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Direito de Família 5º período - 2021 O estado de filiação decorre de um fato (nascimento) ou de um ato jurídico: a adoção. A adoção cria um vínculo fictício de paternidade-maternidade-filiação entre pessoas estranhas, análogo ao que resulta da filiação biológica. Para Pontes de Miranda, “adoção é o ato solene pelo qual se cria entre o adotante e o adotado relação fictícia de paternidade e filiação”. Ressalta Waldyr Grisard que esse conceito persegue as razões legais e seus efeitos, mas representa somente uma face do instituto. A adoção constitui um parentesco eletivo, por decorrer exclusivamente de um ato de vontade. Gagliano e Pomplona Filho definem a adoção como um ato jurídico, em sentido estrito, de natureza complexa, excepcional, irrevogável e personalíssimo, que firma a relação paterno ou materno-filial com o adotando, em perspectiva constitucional isonômica em face da filiação biológica. Trata-se de modalidade de filiação constituída no amor, na feliz expressão de Luiz Edson Fachin, gerando vínculo de parentesco por opção. A adoção consagra a paternidade socioafetiva, baseando- se não em fator biológico, mas em fator sociológico. A verdadeira paternidade funda-se no desejo de amar e ser amado. É nesse sentido paterno-filial entre pessoas mais velhas e mais novas, que imita a vida, que a adoção se baseia. São os filhos que resultam de uma opção, e não do acaso, que são adotivos. O instituto da adoção é um dos mais antigos de que se tem notícias. Afinal, sempre existiram filhos cujos pais não querem ou não podem assumir. Também há crianças que são afastadas do convívio familiar por negligência, maus tratos ou abuso. A sorte é que milhões de pessoas desejam realizar o sonho de ter filhos. O Código Civil de 1916 chamava de simples a adoção tanto de maiores como de menores de idade. Só podia adotar quem não tivesse filhos. A adoção era levada a efeito por escritura pública e o vínculo de parentesco estabelecia-se somente entre o adotante e o adotado. A Lei 4.655/1965 admitiu a chamada legitimação adotiva. Dependia de decisão judicial. Era irrevogável e fazia cessar o vínculo de parentesco com a família natural. O Código de Menores substituiu a legitimação adotiva pela adoção plena, mas manteve o mesmo espírito. O vínculo de parentesco foi estendido à família dos adotantes, de modo que o nome dos avós passou a constar no registro de nascimento do adotado, independentemente de consentimento expresso dos ascendentes. A Constituição da República, ao consagrar o princípio da proteção integral, deferindo idênticos direitos e qualificações aos filhos e proibindo quaisquer designações discriminatórias, eliminou qualquer distinção entre adoção e filiação. A doutrina da proteção integral e a vedação de Direito de Família 5º período - 2021 referências discriminatórias alteraram profundamente a perspectiva da adoção. Inverteu-se o enfoque dado à infância e à adolescência, rompendo a ideologia do assistencialismo e da institucionalização, que privilegiava o interesse e a vontade dos adultos. A adoção significa muito mais a busca de uma família para a criança do que a busca de uma criança para a família. Para dar efetividade ao comando constitucional, foi editado, em 1989, o Estatuto da Criança e do Adolescente, que passou a regular a adoção. É contravertida a natureza jurídica da adoção. No sistema do Código de 1916, era nítido o caráter contratual do instituto. Tratava-se de negócio jurídico bilateral e solene, uma vez que se realizava por escritura pública, mediante o consentimento das duas partes. Se o adotado era maior e capaz, comparecia em pessoa; se incapaz, era representado pelo pai, tutor ou curador. Admitia-se a dissolução do vínculo, sendo as partes maiores, pelo acordo de vontades. A partir da Constituição de 1988, todavia, a adoção passou a constituir-se por ato complexo e a exigir sentença judicial, prevendo-a expressamente o art. 47 do ECA e o art. 1.619 do Código Civil de 2002. O art. 227, §5º, da Carta Magna, ao determinar que “a adoção será assistida pelo Poder Público, na forma da lei, que estabelecerá casos e condições de sua efetivação por parte de estrangeiros”, demonstra que a matéria refoge dos contornos de simples apreciação juscivilista, passando a ser matéria de interesse geral, de ordem pública. A adoção não mais estampa o caráter contratualista de outrora, como ato praticado entre adotante e adotado, pois, em consonância com o preceito constitucional mencionado, o legislador ordinário ditará as regras segundo as quais o Poder Público dará assistência aos atos de adoção. Desse modo, como também sucede com o casamento, podem ser observados dois aspectos na adoção: • o de sua formação, representado por um ato de vontade submetido aos requisitos peculiares; • o do status que gera, preponderantemente de natureza institucional. Os principais requisitos exigidos pelo Estatuto da Criança e do Adolescente para a adoção são: • Idade mínima de 18 anos para o adotante (ECA, art. 42, caput); • Diferença de 16 anos entre adotante e adotado (ECA, art. 42, §3º): a adoção imita a natureza. Desse modo, é imprescindível que o adotante seja mais velho para que possa desempenhar eficientemente o poder familiar. • Consentimento dos pais ou representantes legais de quem se deseja adotar: trata-se de condição fundamental à concessão da medida. Todavia, o art. 166 do ECA dispensa, se os pais foram destituídos do poder familiar ou houverem aderido expressamente ao pedido de colocação em família substituta. • Concordância do adotando, se contar mais de 12 anos: prescreve, efetivamente, o §2º do art. 28 que, tratando-se de “maior de 12 anos de idade, será necessário seu consentimento, colhido em audiência”. Direito de Família 5º período - 2021 • Processo judicial: a adoção, seja a de menor ou de maior de idade, deve sempre obedecer a processo judicial. • Efetivo benefício para o adotando: o art. 43 do ECA se refere a “reais vantagens para o adotando”. • Ato personalíssimo e exclusivo. • Estágio de convivência: a adoção de menores de 18 anos requer o preenchimento ainda de outro requisito: o estágio de convivência, a ser promovido obrigatoriamente, só podendo ser dispensado “se o adotando já estiver sob a tutela ou guarda legal do adotante durante tempo suficiente para que seja possível avaliar a convivência da constituição do vínculo”. A prova do estágio de convivência é indispensável na adoção por estrangeiro. O novo §3º do art. 46 do ECA, introduzido pela Lei Nacional de Adoção, trata do estágio de convivência na hipótese de adoção internacional, antes de disciplinada pelo §2º do aludido dispositivo legal. A novidade é que o prazo de estágio foi unificado para 30 dias, independentemente da idade da criança ou do adolescente. A norma de 2017 incluiu outras regras importantes. A primeira delas consta do caput do art. 46 do ECA, que passou a consagrar um prazo máximo para o estágio de convivência de 90 dias. Conforme a sua redação atual, “a adoção será precedida de estágio de convivência com a criança ou adolescente, pelo prazo máximo de 90 (noventa) dias, observadas a idade da criança ou adolescente e as peculiaridades do caso”. Esse prazo pode ser prorrogado por até igual período, mediante decisão fundamentada da autoridade judiciária (§ 2.º-A do mesmo comando). A respeito da adoção internacional, com a Lei 13.509/2017 passou-se a preceituar que “em caso de adoção por pessoa ou casal residente ou domiciliado fora do País, o estágio de convivência será de, no mínimo, 30 dias e, no máximo, 45 dias, prorrogável por até igual período, uma única vez, mediante decisão fundamentada da autoridade judiciária” (art. 46, § 3.º, do ECA). Ao final deste prazo, deverá ser apresentado laudo fundamentado por equipe multidisciplinar, que recomendará ou não o deferimento da adoção à autoridade judiciária (art. 46,§ 3.º-A, do ECA). Em regra, podem adotar todas as pessoas maiores de 18 anos. Preceitua o art. 42 do ECA: “Podem adotar os maiores de 18 anos, independentemente de estado civil”. A adoção é ato pessoal do adotante, uma vez que a lei a veda por procuração. O estado civil, o sexo e a nacionalidade não influenciam na capacidade ativa de adoção. Está implícito, porém, que o adotante deve estar em condições morais e materiais de desempenhar a função, de elevada sensibilidade, de verdadeiro pai de uma criança, cujo destino e felicidade estão entregues. Tratando-se de ato jurídico, a adoção exige capacidade. Assim, não podem adotar os menores de 18 anos e os deficientes considerados relativamente incapazes e sujeitos à curatela, como os ébrios habituais e os viciados em tóxicos; os que, por causa transitória ou permanente, não puderem exprimir sua vontade, bem como os pródigos. Proclama o art. 6º, VI da Lei n. 13.146, de 6 de julho de 2015, que “A deficiência não afeta a plena capacidade civil da pessoa, inclusive para exercer o direito à guarda, à tutela, à curatela e à adoção, Direito de Família 5º período - 2021 bem como adotante e adotando, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas”. Todavia, não poderá adotar se sujeita à curatela. • Adoção por tutores e curadores: não estão legitimados a adotar seus pupilos e curatelados os tutores e curadores enquanto não prestarem “contas de sua administração” e saldarem o alcance, se houver. A restrição protege os interesses do tutelado ou dos filhos do interditado e é ditado pela moralidade, pois visa impedir a utilização da adoção como meio para fugir ao dever de prestar contas e de responder pelos débitos de sua gestão. • Proibição de adoção por ascendentes e irmãos do adotando: dispõe o art. 42, §1º, do ECA: “Não podem adotar os ascendentes e os irmãos do adotando”. Desse modo, por total incompatibilidade com o instituto da adoção, não pode o avô adotar o neto, nem um homem solteiro, ou um casal sem filhos, adotar um irmão de um dos cônjuges. O Superior Tribunal de Justiça, inovando, proclamou que, em circunstâncias excepcionais, os avós podem adotar o próprio neto, apesar da vedação prevista no mencionado artigo. Para a relatora, Min. Nancy Andrighi, “quando é o próprio legislador que outorga ao juiz a possibilidade de, excepcionalmente, suplantar ou suplementar normas em nome do melhor interesse do menor, que embora tenha regulado as relações intrafamiliares, há inúmeras circunstâncias, ditadas pela imprevisível dinâmica social, que podem fazer o sistema protetivo legislado conspirar contra os melhores interesses do menor, a quem pretende proteger. O princípio do melhor interesse da criança é o critério primário para a interpretação de toda a legislação atinente a menores, sendo capaz, inclusive, de retirar a peremptoriedade de qualquer texto legal atinente aos interesses da criança ou do adolescente, submetendo-o ao crivo objetivo de apreciação judicial de situação concreta”. O procedimento de habilitação à adoção é de jurisdição voluntária. A competência é da Vara da Infância e Juventude, onde deve o candidato à adoção comparecer. Não é necessário estar acompanhado de advogado. A petição inicial normalmente é um simples formulário, disponibilizados pela internet. É necessária a apresentação de uma série de documentos: comprovante de renda e de domicilio; atestado de sanidade física e mental; certidão de antecedentes criminais e negativa de distribuição cível. Na oportunidade os candidatos devem indicar o perfil de quem aceitam adotar. Os candidatos devem se submeter a estudo psicossocial. Deferida a habilitação, o postulante é inscrito no Cadastro Nacional de Adoção (art. 50 do ECA). O prazo para conclusão do procedimento é de 120 dias, prorrogável por igual período. A habilitação deve ser renovada a cada três anos mediante avaliação de equipe interprofissional. • Exceções ao Cadastro Nacional de Adoção: há casos em que, excepcionalmente, dispensam a fase do procedimento de habilitação para inclusão no Cadastro Nacional da Adoção, o que, por sua vez, apesar de encurtar o caminho à adoção, não quer dizer que tais pretendentes não terão os seus contextos sociais analisados e verificados cuidadosamente pela equipe multidisciplinar (assistentes sociais, psicólogos) do juízo e pelo Ministério Público. Direito de Família 5º período - 2021 Tal possibilidade, de adoção sem ingressar no cadastro, persiste legalmente em três situações: i) nos casos em que se pretende uma adoção unilateral; ii) a adoção por parentes da criança ou adolescente com elevado vínculo de afinidade ou afetividade; ou ainda, iii) nos casos em que o pedido provém de quem detém a guarda ou tutela de criança maior de três anos idade ou de adolescente, desde que tenham elevado vínculo de afinidade e afetividade entre os que desejam adotar e os que serão adotados. Desde o advento da Constituição da República, estão assegurados os mesmos direitos e qualificações aos filhos havidos ou não da relação do casamento ou por adoção. Como afirma Paulo Lôbo, não cabe falar em “filho adotivo”, mas em “filho por adoção”. A origem da filiação é única e se apaga quando da adoção. A partir do momento em que é constituída pela sentença judicial e retificado o registro de nascimento, o adotado é filho, sem qualquer adjetivação. O adotado adquire os mesmos direitos e obrigações como qualquer filho. Direito ao nome, parentesco, alimentos e sucessão. Na contramão, também correspondem ao adotado os deveres de respeito e obediência. Os pais, por sua vez, têm os deveres de guarda, criação, educação e fiscalização. A adoção atribui ao adotado a condição de filho para todos os efeitos, desligando-o de qualquer vínculo com os pais biológicos (ECA, art. 41), salvo quanto aos impedimentos para o casamento. Do vínculo de consanguinidade não resulta qualquer outro efeito jurídico, pessoal ou patrimonial. A relação de parentesco se estabelece entre o adotado e toda a família do adotante. Os seus parentes tornam-se parentes do adotado, tanto em linha reta como em linha colateral. Também idênticos os graus de parentesco que se estabelecem em relação aos filhos biológicos do adotante. Enio Duarte Fernandez Junior sustenta que o rompimento do vínculo parental decorrente da adoção conflita com os direitos fundamentais da dignidade da pessoa, da solidariedade e da isonomia. Não há como negar ao adotado a tutela de sua pretensão à existência, à vida, à integridade, enfim, aos seus direitos de personalidade frente a sua família biológica, sob o argumento de fato impeditivo posto em norma infraconstitucional. Ainda que seja garantido à mãe o direito ao sigilo sobre o nascimento (ECA, art. 19 -A, §9º), é assegurado ao adotado, após completar 18 anos, o direito de conhecer sua origem biológica (ECA, art. 48). A morte dos adotantes não restabelece o poder familiar dos pais naturais. Ainda que exista resistência na doutrina, nada impede que os pais biológicos adotem o filho que fora adotado. Afinal, com a morte do adotante, o filho ficou órfão. EFEITOS • De ordem pessoal − Parentesco: embora chamado de civil, é em tudo equiparado ao consanguíneo. − Poder familiar: transfere-se do pai natural para o adotante. − Nome: confere ao adotado o sobrenome do adotante. • De ordem patrimonial − Alimentos: são devidos reciprocamente, entre adotante e adotado, pois tornam-se parentes. − Direito sucessório: o filho adotivo concorre em igualdade de condições com os filhos de sangue. Direito de Família 5º período - 2021 • Benefícios legais: no caso de adoção ou guarda judicial da criança, é devido ao segurado – seja à mulher, seja ao homem – salário-maternidade e benefício previdenciário a ser pago pelo INSS pelo prazo de 120 dias. O prazo da licença adotante não pode ser inferior ao prazo da licença gestante,independentemente da idade da criança adotada. Tanto a adotante como a guardiã fazem jus à licença-maternidade (CLT, art. 392-A) pelo prazo de 120 dias. A licença-maternidade é prorrogada por 60 dias e a licença-paternidade por 15 dias aos empregados das pessoas jurídicas que aderem ao Programa Empresa Cidadã. O benefício não pode ser concedido amais de um segurado, como na hipótese de adoção por um casal de mulheres (CLT, art. 392-A, §5º). No entanto, a jurisprudência vem se amoldando à realidade da vida. Nas uniões femininas, em que uma fornece o óculo que é fecundado e implantado na outra, ambas são mães. E a ambas cabe ser concedida licença-maternidade. Nascendo filhos gêmeos, tem sido concedida liminarmente licença ao pai, pelo período de 120 dias. Permanecendo o recém- nascido internado, a licença-maternidade começa a partir da data hospitalar. Ocorrendo o falecimento da genitora, é vedada a dispensa arbitrária ou sem justa causa do benefício a favor de quem ficar com a guarda do seu filho. No âmbito da previdência social, em caso de falecimento do segurado que dizer jus ao salário-maternidade, o benefício será pago ao cônjuge ou companheiro sobrevivente. Como existe a possibilidade da adoção por uma única pessoa e também por casais homoafetivos, impositivo se falar em licença-natalidade, a ser usufruída por ambos os pais pelo período de 15 dias e depois por qualquer, dividindo o tempo do modo como convencionarem. Essa previsão está no Estatuto da Diversidade Sexual e Gênero (PLS 134/2018). No âmbito do serviço público federal, persiste a diferenciação temporal da licença no caso de adoção ou guarda, a depender da idade do adotado. Essa distinção foi eliminada pelo STF, em decisão vinculante, com formulação de tese. Ao assegurar a criança e adolescente o direito de serem criados e educados no seio de sua família, o ECA consagra a biologização do vínculo familiar. Chama de família natural a comunidade formada pelos pais ou qualquer deles e seus descendentes (ECA, art. 25). Aliás, este é um dos princípios na aplicação das medidas de proteção: na promoção de direitos e na proteção da criança e do adolescente deve ser dada prevalência às medidas que os mantenham ou reintegrem na sua família natural. Seja qual for o motivo que ensejou a intervenção estatal no âmbito familiar – maus-tratos, negligencia ou abuso por parte dos pais -, ainda assim é priorizada a manutenção dos filhos junto a eles. STF – Tema 782: Os prazos da licença adotante não podem ser inferior aos prazos da licença gestante, o mesmo valendo para as respectivas prorrogações. Em relação à licença adotante, não é possível fixar prazos diversos em função da idade da criança adotada. Direito de Família 5º período - 2021 Os filhos aguardam abrigados enquanto é dada aos seus genitores a chance de receberem a devida orientação por intermédio de equipe técnica interprofissional a serviço da Justiça da Infância e da Juventude, preferencialmente com apoio dos técnicos responsáveis pela execução da política municipal de garantia do direito à convivência familiar. É atribuído ao Conselho Tutelar o dever de esgotar as possibilidades de manutenção da criança ou do adolescente junto à família natural, para só então representar ao Ministério Público para que promova a ação de perda ou suspensão do poder familiar. Não há como delegar a conselheiros tutelares a tarefa de tentar manter crianças e adolescentes, em situação de vulnerabilidade, junto à família. O encargo deve ser assumido por equipes técnicas mediante a realização de estudos psicossociais, com a apresentação de laudos e relatórios. Sem esses subsídios, certamente o Ministério Público não terá como promover a ação de perda ou suspensão, pela só representação encaminhada pelo Conselho Tutelar. Depois de muito insistir para que os genitores acolham os filhos de volta, parte-se na busca de algum parente. Esta solução decorre da crença de que se deve manter os vínculos biológicos a qualquer custo. Quando reconhecida a impossibilidade de permanência dos filhos junto aos pais, a lei determina que se saia à caça de algum membro da chamada família extensa ou ampliada: aquela que se estende para além da unidade pais e filhos ou da unidade do casal, formada por parentes próximos com os quais a criança ou o adolescente convive e mantém vínculos de afinidade e afetividade. Pela própria definição de família extensa, resta evidenciado que não existe correlação com os conceitos da lei civil. O parentesco se estabelece na relação de ascendentes e descendentes e entre colaterais até o quarto grau. Na conceituação de parentesco, na expressão “ou outra origem” se encontram vínculos de filiação socioafetiva. Para merecer o qualificativo de família extensa, é indispensável um elemento a mais: a convivência e a presença de um elo de afinidade e afetividade entre eles. Sem isso, desnecessária a realização de estudo psicossocial. Na busca da família extensa, os primeiros lembrados são sempre os avós, os quais, no entanto, não podem adotar os netos. Dito impedimento existe também com relação aos irmãos. A estes é deferida apenas a guarda. Em casos muito especiais, porém, tal regra foi mitigada pelo STJ quando demonstrada reais vantagens para a criança ou adolescente. Os vínculos de parentesco alcançam também a união estável e a mesma restrição estende-se aos conviventes, sendo vedada a adoção entre ascendentes e descendentes, mesmo depois de rompida a união. Não há qualquer óbice à adoção entre parentes colaterais de terceiro e quarto grau. Determinada a institucionalização, indispensável respeitar a identidade de gênero da criança ou do adolescente. FONAJUP – Enunciado n. 05: É dispensável o estudo psicossocial em família extensiva residente fora da comarca desde que constatado a ausência de vínculo afetivo e/ou interesse. Quando se trata de recém-nascido, é um equívoco buscar alguém da família que o queira. Quem acabou de nascer não tem vínculo com ninguém, o que dispensa esta longa e ineficaz providencia, que só aumenta o tempo em que o bebê ficará abrigado. Recém-nascidos não procurados pela família no prazo de 30 dias serão cadastrados à adoção. Direito de Família 5º período - 2021 A colocação em família substituta é excepcional (ECA, art. 19). Sempre que evidenciada situação de vulnerabilidade de criança ou adolescente, por falta, omissão ou abuso dos pais ou responsáveis, cabe ser aplicada, como medida de proteção, e mesmo antes da propositura da ação de destituição do poder familiar. Estrangeiros somente podem ser admitidos como família substituta para fins de adoção. O acolhimento institucional e a colocação em família acolhedora também são medidas provisórias e excepcionais, utilizáveis como forma de transição para reintegração familiar ou, não sendo possível, para colocação em família substituta. Esgotados os recursos de manutenção na família natural ou extensa, mostrando-se a solução comprovadamente inviável, cabe a colocação em família substituta. Na situação de abrigamento, a cada 03 meses, deve o juiz decidir pela reintegração familiar ou pela colocação em família substituta. Ainda assim, a permanência em situação de acolhimento pode se perpetuar. Apesar de ser estabelecido o prazo máximo de 18 meses, há uma ressalva: salvo a necessidade de atender o seu melhor interesse. Trata-se de programa que permite a crianças e adolescentes institucionalizadas conviverem com famílias ou pessoas que possam propiciar vivência familiar e comunitária (ECA, art. 19-B). Ainda que a finalidade seja salutar, há uma restrição das mais perversas. Quem está cadastrado à adoção não pode se candidatar a padrinho. A ressalva dispõe de uma justificativa injustificável: receio de que os candidatos à adoção tentem burlar a ordem dos cadastros. Nada impede, porém, que os padrinhos adotem seus afilhados.Bem como os integrantes da família acolhedora. Aliás, devem eles ter preferência na adoção. Basta se habilitarem, indicando a criança que desejam adotar, por já existir entre eles vínculo de filiação socioafetivo. Ora, podem participar deste programa somente crianças ou adolescentes com remotas possibilidades de inserção familiar ou colocação em família adotiva. Ou seja, já não foram encontradas adotantes para ele. A adoção à brasileira é uma criação da jurisprudência por se tratar de uma prática disseminada no Brasil. É quando o marido ou companheiro registra em seu nome o filho da esposa ou companheira, como se fosse filho dele, com a intenção de dar-lhe um lar, de comum acordo com a mãe, e não com a intenção de tomar-lhe o filho. Trata-se de crime contra o estado de filiação (CP, art. 242): registrar como seu o filho de outrem. Diverge a jurisprudência sobre a condenação do réu, a concessão do perdão judicial ou o reconhecimento da nobreza do ato que privilegia o delito. A hipótese é recorrente. Alguém se apaixona por quem tem um filho e simplesmente o registra em seu nome. Quase um “crime perfeito”, pois a ninguém interessa denunciá-lo. No entanto, rompido o Direito de Família 5º período - 2021 vínculo afetivo do casal, diante da obrigatoriedade de arcar com alimentos a favor do filho, o pai busca a desconstituição do registro por meio de ação anulatória ou negatória de paternidade. A jurisprudência reconhece a voluntariedade do ato praticado de modo espontâneo e não admite a anulação do registro de nascimento, considerando-o irreversível. Como não houve vício de vontade, não cabe a anulação, sob o fundamento de que a lei não autoriza ninguém vindicar estado contrário ao que resulta do registro de nascimento (CC, art. 1.604). Ainda que dito dispositivo legal excepcione a possibilidade de anulação por erro ou falsidade, não se pode aceitar a alegação de falsidade do registro levada a efeito pela própria pessoa. Assim, registrar o filho alheio como próprio, sabendo não ser verdadeira a filiação, impede posterior pedido de anulação. Ainda que seja obstaculizado ao pai registral a desconstituição do vínculo de paternidade, igual impedimento não existe com relação ao filho, que pode fazer uso da ação anulatória do registro, pois está a vindicar seu estado de filiação. Dispõe de legitimidade para buscar o reconhecimento da filiação biológica e a anulação do registro levado a efeito. No entanto, comprovada a existência de filiação socioafetiva com o pai registral, é de se reconhecer a multiparentalidade, com a inserção no registro de nascimento, da filiação biológica sem excluir o pai registral. Depois de atingir a maioridade, o filho pode somente buscar o efeito anulatório, sem intentar ação de reconhecimento de paternidade contra o pai biológico. Dispõe ele do direito de simplesmente excluir do registro o nome de quem lá consta como seu genitor (CC, art. 1.614). Não se reconhece o direito de a mãe eleger a quem dar o filho à adoção, sem atentar que esse é o maior gesto de amor que existe: sabendo que não poderá criá-lo, renunciar ao filho, para assegurar- lhe uma vida melhor da que pode lhe propiciar, é atitude que só o amor justifica. É o que se chama de adoção intuitu personae, direta ou dirigida. Assim, a adoção intuitu personae acontece quando a mãe biológica manifesta o interesse em entregar a criança a pessoa conhecida, sem que essa conste no Cadastro Nacional de Adoção. A adoção intuitu personae além de não ser permitida pela Lei 8.069/90, pode ainda configurar a prática do crime previsto no art. 242 do Código Penal , com pena de reclusão de 2 a 6 anos, se houver o registro do filho adotado pelo casal adotante como se fosse filho biológico, caracterizando dessa forma, crime contra estado de filiação. Além disso, muitas vezes o Ministério Público pede, e o juiz autoriza, a busca e apreensão da criança. Ela é retirada do único lar que conhece e levada a um abrigo para ser adotada segundo a ordem do cadastro. A sorte é que a jurisprudência vem sendo mais sensível, não determinando a institucionalização, mesmo quando reconhecida a ocorrência da adoção intuitu personae. O STF, atentando ao princípio do melhor interesse, tem aceitado o uso de habeas corpus para revogar ordem de busca e apreensão, mesmo quando há indícios de burla ao cadastro. Direito de Família 5º período - 2021 Ainda que todos sustentem que é proibida a adoção consensual, tal vedação não existe no ECA. Ao contrário, é expressamente prevista. A grande novidade da última reforma do ECA foi admitir a entrega voluntária do filho à adoção, na tentativa de impedir as chamadas adoções diretas. A gestante ou a mãe, que manifeste expressamente em entregar o filho à adoção, deve fazê-lo judicialmente (ECA, art. 19-A). Antes ou depois do nascimento do filho, é encaminhada ao Juizado da Infância e Juventude. Ela não precisa estar acompanhada de advogado, para se apresentar no balcão do fórum dizendo que deseja entregar o filho à adoção. Tomada a termo sua manifestação, é instaurado um procedimento. O expediente deve ser encaminhado à equipe interprofissional, uma vez que a mãe deve receber orientações e esclarecimentos sobre a irrevogabilidade da medida, tendo direito à assistência psicológica no período pré e pós-natal. Recebida a avaliação, se não houver pedido de sigilo da entrega, pelo prazo de 90 dias, prorrogável por igual período, é feita a busca da família extensa. Se não houve indicação do genitor ou de alguém da família extensa para receber a guarda, depois do nascimento, o juiz deve designar audiência no prazo de 10 dias da entrega da criança. Na solenidade, na presença do Ministério Público, a mãe ou os pais, devidamente assistidos por advogado ou defensor, serão obrigatoriamente ouvidos, garantida a livre manifestação de vontade. Ratificada a concordância com a adoção, o juiz extingue o poder familiar. Suspende também o poder familiar do genitor registral que não compareceu ao ato. Na hipótese não comparecerem à audiência nem o genitor nem representante da família extensa, para confirmar a intenção de exercer o poder familiar ou a guarda, o juiz suspende o poder familiar da mãe, e a criança será colocada sob a guarda provisória de quem esteja habilitado a adotá-la. Ainda assim, em até 10 dias após a sentença, pode haver a desistência da adoção. A revogação do consentimento, no entanto, impede a adoção, pois é necessário atentar ao melhor interesse do adotando. Este procedimento não deve demorar mais de 120 dias (ECA, art. 163). Quando um ou ambos possuem filhos de uniões anteriores, há a possibilidade de o parceiro adotá-los. Forma-se um novo núcleo familiar e é natural o desejo de consolidar os laços familiares não só do par, mas também com relação aos respectivos filhos. Em outras palavras, se uma mulher tem um filho, seu cônjuge ou companheiro pode adotá-lo. Ocorre a destituição do poder familiar do genitor que é substituído pelo padrasto. O filho mantém o vínculo de filiação com a mãe e com o adotante. O poder familiar é exercido por ambos, e o parentesco se estabelece com os parentes de cada um deles. Direito de Família 5º período - 2021 Estabelece uma biparentalidade fática do filho com o parceiro do genitor biológico. Trata-se de forma especial de adoção, que tem caráter híbrido, pois permite a substituição de somente um dos genitores e respectiva ascendência. Daí a adoção unilateral. Há três possibilidades para a ocorrência da adoção unilateral: • quando o filho foi reconhecido por apenas um dos pais, a ele compete autorizar a adoção pelo seu parceiro; • reconhecido por ambos os genitores, é deferida a adoção ao novo cônjuge ou companheiro do guardião, decaindo o genitor biológico do poder familiar; • com o falecimento do pai biológico, pode o órfão ser adotado pelo cônjuge ou parceiro do genitor sobrevivente.Subsistem os impedimentos matrimoniais de duas ordens, tanto com a família de sangue como com relação à adotiva. Abandonado pelo pai, o filho passa a ter estreita vinculação com o companheiro ou marido da mãe. Como o abandono serve de causa para a perda do poder familiar, essa é a única solução quando injustamente o pai se insurge contra a adoção. Assim, cabe cumular o pedido de destituição familiar com o de adoção. Ainda que não requerida a destituição do poder familiar, esse é um efeito anexo da sentença. Quando ocorre o falecimento do padrasto, o enteado é equiparado ao filho e tem direitos aos benefícios previdenciários, basta comprovação da dependência econômica. A multiparentalidade vem sendo reconhecida e concedida, hipótese em mais pessoas assumem as funções parentais. Inclusive, quando o filho tem mais de 12 anos, existe a possibilidade de tal ocorrer administrativamente. Deste modo, há a possibilidade de o filho adotivo buscar o reconhecimento da multiparentalidade com o pai biológico. Um dos fatores que leva ao encarceramento de muitas crianças, por muitos anos, é o fato de muitos terem irmãos. Apesar da recomendação de não ocorrer o desmembramento de grupo de irmãos, no mais das vezes, eles nem são mantidos no mesmo abrigo. Sequer se conhecem. Conclusão, acaba existindo inúmeros grupo de irmãos, com idades diferentes, sem qualquer chance de serem adotados. Direito de Família 5º período - 2021 Ainda que seja fácil a colocação de crianças pequenas, é complicado quando elas têm irmãos adolescentes. Em face da determinação de que grupo de irmãos sejam colocados em adoção na mesma família, acaba nenhum deles sendo adotados. Até porque, solução diversa, somente é aceita em caráter excepcional, se comprovada a existência de risco de abuso ou situação outra que a justifique. A antiga adoção bilateral, realizada por duas pessoas, passou a ser denominada como adoção conjunta, pelo art. 42, § 2.º, do ECA. Para essa adoção conjunta, é indispensável que os adotantes sejam casados civilmente ou mantenham união estável, comprovada a estabilidade da família. Como novidade interessante, o § 4.º do art. 42 do ECA passou a prever desde 2009 que “os divorciados, os judicialmente separados e os ex-companheiros podem adotar conjuntamente, contanto que acordem sobre a guarda e o regime de visitas e desde que o estágio de convivência tenha sido iniciado na constância do período de convivência e que seja comprovada a existência de vínculos de afinidade e afetividade com aquele não detentor da guarda, que justifiquem a excepcionalidade da concessão”. Desde que demonstrado efetivo benefício ao adotando, será assegurada a guarda compartilhada, conforme previsto no art. 1.584 do Código Civil (art. 42, § 5.º, do ECA) Não existe obstáculo à adoção por homossexuais. As únicas exigências para o deferimento da adoção são que apresente reais vantagens para o adotado e se fundamente em motivos legítimos. Mesmo antes da histórica decisão do STF reconhecendo a união estável homoafetiva, o STJ já havia admitido a adoção a casais formados de pessoas do mesmo sexo. O Código Civil de 1916 aludia à possibilidade de se adotar o nascituro. Prescrevia o art. 372 do mencionado diploma que “não se pode adotar sem o consentimento do adotado ou de seu representante legal se for incapaz ou nascituro”. A doutrina mantém aceso o debate sobre a adoção antes do nascimento. O ECA, no entanto, somente admite que a mãe consista com a adoção após o nascimento do filho. A adoção de maiores nunca foi proibida. Ao contrário, era até facilitada, na medida em que podia ser levada a efeito por escritura pública, dispensando-se a via judicial. O Código Civil de 2002 limita-se a exigir a assistência efetiva do Poder Público no que concerne à adoção de maiores, o que torna necessária ser feita judicialmente, aplicando-se, no que couber, as regras do ECA. Direito de Família 5º período - 2021 Como se trata de direito personalíssimo, que diz com o estado da pessoa, indispensável a inequívoca manifestação de vontade de adotante e de adotado, mas não é necessário estágio de convivência. A sentença de adoção possui eficácia constitutiva e seus efeitos começam a fluir a partir do trânsito em julgado da sentença (ex nunc), não produzindo efeitos retroativos. Contudo, a lei abre exceção na hipótese de falecimento do adotante, no curso do processo: o efeito da sentença retroage à data do falecimento. O deferimento da adoção depois do falecimento do adotante está condicionado à propositura da ação antes do óbito (artigo 42, §6º do ECA). A necessidade de que o procedimento judicial de adoção já tenha iniciado, é relativizado pela jurisprudência. Basta que seja comprovada a inequívoca manifestação de vontade em adotar, antes do falecimento. Conforme parágrafo 5º, do artigo 197-E, do ECA: a desistência do pretendente em relação à guarda para fins de adoção ou a devolução da criança ou do adolescente depois do trânsito em julgado da sentença de adoção importará na sua exclusão dos cadastros de adoção e na vedação de renovação da habilitação, salvo decisão judicial fundamentada, sem prejuízo das demais sanções previstas na legislação vigente.
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