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Body art por David Le Breton

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“Body art ” por David Le Breton 
 
 
? Le Breton D., L´adieu au corps, Métailié, 1999. 
 
“A body art contemporânea, da qual daremos aqui principalmente os exemplos 
significativos de Orlan e Stelarc, ilustra a condição inédita de um corpo transformado em 
objeto. O primeiro período da body art inscreve-se no clima político difícil do 
engajamento americano no Vietnã, da guerra fria, da descoberta da droga, da reviravolta 
das relações homem-mulher, do questionamento da moralidade antiga, principalmente 
por meio da liberação sexual, do culto do corpo. Coloca em jogo uma consciência aguda 
do desmembramento entre as possibilidades de desenvolvimento individual e o 
encerramento das sociedades em uma opressão moral e sobretudo comercial. As palavras 
de ordem de transformar a sociedade (Marx) e de mudar de vida (Rimbaud) conjugam 
sua força crítica contra as proibições de um mundo obstinado em perdurar apesar de suas 
desigualdades e de suas injustiças. A consciência infeliz de certos artistas é viva e conduz 
a formas radicais de expressão artísticas. O corpo entra em cena em sua materialidade. A 
incorporação da arte como ato inscrito no efêmero do momento, inserido em um 
ritualismo combinado ou improvisado segundo as interações dos participantes, contesta 
os funcionamentos sociais, culturais ou políticos por um engajamento pessoal imediato. 
A body art é uma crítica pelo corpo das condições de existência. Oscila de acordo com os 
artistas e as performances entre o radicalismo do ataque direto à carne por um exercício 
de crueldade sobre si, ou a conduta simbólica de uma vontade de perturbar o auditório, de 
romper a segurança do espetáculo. 
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As performances questionam com forca a identidade sexual, os limites corporais, a 
resistência física, as relações homem-mulher, a sexualidade, o pudor, a dor, a morte… O 
corpo é o lugar onde o mundo é questionado. A intenção deixa de ser afirmação do belo 
para ser a provocação da carne, o virar do avesso do corpo, a imposição do nojo ou do 
horror. O realce das matérias corporais ( sangue, urina, excremento, esperma… ) esboça 
uma dramaturgia que não deixa os espectadores ilesos e em que o artista paga com sua 
pessoa, pelo corpo, sua recusa dos limites impostos à arte ou à vida cotidiana. A vontade 
de atingir o outro fisicamente está muitas vezes presente no exagero das alterações ou da 
encenação. O espectador sente-se tocado, participa por procuração dos sofrimentos do 
artista ( ou aquilo que o espectador deles imagina.) Para a body art, o corpo é um material 
destinado às fantasias, às provocações, às intervenções concretas. Em um gesto 
ambivalente em que o desprezo se mistura intimamente com o elogio, o corpo é 
reivindicado como fonte de criação.”