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1 Estágio no setor de álcool e drogas: A entrevista psiquiatrica Além do conhecimento teórico, a sensibilidade e capacidade empática do médico são componentes fundamentais da sua eficácia durante a entrevista de um paciente psiquiátrico. Empatia é a capacidade de colocar-se na situação de uma outra pessoa e então se aproximar do que aquela pessoa sente naquela situação – é um esforço que vai além da simples compaixão pela infelicidade do outro. Desta feita, a habilidade de entrevistar não é simplesmente uma questão de ser gentil com os pacientes ou de aceitar placidamente suas características e considerar as agruras psicossociais: a comunicação médico–paciente é praticamente a única ferramenta para a propedêutica e o diagnóstico psiquiátricos, o que faz dela o centro dessa discussão. A postura do médico deve ser de suporte e compreensão, garantindo ao paciente um ambiente seguro em que ele possa se abrir, mesmo quando houver pouco tempo disponível. Inicialmente se costuma deixar o paciente falar livremente, expondo sua queixa, enquanto já se avalia seu psiquismo. Num segundo momento, o médico deve inquirir detalhes e esclarecer pontos que tenham ficado obscuros; as perguntas devem ser no início de caráter mais geral, aprofundando-se conforme a entrevista progride. As perguntas mais dirigidas devem ser preferencialmente feitas de modo confirmatório, evitando a indução de respostas (por exemplo: “O senhor quer dizer com isso que está sentindo tristeza?” ao invés de “O senhor está triste?”). Após formular as hipóteses diagnósticas, deve-se expô-las de forma clara e inteligível, bem como qual a conduta a ser tomada, sendo útil reservar um momento final para as inevitáveis dúvidas que surgirão. Tais momentos devem ser dosados e divididos conforme as características do paciente, do médico e do contexto em que ocorre a anamnese. Preconiza-se que o entrevistador não faça anotações prolongadas durante a avaliação, pois poderá comprometer a relação com o paciente e a observação de suas reações. No entanto, é fundamental o relato completo da anamnese e das condutas tomadas em documento adequado ao final da entrevista para fins assistenciais e eventualmente judiciais. Evoluindo o paciente Pontos essenciais: Preenchimento do cabeçalho (data e hora da reavaliação, identificação do paciente e médico) Motivo e tempo de intenação Lista de problemas atualizada diariamente Tempo de tratamento com medicações específica Registro de alergias conhecidas Balanço hídrico o Ganhos: Hidratação oral e venosa o Perdas: Sudorese, fezes, diurese Condições de curativos e/ou feridas Queixas do paciente (indicar se forem relatadas por acompanhantes) Comportamento dos sinais vitais nas últimas 24h Resumo dos relatos da enfermagem pertinentes Resultado de exames complementares Estrutura: Pode-se utilizar o acróstico SOAP S subjetivo (queixas do paciente) O objetivo (exame físico) 2 A avaliação (impressão clínica/diagnóstica) P plano (condutas propedêuticas e terapêuticas) Não esquecer: Sempre relatar: Se for o caso, más condições de atendimento (falta de vagas, falta de higiene, falta de auxiliares, espera prolongada) Em casos de cancelamento de procedimentos, exames ou intervenções, suas razões devem estar anotadas no prontuário, com identificação do médico redator. Anamnese clinica geral e psiquiatrica Identificação: Nome completo, idade, sexo, cor, nacionalidade e naturalidade, estado civil, profissão e endereço atual. Procedência (próxima e remota). Data do atendimento. S = Subjetivo (O que o paciente me trás) Queixa principal e duração História da moléstia atual: Determinar cronologia (início, duração, tipo de início, evolução), localização corporal (origem, grau de profundidade, irradiação, delimitações), qualidade (sensação, aspecto físico do fenômeno), quantidade (frequência, duração, intensidade), circunstâncias (condições externas que podem influenciar, poluição, ruídos, substâncias tóxicas), fatores agravantes ou atenuantes, identificar situações ou fatores que possam desencadear ou agravar o quadro (atividades, alimentos, drogas, substâncias), ou fatores que possam atenuar os sinais e sintomas (posições, medicações, etc.), manifestações associadas. História patológica pregressa: Dados sobre – passado mórbido (referir todas as doenças desde o nascimento até a moléstia atual, inclusive cirurgias, hospitalizações, exames laboratoriais realizados e traumatismos). Menarca, ciclo menstrual (duração, quantidade, intervalo). Condições de vida (tipo de trabalho, remuneração, alimentação, habitação, condições sanitárias). Hábitos (fumo, tóxico, álcool imunizações sono, hábitos alimentares, fatores de risco). Medicamentos (indagar sobre o tipo, dose, resposta terapêutica e reações indesejadas). História familiar: Estado de saúde em condições de vida dos pais, irmãos, cônjuge e filhos e avós. Causa mortis dos falecimentos. Outros casos de doença semelhante à do paciente. Doenças de incidência múltipla na família. Referir no final da anamnese o grau de confiança que merecem as informações do paciente. Sinais vitais das ultimas 24h O – Objetivo PA FC FR Anamnese direcionada ao uso de alcool e drogas Critério da CID-10 para uso nocivo (ou prejudicial) de substâncias: Padrão de uso que causa prejuízo físico ou mental à saúde, que tenha causado um dano real à saúde física ou mental do usuário, sem que os critérios para dependência sejam preenchidos. 3 Critérios da CID-10 para dependência de substâncias: Um diagnóstico definitivo de dependência só pode ser feito se três ou mais dos seguintes critérios tiverem sido detalhados ou exibidos em algum momento do último ano (últimos 12 meses): 1. Forte desejo ou senso de compulsão para consumir a substância; 2. Dificuldades em controlar o comportamento de consumir a substância, em termos de início, término e níveis de consumo; 3. Estado de abstinência fisiológica, quando o uso da substância cessou ou foi reduzido, como evidenciado por síndrome de abstinência característica para substância, ou o uso da mesma substância com a intenção de aliviar ou evitar sintomas de abstinência; 4. Evidência de tolerância, de tal forma que doses crescentes da substância são requeridas para alcançar efeitos originalmente produzidos por doses mais baixas; 5. Abandono progressivo de prazeres em interesses alternativos, em favor do uso da substância, aumento da quantidade de tempo necessário para obter ou ingerir a substância ou para se recuperar de seus efeitos; 6. Persistência no uso da substância, a despeito de evidência clara de consequências nocivas, tais como: Danos ao fígado por consumo excessivo por bebidas alcoólicas, estados de humor depressivos, consequentes a períodos de consumo excessivo da substância; ou comprometimento do funcionamento cognitivo, relacionado à droga. Nesse deve-se fazer esforço para determinar se o usuário estava realmente (ou se poderia esperar que estivesse) consciente da natureza e extensão do dano. Todo critério possui níveis de gravidade. Após identificar a presença do padrão de consumo de um indivíduo, o segundo passo é determinar a sua gravidade. Essa análise é fundamental para determinar o plano terapêutico. Alguns critérios devem ser investigados: Complicações clínicas: Proporcionam um critério objetivo da gravidade da dependência. Como a esteatose hepática no dependente de álcool. Comorbidades psiquiátricas Suporte social: Uma investigação completa deve abordar a situação do indivíduo no emprego e na família, a estabilidade do núcleo familiar e a disponibilidade desta para cooperar no tratamento do paciente. Caso não haja tal apoio, uma rede de suporte social deverá ser organizada. Durante o período da vigência do consumo, o dependente de substânciaspsicoativas pode passar por estágios motivacionais e para cada estágio há uma abordagem especial. Desse modo, determinar as expectativas em relação ao tratamento e o estágio motivacional fazem parte da avaliação inicial e são importantes para o planejamento terapêutico do paciente. 4 Postura do profissional: Pré-contemplação: Flexibilizar sobre a evidência de dependência Contemplação: Deve ser sensibilizado objetivamente Determinação: Ofereça soluções e retire barreiras, negocie um plano de abordagem. Ação: Prover o suporte, definir a assistência, convidar a família, considerar a farmacoterapia e outros recursos. Manutenção: Reforçar o sucesso, encaminhar para grupos de auto-ajuda; reavaliar a farmacoterapia, aplicar a prevenção de recaída e avaliação de situações de risco; avaliação bioquímica Recaída: Otimismo, reforço para retornar e continuar o tratamento, solicitar a participação da família. Importante: Deve-se evitar confrontos e só estimular mudanças compatíveis com o estado motivacional do paciente, utilizando o bom senso. Questões essenciais para a investigação do consumo de álcool e drogas: Último episódio do consumo (Tempo de abstinência) A quantidade que foi consumida A vida de administração escolhida O ambiente do consumo (festas, na rua, no trabalho, com amigos, com desconhecidos, sozinho...) e se fez uso compartilhado (determinar risco de doenças, como HIV e hepatite) A frequência do consumo nos últimos meses Sinalizadores de problemas decorrentes do uso de álcool e drogas: Faltas frequentes no trabalho e na escola História de trauma e acidade frequentes Depressão Ansiedade HAS Sintomas gastrointestinais Disfunção sexual 5 Distúrbio do sono Sinais físicos sugestivos do uso de álcool e drogas: Tremor leve Odor de álcool Aumento do fígado Irritação nasal (sugestivo de inalação de cocaína) Irritação das conjuntivas (sugestivo do uso de maconha) Pressão arterial lábil (Sugestivo de síndrome de abstinência de álcool) Taquicardia e/ou arritmia cardíaca Síndrome da higiene bucal (mascarando o odor de álcool) Odor de maconha nas roupas Em resumo: Etapa 1: Perguntar sobre o uso de substâncias: Consumo + Aplicar escalas ou questionários para a triagem Etapa 2: Avaliar os problemas relacionados com o uso: Problemas clínicos + Problemas comportamentais (estresse, agressividade, etc) + Dependência Etapa 3: Aconselhar uma estratégia adequada a. Se existe suspeita de dependência: Aconselhe a abstinência b. Se o uso é nocivo ou de risco: Aconselhe a cessar o uso | Proponha a moderação (Redução de danos) Etapa 4: Monitorização dos progressos do paciente Ou seja: Uma triagem breve e efetiva; Uma descrição detalhada do problema; A avaliação da motivação; O diagnóstico precoce com uma investigação de comorbidades; O plano de tratamento; Avaliação de processo e resultados Etapas do aconselhamento Mínimo: 3 minutos Breve: 3 a 10 minutos Intensivo: Maior que 10 minutos Fases de: 1. Avaliação (identificação) 2. Aconselhamento (estratégia motivacional mínima) 3. Assistência 4. Acompanhamento Aconselhar não é dizer o que deve ser feito. A mudança é do indivíduo. Aconselhar consiste em: Chamar a reflexão: “Qual é sua opinião sobre o seu consumo atual de drogas?” Dar responsabilidade: “O que você pretende fazer com relação ao seu consumo?” Opinar com honestidade: “Na minha opinião, seu consumo está totalmente fora de controle” Como abordar: Teve fratura? Teve um acidente de trânsito? Teve traumatismo na cabeça? Teve problemas decorrentes de brigas? Teve problemas após beber ou usar SPA? Você se sente estressado? Você tem observado algum problema com seu consumo? Alguém da sua família tem problemas com bebida/drogas? Você já sentiu que deveria diminuir o consumo? As pessoas que convivem com você se sentem incomodadas? Você já se sentiu mal por ter feito consumo? Você tem feito uso logo pela manhã para iniciar o dia ou melhorar da ressaca? 6 Dar opções de escolha: “Vamos discutir as alternativas que você tem para não chegar embriagado no seu emprego” Demonstrar interesse: “Conte mais sobre sua semana, como formas suas tentativas para se manter abstinente” Evitar o confronto: “Ao invés de encontrarmos culpados, podemos buscar soluções para o seu problema” Anamnese direcionada a TAE e depressao Regra dos 4Ds: Depressão Desesperança Desamparo Desespero Nestes casos, frases de alerta + 4Ds, é preciso investigar cuidadosamente o risco de suicídio. Frases de alerta: “Eu preferia estar morto”. “Eu não posso fazer nada”. “Eu não aguento mais”. “Eu sou um perdedor e um peso pros outros”. “Os outros vão ser mais felizes sem mim”. IMPORTANTE: Questionar sobre ideias de suicídio, fazendo-o de modo sensato e franco, aumenta o vínculo com o paciente. Este se sente acolhido por um profissional cuidadoso, que se interessa pela extensão de seu sofrimento. Como se comunicar: Ouvir atentamente, com calma. Entender os sentimentos da pessoa (empatia). Dar mensagens não verbais de aceitação e respeito. Expressar respeito pelas opiniões e pelos valores da pessoa. Conversar honestamente e com autenticidade. Mostrar sua preocupação, seu cuidado e sua afeição. Focalizar nos sentimentos da pessoa O que não fazer: Interromper muito frequentemente. Ficar chocado ou muito emocionado. Dizer que você está ocupado. Fazer o problema parecer trivial. Tratar o paciente de uma maneira que possa colocá-lo numa posição de inferioridade. Dizer simplesmente que tudo vai ficar bem. Fazer perguntas indiscretas. Emitir julgamentos (certo x errado), tentar doutrinar. Avaliar os seguinte aspectos: Estado mental atual – Parece estar sob efeito de alguma substância? Apresenta discurso coerente, porém com pensamentos sobre morte e suicídio? Plano suicida atual – Quão preparada a pessoa está, grau de planejamento e quão cedo o ato está para ser realizado. 7 Sistema de apoio social da pessoa (família, amigos, etc.). História familiar, contexto social, trabalho, etc. A melhor maneira de descobrir se uma pessoa tem pensamentos de suicídio é perguntar para ela. Quantificando o risco: Plano: o Você fez algum plano para acabar com sua vida? o Você tem uma idéia de como vai fazê-lo? Meio: o Você tem pílulas, uma arma, veneno ou outros meios? o Os meios são facilmente disponíveis para você? Data: o Você decidiu quando planeja acabar com sua vida? o Quando você está planejando fazê-lo? Compreendendo o paciente: Motivação: ordem delirante, alucinatória, outras? Método: “acredita que iria morrer?” Tentativas anteriores ou a primeira? Permanece ideação suicida? Se SIM, se já tem outros métodos e/ou planos? Classificação do risco de suicídio: Baixo risco: A pessoa teve alguns pensamentos suicidas, como “eu não consigo continuar”, “eu gostaria de estar morto”, mas não fez nenhum plano. Médio risco: A pessoa tem pensamentos e planos, mas não tem planos de cometer suicídio imediatamente. Alto risco: A pessoa tem um plano definido, tem os meios para fazê-lo e planeja fazê-lo prontamente. Muitas vezes já tomou algumas providências prévias e parece estar se despedindo. Ações necessária no baixo risco: Oferecer apoio emocional. Trabalhar sobre os sentimentos suicidas. Focalize nos aspectos positivos da pessoa, fazendo-a falar sobre como problemas anteriores foram resolvidos. Se você não conseguir identificar uma condição tratável e/ou a pessoa não demonstrar melhora, não conseguir refletir sobre sua condição, encaminhe-a para um profissional de saúde mental. Encontre-a em intervalos regulares e mantenha contato externo. Encaminhar aos serviços especializados Açõesnecessária no médio risco: Ofereça apoio emocional, trabalhe com os sentimentos e focalize nos aspectos positivos. Explore alternativas ao suicídio. Faça um contrato, negocie. Extraia uma promessa sincera do indivíduo de que ele ou ela não vai cometer suicídio: O objetivo é ganhar tempo até conseguir ajuda especializada ou até que as medidas tomadas comecem a dar resultado. Encaminhe a pessoa ao psiquiatra da equipe ou agende uma consulta o mais breve possível. Entre em contato com a família, os amigos e/ou colegas e reforce seu apoio. Peça autorização ao paciente, para deixá-lo ciente sobre quais informações serão dadas, preservando seu direito ao sigilo. Oriente sobre medidas de prevenção ao suicídio que poderão ser realizadas pelos familiares/amigos/colegas, como: impedir o acesso aos meios para cometer suicídio. 8 Ações necessária no alto risco: Estar junto da pessoa. Nunca deixá-la sozinha. Gentilmente falar com a pessoa e remover pílulas, faca, arma, venenos, etc. Explicar que você está ali para ajudá-la, protegê-la e que no momento ela parece estar com muita dificuldade para comandar a própria vida. Fazer um contrato e tentar ganhar tempo. Informar a família e reafirmar seu apoio. OBS.: Mesmo em um ambiente protegido, ela deverá ficar sob maior observação, pois ainda existe o risco de ela tentar o suicídio utilizando os meios que estiverem ao seu alcance. Exame Psiquico O – Objetivo Consciência: 1. Quantidade da consciência – Paciente pode estar vigil, sonolento, torporoso ou obnubilado, estupor (semicomatoso) e coma. Sonolento quando oscila entre dormindo e acordado, torporoso quando acorda com dificuldade, não plenamente despertando e permanecendo algo confuso. Estuporoso só acorda mediante estímulos muito vigoroso, não sendo capaz de se manter alerta espontaneamente. O comatoso não acorda. 2. Qualidade da consciência – O paciente ´pde apresentar estreitamento da consciência, quando o foco fica restrito, que por alta ansiedade, instoxicações ou crises epiléticas, dissociação da consciência, quando vivencia momentos dos quais não se lembra ao retomar a integridade da consciência. Atenção e concentração: É a capacidade de focalizar um objeto de maneira intencional. Normo, hipo ou hiper (vigil [divisão de atenção] e tenaz [foco]) Orientação: É a capacidade de uma indivídua estimar precisamente o tempo, espaço e as pessoas, incluindo a si mesmo. Orientação em tempo e em espaço + autopsiquíca. Memória: Se os fatos estão mantidos a curto e a longo prazo. Obs: Confabulações são falsas memórias criadas pelo paciente para suprimir as lacunas abertas na memória, sendo associadas a quadros de amnésia orgânica, como nas demências. Pensamento: o Forma – Diz respeito a maneira como as ideias são encadeadas ao longo do raciocínio. As alterações formais ocorrem principalmente nos quadros psicóticos ou maniformes: afrouxamento de associações (idéias relacionadas de forma pobre entre si), arboriforme (tendência à desorganização, mas mantendo ainda a meta do raciocínio), fuga de idéias (idéias levam a novas idéias, perdendo a meta, típica dos quadros maniformes) e desagregado (quando há perda completa da relação aparente entre as idéias). o Curso e velocidade – Pode haver aceleração, principalmente em síndromes maníacas, ou lentificação,quando o pensamento vai mais devagar, comum em depressões. o Conteúdo – Praticamente ilimitado. Aqui, o que se deve avaliar é se há algum tema prevalente, que domine e sobrepuje a ocorrência de outros temas. O valor atribuído ao conteúdo, que pode conferir caráter delirante ao pensamento, é avaliado em uma função à parte, o juízo, que veremos adiante. O adoecer do pensamento, embora teoricamente extenso, na prática gravita em torno de poucos temas: culpa e pecado, religiosidade, sexualidade, morte, riqueza e poder ou ruína, perseguição ou adoecimento. Linguagem: Quanto à forma, analisa-se a velocidade do discurso, que pode estar lentificado, caso em que normalmente se nota a latência de resposta, definida como uma pausa acima do normal. É comum ocorrer nas depressões ou em casos de desorganização do pensamento. Em casos extremos de 9 depressão e em casos de catatonia, verifica-se mutismo. Entretanto, o discurso pode estar acelerado; quando o paciente, além de falar rapidamente, fala em grande quantidade, dizemo-no logorréico; se associada à logorréia houver fala em alto volume e ininterrupta, fala-se em pressão de discurso, sendo usual ocorrer em mania e em quadros ansiosos mais graves. Mussitação, verbigeração e ecolalia são automatismos verbais, semelhantes a uma reza contínua em voz baixa, no primeiro caso; no segundo, trata-se da repetição sem sentido de frases ou palavras incessantemente; no último, da repetição automática das palavras pronunciadas pelo interlucutor. O conteúdo do discurso acompanha usualmente o conteúdo do pensamento, devendo ser descritos eventuais temas prevalentes. Sensopercepção: As alucinações são definidas como a presença de uma percepção sensorial na ausência de um estímulo real. Podem ser visuais, auditivas, olfativas, gustativas, das sensações corporais, estas últimas subdivididas em cinestésicas (músculos e articulações), viscerais (órgãos internos) ou superficiais (hápticas). A investigação de cada uma dessas alucinações passa pelo conteúdo (por exemplo, o que as vozes falam), duração do fenômeno, circunstâncias em que ocorrem etc., procurando sempre o maior detalhamento possível. Quando o paciente vivencia as alucinações mas sabe que não são reais, percebe que são “coisas da sua cabeça”, costuma-se chamar de alucinose, comum em síndrome de abstinência alcoólica. Finalmente há que se diferenciá-las das ilusões, que são distorções da percepção, ou seja, o estímulo existe, mas é percebido de forma diferente pelo paciente. Chamamos ainda de pseudo-alucinações aquela que ocorre no espaço subjetivo interno, isto é, não é percebida pelos órgãos dos sentidos. O paciente relata ocasionalmente uma experiência “como se”: é “como se estivesse ouvindo uma voz”, é “como se estivesse vendo uma cobra” etc. Juízo e crítica: O juízo é a capacidade de dar valor a fatos e idéias, e apresenta-se alterado no paciente que tem delírios. Estes são certezas subjetivas de algo, não encadeadas no fluxo normal de pensamentos, não compartilhadas (não fazem parte de um conjunto de crenças culturalmente aceitas), irrefutáveis e de conteúdo improvável. Embora normalmente de conteúdo bizarro, podem ser plausíveis, como no exemplo do alcoolista traído que tem delírios de ciúme. Por isso é importante determinar a forma de surgimento da idéia em questão: o delírio surge por interpretação delirante, quando o paciente interpreta fatos corriqueiros de forma psicótica; por intuição delirante, caso em que o delírio simplesmente surge, como uma revelação inquestionável que não carece de explicação; ou por percepção delirante, quando, ao receber um estímulo qualquer, o paciente o entende como explicação para os delírios, como quando, ao ver a garrafa de cerveja na mesa, o paciente descobre que a mulher o estava traindo. Afeto e humor: o Afeto é a manifestação da resposta emocional de alguém a eventos internos e externos, pensamentos, ideias, memórias evocadas e reflexões. Mostra o momento do indivíduo, podendo, quanto à qualidade, ser de alegria, raiva, tristeza, ansiedade, interesse, vergonha, culpa, surpresa. o No que se refere ao tônus afetivo, ou seja, ao volume do afeto, pode estar aumentado, diminuído ou embotado, o que define o estado de quase ausência de afetos ou de modulação e ressonância afetiva. o Modulação é a capacidade de variar entre afetos; o Ressonância é a capacidade de sintonizar com o ambiente, reagindo adequadamente à situação em que se encontra. Ambos podem ser aumentados ou diminuídos, sendo caracteristicamentemenores nas depressões, maiores na mania e praticamente ausentes na esquizofrenia, daí o descrever como embotamento afetivo. 10 o O humor é o todo da vida emocional, a disposição afetiva de fundo, a média dos afetos, podendo, portanto, estar polarizado (para depressão, hipomania ou mesmo mania); se mantém-se levemente deprimido de forma constante, pode-se considerá-lo distímico. Hipertímico, por sua vez, é a manutenção de um estado de leve elevação constante. Finalmente diz-se eutímico do humor sem clara tendência para um ou outro lado ao longo do tempo. Volição, Impulso e Prospecção: o Vontade é um empenho ou intenção dirigida ao objetivo, com base em motivação cognitivamente planejada. A redução ou abolição da vontade, em quadros de grande desânimo, denominam-se hipobulia ou abulia, respectivamente. o Impulso é a inclinação para satisfazer certas necessidades primárias. Atos impulsivos podem ser esporádicos ou repetidos, com os mais diversos fins – impulso suicida, impulsos de compra, de roubo, alimentares, de fuga etc. o Prospecção é a capacidade de projetar os desejos para o futuro; fica limitada em diversas síndromes psiquiátricas. Psicomotricidade: É a exteriorização comportamental motora dos estados psíquicos; divide-se entre as síndromes hipercinéticas e hipocinéticas. Nas primeiras, o paciente pode se apresentar inquieto – com dificuldade de permanecer parado, senta-se e levanta-se repetidas vezes, mexe-se constantemente na cadeira (usual em quadros ansiosos) – ou agitado – quando já perdeu o controle de seu comportamento, podendo ser desde agitação leve até grave, em que ocorrem atos agressivos e destrutivos. As hipocinéticas são caracterizadas por inibição motora, com lentificação, inibição, até catatonia – quando há total ausência de atividade motora concomitantemente à flexibilidade cérea (em que o paciente assume a posição em que é deixado como se fosse um boneco de cêra) –, e catalepsia – em que há aumento do tônus e rigidez muscular. Inteligência: Embora algumas vezes possa-se solicitar ao paciente que interprete provérbios populares para se inferir sua capacidade de abstração (reduzida na oligofrenia e em algumas formas de esquizofrenia), normalmente a inteligência não é testada de forma estruturada no exame psíquico; uma ideia do seu nível já é dada no decorrer da própria entrevista, contudo. A = Análise (Hipótese Diagnóstica) P = Plano (Conduta) Letícia Moreira Batista Maio de 2021 As funções mentais também podem ser agrupadas de acordo com o modo como são acessados durante a entrevista. Assim, a aparência, o nível de consciência e o comportamento psicomotor serão imediatamente perceptíveis à observação. Durante a conversação, poderão ser avaliados atenção e concentração, fala, linguagem e pensamento, orientação, memória e afeto. Mediante exploração ativa, por fim, serão analisados humor e volição, percepção, conteúdo do pensamento, crítica e julgamento. Poderão ainda ser realizados testes breves para melhor avaliação de memória e orientação, bem como pensamento abstrato e inteligência, quando necessários.
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