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LUCIANO DE SOUZA SIQUEIRA LUCIANA GARCIA DE OLIVEIRA Professor autor/conteudista Atualizado e revisado por É vedada, terminantemente, a cópia do material didático sob qualquer forma, o seu fornecimento para fotocópia ou gravação, para alunos ou terceiros, bem como o seu fornecimento para divulgação em locais públicos, telessalas ou qualquer outra forma de divulgação pública, sob pena de responsabilização civil e criminal. SUMÁRIO Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5 Evolução legislativa do instituto jurídico da guarda no Brasil . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 6 Definição da guarda . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 8 Espécies de guarda . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 8 A guarda no Estatuto da Criança e do Adolescente . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9 Tipos de guarda no Estatuto da Criança e do Adolescente . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11 Disposições gerais sobre a guarda no Estatuto da Criança e do Adolescente . . . . . . 12 Do procedimento da guarda no Estatuto da Criança e do Adolescente . . . . . . . . . . . 13 Competência para o processo de guarda . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13 Guarda após a ruptura da sociedade conjugal ou da união estável . . . . . . . . . . . . . . 14 Critérios para se estabelecer a guarda exclusiva . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 15 No divórcio e na dissolução da união estável . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .15 No divórcio-sanção. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 15 No divórcio-falência . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 15 No divórcio-remédio . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 15 Guarda de filhos e anulação de casamento . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .16 Guarda e união estável . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .16 Guarda de filhos havidos fora do seio familiar . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 16 Guarda dos filhos e interesse da criança e do adolescente . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17 Tipos de guarda: a guarda unilateral . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17 Da guarda compartilhada: gênese legislativa anterior à Lei Federal nº 13 .058 de 22 de dezembro de 2014 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 18 A guarda compartilhada decretada em juízo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19 A guarda alternada . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 24 A guarda e as pessoas jurídicas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 25 Guarda e previdência social . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 26 Guarda e previdência social – posição divergente. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 27 Revogação da guarda . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 28 Adoção – pequeno escorço histórico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 29 Adoção – conceito e finalidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 30 Requisitos para adoção . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 31 Diferença de idade entre adotante e adotado . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .31 Prevalência do interesse do menor. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 32 A adoção no ECA – noções introdutórias . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 33 A adoção no ECA – aspectos processuais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 34 Aspectos gerais da adoção . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 34 Das alterações legais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 35 Da assistência psicológica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 36 Das alterações legais – acolhidos indígenas ou provenientes de comunidade de quilombo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 37 Do direito de visita dos pais e do dever de prestar alimentos; da alteração do registro de nascimento e do nome do adotado . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 38 Das alterações legais; dos cadastros de crianças (§ 5º, artigo 50) . . . . . . . . . . . . . . 39 Da adoção por estrangeiros . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 41 Da adoção e guarda por casal que mantém relação homoafetiva . . . . . . . . . . . . . . . . 42 Exemplos de adoção e guarda por casal homoafetivo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 44 Parentalidades trans e o contexto conservador no Brasil . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 45 Aspectos jurisprudenciais sobre a adoção . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 52 Conclusão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 53 Glossário . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 55 Referências bibliográficas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 55 Pág. 5 de 59 INTRODUÇÃO Para melhor compreendermos os procedimentos de guarda e adoção no curso de Direito de Família, é fundamental um estudo interdisciplinar do Direito, nas áreas de Ciências Sociais, Serviço Social e Psicologia. Antes de estudarmos os tipos de guarda e os procedimentos de adoção de crianças e adolescentes é imperioso destacarmos aimportância da formação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) na legislação brasileira. O ECA, Lei nº 8.069 de 13 de julho de 1990, propiciou a proteção integral dos direitos da criança e do adolescente por parte da família e do Estado. Essa Lei Federal foi elaborada em um contexto de redemocratização do Brasil, durante o processo de elaboração da chamada “Constituição Cidadã” de 1988. Entre os grupos que se organizaram em comissões para a redação do ECA estavam presentes a Igreja Católica, representada por pastorais da criança, e o Movimento nacional dos meninos e meninas de rua institucionalizado entre os anos 1980 e 1985, enquanto entidade da sociedade civil. Após o ECA entrar em vigor, o termo “menor” foi substituído por “criança e adolescente”, pois foi considerado pejorativo, já que traz uma ideia de pessoa sem direitos. Foi a partir de 1988 que o termo “menor” foi banido do vocabulário das doutrinas e do texto legislativo referente aos direitos da infância. De acordo com o Direito brasileiro, existem duas espécies de guarda: a guarda no âmbito da relação familiar (em decorrência da dissolução conjugal) e a guarda em família substituta. Em ambos os tipos de guarda está assegurada a possibilidade de revogação a qualquer tempo. Caberá ao magistrado decidir a guarda, sempre tendo como prioridade absoluta o interesse da criança e do adolescente em disputa. Além da guarda dos filhos menores de idade, a Constituição de 1988 e o ECA consolidaram o tratamento isonômico entre os filhos adotados e os filhos naturais. Foram banidos quaisquer tipos de discriminação, existindo apenas os “filhos”, de modo genérico. Da mesma forma, não existe previsão de discriminação na adoção de crianças por casais que vivem relações homoafetivas. O fato de não haver previsão legal específica e reguladora da homoparentalidade não significa a inexistência da tutela jurídica. A Constituição Federal de 1988 garante proteção igualitária a todos os cidadãos, por isso, diante da omissão de lei especial caberá ao juiz reconhecer a filiação de casais homossexuais por meio da aplicação da analogia. O bem-estar da criança e do adolescente e o afeto nas relações familiares estão acima de questões de gênero, sexo e classe social. A família ou indivíduo, candidato Pág. 6 de 59 à adoção, que apresentar melhores condições de oferecer educação, proteção e carinho às milhares de crianças e adolescentes que vivem em estado de abandono em diversos orfanatos espalhados no Brasil, certamente serão contemplados com o benefício da maternidade/paternidade. EVOLUÇÃO LEGISLATIVA DO INSTITUTO JURÍDICO DA GUARDA NO BRASIL Houve tempos em que todo abandono de menor poderia ser fato gerador de guarda, como instituto do direito de família ou do então denominado direito do menor. A primeira regra existente no Brasil sobre o destino de filhos de pais separados foi criada pelo decreto 181/1890, que estabelecia em seu artigo 90: A sentença do divórcio mandará entregar os filhos menores e comuns ao cônjuge inocente e fixará a cota com que o culpado deverá concorrer para a educação deles, assim como a contribuição do marido para a sustentação da mulher, se esta for inocente e pobre. Já em relação ao antigo desquite judicial, o Código Civil de 1916 tratava de modo diverso o destino dos filhos menores em seu artigo 326, segundo o qual, havendo cônjuge inocente, com ele ficariam os filhos menores. Se ambos os cônjuges fossem culpados, os filhos menores ficariam com a mãe até completarem seis anos de idade; após essa idade, eles seriam entregues ao pai. Em relação à colocação em família substituta, a gênese legislativa brasileira começou com o Código de Menores, decreto nº 17.943-A, promulgado em 12 de outubro de 1927, que consolidou as Leis da assistência e de proteção aos menores. O artigo 27 do decreto nº 17.943-A considerou guardião o encarregado da guarda do menor, desde que não fosse pai, mãe ou tutor. Ele seria responsável por vigiar a criança ou adolescente sob sua tutela, e lhe prover educação. Aquela lei foi completamente revogada pela de nº 6.697/79 que, em seu artigo 2º, definiu menor em situação irregular. Além disso, o mesmo artigo designou como responsável aquele que, não sendo pai ou mãe, exercia, a qualquer título, a vigilância, a direção e a educação do menor, de modo voluntário ou por meio de ato judicial. A guarda, na condição de instituto jurídico, era prevista no inciso II do artigo 17 como uma das formas de colocação em lar substituto. O Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei Federal nº 8.069, de 13 de julho de 1990, substituiu a referida norma, já sob os auspícios da nova ordem constitucional vigente. Em seu artigo 19, determina que “toda criança ou adolescente tem o direito de ser criado no seio de sua família e, Pág. 7 de 59 excepcionalmente, em família substituta, assegurada a convivência familiar e comunitária, em ambiente livre da presença de pessoas dependentes de substâncias entorpecentes”. E uma das formas é a da guarda. Sua regulamentação é estabelecida nos artigos 33 a 35. A guarda segura dos menores de idade tenta evitar a internação de crianças e adolescentes em abrigos (ECA, art. 101, VII) como medida específica de proteção. O Estatuto da Criança e do Adolescente trouxe mudanças importantes na legislação. A Lei nº 8.069 priorizou a proteção integral da criança e do adolescente, de acordo com a concepção sustentadora da Convenção Internacional dos Direitos da Criança, aprovada pela AssembLeia Geral das Nações Unidas, em 20 de novembro de 1989. Figura 1 – O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) como marco importante dos direitos da infância. Fonte: kemie/iStock. O estatuto introduziu mudanças significativas em relação à legislação anterior, o chamado Código de Menores. O ECA passou a considerar crianças e adolescentes como cidadãos detentores de direitos pessoais e sociais. Por essa razão, influenciou governos municipais a implementarem políticas públicas dirigidas para esse segmento. No Brasil, o termo “menor” foi substituído por “criança e adolescente”, uma vez que o termo conota a ideia de uma pessoa sem direitos. Essa palavra foi banida das doutrinas e dos textos legislativos referentes aos direitos da infância para evitar de se associar as crianças e os adolescentes ao “direito penal do menor”, juntamente à toda carga discriminatória negativa. Seu precedente constitucional vem disposto no caput do artigo 227. Figura 2 – O ECA aboliu o termo “menor” por conter sentido pejorativo, e por associar crianças e adolescentes a atos infracionais. Fonte: Kubu/iStock. Pág. 8 de 59 DEFINIÇÃO DA GUARDA Um conceito uníssono do instituto da guarda não é muito simples de se encontrar na doutrina. A legislação permite aos juízes uma enorme discricionariedade para, na condução dos processos, decidirem a maioria das questões sobre a guarda que emerge a todo instante nas varas da família, o que exige elevado cuidado e bom senso. Por muito tempo a guarda foi destinada unicamente ao poder familiar. Era muito comum o uso da expressão “pátrio poder”. Foi a partir da década de 1950 que o conceito de guarda tornou-se mais flexível, a ponto de existirem hipóteses de concessão da guarda dos filhos menores de idade mesmo contra a vontade do titular do poder familiar, caso outra pessoa atendesse melhor aos interesses da criança ou do adolescente. Em busca de uma definição, pode-se iniciar pelo pensamento de Ana Milano (apud SILVA, 2008, p. 39): No sentido jurídico, guarda é o ato ou efeito de guardar e resguardar o filho enquanto menor, de manter vigilância no exercício de sua custódia e de representá-lo quando impúbere ou, se púbere, de assisti-lo, agir conjuntamente com ele em situações ocorrentes. Silvana Maria Carbonera (2000, p. 64) define guarda como: Um instituto jurídico através do qual se atribui a uma pessoa, o guardião, um complexo de direitos edeveres a serem exercidos com o objetivo de proteger e prover as necessidades de desenvolvimento de outra que dele necessite, colocada sob sua responsabilidade em virtude de lei ou decisão judicial. De acordo com a teoria, a guarda é o dever de resguardar a criança ou adolescente até atingir a maioridade. O guardião, por sua vez, tem a obrigação de prestar assistência moral, material e educacional. Como instituto jurídico, a guarda assume duas acepções distintas, as quais serão abordadas a seguir. ESPÉCIES DE GUARDA De acordo com o direito objetivo existem dois tipos de guarda: no âmbito da relação familiar, em decorrência da dissolução conjugal, e na família substituta. A primeira refere-se à guarda dos filhos (naturais ou adotivos) após o fim da sociedade conjugal. A guarda no âmbito familiar encontra disciplina legal nos artigos 1.583 a 1.590 do Código Civil. Pág. 9 de 59 Nesta espécie, a guarda é uma prerrogativa inerente ao poder familiar. É possível ao genitor exercitar esse poder, sem efetivamente ter a guarda. No contrário, caso tiver sido destituído dele o poder familiar, lhe é impossível exercer o direito de guarda. Vale a pena ressaltar que a guarda é confiada a ambos os pais, sejam eles casados ou mantendo união estável. A segunda, por sua vez, está disciplinada no Estatuto da Criança e do Adolescente, nos artigos 33 a 35. A guarda na família substituta é voltada às crianças e adolescente em situação irregular. Nesta segunda forma, alguns julgados têm afirmado que a guarda não é a essência do pátrio poder, mas um atributo dele. Lembramos que, hoje, a expressão pátrio poder foi substituída por poder familiar. Nesse passo, podemos concluir que o Estatuto da Criança e do Adolescente contempla basicamente três tipos de guarda: a provisória, a definitiva e a especial. A GUARDA NO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE A atual Carta Magna assegurou tanto à criança como ao adolescente o direito à convivência social e familiar. Nessa linha de pensamento, atribuída pela lei superior do país, procurou o Estatuto da Criança e do Adolescente aprimorar o instituto da guarda, buscando tornar efetivo este direito fundamental, conforme seu artigo 19: Toda criança ou adolescente tem direito a ser criado e educado no seio da sua família e, excepcionalmente, em família substituta, assegurada a convivência familiar e comunitária, em ambiente livre da presença de pessoas dependentes de substâncias entorpecentes. Figura 3 – Toda criança e adolescente tem direito de viver sob a custódia de sua família e, excepcionalmente, em família substituta. Fonte: primusoid/iStock. Pág. 10 de 59 Em verdade, o Estatuto da Criança e do Adolescente regularizou a posse de fato de uma criança ou adolescente por meio de sua guarda, a fim de lhe possibilitar a devida assistência material, moral e educacional. Ainda visou atender demandas peculiares ou suprir a falta eventual dos pais ou responsáveis legais, dentro do direito de representação para a prática de certos atos em sua vida (ECA, art. 33, § 1° e 2°). Destarte, havendo ou não o ânimo de adotar, qualquer pessoa que queira regularizar o estado de posse de fato de uma criança ou adolescente, sendo ou não parente, deverá requerer ao poder judiciário a guarda do infante, fundamentando o pedido nos artigos 33 a 35 do ECA. A competência em razão do local se determina pelo domicílio dos pais ou responsáveis, ou pelo lugar onde se encontra a criança ou adolescente, à falta dos pais ou responsável (ECA, artigo 147). A propósito da matéria inerente à competência para o conhecimento e julgamento de pedido de guarda quando os próprios pais são os que disputam pelo filho, o Egrégio Superior Tribunal de Justiça já decidiu que: Competência – Guarda de menor – Disputa pelo pai e mãe – Art. 147, inciso I, da Lei n° 8.069 de 13.7.1990 – Inteligência. Em caso de disputa do menor por seus pais, não sendo possível definir a competência de juízo em face do pátrio poder, já que exercido por ambos, cabe lançar-se mão do domicílio daquele que tem a guarda, para fins de determinação dessa competência. (STJ, 2ª Seção, Conflito de Competência n° 18967 – MG, Rel. Ministro Barros Monteiro, em 13 de fevereiro de 1998). Outro detalhe é que a guarda prevista no Estatuto da Criança e do Adolescente pode ser revogada a qualquer tempo, mediante ato judicial fundamentado nos autos em que foi deferida, conforme reza o artigo 169, parágrafo único do ECA, sempre com a participação do representante do Ministério Público. Nesse sentido, uma das principais prerrogativas da guarda é a possibilidade de revogação a qualquer tempo. O direito à guarda também pode ser concedido liminarmente em uma ação principal de guarda ou como medida incidental em ação de tutela ou adoção. A ação de guarda não exige a perda do poder familiar dos pais, que podem concordar em deixar os filhos com uma família substituta segundo termos do artigo 166, parágrafo único, que dispõe sobre o caso. Havendo concordância dos pais, a ação terá um trâmite como de jurisdição voluntária, conforme os artigos 1.103 a 1.112 do Código de Processo Civil, ou seja, uma guarda de caráter consensual, em que não haverá resistência dos genitores. Podemos usar como exemplo Pág. 11 de 59 a hipótese de os pais irem trabalhar fora do país e precisarem deixar seus filhos com alguém por tempo superior a seis meses. Entretanto, nos casos em que os pais não desejarem passar a guarda de seus rebentos para terceiros, é necessário que o citem, por meio de mandado ou edital, para impugnarem o pedido feito se assim o quiserem, resguardando para si os direitos à ampla defesa e ao devido processo legal. Essa impugnação terá caráter de defesa. É importante destacar que o interesse da criança deve sempre se sobrepor a qualquer outro, incluindo ao dos pais. Dessa forma, se estes não podem ou não tiverem condições adequadas de criar os filhos, o juiz deve deferir a guarda à pessoa que revele tal competência, em acordo com a medida e interesse do menor. A tônica de institucionalizar o interesse da criança e do adolescente foi uma novidade do ECA, servindo de fundamento aos juízes no momento de decidir a guarda e analisar, sempre, o que vier a ser melhor para o interesse do infante. O termo “interesse” pode ter significações variadas, tanto materiais como morais, emocionais e espirituais, por isso é analisado em cada lide de forma isolada. Outro dado importante a se frisar é que os pais que perderam a guarda dos seus filhos, sem motivo grave aparente, poderão visitá-los. Isso ocorre porque a guarda não obriga a perda ou a suspensão do poder familiar, como acontece com o instituto da adoção. Determinada a guarda, aquele a quem for concedida, doravante denominado guardião, deverá prestar compromisso de bem e desempenhar fielmente as exigências que a situação impõe, além de assinar um termo de guarda, conforme preceitua o artigo 32. Vale a pena destacar outra espécie de guarda, que pode ocorrer ocasionalmente, quando um adolescente, autorizado pelos pais, é levado para outra cidade para prestação de serviços domésticos. A pessoa que traz o adolescente deve cumprir integralmente a legislação trabalhista e regularizar a guarda deste adolescente no prazo de cinco dias contados a partir da fixação no domicílio da nova cidade, sob pena de incorrer em infração administrativa punida com multa de três a vinte salários mínimos, nos termos do artigo 248 do ECA. TIPOS DE GUARDA NO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE A figura jurídica da guarda pode ser classificada em permanente (duradoura, definitiva), temporária (ou provisória) e especial. Pág. 12 de 59 É permanente, ou duradoura, a guarda vista como um fim em si mesma, ou seja, quando o menor pode tornar-se membro da família substituta. Seus fundamentos estão nos artigos 33, parágrafos 1º e 34 do Estatuto da Criança e do Adolescente. Esta forma de guarda envolve situação jurídicaassistencial, não gerando, por exemplo, direito sucessório do menor junto ao guardião. Já a guarda temporária ou provisória visa o atendimento de situação limitada por termo ou por condição. Sua disciplina vem do artigo 167 do Estatuto da Criança e do Adolescente. É encerrada a guarda quando se cumpre o termo ou condição estabelecida. A guarda temporária geralmente é deferida por meio de uma liminar para regularizar a situação de guarda de criança ou de adolescente com vistas a uma situação jurídica. Da mesma forma, pode ser concedida de modo incidental, sob procedimentos de tutela e adoção, para fins de regularização de posse de fato. Por último, temos a guarda especial, que visa atender situações peculiares ou suprir a falta eventual dos pais ou responsáveis, com a possibilidade de deferimento de direito de representação para a prática de atos determinados. Essa espécie de guarda está prevista no artigo 167 do ECA e pode ser aplicada, por exemplo, na hipótese de os genitores estarem fora do Brasil e, desta forma, impossibilitados de dar assistência aos filhos menores de idade para a realização da matrícula escolar. Esse tipo de guarda poderá ser concedida a um terceiro, parente próximo ou não. Ao guardião será atribuída, portanto, a prática de um ato determinado. Encerrando o termo ou cumprida a condição, ela se exaure, cessando sua existência. DISPOSIÇÕES GERAIS SOBRE A GUARDA NO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE O ECA tem sempre por objetivo a proteção integral da criança e do adolescente. Parte do direito fundamental que toda criança ou adolescente tem, de ser “criado e educado no seio de sua família e, excepcionalmente, em família substituta” (art. 19 e CF, art. 227). Para que cumpra seu objetivo maior, foram estabelecidas três formas de colocação de criança e de adolescente em família substituta, no ECA, conforme artigo 28: a guarda, a tutela e a adoção. Qualquer pessoa, salvo estrangeiro, poderá pedir a guarda; apenas há a necessidade de preencher os requisitos gerais (contidos nos artigos 19 a 24 e 33 a 35 do ECA) e específicos do instituto (artigo 165). Além da exceção aos estrangeiros, a guarda não poderá ser concedida a pessoa que Pág. 13 de 59 demonstre incompatibilidade com a natureza do instituto ou que não ofereça ambiente propício à criança e ao adolescente, conforme o artigo 29 do ECA. O guardião deve prestar o compromisso de desempenhar o encargo. A revogabilidade da guarda, por sua vez, pode acontecer a qualquer momento por ato judicial fundamentado, desde que ouvido, sempre, o representante do Ministério Público da comarca (artigo 35 do ECA). Desse modo, não existe trânsito em julgado da decisão, pois ela pode ser modificada a qualquer tempo. DO PROCEDIMENTO DA GUARDA NO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE Dois são os procedimentos previstos no ECA: um de jurisdição administrativa e outro no qual pode haver o princípio do contraditório e ampla defesa, em caso de pretensão resistida (art. 165 a 170). O primeiro ocorre quando não há resistência à pretensão deduzida, como nas situações em que os pais forem falecidos, já tiverem sido destituídos ou suspensos do poder familiar ou tiverem anuído ao pedido de guarda, podendo ser feito o pedido diretamente em cartório da Vara da Infância e Juventude, não necessitando de mediação de advogado. O segundo procedimento ocorre quando há resistência dos genitores à liberação da guarda, sob hipótese de que esta implique na suspensão ou destituição de seu poder familiar, já que são pressupostos lógicos da medida principal de colocação em família substituta. A oposição dos pais gera o procedimento contraditório, devendo ser expedidas as citações deles para que contestem a pretensão deduzida, possibilitando-lhes o princípio do contraditório e da ampla defesa (ECA, Título VI, Capítulo III, Seção II). COMPETÊNCIA PARA O PROCESSO DE GUARDA A competência judicial para o processo de guarda, em regra, é a Vara de Família. A exceção a esta regra ocorrerá somente quando houver violações ou ameaça de violação aos direitos constitucionais ou estatutários da criança ou do adolescente. Nesse caso, a competência será do juízo especializado da infância e da juventude. Essa é a posição de nossos tribunais de acordo com o que é registrado nos seguintes acórdãos: Pág. 14 de 59 Não estando os menores em situação irregular (art. 98, ECA), o pedido de guarda está afeto à Vara de Família (TJ/MS, Ccomp. 31.950-8, j. 16.2.93, Rel. Des. Frederico Farias Miranda). A competência para apreciar os processos envolvendo interesses de menores em situação regular cabe às Varas de Família. A competência das Varas da Infância e Juventude são unicamente para as ações ou procedimentos relativos a menores em situação irregular (TJ/SP, Rel. Des. Marino Falcão, in RT 676/65). Ainda sobre a guarda no Estatuto da Criança e do Adolescente, é possível notar uma enormidade de pedidos de guarda na Vara da Infância e Juventude “para fins previdenciários”. Isso ocorre porque foi permitido que o menor, sob a guarda de terceiro, pudesse estar amparado pelos benefícios e serviços previdenciários, e não que se usasse o instituto da guarda com alteração de seu escopo. A norma basilar da guarda é o interesse da criança e do adolescente, muito embora seja considerado o grau de parentesco para a colocação em família substituta, de acordo com o que é previsto no artigo 28, § 2º, do ECA. Desse modo, a lei reconhece que, caso o menor não possa permanecer com a sua família natural, é melhor que fique com parentes do que com estranhos. O bem-estar da criança e do adolescente deve sempre ser priorizado no momento de se instituir a guarda. GUARDA APÓS A RUPTURA DA SOCIEDADE CONJUGAL OU DA UNIÃO ESTÁVEL O poder familiar e a guarda são exercidos por ambos os pais na constância do casamento e da união estável, por força do disposto no artigo 5º, I e 225, § 5º, ambos da CF, assim como de Leis infraconstitucionais, especialmente o artigo 21 do ECA. Entretanto, se há dissolução da sociedade conjugal ou da união estável, é estabelecida, na maioria das vezes, a guarda exclusiva em favor de um dos genitores, assegurando-se, ao outro, a possibilidade de visita. Assim, escolher a residência passa a ser incumbência daquele que detiver a guarda, além de zelar e proteger o filho, cuidar de sua educação, cuidar de sua formação moral, do seu sustento material e afetivo; administrar os seus bens (quando existirem), vigiar e impedir que eles pratiquem atos ilícitos e tê-los sob sua companhia. Por outro lado cabe ao genitor não guardião, em conjunto com aquele que detém a guarda, conceder ou negar consentimento para o filho se casar, consentir a adoção e reclamar a criança Pág. 15 de 59 ou o adolescente de quem ilegalmente o detenha. São-lhe, porém, direitos próprios: visitar o filho, fiscalizar e supervisionar sua educação e a sua manutenção material e afetiva. CRITÉRIOS PARA SE ESTABELECER A GUARDA EXCLUSIVA É importante destacar a tendência moderna do direito de família que, em situações derivadas do término da sociedade conjugal, não procura mais classificar a forma com que ela se deu e adjetivar as condições sob as quais ocorreu, impondo-lhe consequências jurídicas. Relegou-se ao magistrado, na análise de um caso concreto, a decisão do que venha a ser mais justo para as partes e, em caso de haver crianças e adolescentes, o que atenda mais a seus interesses. No divórcio e na dissolução da união estável Há o pressuposto de que os pais, ao se divorciarem, devem estabelecer consensualmente a guarda dos filhos. Esse pensamento deverá nortear a regulamentação da guarda ao término das uniões estáveis e casamentos. Passaremos a expressar o que pode acontecer com o elemento da guarda dos filhos nas diferentes hipóteses de divórcio, o que, em prática, já não vem sendo usado e tem suas derivações quase extintas do direito brasileiro. No divórcio-sanção Emprincípio, a guarda será conferida ao cônjuge que não teve culpa pelo divórcio ao término da relação. Na hipótese de culpa recíproca a guarda será conferida à mulher, pois a genitora ainda é considerada a pessoa mais capacitada para o exercício dessa função. No divórcio-falência Os filhos menores poderão ficar sob a guarda do cônjuge em cuja companhia estavam durante a separação de fato ocorrida antes do divórcio. No divórcio-remédio Pág. 16 de 59 Nesse tipo de término do casamento, os filhos devem ficar sob os cuidados do cônjuge que estiver em melhores condições de assumir essa responsabilidade. Em regra, os filhos acabam ficando com o cônjuge que apresenta melhores condições de saúde e capacidade para enfrentar o múnus imposto. Todavia, existe a possibilidade de certas doenças mentais, que causaram o divórcio, não impedirem que o genitor enfermo tenha os filhos menores sob a sua guarda. Guarda de filhos e anulação de casamento Nas hipóteses de nulidade ou de anulação de casamento, a regra é que os filhos deverão ficar com o genitor que não deu causa ao desfazimento do matrimônio. No caso de ambos terem provocado a nulidade ou anulação do vínculo matrimonial, os filhos deverão ficar com a genitora. Guarda e união estável Há tempos uma união duradoura entre homem e mulher, ou entre pessoas do mesmo sexo, assumiu caráter de entidade familiar, equiparando-se, em muitos aspectos, ao casamento. As regras relativas à guarda de menores para as hipóteses de término do casamento, portanto, também se aplicam à atribuição da guarda dos filhos após dissolução da união estável. GUARDA DE FILHOS HAVIDOS FORA DO SEIO FAMILIAR Na hipótese de haver filhos fora do matrimônio ou da relação de união estável, eles deverão ficar com o genitor que reconheceu o parentesco. Caso ambos os pais reconheceram, a guarda será conferida, preferencialmente, de acordo com a vontade da criança e do adolescente. O vigente Código Civil estabelece que (artigo 1.611): “O filho havido fora do casamento, reconhecido por um dos cônjuges, não poderá residir no lar conjugal sem o consentimento do outro”. Em qualquer hipótese – divórcio litigioso e consensual, anulação ou nulidade de casamento e término de união estável –, para os filhos havidos fora do seio familiar, a regra a ser observada e jamais esquecida é a de que, na regulamentação da guarda, deverá prevalecer o interesse da criança e do adolescente. A questão de maior interesse é dedicada “ao interesse do menor” dada a inexistência de regras definidoras, cabendo ao magistrado a análise mais adequada a cada hipótese que se apresente. Pág. 17 de 59 GUARDA DOS FILHOS E INTERESSE DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE De acordo com as lições do civilista Eduardo de Oliveira Leite (1997), é o juiz quem, por fim, determina a guarda dos filhos menores de idade, apesar da relevância do interesse da criança e do adolescente na decisão do magistrado. A decisão pela guarda é permeada de elementos objetivos e subjetivos que auxiliam tanto as partes envolvidas como o próprio magistrado, quais sejam: a idade do guardado; a irmandade; as condições materiais dos pais (atividade profissional, rendimentos, condições morais, físicas e intelectuais); e o vínculo de afetividade entre os filhos e seus pais. (LEITE, 1997, pp. 196-197) O magistrado sempre contará com o auxílio de equipe interprofissional para auxiliá-lo na decisão pela guarda da criança e do adolescente. Da mesma forma, poderá valer-se da oitiva dos filhos menores de idade. É assegurado no artigo 12 da Convenção Internacional dos Direitos da Criança (UNICEF, 1989) o direito de a criança expressar suas opiniões e seus próprios pontos de vista sobre os assuntos relacionados a ela, caso tenha maturidade necessária para se manifestar. TIPOS DE GUARDA: A GUARDA UNILATERAL A guarda unilateral – aquela concedida a apenas um dos pais – sempre foi a regra aplicada na maioria dos casos de término da relação conjugal. Contudo, com o advento da Lei Federal nº 11.698/2008, foi introduzida na legislação a possibilidade da guarda dos filhos ser exercida de forma compartilhada. É bom destacar que essa prática já vinha sendo aceita tanto pela doutrina como pela jurisprudência, anteriormente à vigência da referida Lei. A definição de ambas as formas de guarda é posta no parágrafo primeiro: § 1º - Compreende-se por guarda unilateral a atribuída a um só dos genitores ou a alguém que o substitua (art. 1.584, § 5º) e por guarda compartilhada a responsabilização conjunta e o exercício de direitos e deveres do pai e da mãe que não vivam sob o mesmo teto, concernentes ao poder familiar dos filhos comuns. Já os critérios para estabelecer a guarda unilateral assim estão colocados: § 2º - A guarda unilateral será atribuída ao genitor que revele melhores condições para exercê-la e, objetivamente, mais aptidão para propiciar aos filhos os seguintes fatores: I – Afeto nas relações com o genitor e com o grupo familiar. II – Saúde e segurança. Pág. 18 de 59 III – Educação. Mesmo para o genitor que não detenha a guarda da prole, a legislação impõe-lhe o dever de supervisionar os interesses dos menores: “§ 3º - A guarda unilateral obriga o pai ou a mãe que não a detenha a supervisionar os interesses dos filhos”. DA GUARDA COMPARTILHADA: GÊNESE LEGISLATIVA ANTERIOR À LEI FEDERAL Nº 13.058 DE 22 DE DEZEMBRO DE 2014 A ruptura familiar não retira dos pais o poder parental, pelo contrário, este lhes é garantido. Por outro lado, o filho tem o direito de usufruir da presença de ambos os pais. A mais recente novidade no direito brasileiro é a modalidade de guarda compartilhada, a qual tem como objetivo possibilitar que pais divorciados continuem se relacionando diretamente com seus filhos. A guarda compartilhada é usada no direito estrangeiro há tempos. No direito português, desde o advento da Lei nº 84/95, tem-se admitido a guarda compartilhada. No direito espanhol, com fundamento no artigo 154 do Código Civil, também se admite a guarda conjunta. O mesmo ocorre na Alemanha, Itália, Argentina, Inglaterra e em outros países. A questão que se debatia no passado é se a guarda compartilhada teria ou não cabimento no direito brasileiro. É necessário esclarecer que o Brasil é signatário da Convenção dos Direitos da Criança (UNICEF, 1989), que em seu artigo 9º, § 1º determina: Os Estados-partes deverão zelar para que a criança não seja separada dos pais contra a vontade dos mesmos, exceto quando, sujeita à revisão judicial, as autoridades competentes determinarem, em conformidade com a lei e os procedimentos legais cabíveis, que tal separação é necessária ao interesse maior da criança. Tal determinação pode ser necessária em casos específicos, por exemplo, nos casos em que a criança sofre maus-tratos ou descuido por parte de seus pais ou quando estes vivem separados e uma decisão deve ser tomada a respeito do local da residência da criança. A Constituição Federal de 1988 reza pela absoluta paridade entre os cônjuges e companheiros, ou seja, não haverá distinção do status de casado ou de companheirismo, no caso da união estável. Sendo assim, o poder familiar deve ser exercido por ambos os membros da instituição familiar, em conformidade com o artigo 21 do ECA. Pág. 19 de 59 A Carta Magna assegura isonomia absoluta entre os direitos e deveres dos pais, no que tange ao poder familiar e no direito da criança de conviver com ambos, mesmo que estejam separados. Nesse aspecto, o exercício do poder familiar não requer necessariamente a convivência dos pais com a criança e/ou adolescente. No tocante à guarda compartilhada, a orientação segue o sistema atual já regulado, mas entendemos que, à luz da legislação anterior a 1988, isso também era possível. O artigo 9º da Lei nº 6.515/77 possibilitava que os pais, por ocasião da separação consensual, regulamentassem a forma pela qual seria exercida a guarda, o que, para muitos, já permitia o usoda guarda compartilhada, desde que não ofendesse aos interesses do filho. Assim, já era admissível que ambos os cônjuges, por ocasião da separação, pudessem decidir em comum acordo sobre a educação, saúde e domicílio do guardado. Por outro lado, no passado, não seria concebível a guarda compartilhada nas hipóteses de resistência entre os pais quando objetivassem a guarda exclusiva – em alguns momentos até a “pensão”: os alimentos constituíam um “pano de fundo” para esse desejo. Segundo Grisard Filho, 2000, citado por Barros et al. (2015, p. 28), pais em conflito constante, não cooperativos, sem diálogo, insatisfeitos, que agem em paralelo e sabotam um ao outro, contaminam o tipo de educação que proporcionam a seus filhos, e, nesses casos, os arranjos da guarda compartilhada podem ser muito lesivos aos filhos. A GUARDA COMPARTILHADA DECRETADA EM JUÍZO Dentro das relações familiares, os conflitos que envolvem as crianças e os adolescentes merecem atenção redobrada por se tratar de pessoas em formação e, por isso, mais sujeitas a vários tipos de manipulações. A ruptura dos laços afetivos do matrimônio ou de uma união estável pode ocorrer de forma consensual ou litigiosa, e muitos casais com filhos menores necessitam recorrer ao poder judiciário a fim de definir as questões patrimoniais, a guarda dos filhos menores e os cuidados com alimentação. O modelo de guarda compartilhada já existia antes da publicação da Lei nº 13.058/2014. Essa medida era estabelecida nos casos em que o casal divorciado aceitava a guarda repartida de modo consensual. A grande novidade trazida pela Lei da Guarda Compartilhada, de acordo com a professora de Direito de família, Liane Maria Busnello Thomé (2014), foi a possibilidade do juiz Pág. 20 de 59 decretar o compartilhamento da guarda em atenção às necessidades específicas dos filhos e não mais em razão do consenso dos pais. Antes do advento da Lei da Guarda Compartilhada, e quando não houvesse acordo entre as partes, a guarda dos filhos era concedida, em regra geral, ao genitor que apresentasse melhores condições para a criação deles, nos termos do artigo 1584 do Código Civil. Figura 4 – A guarda única era concedida quando não havia acordo entre os pais da criança. Fonte: branca_escova/iStock. Contudo, a transformação do conceito de família tornou insustentável a guarda única dos filhos. A inserção da mulher no mercado de trabalho levou ao desaparecimento do modelo de família patriarcal. Além disso, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), cada vez mais, as uniões entre indivíduos têm duração temporária, haja vista o aumento da quantidade de divórcios na sociedade contemporânea. De um modo geral, a guarda unilateral já não satisfazia nenhuma das partes, pois significava a manutenção de um antigo modelo familiar. Nesse modelo, o homem quase sempre estava incumbido de pagar a pensão e a mulher, a ficar com a guarda das crianças. Tal divisão sobrecarregava a mulher, que era obrigada a exercer dupla jornada: trabalhar em seu emprego formal e cuidar dos filhos em casa. A guarda unilateral também contribuiu para estimular o pouco envolvimento paterno na educação e no desenvolvimento de muitas crianças e adolescentes. A guarda monoparental não propicia um ambiente saudável para os filhos menores. Geralmente a visita dos pais geram experiências penosas e estressantes, decorrentes do mau relacionamento entre os ex-cônjuges. Segundo Tatiana Robles (2009, pp. 68-69), “estas dificuldades aumentam à medida que o tempo passa, e só a visitação, em detrimento do convívio mais frequente, faz com eles percam a intimidade e vão se desapegando”. Pág. 21 de 59 Figura 5 – A guarda única dos filhos, em muitos casos, contribui para o pouco envolvimento do outro genitor. Fonte: Andrew_Rybalko/iStock. A Lei nº 13.058 estabeleceu a possibilidade da guarda compartilhada ser decretada em juízo, sem o consenso dos pais. Essa novidade, no entanto, vem gerando diversos questionamentos sobre a sua real aplicabilidade e sobre a real proteção dos filhos. Aqueles que defendem a guarda única, em casos de processos de divórcio litigiosos, afirmam que a guarda compartilhada não pode ser fruto de uma imposição. Esse tipo de guarda deve ser decidido em consenso entre o casal, porque a imposição poderia acarretar mais conflitos entre os genitores, gerando ainda mais prejuízos aos filhos menores de idade. A imposição da guarda unilateral, por sua vez, também gera muitos desgastes. O genitor que permanecia com a guarda, normalmente a mãe, poderia apresentar um comportamento autoritário, de modo a afastar o outro genitor do convívio com os filhos. A Síndrome de Alienação Parental (SAP), causada em decorrência de práticas frequentes de alienação parental, foi definida pelo professor de psiquiatria infantil da Universidade de Columbia, Estados Unidos, Richard Gardner (apud VALENTE, 2008, p. 85), como uma campanha para denegrir, sem justificativa, uma figura parental boa e amorosa. Consiste na combinação de uma lavagem cerebral para doutrinar uma criança contra esta figura parental e da consequente contribuição da criança para atingir o alvo da campanha difamatória. Figura 6 – Práticas reiteradas de alienação parental podem acarretar a Síndrome da Alienação Parental (SAP). Fonte: mustafahacalaki/iStock. As sequelas da alienação parental nas crianças e adolescentes são muitas. Um estudo realizado por especialistas e organizado pelo Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), citado pela professora Ana Carla Pinho (2011), revela que as possíveis sequelas de práticas reiteradas de alienação parental são: depressão crônica, incapacidade de adaptação em ambiente psicossocial normal, transtornos de identidade e de imagem, desespero, sentimento de culpa, sentimento de isolamento, comportamento hostil, falta de organização e dupla personalidade, podendo até mesmo levar ao suicídio. Há estudos indicando que, nas crianças e adolescentes vítimas de SAP, há uma tendência ao alcoolismo e ao uso de drogas (PINHO, 2011, p. 140). Pág. 22 de 59 No Brasil, ainda há poucos estudos e debates sobre a Síndrome de Alienação Parental (SAP), o que indiretamente propicia a naturalização da incidência de distúrbios infantis ligados a situações de disputa entre pais separados. Foi apenas após a aprovação da lei sobre guarda compartilhada (Lei nº 11.698), em fins de 2008, que se estimulou a produção de mais estudos e publicações sobre a SAP. O elevado índice de crianças e adolescentes acometidos pela síndrome propiciou a elaboração do Projeto de Lei nº 4.853/08, que tem como objetivo identificar e punir os genitores responsáveis pela alienação parental dos filhos. O projeto legislativo foi sancionado pelo então presidente da República em agosto de 2010 como Lei nº 12.318/10. Os debates gerados em torno da SAP envolvem basicamente os profissionais que atuam nos tribunais de família – não atingem a sociedade brasileira como um todo. Por isso, a nova lei sobre a alienação parental ainda gera uma série de controvérsias com relação à proteção das crianças e adolescentes e ao papel desempenhado pelo profissional de psicologia. O Projeto de Lei nacional sobre a alienação parental, de acordo com Analícia Martins de Sousa e Leila Maria Torraca de Brito, surgiu à partir de um livro sobre a Síndrome de Alienação Parental, editado por uma associação brasileira de pais separados (SOUZA; BRITO, 2011, p. 273). A nova lei passou a considerar não somente os filhos menores de idade, mas os pais, como possíveis portadores de distúrbios psicológicos. Nesse passo, o texto legislativo reafirma a condição de vítima dos componentes familiares diretamente envolvidos em situações de conflito de família. De acordo com o artigo Síndrome de Alienação Parental: da teoria norte-americana à nova lei brasileira, “o guardião seria vítima desua doença, a criança – que sofreria da síndrome de alienação parental – seria vítima do alienador, enquanto o pai alienado seria vítima da situação do afastamento que lhe fora imposto” (SOUSA; BRITO, 2011, p. 275), o que, em certa medida, dificultaria um exame mais aprofundado acerca das responsabilidades dos pais separados dentro de um contexto de violência familiar. O parágrafo 1º do artigo 5º da lei sobre alienação parental determina a elaboração de um laudo pericial, feito por psicólogos, que deverá basear-se, entre outros recursos, em documentos dos autos, no histórico do casal e da separação, cronologia de incidentes, avaliação da personalidade dos envolvidos e exame da forma como a criança ou o adolescente se manifesta acerca de eventual acusação contra o genitor. No artigo 6º são estabelecidas medidas punitivas aos genitores alienantes, entre elas, destacam- se a fixação cautelar do domicílio da criança ou adolescente; o pagamento de multas, a inversão da guarda, a determinação da guarda compartilhada e a suspensão da guarda parental. Cabe ressaltar Pág. 23 de 59 que a participação de psicólogos nas punições previstas na nova lei contradiz a atuação desse profissional. Isso porque, de acordo com o Código de Ética Profissional do Psicólogo (2005), esses profissionais têm o dever ético de analisar crítica e historicamente a realidade política, econômica, social e cultural, ao invés de colaborar com a punição de seus pacientes. Da mesma forma, causa surpresa o fato de a guarda compartilhada ser elencada como uma das sanções no combate à essa conduta, uma vez que se trata de uma medida preventiva à alienação parental. As demais sanções aplicadas contra o alienador parental acarretam prejuízos às crianças e aos adolescentes, já que não se pode desconsiderar a forte ligação dos filhos com um dos genitores, sobretudo o guardião. A decisão de proibir o pai ou a mãe de ter acesso à criança por um período de tempo estipulado em sentença judicial pode trazer intenso sofrimento para os filhos menores de idade. A nova Lei da Guarda Compartilhada possibilita um apoio legal ao convívio equilibrado entre pais e filhos após uma separação conjugal; da mesma forma, afasta a ideia de punição, como sugere a lei de alienação parental, e ainda diminui o risco de práticas dessa conduta, pois permite que os filhos menores tenham convívio permanente e harmonioso com ambos os genitores. A imposição da guarda compartilhada possui efeito pedagógico aos pais litigantes e visa o reequilíbrio dos papéis parentais diante do rompimento da relação amorosa. Figura 7 – Guarda compartilhada Fonte: KakigoriStudio/iStock. É bem verdade que a ruptura de qualquer relação familiar é um momento de grande sofrimento, por isso a guarda compartilhada determinada judicialmente ainda enfrenta muitos impasses. Um possível facilitador da comunicação entre as partes foi encontrado muito recentemente, com a prática de mediação para solução de conflitos. As partes litigantes que recorrem ao poder judiciário a fim de solucionar os conflitos familiares, em muitos casos, não conseguem um resultado satisfatório. As dependências do poder judiciário não contêm um espaço acolhedor, de escuta, próprio dos espaços onde se exerce a mediação familiar. A prática de mediação proporciona participação ativa de todas as partes do conflito na busca de uma solução viável e satisfatória para todos os envolvidos. A mediação para a solução de conflitos estimula o empoderamento das partes litigantes, pois elas próprias apresentarão alternativas que facilitem o restabelecimento do diálogo outrora rompido. O estímulo ao diálogo, por sua vez, cria Pág. 24 de 59 chances reais para viabilizar o emprego da guarda compartilhada, tendo em vista o bem estar das crianças e adolescentes envolvidos em situações de conflito familiar. A GUARDA ALTERNADA De acordo com o jurista Eduardo Gesse (2001, p. 11), a guarda alternada se define da seguinte forma: Quando se dá a ruptura da família biparental por desentendimentos dos pais, a par da guarda única, exclusiva ou uniparental, existe a guarda alternada, que consiste numa divisão paritária de períodos em que o filho viverá sob os cuidados exclusivos, ora do pai, ora da mãe. Esse período pode ser dividido em semanas, meses ou anos. Note-se que, enquanto um dos genitores exerce a guarda no período que lhe foi conferido, ao outro cabe exercitar a visitação, prosseguindo-se assim, sucessiva e alternadamente. Às vezes são os pais que alternam a residência, ou seja, o guardado permanece morando num mesmo lugar, enquanto os pais se deslocam para a residência do filho nos períodos em que lhes cabe o exercício da guarda. Em qualquer hipótese, todavia, essa guarda não deixa de ser exclusiva, ora de um, ora de outro genitor. Essa espécie de guarda teria como benefício possibilitar ao menor a manutenção de um estreito relacionamento com ambos os pais. Os malefícios, contudo, são inegavelmente superiores. É que, dentre as necessidades essenciais da criança ou do adolescente, colocam-se a continuidade e a estabilidade de suas relações; contudo, as constantes alterações, inevitáveis nessa modalidade de guarda, afeta-lhes a formação psicossocial. Na análise de Caetano Lagastra Neto (2000), o direito de residência única é importante para a saúde mental das crianças e dos adolescentes. Um lar de referência estimula um melhor desenvolvimento das atividades escolares e de lazer. Justamente por isso, essa espécie de guarda tem sido repudiada pelos magistrados e pela maioria dos doutrinadores. Nessa mesma linha de raciocínio, Armando Leandro (apud GRISARD FILHO, 2000, p. 107) sustenta que: Pode ela afetar gravemente o equilíbrio do menor, sobretudo se é de pouca idade. Conforme opiniões autorizadas [conf. Anna Freud, Joseph Soldstein e Albert Solnit, em Beyond the best interests of child, p. 32] – que a experiência comum parece confirmar –, uma das necessidades básicas da criança é a da continuidade e estabilidade das suas relações e ambiência afetiva, cuja quebra pode prejudicar o seu normal desenvolvimento, causando, por vezes, retrocessos psicológicos espetaculares. Pág. 25 de 59 A GUARDA E AS PESSOAS JURÍDICAS Os direitos da personalidade recomendam que os predicados indicados à pessoa natural também sejam indicados à pessoa jurídica, ou seja, a defesa da honra, moral e outros valores até então tidos como inexistentes na empresa e na sociedade, foram resguardados na Parte Geral do Código Civil e em outras legislações esparsas. Os laços afetivos entre o menor, o guardião e a família são imprescindíveis para a guarda. O desenvolvimento intelectual e social da pessoa, assim como a extensão de tal avanço em benefício da sociedade, tem sua principal base na família. Se seguirmos esse ponto de vista, uma pessoa jurídica jamais poderia assumir a guarda de alguém. Dentro dessa linha de pensamento, acreditamos ser impossível que a guarda seja determinada a uma pessoa jurídica. Podemos excetuar ao comentário, entretanto, os institutos guardiões existentes na comarca voltados especialmente para isso. A crítica, aqui, dirige-se à possibilidade de uma pessoa jurídica de direito privado exercer tal função enquanto atividade econômica. A pessoa jurídica assenta-se numa ficção jurídica, com fins específicos, civis ou empresariais e é destituída de qualquer sentimento, independente das pessoas naturais que a compõe. Sobre o entendimento de que o relacionamento entre a criança ou adolescente e o respectivo guardião e sua família deve ser marcado por afeição e harmonização, e se as pessoas jurídicas são destituídas de sentimentos de todo e qualquer gênero, não acreditamos ser possível atribuir-lhes a obrigação de guarda de pessoas. A pessoa jurídica jamais poderia exercer o direito de guarda de criança e adolescente. Isto é considerado uma afronta ao ECA, ao artigo 227 da Constituição Federal e à ConvençãoInternacional sobre os Direitos da Criança. Todos esses textos reconhecem a família como grupo social primário e ambiente natural para o crescimento e bem-estar das crianças e dos adolescentes. GUARDA E PREVIDÊNCIA SOCIAL Vimos em outros itens que a guarda pode ser designada a pessoas diversas, não se restringindo ao poder familiar. Por outro lado, ele pode ser mantido, ainda que a guarda seja atribuída a uma terceira pessoa. Pág. 26 de 59 O poder familiar é atribuído aos pais e responsáveis do menor. Alguns autores, como Marco Aurélio Viana (1993, p. 285), afirmam que a guarda pode ser considerada, também, para assuntos exclusivamente previdenciários, sustentando que “[...] a guarda visa regularizar uma situação de fato. A regulamentação se faz no interesse do menor.” Se há interesse do menor, então consideramos a guarda um instituto universal, pois a ela subsiste a prestação de assistência material, moral e educacional, passando a criança e o adolescente à condição de dependentes para todos os fins de direito, inclusive previdenciário. Acresce o mesmo autor: A guarda dos menores não constitui situação irreversível, nem produz coisa julgada, podendo ser revista a qualquer tempo. A revisão virá alicerçada em lesão efetiva aos interesses do menor. E comprovada sua presença, mesmo um terceiro poderá ter a guarda da criança ou do adolescente. Nem mesmo a condição de mãe é o bastante, por si só, para levar à revisão da guarda. (1993, p. 297) Nessa mesma linha de raciocínio, Paulo Lúcio Nogueira (1991, pp. 44 e 45) ensinou que: [...] o § 3º do artigo 33 do Estatuto esclarece em definitivo, como já o fazia o Código de Menores, uma situação que a prática já tinha consolidado, estabelecendo que a guarda confere à criança ou adolescente a condição de dependente para todos os fins e efeitos de direito, o que a coloca coberta de todos os riscos, merecendo toda assistência necessária. Aliás, tal disposição seria até ociosa, desde que o caput do art. 33 estabelece que a guarda obriga a prestação de assistência material, moral e educacional, mas, tendo-a resguardado expressamente, é de se ver que a redundância sempre reforça o sentido de muitas questões. O benefício previdenciário é meramente uma consequência da guarda, pois esta reclama primordialmente uma integração familiar e afetiva, cujo objetivo é regular uma situação fática. Guarda e previdência social – posição divergente O exercício da guarda requer dedicação integral. Caberá ao guardião zelar pela formação moral, espiritual e educacional da criança e do adolescente. Percebe-se, desta forma, que não se pode atribuir a guarda para um fim restrito, como a realização de um curso qualquer, e nem sequer para ostentar a condição de dependente de segurado na previdência social. Pág. 27 de 59 A guarda para fins estritamente previdenciários não é autorizada pelo § 3º do artigo 33 do ECA. Tal medida muitas vezes tem o objetivo de aumentar a renda familiar às custas da seguridade social, atribuindo-se ao menor, após a morte do guardião, o benefício da pensão por morte. Neste sentido, Antonio Chaves (1994, p. 150) ensina: É comum os avós postularem a guarda de neto, quando a mãe (ou o pai) com eles reside, trabalha, mas só tem assistência médica do INSS e quer beneficiar seu filho com o IPE ou outro convênio. Entendo, respeitando posições em contrário, que tais pedidos devem ser indeferidos, porque a situação fática, nesses casos, estará em discrepância com a jurídica. Em suma, é uma simulação, com a qual o MP, como custos legis, e o juiz competente não podem ser coniventes, sob pena de fomentar o assistencialismo às custas de entidades não destinadas a esse fim. Esse posicionamento tem sido adotado pelo Superior Tribunal de Justiça. Não há amparo legal para a concessão de guarda de menor pela avó, para fins previdenciários, por inexistente a situação peculiar de que cuida a Lei; bem como o caráter excepcional, eis que fora dos casos de tutela e adoção (art. 33, §§ 2º e 3º, da Lei nº 8.069/90). O gozo da condição de dependente do guardião, para todos os efeitos legais, inclusive previdenciário, é consequência do estado de guarda, e não causa que justifique sua concessão. II. Recurso não conhecido (JSTJ e TRF, Lex, vol. 101/217). Com o propósito de diminuir o déficit da previdência social, a Medida Provisória nº 1.523/97, já convertida na Lei nº 9.528, de 10 de dezembro de 1997, e que alterou a Lei nº 8.213/91, que, na redação anterior de seu artigo 16, § 2º, dispunha: Art. 16. São beneficiários do Regime Geral de Previdência Social, na condição de dependentes do segurado: I - o cônjuge, a companheira, o companheiro e o filho, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido; [...] § 2º Equiparam-se a filho, nas condições do inc. I, mediante declaração do segurado: o enteado; o menor que, por determinação judicial, esteja sob a sua guarda; e o menor que esteja sob sua tutela e não possua condições suficientes para o próprio sustento e educação. Após a alteração alhures apontada, tal dispositivo hoje estatui (art. 16): § 2º O enteado e o menor tutelado equiparam-se a filho mediante declaração do segurado e desde que comprovada a dependência econômica na forma estabelecida no Regulamento. Pág. 28 de 59 A Lei nº 9.528/97, por ser posterior e de igual hierarquia, revogou as disposições do ECA, que possibilitavam, nos casos de guarda satisfativa –portanto desatrelada da adoção – a colocação do guardado como dependente do guardião perante a Previdência Social. REVOGAÇÃO DA GUARDA A revogação é um ato jurídico que tem por escopo retirar a qualidade do ato jurídico já realizado. A revogação da guarda está baseada na proteção e no bem-estar da criança e do adolescente. Por isso, de acordo com o artigo 35 do ECA, a guarda poderá ser revogada a qualquer tempo. Essa regra é apoiada pelo contido no artigo 129 do mesmo estatuto, cujo inciso VIII prevê, como uma das medidas aplicáveis aos pais ou responsável, a perda da guarda. Ambos os artigos têm objetivo idêntico: salvaguardar o bem-estar do menor. Os comandos nos artigos 35 e 129 devem ser vistos como princípios gerais, aplicáveis a todas as causas em que se discute os direitos da criança ou do adolescente. A referida norma se destina a disciplinar a revogação da guarda regida também no Código Civil. A manutenção da guarda exige que os fatos que a motivaram permaneçam inalterados. Caso haja alterações, é fundamental que não repercutam negativamente na criança ou no adolescente guardado. É importante esclarecer que a guarda não será revogada se o seu detentor comprovar esforço em favor do bem-estar do menor sob sua responsabilidade, provendo-lhe o necessário. Já existem decisões judiciais explicando isso: [...] tratando-se de sentença relativa à guarda de menores, temos de convir em que a revisibilidade é da sua própria natureza, quando o juiz dispõe sobre a guarda de um menor, a prestação jurisdicional atende a certas exigências do momento; a decisão foi prolatada em uma situação especial e persiste enquanto prevalece tal situação; se mudam as condições, que constituíram a razão de decidir, está visto que o julgado se mostra revisável, porque a relação de direito se esvaiu, com a mudança das circunstâncias. (Diário do Tribunal de Justiça de Mato Grosso, 2014, p. 635). ADOÇÃO – PEQUENO ESCORÇO HISTÓRICO No Código Civil de 1916, a adoção de maiores ou menores denominava-se adoção simples. Somente quem não tinha filhos poderia ter a permissão para adotar. O vínculo criado restringia-se a adotante e adotado, e estava legalmente dissociado do restante da família. Pág. 29 de 59 Somente na década de 1960, com a edição da Lei nº 4 .655, foi criada a denominada legitimação adotiva, declarada somente por decisão judicial irrevogável e que cessava, por completo, o elo de parentesco do adotado com sua família. A extensão do vínculo do adotado para toda a família (a adoçãoplena como substituta da legitimação adotiva) ocorre após a aprovação do Código de Menores (Lei Federal nº 6.697/1970) que alterou a legitimação adotiva por meio da instituição da adoção plena, estendendo o vínculo de parentesco à família dos adotantes. No registro do adotado passa a constar, portanto, o nome de seus ascendentes. A Constituição de 1988 (artigo 227, § 6º) consolidou a ideia de que os filhos adotados e naturais teriam qualificações idênticas, ficando “proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação”. É importante salientar que, a partir desse momento histórico, a expressão “filho adotivo” foi abolida: a CF indica apenas a existência de filhos. Figura 8 – A Constituição Federal não prevê tratamento diferenciado para os filhos naturais e os adotados. São todos filhos. Fonte: Doloves/iStock. Por sua vez, o ECA regulou a adoção dos menores de 18 anos, inclusive prevendo os seus direitos sucessórios, restando ao então vigente Código Civil de 1916 somente a adoção dos maiores. Com o surgimento do Código Civil de 2002, instituiu- se a adoção plena, porém seguindo os ditames estabelecidos pelo ECA, aplicando as suas regras, no que couber, também aos adultos. ADOÇÃO – CONCEITO E FINALIDADE A adoção é um ato jurídico solene, não sendo possível a adoção regular ser realizada de modo informal, como ocorreu no Brasil durante várias décadas na denominada “adoção à brasileira”. Os requisitos legais devem ser observados. Pela adoção se estabelece um novo vínculo de parentesco não atrelado à consanguinidade ou afinidade. Trata-se de um novo vínculo jurídico entre uma pessoa e outra, um liame legal de paternidade e filiação civil. A adoção inicia o parentesco em primeiro grau em linha reta entre adotante e adotado. Surgem as posições de filho e pai, definitivas e irrevogáveis. O vínculo anterior é totalmente excluído, exceto para efeitos legais, uma vez que desliga o adotado de qualquer vínculo com a Pág. 30 de 59 família sanguínea, com exceção dos impedimentos para o casamento, criando elo de parentesco entre o adotado e a família do adotante. A doutrina mais antiga apontava duas formas de adoção: a simples e a plena. A adoção simples ou restrita está diretamente relacionada ao vínculo de filiação que se estabelece entre o adotante e o adotado, de acordo com a Lei nº 8.069/90, parágrafo único. A adoção plena, por sua vez, designa a legitimação adotiva, introduzida, à princípio, pela Lei nº 6.697/79. Com a revogação da Lei 6.697/79 pela Lei 8.069/90, art. 267, mantivemos aquela nomenclatura por entendê-la conforme os princípios e efeitos da adoção regulada pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, e ante o fato de essa terminologia já estar consagrada juridicamente [...]. (ADOÇÃO, 2010, s/p). Atualmente, a norma do ECA extinguiu as denominações “adoção simples” e “adoção plena”. REQUISITOS PARA ADOÇÃO Diante dos vários elementos que serão construídos, tais como relação filial e a criação da paternidade e/ou maternidade, a norma indicou elementos imprescindíveis para sua concessão, com os seguintes requisitos: 1. O adotante deve ser maior de 18 anos, independentemente do estado civil. Pode ser pessoa solteira (adoção singular) ou um casal (adoção conjunta), ligado por matrimônio ou união estável. 2. Os divorciados e os ex-companheiros poderão adotar, conjuntamente, [...] se o estágio de convivência com o adotado houver iniciado na constância do período da convivência, comprovada a existência de vínculo de afinidade e afetividade com o não detentor da guarda que justifiquem a excepcionalidade da medida, e se fizerem acordo sobre a guarda do menor e o regime do direito de visitas (Lei nº 8.069/90, art. 19). (DINIZ, 2010 apud SCHAFER, 2008, p. 41) 3. Na adoção unilateral, caso um dos cônjuges ou conviventes adotar o filho do outro, os vínculos de filiação e de parentesco serão mantidos. 4. Os tutores ou curadores poderão adotar seus próprios tutelados ou curatelados, desde que prestem contas de sua administração sob a fiscalização do Ministério Público e peçam exoneração de suas obrigações. Nesse caso, é preciso realçar as condições legais à adoção de crianças maiores de três anos ou adolescentes. O adotante deve ter domicílio no Brasil e uma afinidade e afetividade observáveis com o adotado durante o período de convivência. Pág. 31 de 59 5. Além da necessidade de comprovação de atendimento aos requisitos para a adoção, o adotante não pode ter incorrido em má-fé ou nas situações descritas nos artigos 237 e 238 do ECA. 6. O pai ou mãe que reconheceu o filho não pode adotar, pois seria ato jurídico sem objeto. 7. O marido não poderá adotar sua mulher, porque o Código Civil, art. 1.521, veda o matrimônio entre ascendente e descendente por parentesco civil. 8. Marido e mulher não podem ser adotados pela mesma pessoa, pois passariam a ser irmãos. Diferença de idade entre adotante e adotado A norma sobre a criança e o adolescente também criou outros requisitos para que se configurasse a adoção, o que revela o papel do legislador de proporcionar segurança jurídica nas relações. Não seria concebível a adoção entre pessoas de idades próximas, por isso foram criados limites etários. Conforme o descrito no artigo 42, § 3º da Lei 8.069/90, o adotante e o adotado deverão ter, pelo menos, uma diferença de idade de 16 anos. Para o casal adotante essa diferença é válida para apenas um dos cônjuges. É evidente que se trata de uma regra absoluta. Contudo, já houve uma ação na qual o magistrado, com o objetivo de simplesmente enriquecer, concedeu uma adoção cuja diferença de idade entre adotado e adotante era de, apenas, pouco mais de 15 anos. Foi uma situação excepcional, na qual o adotante manteve por longos anos uma relação estável com a genitora da adotada, até o seu falecimento. A fim de regularem uma relação que durante anos tinha sido paternal, buscaram o judiciário e a tutela foi deferida mesmo não obedecendo, estritamente, à diferença de idade entre as partes. Não se trata de jurisprudência, mas de um caso isolado. Prevalência do interesse do menor O consentimento é assunto importante na adoção. Se o adotado for menor de 12 anos ou, se maior, for incapaz, seu representante legal (pai, tutor ou curador) deverá consentir por ele. Contudo, se tiver mais de 12 anos, será necessário o seu consentimento para que a adoção ocorra. Essa vontade de ser adotado, que caracteriza o consentimento, deverá ser manifestada em uma audiência. Segundo o § 1º do artigo 45 do ECA, “O consentimento será dispensado em relação à criança ou adolescente cujos pais sejam desconhecidos ou tenham sido destituídos do pátrio poder familiar”. Não haverá, portanto, necessidade de consentimento do representante legal nem do menor, se se provar que se trata de infante que se encontra em situação de risco, por não ter meios para sobreviver, ou em ambiente hostil, sofrendo maus-tratos, ou Pág. 32 de 59 abandonado, ou de menor cujos pais sejam desconhecidos, estejam desaparecidos e esgotadas as buscas, ou tenham perdido o poder familiar, sem nomeação de tutor. Em caso de adoção de menor órfão, abandonado, ou cujos pais foram inibidos do poder familiar, o Estado o representará ou assistirá, nomeando o juiz competente um curador ad hoc. Sempre que possível, a criança ou o adolescente será previamente ouvido por equipe interprofissional, respeitado seu estágio de desenvolvimento e grau de compreensão sobre as implicações da medida, e terá sua opinião devidamente considerada. (ECA, art. 28, § 1º). (Diniz, 2010 apud ADOÇÃO, 2010, s/p). Em certas decisões, não se presume o desinteresse do genitor em conservar o poder familiar. Nesse caso, espera-se o seu comparecimento em audiência para declarar sua vontade. O adotando maior e pleno em suas capacidades deverá manifestar sua aquiescência por ato inequívoco. Destacamos, ainda, esse julgado, que aponta o interesse do menorcomo determinante na adoção: PREVALÊNCIA DO INTERESSE DO MENOR Adoção – Prevalência dos interesses do menor – Cadastro de adoção. Nos litígios em que estejam envolvidos interesses relativos a crianças, notadamente aqueles que envolvam pedido de modificação de guarda e de adoção, o julgador deve ter em vista, sempre e primordialmente, o interesse do menor. Não se olvida que o cadastro de adotantes visa evitar fraudes no processo de adoção, bem como a adoção direcionada ou intuitu personae. Todavia, o mesmo pode ser mitigado em determinadas situações em virtude da aplicação do Princípio da Prevalência do Interesse do Menor, notadamente na hipótese de existência de vínculo afetivo entre a criança e os pretendentes à adoção (TJMG - 5ª Câm. Cível; AI nº 1.0090. 10.000869-8/001-Brumadinho-MG; Rel. Des. Maria Elza; j. 15 de julho de 2010; v.u.). A ADOÇÃO NO ECA – NOÇÕES INTRODUTÓRIAS A adoção é instituto jurídico que tem como objetivo a “criação” não natural de uma família para a criança, ou seja, é um fato jurídico, não natural, que promove a formação do liame entre pai e/ou mãe e filho(a). Carbonnier (1972 apud OLIVEIRA, 1997, p. 147), em Droit civil (Tome 2: la famille, les incapacités), está de acordo com essa definição: “[...] a filiação adotiva é uma filiação puramente jurídica, que repousa na pressuposição de uma realidade não biológica, mas afetiva.” Pelo disposto no artigo 47 do ECA, a adoção constitui-se por sentença. Conforme lição de Antunes Varela (1982, p. 84), [...] por um lado, a adoção deixa de constituir um puro negócio jurídico, entregue à iniciativa altruísta do adotante, e passou a constituir necessariamente objeto de uma Pág. 33 de 59 ação judicial, assente num inquérito destinado a garantir a finalidade essencial de nova relação familiar. Não há mais livre escolha dos adotantes quanto aos filhos a adotar. Cada comarca ou foro regional deve manter um registro dos potenciais adotantes, como prevê o artigo 50 do ECA. Exige-se que esses candidatos apresentem conformidade com os requisitos legais e não se enquadrem nas hipóteses restritivas descritas no artigo 29 do ECA. Para o deferimento da adoção, como aponta o artigo 43 do mesmo estatuto, esta deve basear-se em razões legítimas e ser vantajosa para o adotando. A adoção é um instituto com dupla finalidade: “Ela tinha a finalidade de dar filhos a quem não os tinha pela natureza e trazer, para o aconchego da família, filhos privados de arrimo” (BEVILACQUA, 1905 apud ABREU, 1992, p. 140). Essa era a noção adotada pelo Código Civil de 1916. De acordo com Jayme Abreu (1992, p. 140), antes havia obstáculos legais à integração total do adotado à família do adotante, uma vez que havia a possibilidade de rompimento da adoção. O rompimento poderia se dar em comum acordo, ou de modo unilateral, por parte do adotado quando este completasse 18 anos de idade, ou por parte do adotante por ato de ingratidão. A finalidade de dar uma família aos desamparados foi permanecida; está registrada no artigo 28 do ECA e foi complementada pelo artigo 43, que condiciona o deferimento da adoção quando ela apresentar reais vantagens para o adotando. A ADOÇÃO NO ECA – ASPECTOS PROCESSUAIS Além da inovação perante o antigo Código de Menores – que mais se aproximava a uma lei penal para os menores de 21 anos –, à época, o estatuto trouxe novas questões sobre a processualização da adoção. O procedimento da adoção segue, então, algumas premissas que indicariam nova forma de proceder nos tribunais. Segundo Gonçalves (2003), a competência jurisdicional para a adoção de maiores de dezoito anos passa a ser da Vara da Família, permanecendo exclusivamente à Vara da Infância e Juventude a responsabilidade pela adoção de menores. O Ministério Público sempre interveio nas questões entre menores e incapazes, mas sua posição no ECA o tornou bastião, ou seja, aquele que deve sempre intervir nessas questões. Assim o Ministério Público faz, na adoção para maiores e também para menores. A adoção, independentemente de idade, para ter eficácia e validade, deverá receber o “carimbo do poder judiciário” por meio de Pág. 34 de 59 sentença de natureza constitutiva, nos termos do artigo 47 do ECA. Desaparece, portanto, a figura da adoção por escritura. A sentença da adoção fará coisa julgada material, sendo possível tê-la no interior de testamento, como prevê o artigo 47 do ECA que admite a concessão da adoção post mortem. ASPECTOS GERAIS DA ADOÇÃO A adoção é definida pela doutrina como uma modalidade artificial de filiação sustentada por um vínculo de afetividade existente entre o adotado e o adotante. A adoção nasce do pressuposto do direito humano à convivência familiar. Outro ponto a observar é o conteúdo da Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança (UNICEF, 1989), que sinaliza para o direito da criança: [...] viver com seus pais a não ser quando incompatível com seus melhores interesses; o direito de manter contato com ambos os pais caso seja separado de um ou de ambos e as obrigações do estado nos casos em que tal separação resulta de ação do Estado. É obrigação do Estado “[...] promover proteção especial às crianças desprovidas do seu ambiente familiar e assegurar ambiente familiar alternativo apropriado ou colocação em instituição apropriada, sempre considerando o ambiente cultural da criança” (CURY; PAULA; MARÇURA, 2002, p. 238). Vasconcellos destaca o valor da família na formação do indivíduo e do Estado, e sua contribuição para o desenvolvimento de um “ego maduro”, capaz de: [...] discriminar a realidade, pensar sobre ela e, a partir de sua capacidade de antecipação, analisar os possíveis caminhos a serem escolhidos, até assumir, por opção e com responsabilidade, a ação a ser realizada, a qual anteriormente passou por um processo de reflexão, decisão, planejamento, para culminar na sua execução (VASCONCELLOS, 1997, p. 60). As crianças, embora titulares de direitos, são seres humanos naturalmente dependentes. A proteção e o cuidado dos pais ou substitutos são fundamentais às etapas iniciais do seu desenvolvimento, pois “[...] o desenvolvimento pleno de um bebê só poderá ocorrer se contar com o amor de seus pais, que vai se expressar como uma íntima relação que os estudiosos denominam de apego” (ZAVASCHI; COSTA; BRUNSTEIN, 2001, p. 43). Pág. 35 de 59 DAS ALTERAÇÕES LEGAIS A Lei nº 12.010/2009 alterou substancialmente o Estatuto da Criança e do Adolescente; a Lei nº 8.560/92, o Código Civil e a Consolidação das Leis do Trabalho. Uma das mudanças é a redução do tempo de permanência de crianças em abrigos: dessa vez, foi fixado um limite de dois anos. É evidente que essa medida, embora de ótimo caráter, possa encontrar dificuldades em sua implementação prática. Outra mudança significativa é a substituição da expressão “pátrio poder” pela expressão “poder familiar” no Código Civil de 2002. A expressão “poder familiar” é considerada mais condizente com o contexto atual de emancipação feminina e de mudanças no conceito de família. A figura paterna já não possui o status de único provedor familiar. Os deveres da chamada “autoridade parental” que, atualmente, pode ser exercida pelo pai, a mãe ou ambos, consiste em criar, educar e dar assistência aos filhos. É importante destacar que o exercício da “autoridade parental” deixou de ser uma experiência de domínio e subordinação dos filhos, passando a ser exercida com responsabilidade, amor, afeto e liberdade. A nova lei prevê algumas medidas de proteção a crianças e adolescentes, como a colocação em família substituta e assistência à família com acolhimento familiar e institucional. Além da intervenção estatal como medida protetiva, a nova lei prevê a destituição do poder familiar e a colocação de crianças indígenas e quilombolas em famílias substitutas. Todas as medidas protetivas trazidas pela Lei nº 12.010/2009 condiz com o princípio fundamental de proteção integral
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