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Como o estudante e a estudante de medicina devem lidar com as questões de religiosidade/espiritualidade na prática médica? Quanto aos termos “espiritualidade” e “religiosidade”, há autores que conceituam a primeira como a busca intrínseca do indivíduo para compreender questionamentos referentes à finitude da vida e seus significados, bem como as relações com o sagrado ou transcendente. Já a religiosidade envolve práticas em instituições organizacionais (como igrejas) ou não organizacionais, por meio de orações e leitura de livros religiosos. A dimensão religiosa e espiritual parece fortalecer a confiança no sentido da existência e da fé e ajudar a evitar várias situações de agravo 1. Nessa perspectiva, evidencia-se que esses dois pontos são aspectos fundamentais na formação e na assistência médica. A grande dissonância é que muitos profissionais da saúde não aceitam ou têm dificuldades de abordar o tema com os pacientes, devido à escassez dessas informações na graduação. Muitos estudantes de medicina brasileiros acreditam que a espiritualidade influencia a saúde dos pacientes e pode ser inserida na prática clínica. Porém, a maioria se sente despreparada para fazê-lo, afirmando que a escola médica nem sempre oferta treinamento necessário. Diante disso, a matriz curricular pode abordar esse assunto nos conteúdos programáticos do ciclo básico, clínico e no internato. Outra possibilidade são ações de pesquisa, extensão e cultura, como as ligas acadêmicas, que propiciam o encontro de alunos, professores, pacientes e sociedade para refletir sobre tópicos de interesse comum a partir de vivências, debates e atividades. Nesta perspectiva, se os alunos do ciclo básico desenvolvem aptidão para lidar com o tema desde o ingresso no nível superior, podem se tornar mais motivados durante sua formação acadêmico- -profissional a contemplar religiosidade e espiritualidade no trato com pacientes. Pressupõe- se também que participar das demais ações universitárias favorece a compreensão desses três elementos. Para as escolas médicas que ainda não têm o tema em seu currículo, há três possibilidades: 1) inserção nos módulos da matriz curricular; 2) oferta de atividades e capacitações extensionistas, estágios, vivências práticas, encontros científicos, ou seja, atividades complementares à formação profissional, previstas nas Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) do curso de medicina; e https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1983-80422019000200350#B1 3) ligas acadêmicas, como a Liga Acadêmica em Saúde e Espiritualidade criada na Universidade Federal do Cariri. É importante que essas escolas garantam espaços didáticos para os alunos discutirem e aprenderem temas que vão além do modelo biomédico. A principal razão para incluir espiritualidade/religiosidade na educação médica é a necessidade de entender melhor o papel desse aspecto na assistência ao paciente, a fim de prestar cuidados compassivos considerando a interação de fatores biopsicossociais na vida e na história espiritual de cada indivíduo. Estudar espiritualidade é forma de ver pessoas e fatos a partir de nova perspectiva; é refletir sobre questões essenciais e existenciais relevantes na formação humana, reconhecer de forma ética as crenças e valores das pessoas assistidas. Entretanto, essa receptividade inclui um alerta do grupo investigado para os limites entre intervenções médicas e religiosas. Uma grande preocupação é a possibilidade de pacientes buscarem a cura religiosa e, com isso, comprometerem a adesão ao tratamento, conforme se observa neste depoimento: “Quando a religião não serve para motivar o tratamento, mas sim para buscar a cura, é um obstáculo”. A adesão ao tratamento é um objetivo médico especialmente visado no caso dos pacientes crônicos que, se interrompidos, podem acarretar consequências graves, às vezes irreversíveis, inclusive o óbito. Essa preocupação pode ser entendida como menção indireta ao conceito de saúde. A Organização Mundial de Saúde define saúde não apenas como ausência de doenças, mas como o estado do mais completo bem-estar físico, mental e social. Uma visão correta exige a compreensão da saúde como uma situação dinâmica que implica a inclusão de procedimentos complexos, como a hemodiálise, com a finalidade de cuidar da saúde, mas não de curar. Se isso não é compreendido, o paciente poderia usar suas crenças religiosas para buscar o milagre da cura, o que acarretaria o abandono do tratamento. Nessa perspectiva, a conveniência do papel educador da equipe multiprofissional: “É mais uma questão de relação com a equipe multiprofissional fazer o paciente entender e aceitar o tratamento” Referências Bibliográficas COSTA, Milena Silva et al . Espiritualidade e religiosidade: saberes de estudantes de medicina. Rev. Bioét., Brasília , v. 27, n. 2, p. 350- 358, June 2019 . Available from <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1983- 80422019000200350&lng=en&nrm=iso>. access on 12 May 2021. Epub July 01, 2019. https://doi.org/10.1590/1983- 80422019272319. PINTO, Anderson Nunes. Religiosidade no Contexto Médico: entre a Receptividade e o Silêncio. 2013. 9 f. Tese (Doutorado) - Curso de Medicina, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2013. Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/rbem/v38n1/06.pdf Qual o papel da idade média na formação da ciência e do conhecimento médico? A medicina na Idade Média, portanto, se caracteriza nos cuidados com o corpo, que passou a ser pensado dentro de uma lógica cristã, onde aos poucos uma dualidade entre corpo e alma, ficando essa superior ao corpo, se impôs. O corpo sofreu uma derrota na Idade Média até o século XIII, onde podemos observar um controle da Igreja frente a sexualidade, alimentação, gestos, etc., sendo o corpo o local dos pecados e desvios dos planos divinos. Nessa lógica a salvação do cristão passa pela salvação do corpo e da alma ao mesmo tempo, em um sistema onde a punição do corpo servia à purificação da alma. Por isso, o corpo deveria ser cuidado, devia-se prezar por sua saúde, que resultaria também na saúde da alma. Visto isso, o trato médico considerado legítimo ficou, por muito tempo, sob a responsabilidade da Igreja e dos religiosos. Isso se explica pelo fato de que, na Idade Média, as doenças tinham um forte caráter moral e simbólico, vinculadas diretamente com algum pecado cometido, relacionadas sempre a transgressões espirituais, sendo a lepra o maior exemplo. Visto isso, o trato dos corpos permaneceu exclusivamente a cargo da Igreja até meados do século XII. Assim, mesmo nas instituições hospitalares https://doi.org/10.1590/1983-80422019272319 https://doi.org/10.1590/1983-80422019272319 https://www.scielo.br/pdf/rbem/v38n1/06.pdf nota-se uma marcante inexistência de médicos até o século XIII, com exceção da Espanha, devido sua cultura árabe, que assegurava a presença médica nos hospitais. O auxílio aos doentes era o mesmo dado aos pobres, alocados em diversos albergues ou casas-de-Deus, regidos por religiosos, onde se focava menos no trato do corpo e sim na purificação e preparação para o Além. Portanto, os hospitais, a princípio, eram mais estabelecimentos de caridade e acolhimento do que da cura do corpo Foi em Paris, no século XIII, que se formou a primeira Universidade, com regulamento e estrutura bem organizada, com autorização de funcionamento tanto do Papado como do rei da França. É nesse contexto, da estruturação do sistema universitário e de seus conflitos com os poderes que o cercavam, que a medicina ensinada nas Universidades vai se configurando como um campo de saber legítimo, letrado, onde se dominava o latim e se cursava primeiro o estudo das artes liberais, tanto o trivium (gramática, retórica e dialética) quanto o quadrivium (aritmética, geometria, música e astronomia),antes de iniciar o curso de medicina. A medicina foi uma das únicas “artes mecânicas” a serem admitidas dentro do ensino nas Universidades, por isso, o estudo conjunto com as artes liberais serviam para diferenciar o médico formado nas universidades de outros médicos e cirurgiões com conhecimentos somente práticos, conhecimentos esses desprezados no período medieval. Porém medicina teve dificuldades em ganhar dignidade, sendo por vezes considerada apenas uma oitava arte liberal ou mesmo uma “arte mecânica”, já que não lidava com questões espirituais e sim apenas corporais. Podemos ver assim, que a arte de curar na Idade Média, possuía duas interpretações que se entrelaçavam: a primeira era voltada para a medicina antiga, provinda de Hipócrates e Galeno, principalmente em relação ao equilíbrio dos humores para uma boa saúde, já a segunda era a interpretação religiosa e espiritual, que relacionava as doenças a um pecado cometido. Podemos perceber, portanto, como a medicina se transformou em um saber intelectual no final da Idade Média, mostrando como o trato do corpo deixou de ser apenas uma forma de propiciar a salvação e alívio nos momentos finais da vida, para ser uma ciência ensinada nos polos de ensino e de cultura medieval, as Universidades. Ainda que tenha sofrido um processo de laicização, esse foi gradual, estando a Igreja durante muito tempo no controle das faculdades de medicina, sendo benéfico ao Papado para garantir o serviço dos médicos que ali se formavam. Referência Bibliográfica RANHEL, André Silva Ranhel. Construção do saber médico na Idade Média e suas relações com os poderes instituídos. Anais do Encontro Internacional e XVIII Encontro de História da Anpuh-Rio: Histórias e Parcerias, Rio de Janeiro, v. 5, n. 20, p. 1-8, nov. 2013. Disponível em: https://www.encontro2018.rj.anpuh.org/resources/anais/8/1529356076_ARQUI VO_AndreS.Ranhel_ConstrucaodosabermediconaIdadeMediaesuasrelacoesco mospoderesinstituidos.pdf Acesso em: 12 maio 2021. https://www.encontro2018.rj.anpuh.org/resources/anais/8/1529356076_ARQUIVO_AndreS.Ranhel_ConstrucaodosabermediconaIdadeMediaesuasrelacoescomospoderesinstituidos.pdf https://www.encontro2018.rj.anpuh.org/resources/anais/8/1529356076_ARQUIVO_AndreS.Ranhel_ConstrucaodosabermediconaIdadeMediaesuasrelacoescomospoderesinstituidos.pdf https://www.encontro2018.rj.anpuh.org/resources/anais/8/1529356076_ARQUIVO_AndreS.Ranhel_ConstrucaodosabermediconaIdadeMediaesuasrelacoescomospoderesinstituidos.pdf