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Antropologia Médica 
Carollayne Mendonça Rocha – TXXXIX 
Dia: 20/08/2020 
➢ A antropologia médica estuda: 
• A forma como as pessoas explicam os problemas de saúde e a quais tratamentos e profissionais 
recorrem quando ficam doentes. (ou seja, quais explicações as pessoas criam para os problemas de 
saúde – a explicação é inventada pelo homem – isso é algo próprio da cultura humana. Qualquer 
explicação que se dê, mesmo científica, é cultural. O que interessa para a antropologia? A busca da 
pessoa por um tratamento, a antropologia apenas quer entender o que leva as pessoas a buscarem 
médico, benzedores ou qualquer outra ajuda. A antropologia também quer entender como se 
estrutura o sistema de crenças, o sistema que leva as pessoas a acreditar e leva outros a se colocarem 
em uma determinada posição, num determinado papel, no exercício da profissão de cura.). 
• Como crenças e práticas relacionam-se com as alterações biológicas, psicológicas e sociais no 
organismo humano. (como que práticas que são da cultura humana relacionam-se com questões de 
saúde ou de doença; como que questões que são hábito de determinado grupo contribuem para a 
longevidade desse grupo – como que hábitos culturais do povo japonês contribui para que eles 
tenham uma maior longevidade. Como a cultura interfere nas condições biológicas, psicológicas e 
sociais das pessoas.). 
• O sofrimento humano e as etapas pelas quais as pessoas passam para explica-lo e aliviá-lo. (a 
antropologia estuda, em suma, o sofrimento humano. As etapas vão desde o reconhecimento de que 
há algo errado, a busca por um tratamento, a escolha do tipo de tratamento que ele vai buscar. A 
antropologia médica está ocupada em compreender todas as formas, ela não faz julgamento, não se 
pode julgar cultura, já que só se pode compreender uma cultura em seu contexto – só poderia fazer 
esse julgamento, seja ele bom ou ruim, se fizesse parte do povo que está sendo julgado.). 
➢ O estudo do homem 
A antropologia estuda o homem nas suas múltiplas dimensões, estuda o homem enquanto um ser social, 
enquanto um ser cultural, estuda as relações do homem com as questões de saúde e doença, buscar definir o 
que é o homem (antropologia filosófica), estuda o homem nos seus aspectos linguísticos, nos seus aspectos 
materiais (arqueologia). A antropologia é uma tentativa totalizante de entender o ser humano. 
➢ Antropologia física 
Está preocupada em entender as características físicas do homem. 
➢ Antropologia social 
Compreende o homem enquanto um ser social que interage, que é produto de um meio, de uma sociedade, 
parte de uma sociedade. 
➢ Antropologia cultural 
Se ocupa do homem criador, do homem que dota as coisas de significado, do homem que inventa, do 
homem que realiza, do homem que modifica a própria natureza, o estado da natureza. 
➢ Cultura 
“Aquele complexo integral que inclui conhecimento, crenças, arte, moral, leis, costumes e quaisquer outras 
capacidades e hábitos adquiridos pelo homem como membro de uma sociedade” ~ Tylor (viveu no século 
XIX, morreu em 1917 e foi um antropólogo evolucionista, ele é o criador do conceito moderno de cultura). 
Qualquer coisa que seja inventada pelo homem, é cultura; qualquer hábito, capacidade e conhecimento que 
seja produzido pelo homem. Mas não é o homem sozinho, é ele como membro de uma sociedade. Cultura e 
sociedade são dois conceitos diferentes que estão interligados – o homem torna-se um ser social pela 
apreensão da cultura, e ele só aprende cultura convivendo em sociedade. 
Teve um momento que cultura era visto só como coisa de gente cultivado, por isso o termo cultura, vem 
mesmo da agricultura, de cultivo, você tem que cultivar o espírito. 
Cultura já teve outros significados. 
Um outro conceito de cultura: 
As culturas compreendem “sistemas de ideias compartilhadas, sistemas de conceitos e regras e significados 
que subjazem e são expressos nas maneiras como os seres humanos vivem” ~ Keesing e Strathern. 
Sistema de ideias, conceitos, regras e significados que estão presentes de forma subjacentes nas formas 
como vivemos, como nos relacionamos... 
Cultura é uma exclusividade de espécie humana. 
➢ Cultura material 
É a que podemos tocar. Exemplo: livro. 
➢ Cultura imaterial 
É a que não podemos tocar. Exemplo: capoeira, ideias, conhecimento, informações. 
A cultura pode ser encarada como uma “lente” herdada através da qual o indivíduo percebe e compreende o 
mundo em que habita e aprende a viver dentro dele. 
A divisão do mundo e das pessoas dentro dele em diferentes categorias (homem, mulher, idoso, criança, 
branco, negro, pobre, rico) é um dos aspectos da “lente” de qualquer cultura. 
Todas as sociedades possuem mais de uma cultura dentro de suas fronteiras. Por exemplo, cada estrato 
social é marcado pelos seus próprios atributos culturais distintos, como o uso da linguagem, costumes, 
estilos de vestir, padrões de alimentação e moradia. 
Se eu tivesse nascido lá na Índia, eu teria uma visão de mundo diferente. Se tivesse sido criado em uma tribo 
indígena, teria uma percepção de mundo diferente. 
O Brasil não é um país homogêneo em termos culturais, há uma base cultural em comum, o português é 
falado de norte a sul, de leste a oeste, com exceção dos indígenas ainda em isolamento (segundo a FUNAI, 
cerca de 30000 brasileiros nativos), todo o restante do território fala português, é um povo majoritariamente 
cristão, a família é a base da sociedade, a economia é capitalista, o trabalho é importante, questões 
relacionadas à ética e à família são vistas como um valor a ser preservado. Nós não temos uma sociedade 
homogênea do ponto de vista cultural, todas as sociedades possuem mais de uma cultura dentro de suas 
fronteiras. 
➢ Sociedade 
“Sistema social total cujos membros compartilham uma linguagem e tradição cultural comuns.” ~Keesing e 
Strathern (os dois são antropólogos, eles levam em conta a sociedade entendendo-a como compartilhamento 
de linguagem e tradição cultural). 
Tem um sociólogo que diz que sociedade são homens em interação, pessoas em interação. 
Com relação à saúde, a cultura em que você nasceu, ou na qual você vive, nunca é a única influência. 
Tem outros fatores em relação à saúde do sujeito que são diferentes de fatores culturais, por exemplo, 
fatores econômicos. 
O médico utiliza o conceito de cultura de forma errada porque ele leva em conta a cultura como se fosse 
uma coisa pura de um povo, como se ela não estivesse inserida em um povo. 
Outras influências: 
- fatores individuais 
- fatores educacionais 
- fatores socioeconômicos 
- fatores ambientais 
➢ Maus usos do conceito 
• Generalizar: estereótipos, discriminação, preconceito. 
• Tratar culturas como estáticas (que não se altera). 
• Julgar as diferentes culturas. 
• Isolar as crenças e os comportamentos culturais “puros” do contexto social e econômico em que eles 
ocorrem. 
➢ Maus usos na prática médica 
• Exemplo: as pessoas podem agir de um modo particular (consumir certos alimento, viver em uma 
casa com muitas pessoas ou não ir ao médico quando adoecem) não porque seja parte de sua cultura 
fazer isso, mas porque simplesmente são pobres demais para agir de outra forma. 
• Os sintomas ou alterações de comportamento podem ser atribuídos à “cultura” de uma pessoa quando 
na verdade são causados por um distúrbio físico ou mental subjacente. Por exemplo, as doenças 
físicas do cérebro (como tumores ou encefalite) podem ser confundidas com doença mental em 
certos contextos culturais e sociais. 
• Quando o comportamento antissocial, perigoso ou mesmo homicida de um indivíduo é atribuído à 
sua “cultura” quando não tem nada a ver com ela de forma alguma. 
➢ Fatores socioeconômicos 
• Fatores econômicos e desigualdade social: algumas das causas mais importantes de má saúde. 
• Resultados da pobreza: desnutrição, moradias e roupas inadequadas, níveis ruins de educação, 
trabalhos insalubres e/ou extenuantes,exposição à violência, estresse psicológico e abuso de drogas e 
álcool. 
• Distribuição desigual de riqueza = distribuição desigual no acesso aos serviços de saúde – tanto entre 
os países quanto dentro de cada país. 
• Nos Estados Unidos, diversos estudos indicam que os membros de grupos minoritários sofrem 
desproporcionalmente de doença cardíaca, diabetes, asma, câncer e outras condições. 
• As razões para essas disparidades de saúde são complexas: elas incluem os muitos efeitos da 
pobreza, mas também os desvios e a falta de flexibilidade do sistema de cuidados de saúde em si. 
• Outro fator prejudicial à saúde dos grupos minoritários pode ser a discriminação, o racismo ou a 
perseguição pela população “hospedeira”, bem como uma má vontade geral em considerar suas 
crenças, práticas e expectativas em saúde. 
• O ambiente físico em que as comunidades mais pobres vivem podem ter um impacto direto em sua 
saúde, resultando, por exemplo, em uma incapacidade de pagar por um suprimento de água potável 
ou pela coleta de esgotos adequada. 
• Pesquisa indica que quanto mais alto e mais bem-sucedido se está na hierarquia social, ou mesmo 
dentro de uma organização particular, como uma empresa, corporação ou burocracia, maior a saúde e 
expectativa de vida da pessoa. Quanto menor o nível social, maiores os riscos de saúde. 
• Sociedades caracterizadas pela alta coesão social, quer sejam ricas ou pobres, têm saúde melhor do 
que outras com a mesma riqueza, porém menor coesão social. 
• Pode ocorrer de estratos sociais terem ascensão social e, paralelamente, piorarem sua saúde 
(transição de estilo de vida). 
➢ Antropologia médica 
Em todas as sociedades humanas as crenças e práticas relativas aos problemas de saúde são uma 
característica central da cultura. Frequentemente, elas estão ligadas às crenças sobre a origem de uma 
variedade muito maior de infortúnios (incluindo acidentes, conflitos interpessoais, desastres naturais, 
quebras de safra, roubos e perdas), dos quais a má saúde é apenas uma forma. 
Não se pode de fato compreender como as pessoas reagem à doença, à morte ou a outros infortúnios sem 
uma compreensão do tipo de cultura em que elas cresceram ou que adquiriram – isto é, das “lentes” através 
das quais elas percebem e interpretam seu mundo. 
Além do estudo da cultura, também é necessário examinar a organização social da saúde e da doença na 
sociedade (o sistema de cuidados de saúde), que inclui a forma como as pessoas são reconhecidas como 
doentes, o modo como elas apresentam essa doença a outras pessoas, os atributos daqueles a quem elas 
apresentam sua doença e as maneiras pelas quais a doença é abordada. 
Muitas pessoas procuram outros meios para cura além do médico. 
“Curadores” ou “agentes de cura” são encontrados em diferentes formas em todas as sociedades humanas. A 
antropologia médica está particularmente interessada nas características desse grupo social especial: seleção, 
treinamento, conceitos, valores e organização interna. 
Ao estudar como indivíduos em uma dada sociedade percebem e reagem à má saúde e os tipos de cuidados 
de saúde que eles fornecem, é importante saber algo sobre os atributos culturais e sociais da sociedade em 
que eles vivem. Esta é uma das principais tarefas da antropologia médica. 
Alguns pesquisadores da antropologia médica têm-se concentrado seus aspectos teóricos, enquanto outros 
têm enfatizado mais os seus aspectos aplicados em cuidados de saúde e medicina preventiva. 
Antropologia médica crítica: se concentra na desigualdade política e econômica entre, e dentro de, muitas 
das sociedades no mundo de hoje e especialmente na relação íntima entre pobreza e doença. 
Antropologia médica clínica: intimamente envolvida no cuidado dos pacientes dentro de contextos 
hospitalares ou clínicos, frequentemente como membros de uma equipe multidisciplinar de cuidados de 
saúde. 
A importância dos fatores culturais para muitos aspectos diferentes da saúde internacional foi reconhecida 
oficialmente em 1996 pela OMS e pela UNESCO, que declaram-no como o Ano da Cultura e da Saúde. 
Competência cultural: capacidade dos fornecedores e das organizações de cuidados em saúde de 
compreender e responder efetivamente às necessidades culturais e linguísticas, trazidas pelos pacientes às 
situações de cuidados de saúde. 
➢ Métodos 
• Etnografia: estudo de sociedades em pequena escala ou grupos relativamente pequenos de pessoas, 
de modo a compreender como eles veem o mundo e organizam suas vidas diárias. O objetivo é 
descobrir, dentro do possível, a “perspectiva do ator”; isto é, ver como o mundo se parece a partir da 
perspectiva de um membro daquela sociedade. 
• Avaliação etnográfica rápida: período curto e intensivo de pesquisa por uma equipe de antropólogos 
e seus assistentes e podem durar de diversas semanas a vários meses. Elas tendem a se concentrar em 
um problema particular (como uma alta taxa de doenças diarreicas) em uma dada comunidade ou 
região. 
• Usa de questionários abertos, registros em vídeo ou fita, análises computadorizadas, fotografias 
aéreas, complicação de histórias familiares e análises de genealogias, coleção de narrativas 
individuais e exame de materiais escritos ou impressos, como diários, cartas, fotografias de família, 
artigos de jornal, mapas, relatórios de censo e arquivos históricos locais. 
ARTIGO – ESCOLAS MÉDICAS DEVEM ENSINAR SOBRE PESSOAS 
Uma escola médica precisa de uma visão humanista dos cidadãos, além de profunda clareza no seu papel 
social. É insuficiente estar somente envolvido com o ensino, a assistência e pesquisa. 
Médico precisa gostar de gente. Seu dia a dia é um eterno relacionar-se, a começar de sua formação, para a 
qual depende de professores, orientadores, funcionários e outros. 
As grandes conquistas dependem muito do humanismo. Toda tarefa difícil é feita de etapas. É muito 
importante que todas as escolas médicas adotem o espírito cooperativo porque a interação efetiva com os 
futuros médicos, que dá estímulo e entusiasmo a eles, talvez seja o primeiro passo para a melhoria da saúde 
no Brasil. 
ARTIGO - CONTRIBUIÇÕES DA ANTROPOLOGIA MÉDICA PARA A MEDICINA 
Argumenta-se que os sistemas médicos de atenção à saúde, assim como as respostas dadas às doenças, são 
sistemas culturais, consonantes com os grupos e realidades sociais que os produzem. 
A Antropologia reivindica a saúde e a doença como objetos próprios e fecundos de estudo. O processo 
saúde-doença, embora geralmente assentado em um substrato biológico, ganha, pela cultura, sentidos e 
significados para o indivíduo e seu grupo de pertencimento e, igualmente, possibilidades de 
ação/intervenção sempre concernentes ao grupo social em questão. Nestes termos, saúde e doença são 
apreendidas pela Antropologia como expressão da relação entre fatores biológicos, sociais, políticos, 
econômicos, culturais e ambientais, conformando ‘fenômenos sociais totais’. 
A Antropologia como disciplina científica se funda num certo paradoxo da natureza humana: a unicidade 
biológica associada à capacidade praticamente infinita para criar formas de organização social e construir 
símbolos e significados que dão sentindo aos modos de vida. 
Cultura pode ser definida, na acepção de Clifford Geertz, importante expoente da Antropologia 
Interpretativa, que fundamenta grande parte da produção da Antropologia Médica Norte-Americana, como 
um “universo de símbolos e de significados que permite aos indivíduos de um grupo interpretar a 
experiência e guiar as ações”. Esta definição de cultura como sistemas entrelaçados de símbolos 
interpretáveis dentro dos quais os acontecimentos sociais, os comportamentos e as instituições podem ser 
descritos de forma inteligível, possibilita entender a saúde (e, em complemento, a doença) como um sistema 
que é social e cultural na sua origem, estrutura, função e significado. 
Illness e disease ressaltam o aspecto de que as produções designificado acerca da doença remetem a visões 
de mundo que, expressas pelo indivíduo singular, são conformadas pela cultura da qual ele toma parte. llness 
(pertubação, sofrimento, enfermidade) é a forma como os indivíduos e os membros de sua rede social 
categorizam e atribuem sentido aos sintomas. Illness é a resposta subjetiva do indivíduo à situação de 
doença, uma resposta que engloba aspectos individuais, sociais e culturais à experiência de estar doente. Por 
outro lado, disease (doença) é a forma como a experiência da doença (illness) é reinterpretada pelos 
profissionais de saúde com base no modelo biomédico que orienta seu trabalho clínico. Uma das atribuições 
do médico seria, portanto, “traduzir” o discurso, os sinais e os sintomas do paciente para chegar ao 
diagnóstico da doença, ou seja, decodificar illness em disease, isto é, passar da doença do doente para a 
doença do médico, na elaboração diagnóstica. 
As ações relacionadas com o cuidado à saúde são interrelacionadas e organizadas com o objetivo de 
enfrentar a doença, a desordem e o sofrimento dela decorrente para o enfermo/doente e seu grupo de 
pertencimento. 
Cada um de nós, pertencentes à determinada cultura ou sub-cultura, ‘aprendemos a ficar doentes’ ou, em 
outras palavras, pensamos e agimos diante de uma situação de doença, optando por um determinado tipo de 
tratamento e avaliando seu resultado. Segundo Helman, quanto maior e mais complexa a sociedade, maior a 
possibilidade e disponibilidade de alternativas terapêuticas. 
Para Kleinman, nosso SCS (sistema cultural da saúde) é composto por três partes que por vezes se 
sobrepõem: o setor popular, o setor folk e o setor profissional. O primeiro (popular) é representado por 
pessoas próximas ao doente (amigos, familiares, vizinhos) e se constitui no espaço propriamente ‘leigo’ no 
qual a doença começa a ser definida e, a partir daí, são desencadeadas as várias possibilidades terapêuticas 
de cura. O segundo (folk ou tradicional), contempla especialistas de cura, porém sem regulamentação 
oficial, como benzedeiras, práticas religiosas e outras formas alternativas de cura. O terceiro (profissional) 
representa a prática hegemônica e formal de saúde que, na nossa sociedade, tem a Biomedicina como 
referência primordial, mas que também pode incluir a homeopatia e a acupuntura, por exemplo. 
Cada sub-sistema apresenta uma forma de explicar a doença e alternativas ou terapêuticas para enfrentá-la. 
Abordagem da relação médico-paciente – perspectiva comunicacional. A cultura de cada sujeito está 
igualmente presente e interfere no encontro. 
No campo médico, cultura é tida frequentemente como sinônimo de etnia, nacionalidade e língua. 
A antropologia concebe que os processos culturais que envolvem saúde-adoecimento-cuidado são 
complexos e inseparáveis de fatores econômicos, políticos, religiosos, psicológicos e de condições 
biológicas. 
As noções e os modelos (Illness, disease, experiência da enfermidade, sistemas de cuidado em saúde), 
devem ser consideradas no contexto clínico de modo a promover o diálogo a partir de uma escuta 
qualificada pelo médico acerca do significado e da experiência da doença do paciente. 
Nas palavras de Kleinman e Benson14 “The moment when the human experience of illness is recast into 
technical disease categories something crucial to the experience is lost because it was not validated as an 
appropriate clinical concern”. 
ANTROPOLOGIA MÉDICA: ELEMENTOS CONCEITUAIS E METODOLÓGICOS PARA UMA 
ABORDAGEM DA SAÚDE E DA DOENÇA 
O discurso antropológico aponta os limites e a insuficiência da tecnologia biomédica quando se trata de 
mudar de forma permanente o estado de saúde de uma população. Ele nos revela que o estado de saúde de 
uma população é associado ao seu modo de vida e ao seu universo social e cultural. A antropologia médica 
se inscreve, assim, numa relação de complementaridade com a epidemiologia e com a sociologia da saúde. 
A antropologia considera que a saúde e o que se relaciona a ela são fenômenos culturalmente construídos e 
culturalmente interpretados (Nichter, 1989). A perspectiva qualitativa é empregada para identificar e analisar 
a mediação que exercem os fatores sociais e culturais na construção de formas características de pensar e 
agir frente à saúde e à doença. Integrando uma apreensão da dimensão cultural, a antropologia médica vem, 
ao lado da sociologia da saúde e da epidemiologia, contribuir para ampliar o contexto que deve ser levado 
em consideração na leitura dos processos patológicos. 
As estratégias qualitativas indicam o que é importante estudar em um dado contexto sociocultural, permitem 
identificar variáveis pertinentes e formular hipóteses culturalmente apropriadas. As pesquisas quantitativas 
são construídas a partir de amostras representativas do grupo estudado e permitem testar essas hipóteses. 
Estudos recentes demonstram a grande influência que exercem os universos social e cultural sobre a adoção 
de comportamentos de prevenção ou de risco e sobre a utilização dos serviços de saúde (Taylor et al., 1987). 
O grande investimento que tem sido feito em campanhas de vacinação em diferentes países do mundo 
(WHA, 1977, 1982) e o relativo sucesso dessas campanhas em alguns países africanos (Unger, 1991) pode 
ser citado como um primeiro exemplo. Devem também ser levados em consideração os fatores culturais que 
podem comprometer o sucesso dessas campanhas. Responsáveis técnicos e médicos formados pelos 
métodos científicos ocidentais ignoram muitas vezes a significação que as campanhas de vacinação podem 
ter para as populações visadas. Tais campanhas não podem ser facilmente transportadas de um contexto a 
outro. Elas exigem que se levem em conta as particularidades culturais e os diferentes processos lógicos 
predominantes em cada contexto. 
os programas de saúde partem do pressuposto de que a informação gera uma transformação automática dos 
comportamentos das populações frente às doenças. Essa abordagem negligencia os diferentes fatores sociais 
e culturais que intervêm na adoção desses comportamentos (Fincham, 1992). 
Hielscher & Sommerfield descrevem a identificação da causa cultural como etapa fundamental do processo 
terapêutico. As concepções etiológicas populares dão significado aos diferentes episódios patológicos e 
determinam em grande medida as estratégias para lidar com eles. O estudo de Nyam-waya (1987) junto aos 
Pokot, do Kenia, demonstra igualmente a influência das concepções culturais de causalidade sobre a 
utilização das formas tradicionais e ocidentais de terapia. No entanto, a influência de outros fatores no 
processo decisório é também demonstrada. a eficácia comprovada de uma ou outra terapêutica seria 
fundamental tanto como princípio classificatório como na escolha do tratamento adequado. 
os comportamentos de uma população frente a seus problemas de saúde, incluindo a utilização dos serviços 
médicos disponíveis, são construídos a partir de universos socioculturais específicos. 
Segundo Scheper-Hugues & Lock (1987), o dualismo cartesiano entre corpo e espírito seria o precursor 
imediato das concepções biomédicas contemporâneas de organismo humano e do pensamento materialista 
radical que caracteriza a biomedicina. Descartes teria legado às ciências naturais e sociais uma concepção 
mecanicista do corpo e de suas funções que sustenta uma visão reducionista dos fenômenos saúde e doença. 
A doença é ora vista como um problema físico ou mental, ora como biológico ou psicossocial, mas 
raramente como fenômeno multidimensional. 
C. Geertz, que se situa na origem dessa corrente, concebe a cultura como o universo de símbolos e 
significados que permite aos indivíduos de um grupo interpretar a experiência e guiar suas ações (Geertz, 
1973: pp). Segundo ele, a cultura fornece modelos “de” e modelos “para” a construção das realidades sociais 
e psicológicas. Para Geertz, a cultura é o contexto no qualos diferentes eventos se tornam inteligíveis. 
as desordens, sejam elas orgânicas ou psicológicas, só nos são acessíveis por meio da mediação cultural; “a 
desordem é sempre interpretada pelo doente, pelo médico e pelas famílias” (Kleinman & Good, 1985). 
A distinção paradigmática estabelecida por Eisenberg (1977) entre a “doença processo” (disease) e a 
“doença experiência” (illness) é o elemento-chave desse grupo de estudos. A “doença processo” (disease) 
refere-se às anormalidades de estrutura ou funcionamento de órgãos ou sistemas, e a “doença experiência” 
(illness), à experiência subjetiva do mal-estar sentido pelo doente. 
Segundo Kleinman, todas as atividades de cuidados em saúde são respostas socialmente organizadas frente 
às doenças e podem ser estudadas como um sistema cultural: health care system. Todo “sistema de cuidados 
em saúde” seria constituído pela interação de três setores diferentes (profissional, tradicional e popular). 
Kleinman (1980) elaborou o conceito de “modelo explicativo” (explanatory model) para estudar os traços 
cognitivos e os problemas de comunicação associados às atividades de saúde. o modelo explicativo é 
constituído por noções elaboradas a partir de episódios de doenças e em referência aos tratamentos que 
foram utilizados. Kleinman (1980) distingue “os modelos explicativos” dos profissionais e os “modelos 
explicativos” utilizados pelos doentes e suas famílias. 
O modelo de análise de redes semânticas (semantic network analysis), desenvolvido por Good (1977) e 
Good & DelVecchio Good (1980, 1982), abre o caminho para a compreensão dos diferentes fatores que 
participam da construção de “realidades médicas”. Essas redes de símbolos associadas a doenças 
particulares em dada sociedade seriam utilizadas pelos indivíduos para interpretar o vivido, articular a 
experiência e exprimi-la de forma socialmente legítima. 
O modelo de análise dos “sistemas de signos, significados e ações” elaborado por Corin et al. (1989, 1990, 
1992a, 1992b, 1993) se inscreve, em linhas gerais, como um prolongamento dos trabalhos do Grupo de 
Harvard, já descritos. permite maior sistematização dos diferentes elementos do contexto que intervêm 
efetivamente na identificação do que é problemático, na decisão de tratar ou não um problema e na escolha 
do terapeuta apropriado. 
O modelo de análise dos “sistemas de signos, significados e ações” visa precisamente ao conhecimento 
sistemático das maneiras de pensar e de agir de populações junto às quais se quer intervir; ele constitui um 
instrumento privilegiado para a investigação antropológica das representações e comportamentos 
predominantes no campo das grandes endemias. 
Esse modelo de análise é construído a partir de duas premissas básicas: (1) cada comunidade constrói de 
maneira específica o universo dos problemas de saúde, marcando principalmente tal ou tal sintoma, 
privilegiando tal ou tal explicação e encorajando certos tipos de reações e ações; (2) existe continuidade 
entre a maneira pela qual uma comunidade percebe e interpreta seus problemas de saúde e os procedimentos 
que ela desenvolve para resolvê-los; essa construção específica é ligada às características sócioculturais da 
comunidade e às condições macroscópicas de contexto 
O modelo de análise “dos sistemas de signos, de significados e de ações” possibilita a sistematização da 
investigação antropológica na área das grandes endemias. Ele permite o conhecimento das lógicas 
conceituais que organizam o campo das representações culturais, associadas por populações específicas a 
cada endemia, e de elementos do contexto que podem influenciar a tradução dessas representações em 
comportamentos concretos 
A antropologia desenvolveu importante aparelhagem conceitual e metodológica para o estudo sistemático 
das maneiras culturais de pensar e de agir associadas à saúde. Ela permite examinar as relações (interações e 
contradições) entre os modelos de prática, que suportam a organização dos serviços, os programas de 
prevenção e as intervenções terapêuticas, e os modelos culturais dos usuários. A partir daí, ela fornece 
parâmetros para a reformulação da questão da adequação sociocultural dos diferentes programas de saúde. 
VÍDEO – ANTROPOLOGIA MÉDICA 
A antropologia médica busca uma forma de satisfazer as demandas humanitárias e científicas do campo da 
medicina, buscando a origem social das doenças, para isso, são realizadas investigações nas quais se 
busquem os obstáculos que as pessoas devem enfrentar na busca por atendimento médico. Os estudos 
antropológicos da saúde buscam conhecer a forma como as pessoas percebem a saúde e as doenças e como a 
sociedade, a cultura, a política e o meio ambiente afetam sua saúde positiva ou negativamente. 
A ciência biomédica favorece a biologia individual nos elementos técnicos, modelos pragmáticos e de 
mercado, o modelo médico hegemônico tem alcançado amplas conquistas na melhoria das condições de 
saúde das populações. A crítica antropológica é que menospreza ou anula outros saberes populares da área 
médica, da mesma forma que exclui de uma forma mais dinâmica ou menos pacientes hierárquicos da 
relação médico-paciente. 
A antropologia médica estuda os problemas de saúde humana e os sistemas de cura em seus contextos 
sociais, culturais e econômicos políticos, analisa as medidas que explicam os diferentes modos de adoecer, 
cuidar e morrer entre indivíduos e grupos específicos, e considera as características e peculiaridades das 
relações entre pessoas e grupos sociais que possibilitam ou limitam os problemas de resolução da sua saúde. 
A antropologia médica estuda a relação que cada cultura tem com as doenças e condições de determinados 
grupos também no sentido de estabelecer um quadro teórico metodológico que revele as particularidades dos 
processos de saúde, doença e cuidado de sujeitos inscritos em um quadro social específico. O médico 
integral deve ter uma verdadeira vocação para a medicina, uma formação científica bem realizada, 
sensibilidade para cuidar de homens enfermos, compreender o sentido de suas palavras e silenciar gestos e 
condições de relutância da humanidade, reconhecimento da dignidade humana, da liberdade e da formação 
cultural. 
Em cada sociedade existem múltiplas tradições culturais, algumas hegemônicas ou dominantes e outras 
subordinadas, portanto, não existem apenas fatores biológicos, mas também fatores sociais, culturais, 
econômicos, psicológicos e éticos que não permitem que uma cultura seja superior. Outro, porque a cultura e 
a educação são independentes da cultura racial, é todo aquele complexo que inclui conhecimento, crenças, 
arte, moral, direito, costumes e quaisquer outros hábitos e capacidades adquiridos pelo homem assim que ele 
se torna membro da sociedade. 
Então a educação deve ser entendida como um processo de transmissão cultural com o objetivo principal de 
incutir valores para que possam funcionar efetivamente em uma determinada cultura médica, é também uma 
forma de transmissão cultural onde os educadores transmitem valores aos iniciados durante um curto 
período de tempo. Os estudantes de medicina participam de muitas cerimônias de jaleco branco, de 
iniciações dramáticas no primeiro dia no laboratório de anatomia com cadáveres, primeira coleta de sangue e 
primeira cirurgia, cuidados com o primeiro parto, tudo está em um novo ambiente, isolado da família e 
amigos com longas horas, estudo e trabalho com professores intimidantes. 
Em mais de uma ocasião ouvimos falar das vantagens de algumas técnicas que não gozam de 
reconhecimento científico e apesar de tudo, muitas pessoas parecem trabalhar tanto nestes casos como em 
muitos outros tratamentos mais reconhecidos, é legítimo perguntar se o que tomamos ou fazemos realmente 
tem um efeito real na nossa saúde, em outras palavras, o tratamento que estou seguindo é realmente eficaz 
ou tem sua própria melhora? Outra explicação: talvez estejamosenfrentando um caso de efeito placebo, o 
efeito placebo é tradicionalmente entendido como uma sugestão situada na fronteira entre a mente e o corpo 
e também entre o social e o natural, esta explicação dualística é reducionista. Os rituais vistos como 
símbolos têm uma capacidade única de influenciar emoções, pensamentos e corpo simultaneamente e criar 
uma conexão entre símbolos, pensamentos e emoções, este fenômeno complexo é o que chamamos de 
eficácia simbólica. Por outro lado, a interculturalidade real corresponde mais do que uma qualidade da 
relação entre os sistemas de cura a uma qualidade do médico na forma de estabelecer a relação no usuário 
que o faz. A compreensão que o usuário tem de seus processos de saúde e doença é o principal recurso. 
ARTIGO - O BRASILEIRO, O RACISMO SILENCIOSO E A EMANCIPAÇÃO DO AFRO-
DESCENDENTE 
O preconceito contra a população negra, em função de um mito que o nega, torna-se difícil de ser 
compreendido e combatido. Sabe-se da discriminação, mas não se quer falar a respeito. 
no Brasil, o preconceito não é abertamente afirmado, dificultando a elaboração de leis que favoreçam sua 
reversão. A ideologia de que vivemos num país em que as diferenças são aceitas e valorizadas, ‘um 
verdadeiro exemplo para as outras nações’, encobre o problema. Em função disso, a população negra 
encontra-se submetida a um processo em que as condições de existência e o exercício de cidadania tornam-
se muito mais precários com relação à população considerada branca. Em decorrência, a construção de uma 
identidade positivamente afirmada, requisito necessário para as pessoas se engajarem em políticas efetivas 
voltadas para a melhoria de suas condições sociais, torna-se um processo dificultado. 
O processo de classificar, obsessão da civilização ocidental, constituiu-se nos atos de incluir o semelhante 
num padrão considerado desejável e correto, excluindo o diferente. Cada ato de classificação compreende a 
divisão do mundo em dois: entidades que respondem a um conceito e todo o resto que se diferencia dele. 
Mais que isso, “...tal operação de inclusão/ exclusão é um ato de violência perpetrado contra o mundo e 
requer o suporte de uma certa dose de coerção”. Assim, as figuras do ‘outro’ da ordem são: “a 
indefinibilidade, a incoerência, a incongruência, a incompatibilidade, a ambiguidade, a confusão, a 
incapacidade de decidir, a ambivalência - ... pura negatividade”. O outro passa a constituir-se na fonte e 
arquétipo de todo o medo. 
Como resultante, a intolerância passa a constituir-se como atitude básica, decorrente das práticas 
desenvolvidas na modernidade - terreno fértil para a construção de subjetividades prontas para a 
desligitimação do outro, daquele considerado divergente dos padrões assumidos como verdadeiros e bons. 
Como analisa Bauman (1999), “libertando das restrições morais a ação com um propósito, a modernidade 
tornou o genocídio possível” 
A ideia do branqueamento foi defendida, no início do século XX, por vários cientistas e representantes da 
intelectualidade brasileira, sem esquecer que na modernidade os representantes da ciência passaram a ser os 
legitimadores das ‘verdades’ estabelecidas. 
Em função do processo de desvalorização da pessoa negra, os afrodescendentes tendem a introjetar a visão 
dominante de mundo branco, visto como superior. Em decorrência, tendem a desvalorizar o mundo negro ou 
assumirem como insignificante para suas vidas o fato de serem afrodescendentes, como na família que 
mencionei. 
Há uma série de situações favoráveis à sustentação das distorções a respeito das matrizes negras, dentre elas, 
a educação formal. 
As noções de beleza são derivadas de uma estética ‘branca’, usada como ‘referência correta’, positiva, 
racional e bem desenvolvida, levando, em decorrência, a uma desvalorização da estética negra, encarada 
como exótica, emocional e primitiva, qualidades consideradas ‘menores’. 
Evidências empíricas, como as de Parham & Helms (1985), sugerem que as pessoas submetidas à 
discriminação tendem a apresentar autoconceito pobre, baixa autoestima, autorrealização pobre, ansiedade e 
depressão. O indivíduo, tem a sensação de não se ‘encaixar’ realmente em nenhum grupo, pois internaliza os 
valores ‘brancos’ e é desqualificado por ser negro, de tal forma que passa a desvalorizar-se como pessoa. 
Para Souza (1983), o negro vive uma dramática insatisfação, independente de seus êxitos, pois nunca 
alcançará o ideal de ego branco. 
Entretanto, se ele gradualmente tomar consciência da desvalorização à qual está submetido, pode iniciar um 
movimento na direção de uma transformação, vindo a valorizar-se por suas características etnoraciais. 
Numa sociedade onde há discriminação, como a brasileira, é claro ter a pessoa afrodescendente já se 
deparado, por diversas vezes, com situações de afronta e indignidade em função de suas características 
etnoraciais, sob a forma de agressões físicas ou verbais abertas, ou através de formas mais sutis, como 
recusas com relação a empregos sob diferentes justificativas. É comum o negro ser pessoalmente agredido 
na escola ou na situação de trabalho, ser rejeitado para uma festa ou ser testemunha da agressão sofrida por 
um amigo. 
Houve, no Brasil, um processo histórico, articulado no projeto da modernidade, apoiado cientificamente, 
que, em busca da ordem e do progresso, criou mecanismos de deslegitimação do africano escravizado. Tal 
terreno criou condições favoráveis ao preconceito racial contra os afrodescendentes. Simultaneamente, a 
crença na ‘democracia racial’ aponta um discurso que nega esse fato. Porém, nos gestos, ele é veiculado de 
uma maneira sutil. Como nos alerta Lévinas (1997), não há gesto neutro. Todo gesto deixa vestígios e estes 
marcam o mundo, mesmo que deles não tenhamos consciência. Um dos vestígios constituiu-se em condições 
concretas de menos valia para um grupo que perfaz quase metade da população. 
Assim, estamos submetidos a dois discursos ambivalentes - um que expressa o preconceito e outro que o 
nega. 
Como a discriminação tende a ser um processo ‘camuflado’, não se tem abertura para que tais questões 
sejam discutidas, dificultando o processo de reversão do preconceito. 
Cabe aqui a proposta de um amplo debate, em termos educacionais, sobre o preconceito, as práticas 
discriminatórias e maneiras de superá-los, pois a escola é um núcleo estruturante formador de futuros 
adultos. Além disso, creio ser uma importante contribuição a educação formal enfatizar as nossas raízes nos 
currículos e reconstruir a história do processo de formação do povo brasileiro, não mais sob a ótica branca 
oficial, mas com uma visão mais abrangente. 
A participação em grupos de militância, sejam eles voltados para valores religiosos, como o Candomblé, 
com objetivos políticos ou culturais, pode favorecer um processo de reconstrução pessoal junto a 
interlocutores que vivem a mesma problemática, através do exercício de revisão dos padrões negativos 
introjetados e da possibilidade de contato com dados da história omitida. A militância é um espaço onde a 
vergonha de ser negro pode transformar-se em orgulho de ser negro, onde o indivíduo passa a ter nova 
história, além de intensificar a luta, que já vinha desenvolvendo desde o início da escravidão, por sua 
afirmação, agora com companheiros articulados em âmbito mundial, na área governamental, na não-
governamental e na academia. Com a recuperação da história da diáspora e das matrizes culturais africanas, 
também parte do cadinho cultural brasileiro, e com as reivindicações políticas e sociais, o afrodescendente 
pode dar visibilidade a qualidades que o branco não tinha se dado conta, favorecendo uma mudança de 
percepção em que é forçado a ‘olhar o outro’ e, ao mesmo tempo, a aspectos culturais que também o 
constituem. 
Na academia, o debate sobre tais questões deve ser ampliado. A psicologia brasileira pode e deve ter um 
papel fundamental.importante que a pessoa branca deixe de negar suas raízes culturais africanas e indígenas, assim como o 
negro brasileiro, suas raízes culturais europeias e também indígenas. Portanto, esta é uma luta do brasileiro, 
seja ele negro ou branco, é uma luta do brasileiro que é, culturalmente, ‘negro e branco e índio’, ou mais que 
isso. 
VÍDEO – ÍNDIO OU INDÍGENA? 
A gente tem que levar em consideração que as populações indígenas são populações ancestrais nesse país, 
mas, elas só ficaram visíveis a partir dos anos 70 efetivamente e ficaram reconhecidamente visíveis em 
1988, portanto, 30 anos atrás. Nós temos todo esse tempo anterior sendo invisibilizados e recaído sobre nós 
uma palavra, um apelido, e você sabe que os apelidos não dizem quem a gente é, um apelido normalmente 
diz o que as pessoas acham que a gente é, por isso, o apelido bom é aquele apelido que mostra, 
aparentemente, que eu tenho uma ausência, uma falta. Pois se é gordo, é magro, é branco, é preto, é pobre, é 
rico. É sempre uma alcunha, é como diriam os policiais, é sempre uma forma desqualificada de chamar o 
outro. 
A palavra índio, é uma palavra que está no nosso vocabulário e também no vocabulário dos povos indígenas, 
porque é algo que foi sendo repetido à exaustão. Nos anos 70, quando essa juventude começou a olhar, a se 
perceber parte de uma sociedade maior, que foi assim que começou o movimento indígena, essa juventude 
usou esse termo índio como uma forma de luta, com uma forma de identificação daqueles que eram 
parceiros. Então, essa palavra ainda é usada, e se é usada por uma liderança dessa, é nesse sentido. Quando 
essa palavra é usada pela sociedade brasileira, é no sentido do apelido, no sentido de desdém, no sentido do 
estereótipo, é no sentido da ideologia. 
E aí, nesse caso, se um Payakan, um Álvaro, um Marcos fala a palavra índio a gente entende que eles estão 
usando o termo politicamente, um termo para reforçar o que nós somos efetivamente. Mas quando eu ouço 
isso dentro da sociedade, uma sociedade que olha pra mim e diz “ah ele é índio, uh uh uh” e faz esse gesto, 
por exemplo, ela está me colocando numa classificação digamos, de menos humanidade e aí a gente tem que 
brigar com isso. Nesse sentido, aparentemente, é bom que se informe: a palavra índio e indígena não é a 
mesma coisa, a maioria das pessoas acha que uma é derivação da outra e não. A palavra índio, no próprio 
dicionário tá isso, não estou inventando nada, a palavra índio é uma palavra inventada, não tem significado 
efetivo, não existe essa palavra. O primeiro significado que aparece lá é que índio é o elemento químico 
número 49 da tabela periódica, lindo isso né, achei lindo isso aí, já sou preguiçoso e tudo mais ainda sou um 
elemento químico. Pena que não seja explosivo, não seja tão perigoso assim. 
Só depois é que a palavra mesmo é relativa aos primeiros habitantes, que também não diz absolutamente 
nada, mas se você vai buscar a mesma palavra, indígena, você vai descobrir que um indígena significa 
originário, então, nesse sentido nós somos indígenas. Indígena Mundurucu, indígena Xavante, enfim, toda 
essa nossa diversidade e serve pra nós. Não serve por exemplo, para quem nasceu em São Paulo. então ele é 
indígena? Não. Serve para os povos originários. Serve para os Guaranis por exemplo é eles são indígenas, 
sim, são originários desse lugar. 
Então nesse sentido é importante a gente ir trabalhando, lapidando e aqui não estou falando do politicamente 
correto, estou falando do correto, do que é efetivo, ou seja, a gente valoriza e nós somos de cultura da 
palavra, a palavra para nós tem sentido, palavra para nós tem alma, tem vida. Então, a palavra enobrece ou 
também ela detona, derruba, destrói. Então, saber usar a palavra para tratar o outro, é sinal de inteligência é 
sinal de humanidade, é sinal de tolerância com outro, e tolerância não é aquilo que a gente fala, às vezes 
ouve: “eu sou tolerante, aguento aquele cara, suporto ele” não é isso. Tolerância é aquilo que se dizia antes, 
é deixar que o outro seja, não aquilo que a gente quer que ele seja, mas aquilo que ele é de fato e cabe a uma 
sociedade decente lutar para que o outro seja o que ele quer.

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