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1. Conceito A expressão “Doença inflamatória intestinal” é empregada para caracterizar duas doenças crônicas e idiopáticas: Doença de Crohn (DC) e Retocolite Ulcerativa (RCU). Ambas, apesar de se tratarem de doenças inflamatórias, de compartilharem características epidemiológicas, clínicas e terapêuticas, possuem importantes diferenças diagnósticas. 2. Fatores de risco Essas doenças também compartilham a implicância dos fatores ambientais na sua predisposição, como a infecção por micobactérias atípicas, dietas ricas em açúcar e maior consumo de gorduras poli-insaturadas. Apesar desses fatores não serem confirmados, sabe-se que ocorre distúrbio na regulação da imunidade da mucosa gastrointestinal, de modo que a inflamação desenvolvida é direcionada contra os germes da microbiota. O principal fator de risco comprovado é o histórico familiar positivo, principalmente se a incidência for nos parentes de primeiro grau. 3. Epidemiologia Essas doenças são mais predominantes conforme o deslocamento seja para o norte, ou seja, em regiões da Europa, Canadá, Rússia, maior é a incidência da doença. Além disso, são mais presentes na população branca, especialmente nos judeus. 4. Complicações • Sangramento • Megacólon tóxico/perfuração/peritonite • Fístulas • Estenoses • Câncer 5. Manifestações extraintestinais • Articulares ✓ Artrite – não deformante, caráter migratório, com processo inflamatório sinovial ✓ Oligoartrite periférica ✓ Espondilite • Cutâneomucosas ✓ Eritema nodoso – paniculite, apresenta-se de acordo com a intensidade da doença ✓ Pioderma gangrenoso – lesão ulcerativa, cursa com cicatrização, mais comum na RCU ✓ Lesões labiais e úlceras aftosas orais • Hepáticas e biliares ✓ Hepatite focal ✓ Esteatose ✓ Colangite esclerosante ✓ Cirrose biliar ✓ Câncer • Oculares ✓ Conjuntivite ✓ Uveíte • Renais ✓ Cálculos de oxalato de cálcio ✓ Cálculos de ácido úrico ✓ Uropatia obstrutiva • Ósseas ✓ Osteomalácia ✓ Osteoporose • Nutricionais e metabólicas ✓ Redução da absorção intestinal de vitamina D ✓ Perda de peso, retardo do crescimento ✓ Hipoalbuminemia e deficiência de vitaminas • Tromboembólicas ✓ Hipercoagulabilidade ✓ Embolia pulmonar ✓ AVE ou embolia arterial 6. Exames laboratoriais Não são úteis para diagnosticar a DII, mas para avaliar o quadro geral do paciente e afastar outras causas. • Hemograma – anemia, leucocitose, trombocitose • VHS e PCR – identificação de fase infamatória aguda • Calprotectina fecal e lactoferrina – marcadores de inflamação ativa • Estudo fecal – PF, coprocultura, pesquisa de toxina • Função renal e hepática – avaliar lesões em outros órgãos 7. Exames complementares • Raio-X, TC, RM • Endoscopia digestiva alta – cápsula endoscópica e enteroscopia em caso de não achar por outros meios • Enteroscopia – alcança o intestino delgado • Colonoscopia – avaliação da extensão da doença • Retossigmoidoscopia RETOCOLITE ULCERATIVA 1. Anatomopatologia Doença intestinal caracterizada pelo surgimento idiopático de lesões inflamatórias que ascendem de forma homogênea, ou seja, não é interposta por camadas saudáveis, pela mucosa do cólon. Logo, podemos resumir em três pontos: • Doença exclusiva do cólon • Doença exclusiva da mucosa • Tipicamente ascendente e uniforme A extensão do comprometimento é variável, de modo que a doença pode ser dividida e recebe algumas denominações de acordo com a área acometida. Análise da classificação de Montreal: • Proctossigmoidite – acometimento do sigmoide até a linha denteada • Proctite – acometimento da mucosa retal até 15cm da linha denteada • Colite esquerda – acometimento até a flexura esplênica Doença inflamatória intestinal idiopática Clínica Integrada de Gastroenterologia – aula 21 Nicole Sarmento Queiroga • Colite extensa – comprometimento que se estende até o cólon transverso • Pancolite – lesões mucosas que ultrapassam a flexura hepática Em casos que o íleo é lesado, temos uma complicação da RCU, a ileíte de refluxo, já que essa doença idiopática é exclusiva do cólon. O aspecto macroscópico varia desde o normal até o completo desnudamento. • Desaparecimento do padrão vascular típico – precoce • Hiperemia, edema, mucosa friável, erosões, ulcerações e exsudação de muco, pus ou sangue • Formação de pseudopólipos • Mucosa pálida, atrofiada, com aspecto tubular – cronicidade As alterações evolutivas incluem inflamação e necrose epitelial das criptas, com ulcerações rasas que se estendem à lâmina própria. Em casos graves, as alterações podem comprometer, por contiguidade (e não por ação direta), a submucosa e a muscular. Nesses casos, há chances de megacólon tóxico e perfuração espontânea. Em RCU de longa duração, são comuns alterações na musculatura colônica, como a perda de haustrações e o espessamento da musculatura lisa em “cano de chumbo”. Ainda, é possível o surgimento de displasia epitelial com a RCU de longa duração. Com o tratamento, a recuperação inicia-se pela extremidade proximal, de forma que o reto é o último segmento a apresentar melhora. Mesmo com remissão, alguns padrões podem permanecer alterados, como o vascular da mucosa, pseudopólipos. 2. Manifestações clínicas O início é geralmente insidioso, em que o diagnóstico é feito após 9 meses do início do quadro com crescente urgência para defecar, leves cólicas abdominais e diarreia invasiva. • Diarreia invasiva – presença se sangue, muco ou pus nas fezes, que variam de intensidade e duração, sendo intercalados por períodos assintomáticos, que não são pausadas à noite (estimulo inflamatório constante) • Dor abdominal • Febre – casos mais graves • Constipação – doença confinada ao retossigmoide • Anemia ferropriva – perda crônica de sangue • Hipoalbuminemia – perda proteica por exsudação inflamatória • Leucocitose com desvio – casos mais graves Em casos de o acometimento ser difuso, predomina a diarreia amolecida e o tenesmo. 3. Diagnóstico Deve ser feita a sigmiodeoscopia com biópsia. O exame apresenta lesão inflamatória retal, podendo acometer mais regiões. O comprometimento é uniforme e contínuo, com perda do padrão vascular da mucosa, exsudatos, friabilidade, ulcerações e pseudopólipos. A colonoscopia com biópsia é indicada em casos de doenças graves, em que o paciente apresenta mais de 6 evacuações diárias ou sinais sistêmicos. O histopatológico revela distorção das criptas, infiltrado inflamatório mononuclear (linfoplasocitário) na lâmina própria e abscesso das criptas com acumulo neutrofílico. Presença do marcador p-ANCA, relacionando-se com a colancolite e colangite esclerosante, revelando pior prognóstico. 4. Avaliação da atividade da RCU pelos critérios de Trulevole & Witts DOENÇA DE CROHN 1. Anatomopatologia Doença intestinal caracterizada pelo surgimento idiopático de lesões inflamatórias que são encontradas de forma heterogênea, ou seja, podendo ser interpostas por camadas saudáveis – lesões salteadas, por qualquer parte do tubo digestivo, incluindo regiões da boca até o ânus. Ainda, a DC promove alterações microscópicas à distância do local onde as alterações macroscópicas se encontram, por isso existem altas chances de recidiva após realização de ressecções. As alterações da DC são denominadas transmurais, já que não são restritas apenas à camada mucosa, o que explica o espessamento da parede intestinal, com redução do lúmen e a potencialidade para formação de fístulas. De forma geral, as lesões da Doença de Crohn se iniciam como úlceras aftoides, formações ulcerosas na mucosa do TGI, geralmente do intestino delgado ou sobre aglomerados linfoides do cólon. Essas ulcerações podem evoluir de duas maneiras:• Extensão lateral de forma linear e retilínea – o encontro dessas ulcerações promove a existência de áreas acometidas interpostas por regiões saudáveis, gerando aspecto de “pedra de calçamento” • Aprofundamento através da parede intestinal, resultando em fístulas para o mesentério e para órgãos vizinhos Na DC, os aglomerados linfoides são comuns nas camadas mucosa, submucosa e serosa, formando os granulomas não caseosas, que são compostos por histoícitos. Em caso de Figura 1. Acometimento colônico pela RCU. Figura 2. Lesão de padrão contínuo da mucosa – RCU. Figura 3. Tabela de avaliação de atividade da doença. exclusão de outras afecções granulomatosas, a presença desse achado torna-se patognomônica de Crohn. Uma das alterações macroscópicas mais vistas é a invasão da serosa por tecido adiposo e a análise da superfície externa da alça intestinal revela presença de nódulos esbranquiçados, chamados de “semente de milho”, presentes quando granulomas serosos são existentes. O acometimento, assim como da RCU, pode ser variável: • Ileocolite – acometimento da porção distal do íleo e do cólon ascendente • Colite de Crohn ou granulomatosa – exclusivo de cólon • Ileíte de Crohn ou enterite regional – doença limitada ao intestino delgado Como a DC pode acometer todo o TGI, devemos destacar a que uma pequena porcentagem tem comprometimento predominante na cavidade oral ou mucosa gastroduodenal, e uma porcentagem ainda menor possui lesões exclusivas do esôfago ou do intestino delgado proximal. É importante diferenciar que na DC, pode haver acometimento do ânus, o que não ocorre em RCU e, na última, o acometimento do reto é obrigatório, já que seu desenvolvimento é ascendente, já em Crohn, essa região pode ou não possuir alterações. 2. Manifestações clínicas • Diarreia crônica invasiva associada à dor abdominal • Sintomas gerais como febre, anorexia e perda de peso • Massa palpável no quadrante inferior direito – edema de alça intestina, com diâmetro aumentado, dolorosa à palpação ou pode ser um abscesso • Doença perianal As manifestações da DC variam de acordo com a sua localização no TGI. As manifestações da colite de Crohn são semelhantes as da RCU, o acometimento extenso e crônico do intestino delgado promove síndrome disabsortiva grave, cursando com desnutrição e debilidade, e a DC gastroduodenal imita a doença ulcerosa péptica. 3. Diagnóstico O exame de escolha é a ileonosocopia com biópsia, já que a maior parte dos pacientes apresentam alterações no íleo terminal e cólon ascendentes. Pela biópsia, serão encontradas úlceras aftosas que, em estado coalescente, dão aspecto de “pedras de calçamento”. No histopatológico, são analisados o infiltrado inflamatório, granulomas não caseosos. Atualmente, podem ser utilizados exames não invasivos para determinar a extensão e a incidência de complicações da doença. Podem ser feitos a entero-TC ou entero-RM, ambas com contraste oral e venoso, a fim de identificar as áreas de parede intestinal lesadas – aumento da espessura e hipercaptaçã de contraste, além de visualizar todo o tubo digestivo. Presença de anticorpos ASCA são os mais encontrados em DC, podendo estar presentes em 60 a 70% dos indivíduos com a doença. Anti-OmpC e anti-CBir1 são marcadores de pior prognóstico. 4. Avaliação da atividade da DC Em relação à soma, pode-se apresentar 4 situações: • Remissão – soma inferior a 150 • Manifestações leses – soma entre 150 e 250 • Manifestações moderadas – soma entre 250 e 350 • Manifestações graves – soma maior que 350 TRATAMENTO Os mesmos medicamentos são utilizados no tratamento das duas doenças, já que são patologias idiopáticas, não existindo terapia específica. Logo, é estimado o controle do processo inflamatório. As medicações utilizadas são: • Derivados do 5-ASA – utilizada na RCU em quadros leves ✓ Sulfassalazina ✓ Mesalazina • Glicocorticoides – utilizada em ambas as doenças ✓ Prednisona ✓ Hidrocortisona Figura 4. Lesão perianal de DC. Figura 5. Lesão ulcerosa aftosa com evolução linear e eritema descontínuo. Figura 6. Avaliação de atividade de doença. ✓ Budesonida • Antibioticoterapia – utilizado em situações intensas, possibilidade de associação com infecção ✓ Metronidazol • Imunomoduladores – utilizada para ambas as doenças ✓ Azatioprina ✓ Metotrexate ✓ Ciclosporina • Agentes “biológicos” – mais agressivo, para ambas as doenças ✓ Anti-TNF (infliximabe, adalimumabe, certolizumabe, golimumabe) ✓ Anti-integrinas (vedolizumabe) ✓ Anti-IL12/23 (ustequinumabe) 1. Retocolite ulcerativa O tratamento é feito com base na evolução dos medicamentos, chamada Step-up. Sequência medicamentosa na RCU 1. SSZ, 5-ASA 2. Corticoides 3. Imunomodulador 4. Agente biológico Leve ↓ ↓ Grave 2. Doença de Crohn O quadro do paciente pode variar, principalmente de acordo com a gravidade da doença e com o nível de acometimento do TGI, logo o tratamento não segue apenas uma sequência linear, de maneira que pode haver variação, ao longo do tratamento, da terapia utilizada. Terapia Step-Up convencional 1. Corticoide 2. Corticoide + imunomodulador 3. Imunomodulador + Anti-TNF Leve ↓ ↓ Moderado Terapia Step-Up acelerado 1. Corticoide + imunomodulador 2. Imunomodulador + Anti-TNF Moderado ↓ Grave Terapia Top-Down 1. Imunomodulador + Anti-TNF Grave Geralmente, a última terapia é a opção de escolha para casos com formação de fístulas, estenose grave. REVISÃO Diferenças clínicas entre as doenças intestinais inflamatórias Sintomas DC RCU Dor abdominal Profusa – quadrante inferior direito Cólica em quadrante inferior esquerdo Diarreia Frequente em adultos Alterna-se com constipação Hematoquezia Principalmente em doença distal Relacionada à atividade da doença Massa abdominal Quadrante inferior direito – íleo Quadrante inferior esquerdo – sigmoide Distensão Presente Doença grave Doença perianal e granulomas caseoso Presente Ausente Desnutrição Frequente Ocasional Acometimento Salteado Contínuo Localização Difuso, entre boca e ânus Exclusivamente colônico Abscesso de cripta Ausente Presente
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