Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Júlia Figueirêdo – DOR ABDOMINAL, DIARREIA, VÔMITO E ICTERÍCIA PROBLEMA 1: GASTRITE: A gastrite, mais do que uma doença em si, é um sintoma, correspondente à inflamação do estômago. Esse termo, no entanto, é muitas vezes utilizado de forma incorreta para se referir a outras afecções gástricas comuns (estufamento, peso no estômago ou desconforto relacionado ou não às refeições, por exemplo). Ainda que o processo inflamatório não seja responsável por todas as queixas supracitadas, a gastrite sugere a presença de lesões epiteliais relevantes, cicatrizadas após a inflamação (difere de gastropatias). CLASSIFICAÇÃO E APRESENTAÇÕES DA GASTRITE: Atualmente, o mecanismo de classificação mais utilizado para a estratificação da gastrite é o Sistema Sidney, que abrange aspectos tano histológicos quanto endoscópicos da mucosa, permitindo a identificação rápida e assertiva do tipo de comprometimento. Organização do Sistema Sidney para classificação de gastrites Além dessa segmentação inicial, ainda é possível dividir a gastrite em suas diversas formas de apresentação, que diferem entre si quanto à temporalidade e etiologia, a saber: Gastrite aguda: as características comuns dentre essa categoria envolvem o início súbito dos sintomas, a curta duração do quadro e a transitoriedade do acometimento. Anatomicamente, podem afetar o corpo ou o antro individualmente, ou ambos, de forma simultânea (pangastrite). Por vezes, as lesões teciduais e respostas inflamatórias subsequentes também podem se dirigir ao duodeno (isolada ou conjuntamente à irritação do estômago), criando assim um conceito unificador para essas manifestações, as lesões agudas da mucosa gastroduodenal. As principais etiologias para essa conformação sintomática são: o Lesões infecciosas: as gastroenterocolites, ou infecções alimentares, ocasionadas principalmente por vírus e bactérias, são comuns no verão, estando associados à degradação acelerada dos alimentos. A H. pylori não representa um achado comum na gastrite aguda, pois a infecção inicial geralmente é assintomática, normalmente ainda na infância. Quando presentes, os sintomas abrangem náusea, vômitos, astenia e halitose. Parasitoses, como giardíase e estrongiloidíase podem apresentar quadros de gastroduodenite em sua fase aguda, por vezes mimetizando úlceras. Os principais sintomas que auxiliam a laudar o quadro são vômitos, diarreia e febre, podendo ser acompanhadas por desinteresse alimentar. Também é observada uma redução temporária na capacidade de produção de ácido gástrico, que Júlia Figueirêdo – DOR ABDOMINAL, DIARREIA, VÔMITO E ICTERÍCIA volta ao normal alguns meses depois da infecção. A o Infecções fúngicas: mais comuns em imunossuprimidos, normalmente é causada pelo Candida albicans, que se prolifera de forma oportunista associando-se a infecções por CMV e HSV. o Lesões hemorrágicas: situações de intenso estresse agudo como traumas ou cirurgias extensas podem causar erosões ou ulcerações (úlceras de estresse) capazes de gerar hemorragia digestiva alta. Essa condição deve ser adequadamente identificada por endoscopia, e tratada precocemente com inibidores da bomba de prótons em via endovenosa. o Lesões químicas: diversas substâncias, sendo o etanol a de maior destaque, podem levar ao rompimento da barreira mucosa e à infiltração tecidual de íons H+. Ainda que se resolvam em cerca de sete a dez dias, ao exame endoscópico, as lesões se apresentam como hiperemiadas e com presença de exsudato purulento. o Lesões medicamentosas: os principais responsáveis por esse acometimento são os AINES. O uso agudo desses compostos gera erosões superficiais de pouca relevância clínica, que se resolvem em alguns dias sem o fármaco. O organismo, de forma a cercear a expansão das lesões, deflagra a citoproteção adaptativa, com aumento da proliferação celular local e da produção de prostaglandinas. Ação dos AINES sobre os mecanismos de defesa da barreira mucosa Em situações de administração contínua, tais medicações apresentam extrapolação da capacidade lesiva frente à defesa gástrica, criando áreas de erosão intensa associadas à inibição da COX-1, produtora de enzimas protetoras para a mucosa. Mecanismo de ação dos AINES sobre a inibição da produção de cicloxigenases Alguns dos fatores de risco que predispõem efeitos erosivos gástricos em usuários de AINES são idade avançada (> 60 anos), histórico de úlceras, realização de tratamento simultâneo com corticoides, administração de anticoagulantes, combinação entre dois anti- inflamatórios ou uso de doses elevadas dessas medicações. É recomendada a profilaxia com análogos sintéticos de Júlia Figueirêdo – DOR ABDOMINAL, DIARREIA, VÔMITO E ICTERÍCIA prostaglandina, inibidores da bomba de prótons ou antagonistas de receptores H2 em pacientes pertencentes aos grupos supracitados, principalmente se há necessidade para o uso crônico de AINES A substituição desses anti- inflamatórios por outras classes medicamentosas deve ser feita sempre que possível. Gastrite crônica: representa um quadro predominantemente histológico, no qual há sítios de infiltrado inflamatório mononuclear, atingindo quaisquer porções do estômago. As principais causas dessa apresentação são: o Gastrite por Heliobacter pylori: a infecção por essa bactéria Gram- negativa espiralada corresponde a 95% das manifestações de inflamação gástrica crônica, principalmente em áreas subdesenvolvidas. Presença de H. pylori (seta) na camada de muco que reveste as criptas gástricas A progressão do quadro depende da interação entre bactéria e hospedeiro, sendo que a presença de ilhas de patogenicidade e a produção de urease podem favorecer a colonização epitelial e a consequente inflamação. De modo geral, por manterem a capacidade de secreção ácida, manifestações antrais estão mais associadas ao desenvolvimento de úlceras duodenais, ao passo que a apresentação no corpo está correlacionada à atrofia da mucosa do estômago e, possivelmente, a câncer regional (principalmente na presença de fatores predisponentes). Essa possibilidade de desfecho insere o H. pylori como um carcinógeno. Possíveis desfechos de uma gastrite por H. pylori, baseada na ocorrência de determinadas interações A neoplasia mediada por essa bactéria pode estar também associada à presença de genótipos pró-inflamatórios para a IL-1 no hospedeiro, que implicam em inibição da secreção ácida, favorecendo a colonização pela H. pylori. História natural da progressão clínica da infecção por H. pylori Júlia Figueirêdo – DOR ABDOMINAL, DIARREIA, VÔMITO E ICTERÍCIA Ressalta-se que as lesões podem ser fruto tanto da ação enzimática tecidual pela bactéria quanto da resposta imune inflamatória (estimulação da produção de IL-8, que é potencializada pela ação bactericida de macrófagos) associada a sua presença. A infecção por H. pylori é persistente, pois as respostas orgânicas são incapazes de eliminar integralmente o patógeno, mesmo após reações imunes. Possíveis manifestações “não gástricas” associadas à infecção por Heliobacter pylori o Gastrite autoimune: possui como principais alvos as regiões de corpo e fundo gástrico, com pouca incidência no segmento antral (preferência por células oxínticas). Esse é um quadro autossômico dominante que, em estágios avançados, pode levar à atrofia da mucosa do estômago. São produzidos anticorpos de anticélula parietal e antifator intrínseco, que podem levar ao desenvolvimento de anemia perniciosa. O surgimento desse tipo de manifestação é mais comum em portadores de outras doenças autoimunes, como Doença de Gravese Tireoidite de Hashimoto. O diagnóstico é realizado a partir da coleta de dados clínicos e da análise laboratorial hematológica e imunológica, contando também com investigações endoscópicas. Outros tipos de gastrite: o Gastrite de Crohn: infiltrados inflamatórios criam lesões irregulares, sem presença de bactérias, sendo ainda mais comum em pacientes com diagnóstico ou suspeita da doença intestinal; o Gastrite eosinofílica: quadro raro, marcado pela presença de eosinófilos no revestimento gástrico, seja na mucosa ou em camadas profundas, acometendo principalmente o antro. Pode causar sangramento oculto, além de sintomas gerais associados à gastrite. O diagnóstico é consolidado pela análise histopatológica de biópsia local. DIAGNÓSTICO: A confirmação efetiva de um quadro de gastrite só ocorre com a biópsia gástrica, normalmente coletada numa gastroscopia. Esse exame também permite a avaliação geral da mucosa, buscando por sinais de inflamação endoscópica, como edema, enantema, friabilidade tecidual, presença de exsudato e aparência das lesões, todos eles sendo classificados conforme sua intensidade. Principais estratificações endoscópicas para a gastrite Júlia Figueirêdo – DOR ABDOMINAL, DIARREIA, VÔMITO E ICTERÍCIA Exemplo de lesões por gastrite erosiva De forma a analisar segmentos mais representativos do estômago, a coleta de material para biópsia deve contar com, pelo menos, cinco amostras: Curvaturas grande e pequena do antro distal (A1 e A2, analisando a mucosa secretora de muco); Curvatura na incisura angular (a3, ponto de ocorrência das principais lesões sugestivas de câncer); Paredes anterior e posterior da porção proximal do corpo (C1 e C2, regiões de produção de secreções ácidas). Sítios para realização de biópsia gástrica Com base nos achados endocrinológicos para a gastrite, foi desenvolvido o sistema OLGA, que classifica as gastrites em quatro estágios, com risco progressivamente maior para o desenvolvimento de neoplasias, O principal item avaliado é a atrofia da mucosa gástrica. Sistema de estratificação diagnóstica da gastrite TRATAMENTO: O tratamento específico para a gastrite depende de sua etiologia. Em quadros de gastrite medicamentosa, o uso do fármaco em questão deve ser suspenso, porém, quando isso não for possível, é recomendada a administração de IBP em dose plena diária e, quando o agente for um AINE, realizar troca por um inibidor seletivo de COX-2. A gastrite autoimune não apresenta tratamento específico, mas, de forma a suprimir as implicações nutricionais e metabólicas da condição, é indicada a reposição de ferro e vitamina B12, que, nesse último caso, pode ser necessária por toda a vida. Manifestações eosinofílica, por sua vez, respondem bem ao uso de corticosteroides. Frente à infecção por H. pylori, a erradicação bacteriana é recomendada principalmente para indivíduos com risco elevado para câncer gástrico, uma vez que representa uma medida preventiva secundária para a ocorrência desse desfecho. Esse controle deve ser realizado preferencialmente por meio de um esquema de erradicação tríplice, que consiste na Júlia Figueirêdo – DOR ABDOMINAL, DIARREIA, VÔMITO E ICTERÍCIA associação de um IBP em dose padrão a Claritromicina 500 mg + amoxicilina 1.000 mg, 2 vezes ao dia, por um período de 14 dias Propostas para erradicação do H. pylori Os principais efeitos adversos associados a esse tratamento são gosto metálico, glossite, diarreia, cólicas abdominais, náuseas, vômitos e vaginite. A adesão terapêutica pode ser afetada não somente pelas reações anteriores, como também pelo amplo número de comprimidos administrados.
Compartilhar