos empregados, por meio da “vigilância epistemológica”, o fetiche do uso de dados estatísticos na sociologia e o imperativo de se desfazer da ilusão biográfica, de modo a afastar a falsa dicotomia “objetivismo x subjetivismo”, que tanto destaque havia ganho com Durkheim. Concluem que a superação dessa oposição se pode dar por meio da noção de habitus, conceito de origem aristotélica, traduzido por Tomás de Aquino e presente na obra bourdiense2. Nesse mesmo sentido teria caminhado o sociólogo Anthony Giddens, o qual buscou superar o dualismo objeto x sujeito com base na teoria da estruturação, segundo a qual atores, dotados de poder e reflexividade, e sistemas sociais modificar-se-iam reciprocamente por meio de “práticas sociais”3, lembrando as estruturas ao mesmo tempo estruturadas e estruturantes de Bourdieu. Ao trazer esses conceitos da sociologia para o âmbito da saúde pública, é possível considerar que a pandemia de Covid-19 estrutura comportamentos a nível global, estatal, governamental, social e individual, mas também ela própria é um constructo social (e não meramente “biológico”) fruto desses elementos (atores) que com ela interagem. A nível global, a pandemia de Covid-19 gerou uma “geopolítica das vacinas”, acentuando o movimento de “Guerra Fria 2.0”, mas opondo não apenas a República Popular da China (RPC) aos Estados Unidos da América (EUA), como também os modos de vida ocidental ao oriental. O que poderia ser uma oportunidade para rejuvenescer a cooperação e o multilateralismo em instâncias internacionais terminou por acentuar a competição entre nações. A nível estatal e governamental, países com regimes políticos mais fechados e autoritários, ou com sociedades mais “coletivas” (ou “submissas”, sob a ótica individualista 1 JOURDAIN, Anne. et NAUDIN, Sidonie. “A Teoria de Pierre Bourdieu e seus Usos Sociológicos”. Petrópolis - RJ, Vozes, 2017. 2 ...”sistemas de disposições duráveis e transponíveis, estruturas estruturadas predispostas a funcionar como estruturas estruturantes, isto é, enquanto princípios geradores e de representações”... JOURDAIN, Anne. et NAUDIN, Sidonie. “A Teoria de Pierre Bourdieu e seus Usos Sociológicos”. Petrópolis - RJ, Vozes, 2017, pg.49. 3 NIZET, Jean. “A Sociologia de Anthony Giddens”. Petrópolis - RJ, Vozes, 2016. Pg.27. ocidental) tiveram mais facilidade em controlar os casos ou até mesmo erradicar a pandemia. A RPC, que já havia provado desde Xiaoping que é possível haver capitalismo sem liberdades políticas, vem derrubando a falsa dicotomia “saúde x economia”, uma vez que, após erradicar a pandemia de Covid-19 de seu território, com rígido controle social e supressão de liberdades, lidera a retomada econômica com crescimento bem acima do apresentado por qualquer nação ocidental nesse momento. Não por acaso, o país com mais mortes em números absolutos, os EUA, é um país em que o discurso da liberdade e do individualismo mais tem aceitação, dada sua formação histórica. E como explicar os números brasileiros? Diferentemente dos EUA, que optou por um modelo privatizante da saúde pública, aqui tínhamos um Sistema Único de Saúde (SUS), que poderia ter colapsado. Não colapsou, mas o estado a que chegaram lugares como Manaus, Natal, Belém e Fortaleza expôs nossas desigualdades regionais para o mundo. Conforme o texto de Diego Oliveira de Souza4, as desigualdades geradas pelo capitalismo retardatário e dependente, atual estágio do Brasil, se fizeram mais claras durante a pandemia. As taxas de mortalidade foram, de forma geral, mais acentuadas nas regiões Norte/Nordeste que no Sul/Sudeste, e, em cidades como o Rio de Janeiro e São Paulo, morreram mais moradores dos morros e favelas do que dos condomínios de luxo, que trouxeram a doença de suas viagens de férias pela Europa. Proporcionalmente, morreram mais negros e pardos do que brancos. Foi preciso que a imprensa internacional fosse acionada para que a questão da saúde e preservação dos povos indígenas fosse debatida. Se por um lado o auxílio emergencial evitou um colapso maior da economia brasileira, por outro lado o teto de gastos constitucional em contexto de saturação fiscal revelou o estado de sucateamento em que se encontra a saúde. A importância de se preservar o teto para manter juros e inflação controlados deveria levar a uma profunda reorganização dos gastos estatais, preservando aquilo que é essencial, saúde e educação, e cortando frivolidades, como benesses para congressistas, altos salários do judiciário e da cúpula do executivo, gastos militares, etc. Na prática, se a pandemia impôs o debate, a inércia das instituições sociais brasileiras para responder a ele é de espantar até Bourdieu. Comportamentos individuais foram modificados no Brasil? Em muitos prédios de luxo, passou-se a adotar a prática de se retirar os sapatos antes de se adentrar às casas, costume que sociedades feudais, como a japonesa e as europeias, já adotavam há séculos por conta da lama e das fezes animais que emporcavam suas cidades. O uso de máscaras foi 4 SOUZA, Diego de Oliveira. “A Pandemia de Covid-19 para Além das Ciências da Saúde: Reflexões sobre sua Determinação Social”. adotado socialmente com mais facilidade em sociedades asiáticas, que já haviam sofrido com os surtos de SARS e MERS no passado? Porque cada vez mais brasileiros estão deixando de usar máscaras, até mesmo em locais fechados, como elevadores, se a pandemia ainda não acabou? O homem cordial de Sérgio Buarque de Holanda parece não conseguir responder de forma abstrata a um comando generalizado. A lei só vale para seus inimigos. É comum ouvir das pessoas que irão reunir-se “apenas com parentes próximos, amigos”. Como se o vírus não fosse se espalhar vindo dessas pessoas a quem elas amam. O “amor” e a “fé em Deus”, no pensamento “mítico-mágico” brasileiro, vale mais que a vacina e a ciência, cujo discurso não conseguiu impor-se sobre a “sociedade dos afetos”. No início da pandemia, muito se falou na “mudança do ser humano”, em “novos paradigmas”, em um “novo homem pós-covid”. Infelizmente, não parece ser o caso. Reportagem recente da Folha de São Paulo mostrou que as doações, em bom volume no início da pandemia, caíram a praticamente zero no mês de outubro. O desemprego aumentou, principalmente entre a força de trabalho menos qualificada. Crianças de menor poder aquisitivo são aquelas que mais irão sofrer os impactos por terem se afastado da escola, por serem digitalmente excluídas. Muitas não irão retornar para ano letivo quando as aulas recomeçarem. No caso brasileiro, a pandemia parece ter acentuado o que de pior há em nosso país e não houve retorno dialético ou estrutura estruturante que respondesse na mesma altura para compensar os efeitos deletérios em nossa sociedade doente.
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