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Beatriz Maia | Turma XXIV Dor abdominal Introdução A dor abdominal pode ser causada por agressão tecidual (de um ou mais órgãos) e por disfunção, como alteração de motilidade; Pode ter origem intracavitária, na parede abdominal ou extracavitária; São estímulos de afecções intracavitárias: Aumento da tensão da musculatura lisa – distensão de órgão, pode ser intestinal, gástrico, de vias biliares. Ex: diarreia, gases e líquido; Aumento da tensão produzida por edema – processo inflamatório que causa edema e congestão vascular pode gerar dor. Ex: apendicite, colecistite, diverticulite; Rápida distensão de uma cápsula – ex: hepatite que aumenta o fígado e distende a cápsula de Glisson; Ruptura de vísceras ou de órgãos maciços – com a ruptura há saída do conteúdo para o intracavitário, gerando dor. Ex: trauma abdominal com ruptura do baço (= sangue na cavidade abdominal), úlcera péptica perfurada (= conteúdo gástrico na cavidade abdominal); Infarto ou isquemias intestinais – a isquemia cria área de necrose, gerando dor. Tipos de dor abdominal: Dor referida: algo extracavitário está causando a dor, ex: IAM de parede inferior, pneumonia de lobo inferior (um exemplo fora da cavidade abdominal é quando colecistite aguda gera dor no ombro). Ocorre pelo estímulo das terminações nervosas da região, quando uma via é mais estimulada o paciente sente a dor no percurso dessa terminação; Dor visceral: terminações nervosas intracavitárias com fibras amielinizadas, a transmissão do estímulo é lenta e como os órgãos na cavidade celômica recebem fibras bilaterais, há estímulo bilateral no córtex e este interpreta a dor como mediana. O paciente refere dor epigástrica, mesogástrica e hipogástrica (em uma ou mais regiões), mal definida, sem posição que ameniza (paciente inquieto), e podendo vir acompanhada de sintomas autonômicos secundários (palidez, vômito, náusea, sudorese). Ex: cólica nefrética; Dor parietal: o processo (inflamatório, perfurativo, isquêmico) extrapolou o peritônio visceral e chegou ao parietal. Terminações nervosas no peritônio parietal, mielinizadas, de resposta rápida, fibras unilaterais. A dor é bem localizada e definida, o paciente tem atitude imóvel e pode apresentar contratura involuntária na região acometida (avaliar na palpação superficial). É utilizado o Sinal de Blumberg para diferenciar a dor parietal da visceral, quando positivo há piora significativa da dor, podendo até interromper a respiração. Para qualquer dor, perguntar: localização, irradiação, característica, início, intensidade, evolução, fatores desencadeante, de melhora e de piora, sintomas associados (importante para diagnóstico diferencial), antecedentes pessoais e familiares. Camadas abdominais: pele → subcutâneo → músculo → aponeurose → peritônio parietal. No exame físico geral: Beatriz Maia | Turma XXIV Dor aguda: observar fácies, atitude no leito, corado ou descorado, anictérico ou não, hidratado ou não, PA, FR, FC, sudorese; Dor crônica: além do observado na dor aguda, verificar também o estado nutricional, possível emagrecimento, anemia, edemas. Há dores agudas que podem evoluir para crônicas (ex: pancreatite aguda) e também dores crônicas que podem se transformar em quadros agudos (ex: complicação de úlcera péptica). Na anamnese deve-se fazer perguntas considerando os órgãos da região da dor. Apendicite Clássico exemplo de dor visceral que evolui para parietal; Processo inflamatório do apêndice geralmente causado por um fecálito que obstrui o óstio apendicular e causa distensão, resultando em dor visceral; Quadro clínico: Paciente com sensação de mal-estar, dor periumbilical (pode ser classificada como cólica) irradiando para o estômago e associada a vômito, a dor é visceral; Nada relevante no exame físico, pode ser confundida com gastroenterocolite pelo médico; O paciente recebe remédio pra dor e volta pra casa, 6 a 8h depois retorna com dor localizada e em pontada, a dor é parietal. Acomete mais homens que mulheres e é mais incidente na fase escolar (9 a 11 anos), no adulto jovem e na terceira idade, antecedentes familiares não influenciam; Exame físico: Sem alterações na inspeção estática e dinâmica; Ruídos hidroaéreos normais ou pouco aumentados na fase aguda (aumento da motilidade) e diminuídos na fase evolutiva (o cérebro diminui o peristaltismo para evitar a dor e tenta bloquear o processo); A palpação gera dor generalizada na fase visceral, enquanto na parietal é localizada na fossa ilíaca direita, onde deve ser feito o Sinal de Blumberg; Pode ser encontrado plastrão (massa palpável), que é um bloqueio que as estruturas adjacentes fazem para que não haja disseminação da inflamação; Sinal de Blumberg: é feito no ponto de McBurney e é positivo quando há piora da dor à descompressão brusca. Não é patognomônico de apendicite, podendo também ser positivo na adenite mesentérica (crianças), na anexite, DIP, salpingite, inflamação de ovários e gravidez tubária (mulheres); Beatriz Maia | Turma XXIV Obs.: Em mulheres é importante diferenciar apendicite de doenças ginecológicas, sendo importante perguntar sobre ciclo menstrual, data da última menstruação, presença de corrimento. É interessante realizar o exame abdominal junto ao ginecológico (toque bimanual, por exemplo). Sinal de Rovsing: é feito quando se suspeita de apendicite e o Sinal de Blumberg ficou duvidoso ou negativo (pois pode existir alteração anatômica). Com o paciente em decúbito dorsal, utiliza-se a mão fechada para fazer compressão na FIE de forma ascendente, quando se realiza esse movimento o gás é deslocado retrogradamente até o ceco, que distende e em caso de apendicite, gera dor na FID. Assim como o Blumberg, não é patognomônico; Sinal do Psoas: Blumberg positivo e história indicativa, o apêndice pode estar repousando no músculo psoas. Coloca-se o paciente em decúbito lateral esquerdo com as pernas esticadas, se faz hiperextensão do MID, quando positivo, o paciente refere dor na FID; Sinal do obturador: o apêndice pode estar repousando no músculo obturador. O paciente fica em decúbito dorsal e o examinador faz uma flexão do MID e rotação externa, se positivo, o paciente refere dor na FID. Beatriz Maia | Turma XXIV Obs.: O apêndice retrocecal é o mais difícil de diagnosticar, pois pode simular uma pielonefrite, colecistite aguda (geralmente causa dor de flanco ou hipocôndrio). Vias biliares Anatomia: Os canalículos biliares intra-hepáticos coletam a bile produzida pelo fígado e se fundem para formar os canalículos maiores; Os ductos hepáticos direito e esquerdo saem do fígado e se unem formando o ducto hepático comum; O ducto hepático comum e o ducto cístico formam o ducto colédoco, que se une ao ducto pancreático formando a papila de vater. Colelitiase e colecistite aguda A formação de cálculo biliar se dá quando um dos componentes da bile está alterado (água, bilirrubina, sais biliares, colesterol, eletrólitos), formando uma bile litogênica. Logo, desidratação, colesterol alto e aumento da bilirrubina podem ser causas, além de que, quando se tem hipomotilidade (“vesícula preguiçosa”), a vesícula não esvazia direito e sempre fica bile acumulada no fundo, que com o tempo pode se transformar em cálculo. Colelitíase: pedra na vesícula; colecistite aguda: abdômen agudo inflamatório. Fatores importantes: A incidência é maior em mulheres por volta dos 40 anos, dislipidêmicas e multíparas; Antecedentes familiares influenciam; O anticoncepcional simula uma gravidez e uma vez que o estrógeno deixa a vesícula mais lenta, após anos de uso a mulher tende a formar cálculo (o mesmo vale pare reposição hormonal pós-menopausa); Multíparas sofrem com o efeito estrogênico em cada gestação e depois melhoram, após várias contribui para o cálculo; Obesos mórbidos têm mais chance (relação com dislipidemia); Dietas hipercalóricas e jejum prolongado; Pacientes em estado hemolítico têm aumento da bilirrubina não conjugada e alteração do metabolismo da bilirrubina no intra-hepático. Quadro clínico: O paciente pode ser assintomático por anos e descobrir durante US; Pode haver dispepsia leve, como uma gastrite que nunca melhora; Quando a pedra obstrui o ducto cístico, a vesícula tenta expelir a bile e tem um obstáculo, o que causa distensão e cólica biliar (quadrante superior direito). É uma dor contínua, em cólica ou não, de início súbito que aumenta de intensidade e dura até 3h, quando a pedra desobstrui o ducto a dor passa. É mais comum a noite (retificação da vesícula em decúbito dorsal. Pode ser acompanhada de vômitos e intolerância a alimentos gordurosos. Crises recorrentes. Exame físico na cólica biliar: Inspeção sem alterações; Ruídos hidroaéreos normais; Beatriz Maia | Turma XXIV Palpação dolorosa em QSD, sem sinal de irritação peritoneal. Se a pedra permanecer no ducto cístico, há um processo inflamatório. A dor não passa em 3h, se intensifica, se transforma em pontada e fica mais localizada no hipocôndrio direito. Exame físico na dor parietal: Inspeção sem alterações; Ruídos hidroaéreos diminuídos ou não; Sinal de Murphy positivo (piora da dor ao comprimir o ponto cístico na inspiração). O ponto cístico pode ser encontrado 1. no encontro da linha hemiclavicular direita com o rebordo costal, 2. no encontro da face lateral do músculo reto abdominal com o rebordo costal e 3. nos pacientes obesos, passa-se uma linha imaginária da crista ilíaca ântero-superior contralateral cruzando o umbigo até o encontro com o rebordo costal. Complicações da colelitíase: Policistite, coledocolitíase, colangite, pancreatite aguda. Pancreatite aguda e crônica Causado principalmente por litíase biliar e etanol; É um processo inflamatório do pâncreas, deve-se perguntar sobre histórias pregressas de cólica biliar, pedra na vesícula (e antecedentes familiares) e HV em relação ao álcool; Pacientes com dislipidemia, deficiência de alfa-1-atitripsina, pancreatite autoimune e surtos de etanol podem levar à evolução de aguda a crônica, na colelitíase, pelo contrário, não evolui, pois com o diagnóstico é feita a retirada da vesícula. Pancreatite aguda: Quadro clínico: Dor branda que evolui para muito intensa, em faixa nos 3 quadrantes superiores ou epigástrio, HE e irradiação dorsal (+ comum); Na pancreatite aguda: fácies de sofrimento, taquicardia e nas formas hemorrágicas palidez cutânea e hipocorado; Pode ocorrer por trauma abdominal fechado no pâncreas, além da dor há vômito de difícil controle com ingestão de água e alimentos. Fisiopatologia: O pâncreas exócrino produz amilase e lipase na forma inativa, que ao passarem pelo ducto pancreático quando o paciente se alimenta, passam pelo arco duodenal e entram em contato com o alimento digerindo proteínas e gorduras; Na pancreatite as enzimas são ativadas internamente e fazem auto-digestão do órgão, pode haver extravasamento delas para o intracavitário. Complicações da pancreatite aguda: Ascite, pseudocisto de pâncreas, derrame pleural, necrose e hemorragia do pâncreas (gera sinais semiológicos). Beatriz Maia | Turma XXIV Tratamento: Dieta zero, alimentação parenteral, hidratação eletrolítica (deixa o órgão descansar); Os pacientes referem melhora da dor quando se inclinam pra frente (coluna descomprime o pâncreas). O exame complementar do pâncreas é a tomografia. Pancreatite crônica: Causa alcoólica, auto-imune, idiopática, hereditária; Homens adultos jovens (35-45 anos); Quadro clínico: História pregressa de pancreatite aguda de repetição e início de disfunção orgânica; Desconforto epigástrico ao ingerir gorduras e proteínas (falha das enzimas) e na ingesta de álcool, náuseas e vômitos pouco frequentes; Síndrome da má absorção: diarreia crônica (esteatorreia) e desnutrição; Desenvolvimento de DM2. Úlcera péptica Pode ocorrer no estômago ou no duodeno; Complicações: Hemorragia digestiva alta – vômito com sangue/fezes com melena; Abdômen obstrutivo alto – em região de piloro ou arco duodenal pode levar a estenose e provocar síndrome pilórica; Abdômen agudo perfurativo – quando a úlcera perfura e cai ar e secreção na cavidade, causando irritação peritoneal e dor intensa que evolui para dor difusa com rigidez de parede acompanhada de taquicardia e hipotensão. O abdômen agudo pode ser inflamatório, perfurativo, hemorrágico, por ruptura de artéria ou órgão, obstrutivo e vascular; Exame físico: Ausculta com diminuição de ruídos hidroaéreos (íleo paralítico ou adinâmico); Realizar sinal de Jobert – se positivo, apresenta timpanismo na transição toraco- abdominal ao invés de macicez hepática devido a pneumoperitônio; Na palpação encontra-se contratura involuntária generalizada, abdômen em tábua e descompressão brusca positiva em toda a parede. Beatriz Maia | Turma XXIV Intestino delgado e cólon Doença diverticular dos cólons Só há sintomatologia nas complicações; É comum acima da 5ª ou 6ª década principalmente em mulheres com história de constipação. De tanta força para evacuar começam a ter herniações nos cólons. A inserção de vasos na submucosa do intestino é um ponto de fragilidade, podendo sair divertículo nesses locais (obs: pólipo é na mucosa e intraluminal). Complicações: o Hemorragia digestiva baixa ou diverticulite – resultado de sangramento do divertículo para dentro do intestino. Diverticulite Um fecálito obstrui o óstio do divertículo e causa um processo inflamatório, mais comum é no cólon sigmoide; A constipação aumenta as chances; Quadro clínico: o Dor abrupta em FID ou FE, que começa leve e aumenta gradativamente; o Pode começar com dor difusa em hemiabdômen esquerdo e se tornar mais localizada em algumas horas (visceral → parietal); o Dor à palpação superficial e profunda, Blumberg (+) e pode ter plastrão. Complicações: o Abcesso intracavitário, perfuração de divertículo (se for grande pode causar pneumoperitônio). Beatriz Maia | Turma XXIV Obstrução intestinal Intestino delgado: o Crianças: defeitos congênitos e invaginações; o Adultos: bridas e aderências. Hérnia inguinal pode levar a encarceramento e abdômen agudo obstrutivo ou vascular (encarceramento + torção do pedículo). Cólon: maioria por neoplasias. Aderência: após pequenos traumas, por exemplo, no parto cesárea, as alças cicatrizam e grudam. Bridas: estruturas vizinhas bloqueando o processo traumático. Se sofrer torção leva a um processo obstrutivo (podem ser suboclusões ou oclusões totais). Quando há vômitos precoces suspeita-se de obstrução alta, se vômitos fecalóides suspeita-se de obstrução baixa. Exame físico: o Abdômen globoso; o Avaliar cicatriz umbilical; o Ruídos hidroaéreos aumentados (acúmulo de gás e líquido), propulsivos, chamados de ruídos metálicos; o Auscultar os 4 quadrantes: aumento do peristaltismo antes do processo obstrutivo e diminuição após. Se for brida ou aderência perguntar sobre cirurgia pregressa (ex: cesárea) e se o caso é logo no pós-operatório ou não; No RX, haustrações e edema de parede intestinal; Abômen agudo vascular: trombose mesentérica venosa ou arterial; A trombose mesentérica em idosos se apresenta de forma inocente ao exame físico, deve-se ficar atento para não evoluir para abdômen agudo perfurativo. Beatriz Maia | Turma XXIV
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