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Doenças arteriais obstrutivas agudas e crônicas – Dr. César Presto 1 Doenças arteriais obstrutivas agudas e crônicas A doença arterial obstrutiva periférica (DAOP) ou crônica se caracteriza por obstruções arteriais com alto risco de morbimortalidade cardiovascular. Tem uma elevada prevalência na população geral, em que se estima acometimento de 10% em pacientes com menos de 70 anos e de 15 a 20% em pessoas após essa idade, com predomínio no sexo masculino. Etiologia: em 85% dos casos a aterosclerose é definida como a principal causa da DAOP, em que ocorre lesão endotelial associada ao acúmulo de lipídios modificados, gerando um processo inflamatório crônico na parede do vaso. Assim, tem-se recrutamento de células inflamatórias, formação de células espumosas após fagocitose de LDL pelo macrófago, recrutamento de células musculares lisas da camada média para a íntima, síntese de MEC e formação de capa fibrosa para revestir o núcleo lipídico da placa de ateroma. A principal implicação é a ruptura da placa, em que ocorre agregação plaquetária e trombose, promovendo obstrução. A relação com a doença obstrutiva pode ocorrer tanto pela redução do lúmen e do fluxo sanguíneo pelo crescimento da placa e estenose do vaso, ou por uma placa que se soltou e promoveu uma trombose com obstrução do vaso. A aterosclerose atinge todos os territórios vasculares, promovendo doença vascular cerebral, doença coronariana e doença arterial obstrutiva periférica. Fatores de risco: hipercolesterolemia, hipertensão arterial sistêmica, tabagismo, diabetes mellitus, hiperhomocisteinemia, histórico de doença cardiovascular, idade, homens e mulheres pós-menopausa, negros, obesidade, sedentarismo, estresse, função plaquetária alterada, proteína C reativa, entre outros. Esses fatores de risco devem ser controlados para prevenção e tratamento da doença, de modo que devem ser identificados o mais precocemente possível. Quadro clínico: os sinais e sintomas da DAOP podem ser estratificados em diversas categorias pela classificação de Fontaine. A claudicação intermitente geralmente acontece na musculatura da panturrilha e quando o paciente caminha, já que nessa situação a musculatura exige uma maior demanda de oxigênio e nutrientes, mas a obstrução ou estenose não permite o aumento do fluxo sanguíneo, de modo que o paciente apresenta uma dor isquêmica que impossibilita a continuação da caminhada, mas que melhora imediatamente ao repouso – quadro equivalente a uma angina estável na doença coronariana. A dor em repouso se manifesta em uma situação em que a perfusão não é suficiente mesmo em repouso, sendo equivalente a angina instável. Na gangrena a perfusão não é suficiente para restaurar os tecidos lesados, de modo que lesões tróficas serão desenvolvidas, sendo uma manifestação equivalente a isquemia miocárdica. Um quadro de lesão trófica ou úlcera arterial e/ou presença de dor em repouso caracteriza isquemia crítica, fato que exige urgência de encaminhamento para setor de atendimento terciário para revascularização por risco iminente de perda do membro. Diagnóstico: ao exame físico pode-se ter palidez, rubor pendente – ocorre com o membro para baixo com desenvolvimento de hiperemia reativa após vasodilatação maciça para vencer a obstrução, cianose (fixa não tem alteração da cor após digitopressão, por trombose), frialdade, queda de pelos, estriação das unhas, micoses cutâneas, úlceras dolorosas com tecido necrótico associado, necrose, entre outras. Lesão trófica Dor em repouso Isquemia crítica Doenças arteriais obstrutivas agudas e crônicas – Dr. César Presto 2 Deve-se palpar pulsos arteriais – poplíteo, pedioso, tibial posterior e femoral, que confirma o diagnóstico na ausência de pulsos. Também deve-se realizar palpação e ausculta abdominal em níveis diferentes, buscando sopros ou anormalidades de pulso. O índice tornozelo-braquial é utilizado para diagnóstico e avaliação de gravidade da DAOP, sendo adquirido pela razão entre a pressão arterial sistólica do tornozelo e a pressão arterial sistólica do braço de maior valor. Um valor de 0,91 a 1,29 é considerado normal, enquanto que os de 0,41 a 0,90 indicam a presença de doença obstrutiva leve/moderada e de 0,4 a 0 uma DAOP severa. Os maiores que 1,3 indica uma artéria não compreensível que não pode ser colabada, geralmente por uma doença de calcificação das artérias. O ITB correlaciona-se com a existência de doença aterosclerótica demonstrada por angiografia, em que um índice menor que 0,9 é marcador de aterosclerose difusa, com mortalidade por AVC ou IAM três vezes superior à verificada nos pacientes da mesma idade do grupo controle. De modo geral, o diagnóstico da DAOP é clínico, em que exames de imagens são necessários apenas quando dúvida no diagnóstico ou para planejamento de revascularização cirúrgica quando indicação clínica. A ultrassonografia com doppler arterial pode ser utilizado para triagem, confirmação diagnóstica e seguimento do paciente, sendo um exame não invasivo, aparelho dependente e examinador dependente. A angiotomografia ou angiorressonância são exames pouco invasivos que exigem contraste endovenoso – que pode causar reações alérgicas ou nefropatia. A angiografia (arteriografia) definida como padrão-ouro, é utilizada para diagnóstico e intervenção, sendo mais invasivo exigindo cateterismo por punção de artéria e injeção de contraste para visualização da luz do vaso. Se tem pelo menos um pulso palpável no pé significa que o sintoma não é relacionado à doença arterial, já que para ter manifestação clínica ele precisa de obstrução das três artérias: tibial anterior, posterior e fibular. Todavia, uma obstrução mais superior de femoral ou aorta pode gerar tal sintomatologia. Tratamento: o tratamento clínico consiste em cessar o tabagismo, controlar fatores de risco, utilizar estatinas para manter LDL < 100mg/dL, instituir antiagregação plaquetária para evitar a trombose aguda da placa – com AAS, clopidogrel ou ticagrelor, exercício físico programado, associar um inibidor da fosfodiesterase III, como Cilostazol, para aumentar a distância útil de claudicação e melhora os escores de qualidade de vida. Como indicações do tratamento cirúrgico (revascularização) tem-se quadros de isquemia crítica (dor de repouso + lesão trófica) ou claudicação limitante das atividades rotineiras. A cirurgia aberta de revascularização pode ser feita por by-pass realizando uma ponte entre um segmento de artéria obstruída e outra saudável pela utilização de um enxerto autólogo (veia safena invertida) ou uma prótese, pulando o local de lesão e promovendo circulação. Além disso, pode ser feita a endarterectomia com retirada cirúrgica da placa de ateroma e posterior reconstrução da parede da artéria, muito utilizada para carótidas, já que geralmente são placas curtas. Doenças arteriais obstrutivas agudas e crônicas – Dr. César Presto 3 O tratamento endovascular pode ser feito pela angioplastia transluminal percutânea com ou sem implante de stent. De modo geral, se passa um fio guia pelo vaso e abre o balão para restabelecer o fluxo sanguíneo, as vezes precisando de um stent para manter o vaso aberto. É um procedimento minimamente invasivo para DAOP dos membros inferiores. Todavia, tem elevadas taxas de reestenose em que a inflamação da cirurgia promove agregação plaquetária, inflamação e proliferação células musculares lisas que geram a criação de uma intima hipertrófica que obstrui o vaso – apresentam 30-50% reestenose nos primeiros 6 a 12 meses A doença arterial oclusiva aguda ocorre em decorrência uma descompensação súbita da perfusão do membro por privação circulatória, tendo repercussões locais e sistêmicas. A isquemia crônica que teve tempo de promover uma circulação colateral costuma ser menos grave do que uma oclusãoaguda do vaso, que gera mais repercussões. Etiologia: um vaso pode ser ocluído por descompensação da DAOP, trombose aguda da placa e manifestações agudas no membro. Um trauma também pode promover lesão da artéria e trombose aguda. A trombose ocorre por aterosclerose preexistente, geralmente com circulação colateral e isquemia menos grave, tendo como uma das principais causas o aneurisma de artéria poplítea. Além disso, pode acontecer por embolia em um paciente em que um trombo foi formado em outra região, esses que seguem para a circulação arterial e podem ocluir o vaso do membro inferior. Em cerca de 80 a 90% dos casos de embolia arterial os êmbolos se originam do coração, principalmente no átrio esquerdo em decorrência de fibrilação atrial, hipocinesia ventricular com estase ventricular, endocardite bacteriana com êmbolo séptico, próteses valvulares cardíacas, infarto agudo do miocárdio, entre outros. Também pode-se ter causas não cardíacas como aneurismas com trombos associados, além de outras origens e etiologias idiopáticas. Uma embolia arterial paradoxal ocorre quando um paciente com trombose venosa profunda tem o desprendimento de um trombo que segue pela circulação venosa e cai na circulação arterial – ocorre em comunicações arteriovenosas congênitas ou por fístulas. Os êmbolos tendem a se alojar nas bifurcações dos vasos, onde o diâmetro do lúmen diminui – geralmente em femoral, ilíaca, aorta, poplítea, braquial e cerebrais. Desse modo, a formação de êmbolos a cavaleiro na bifurcação podem resultar em isquemia grave bilateral dos MMII por estar exatamente na bifurcação arterial das artérias ilíacas ou da aorta, com mortalidade de 90% geralmente por síndrome de reperfusão. Quadro clínico: a isquemia pode se manifestar por um quadro de dor intensa, súbita, lancinante, insuportável e sem fator de melhora, além de ter ausência de pulso palpável, parestesia ou paralisia, palidez ou cianose e poiquilotermia (frialdade) – 5 P´s: Pain, Pulseless, Paresthesia, Pailor e Poiquilothermia. É uma condição mais grave que a isquemia crítica, já que não possui desenvolvimento de circulação colateral, exigindo tratamento precoce. O membro inferior pode ser salvo após 5 ou 6h de isquemia grave, em que as manifestações se diferem conforme o tecido acometido, tendo pele e ossos como mais resistentes e o tecido nervoso como o mais sensível. Doenças arteriais obstrutivas agudas e crônicas – Dr. César Presto 4 A Classificação de Rutherford pode ser utilizada para avaliação da viabilidade do membro e indicação da revascularização, além de verificar o tempo hábil para tratamento. Diagnóstico: é feito por anamnese e exame físico, sempre tentando diferenciar a oclusão embólica e trombótica – podendo ser necessário a realização de arteriografia. Na oclusão embólica (A) deve-se tentar identificar a fonte emboligênica, podendo utilizar ECG para identificação de fibrilação atrial, aneurismas, pulsos contralaterais presentes e amplos e ecocardiograma. Em oclusões provavelmente trombóticas (B) é comum não ter um dos pulsos distais, podendo realizar uma arteriografia completa. Tratamento: quando se tem embolia em uma artéria saudável faz-se embolectomia para retirada do êmbolo com cateter de Fogarty, em que se passa o cateter além do êmbolo, infla o balonete e traz até a incisão para retirada do êmbolo. Quando se tem trombose faz-se trombólise e angioplastia com colocação de stent, endarterectomia ou aspiração do trombo com cateter, além de poder ser feita uma revascularização aberta com ponte-enxerto. A síndrome de reperfusão é uma das principais complicações, em que o ‘lixo’ metabólico produzido durante o período de isquemia será difundido para a circulação sistêmica, podendo gerar injúria renal aguda por mioglobunúria, hiperpotassemia com taquiarritimia, radicais livres tóxicos, entre outros. Assim, deve-se realizar hidratação vigorosa, alcalinização da urina, medidas para a hiperpotassemia (gluconato de cálcio, furosemida, solução polarizante, fenoterol e bicarbonato de sódio) e até mesmo diálise emergencial. Além disso, pode ocorrer síndrome compartimental, em que o processo inflamatório pela lise muscular e o aumento da permeabilidade vascular na região revascularizada leva a aumento da pressão compartimental e edema que comprime nervos, artérias e veias. Ocorre dor intensa após revascularização, parestesias, sofrimento da circulação, exigindo tratamento da condição por fasciotomia dos quatro compartimentos com incisões de pele de todo o local – pulso periférico e enchimento capilar presentes não exclui a síndrome compartimental.
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