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Artrite Reumatoide


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MÓDULO 1 - PROBLEMA 3
ARTRITE REUMATÓIDE
___
DEFINIÇÃO
A artrite reumatoide (AR) é uma doença inflamatória sistêmica crônica, de etiologia
desconhecida, que acomete primariamente o tecido sinovial. É relativamente comum, com uma
prevalência de aproximadamente l% dos adultos em todo o mundo. A AR diminui a sobrevida e
afeta significativamente a qualidade de vida da maioria dos pacientes. Essencialmente, todos os
pacientes apresentam alguma manifestação sistêmica, como fadiga, febre baixa, anemia e
elevação dos reagentes de fase aguda (velocidade de hemossedimentação [VHS] ou proteína
C-reativa [PCR]). Apesar dessas características sistêmicas, o alvo primário da AR é a membrana
sinovial, que é responsável pela maior parte das manifestações clínicas. O tecido sinovial
prolifera de forma descontrolada, resultando em uma produção excessiva de líquido, destruição
da cartilagem, erosão do osso marginal e frouxidão e dano aos tendões e ligamentos.
EPIDEMIOLOGIA
A AR é encontrada em todo o mundo, com uma prevalência notoriamente consistente de 0,15%
a l% dos adultos, com algumas variações em determinados grupos populacionais. A prevalência
nas mulheres é duas ou três vezes maior do que nos homens, por razões ainda não esclarecidas.
A AR pode ocorrer em qualquer idade, mas o aparecimento antes dos 45 anos em homens é
incomum. As relativamente poucas e bem realizadas coortes (inception cohorts) disponíveis
sugerem que a incidência anual da AR é de aproximadamente 40/100.000 para mulheres e cerca
da metade disso para homens. Esses números variam significativamente com a idade da
população estudada. Os melhores dados disponíveis sugerem que a incidência da AR nas
mulheres aumenta com a idade até aproximadamente 50 anos e, então, se estabiliza. A
incidência é muito menor nos homens jovens, aproximadamente um terço da que se observa nas
mulheres, mas aumenta constantemente com a idade e se aproxima daquela das mulheres com
mais de 65 anos. Tendo em vista que a incidência da AR aumenta ou se estabiliza com a idade e
que é uma doença crônica, sua prevalência aumenta a cada década. Dados recentes sugerem que
a incidência da AR, particularmente da AR com fator reumatoide (FR) negativo, pode estar
diminuindo. As razões para esta observação ainda não foram determinadas, mas, se
esclarecidas, poderiam contribuir para a compreensão da etiologia e da patogenia da AR e,
mesmo, permitir a implementação de estratégias para prevenir o aparecimento das
manifestações clínicas.
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Merece destaque a descrição de coortes na zona rural da Nigéria, onde nenhum indivíduo foi
afetado pela AR, enquanto uma prevalência de 5% foi observada em alguns estudos realizados
nas tribos americanas nativas Chippewa, Yakima e Inuit.
FATORES DE RISCO
Estudos populacionais sugeriram que apenas um terço do risco genético da AR é explicado por
genes localizados na região HLA. Um polimorfismo funcional do gene que codifica a proteína
intracelular tirosina fosfatase não receptora tipo 22 (PTPN22) tem sido relacionado à AR e com
diversas outras doenças autoimunes, como diabetes tipo I, lúpus sistêmico eritematoso, doença
de Graves e tireoidite de Hashimoto. O uso de contraceptivos orais está associado a uma
diminuição na incidência de AR. Tendo em vista que este efeito parece ser mais importante com
contraceptivos orais que têm um alto conteúdo de estrogênio, tem sido postulado que o
estrogênio seria o responsável por esse efeito protetor. Estudos que tentaram abordar a questão
do uso de estrogênio no período pós-menopausa e seu efeito sobre a AR produziram resultados
conflitantes.
Por muitos anos o tabagismo tem sido associado a um aumento significativo no risco de
desenvolvimento da AR, mas recentemente foi demonstrado que isso só é verdade para
pacientes com ACPA positivo, não havendo associação entre tabagismo e doença com ACPA
negativo. Além disso, o tabagismo parece ser um fator de risco para AR apenas naqueles
pacientes que são portadores do epítopo compartilhado. O tabagismo também tem sido
associado à pouca resposta ao tratamento.
Os fatores desencadeantes propostos, além do tabagismo, têm incluído bactérias (Mycobacteria,
Streptococcus, Mycoplasma, Escherichia coli, Helicobacter pylori), vírus (da rubéola, vírus
Epstein- Barr, parvovírus), superantígenos e outros fatores ainda não definidos.
FISIOPATOLOGIA
Apesar da ausência de evidências claras ligando qualquer agente infeccioso à AR, acredita-se
amplamente que o importante papel desencadeante de agentes infecciosos ou outros agentes
ambientais será finalmente esclarecido. Uma vez que agentes desencadeantes para AR forem
identificados, estratégias preventivas poderão ser propostas, mas esta informação pode não
ajudar indivíduos com a doença estabelecida.
Possivelmente, infecções envolvendo o sistema imune inato têm efeito causal na fase precoce
subclínica da evolução da AR, sendo que tais agentes estão ausentes quando a doença clínica se
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desenvolve. Os papéis relativos do sistema imune celular e humoral no início e na perpetuação
da AR são muito debatidos; ambos parecem ser importantes. Provavelmente, os mecanismos
presentes na fase inicial da doença são distintos daqueles que perpetuam a doença crônica. As
células T, particularmente as células ativadas do tipo Thl e Thl7, parecem predominar nos
tecidos sinoviais. Essas células T, presumivelmente ativadas por algum antígeno ainda
desconhecido apresentado pelos macrófagos, células B ou sinoviócitos no contexto do HLA-DR,
secretam citocinas que estimulam a proliferação sinovial. Muitos acreditam que embora a AR
possa inicialmente ser desencadeada por um antígeno exógeno, o processo, uma vez iniciado,
pode ser perpetuado por autoantígenos. Citocinas derivadas dos macrófagos, particularmente
interleucina-1 (IL-1) e o fator de necrose tumoral (TNF-a ), desempenham papéis centrais no
processo inflamatório em andamento.
Como prova definitiva, produtos biológicos dirigidos contra essas citocinas mostraram eficácia
significativa no tratamento da AR. O sistema imune humoral também desempenha um papel
importante. O FR há muito tempo é o marcador sorológico da AR, também conhecido por sua
correlação com doença mais grave, inclusive com erosões ósseas e a presença de manifestações
extra-articulares. O porquê da produção excessiva do FR e o seu papel exato na AR ainda não
foram esclarecidos. A produção do FR pode aumentar a ativação do complemento e resultar na
liberação de enzimas lisossomais, cininas e radicais livres de oxigênio. Os anticorpos ACPA
exibem uma alta especificidade (95% a 99%) para a AR, embora com os métodos de ensaio
disponíveis atualmente sua sensibilidade seja de aproximadamente 70%. Embora tanto o FR
como os anticorpos ACPA estejam associados à doença erosiva mais grave, essa ligação é mais
forte com os anticorpos ACPA.
Os tecidos sinoviais são o alvo primário do processo inflamatório autoimune da AR; a razão para
esta preferência ainda não foi esclarecida. Uma vez iniciada a AR, os tecidos sinoviais em todo o
corpo tornam-se o local de uma interação complexa entre células T, células B, macrófagos e
células sinoviais. A proliferação dos tecidos sinoviais (sinovite) resultante acarreta a produção
de quantidade excessiva do líquido sinovial e a infiltração do pannus no osso e na cartilagem
adjacentes. A sinovite resulta na destruição da cartilagem e do osso marginal e no estiramento
ou ruptura da cápsula articular, dos tendões e ligamentos, causando nos pacientes as
deformidades e a incapacidade que constituem o quadro clínico da AR.
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QUADRO CLÍNICO
Manifestações Articulares
A AR pode afetar qualquer articulação sinovial (diartrodial). Mais comumente, a doença tem
início nas articulações metacarpofalangeanas(MCF), interfalangeanas proximais (IFP) e
metatarsofalangeanas (MTF), seguidas pelos punhos, joelhos, cotovelos, tornozelos, quadris e
ombros, aproximadamente nessa ordem. O tratamento precoce ajuda a limitar o número de
articulações envolvidas. Menos frequentemente, e em geral mais tarde no curso da doença,as
articulações temporomandibulares, cricoaritenoides e esternoclaviculares podem ser
acometidas. A AR pode atingir a porção superior da coluna cervical, particularmente a
articulação Cl-C2, mas, diferentemente das espondiloartropatias, não envolve o resto da coluna.
Pacientes com AR, entretanto, estão sujeitos a um maior risco de osteoporose, e esse risco deve
ser considerado e abordado precocemente.
Mãos
As mãos são a principal área acometida pela AR, e o dano e a disfunção das mãos contribuem
com uma parcela significativa da incapacidade provocada pela AR. Classicamente, a doença
começa com edema das IFP e MCF. As articulações interfalangeanas distais (IFD) raramente
estão envolvidas; importante envolvimento das articulações IFD deve sugerir a possibilidade de
um diagnóstico diferencial (p. ex., osteoartrite ou artrite psoriásica). A Figura 272-3 ilustra o
clássico desvio ulnar das MCF e as deformidades em "pescoço de cisne" (hiperextensão das IFP),
que são comumente encontradas na doença mais avançada, já estabelecida.
As deformidades em boutonniere (ou botoeira) também ocorrem e são consequentes à
hiperflexão das articulações IFP. À medida que a doença permanece ativa, a função da mão se
deteriora lentamente. A perda súbita da função de um dedo isolado pode ocorrer como resultado
da ruptura de um tendão, o que requer a atenção cuidadosa de um cirurgião de mão experiente
para o reparo cirúrgico.
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Pés
Os pés, particularmente as articulações MTF, são acometidos precocemente na maioria dos
pacientes com AR. As erosões radiográficas nos pés ocorrem nas fases iniciais da doença,
podendo anteceder ou surgir na mesma época que as das mãos. A sub luxação dos artelhos é
comum, e causa o duplo problema de ruptura da pele e úlceras no topo dos dedos dos pés.
Locomoção dolorosa pode também ocorrer devido à perda do coxim gorduroso que
normalmente protege as cabeças das articulações MTF.
Punhos
As articulações do punho estão comprometidas na maioria dos pacientes com AR. O desvio
radial é a regra, e os pacientes com envolvimento grave podem progredir para sub luxação volar.
Mesmo em uma fase inicial no curso da doença, a proliferação sinovial nos punhos e em torno
deles pode comprimir o nervo mediano, causando a síndrome do túnel do carpo.
Posteriormente, esta proliferação sinovial pode invadir os tendões e levar à ruptura de tendões
extensores.
Grandes Articulações
O envolvimento de joelhos, tornozelos, cotovelos, quadris e ombros é comum.
Caracteristicamente, a superfície articular é totalmente acometida, de forma simétrica.
Consequentemente, a AR é simétrica não só em relação a um lado e outro do corpo, como
também em relação à superfície de cada articulação envolvida. No caso do joelho, os
compartimentos medial e lateral estão gravemente diminuídos na AR, em contraste com o
joelho da OA, onde apenas um compartimento pode ser atingido. Os cistos sinoviais podem
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ocorrer em qualquer articulação (grande ou pequena) e, ocasionalmente, estão presentes como
massas flutuantes macias, verdadeiros desafios diagnósticos. Os cistos sinoviais do joelho são,
talvez, os melhores exemplos deste fenômeno. Quando o joelho produz excesso de líquido
sinovial pode haver acúmulo no espaço poplíteo (cisto poplíteo ou cisto de Baker). Estes cistos
podem causar problemas por pressionar o nervo, a artéria ou a veia poplíteas. Cistos de Baker
podem dissecar e expandir para os tecidos da panturrilha (em geral posteriormente) ou podem
romper-se com extravasamento também para a panturrilha. As dissecções podem produzir
apenas sintomas mínimos, como uma sensação de plenitude ou massa poplítea. A ruptura do
cisto, com extravasamento do conteúdo inflamatório, causa dor e edema significativos que
podem ser confundidos com tromboflebite, a assim chamada síndrome de pseudotromboflebite.
O exame de ultrassonografia da fossa poplítea e da panturrilha é útil para estabelecer o
diagnóstico correto e descartar tromboflebite, que, por sua vez, pode ser precipitada por cistos
poplíteos. O tratamento dos cistos poplíteos (de Baker) deve ser direcionado para a interrupção
do processo inflamatório no joelho através de uma injeção intra-articular de corticosteroides.
Pescoço
Embora a maior parte do esqueleto axial seja poupada na AR, a coluna cervical e especialmente
as articulações Cl-C2 são comumente atingidas. As erosões ósseas e o dano ligamentar podem
ocorrer nessa área, e podem causar subluxação. Na maioria das vezes, a subluxação Cl-C2 é
pequena e assintomática; pacientes e cuidadores precisam apenas ser cautelosos e evitar forçar
o pescoço na posição de flexão. Ocasionalmente, a sub luxação de Cl-C2 pode ser grave e causar
comprometimento da medula cervical, e, em alguns casos, óbito.
Outras Articulações
Onde houver tecido sinovial, a AR pode causar problemas. As articulações
temporomandibulares, cricoaritenoides e esternoclaviculares são exemplos de outras
articulações que podem estar comprometidas na AR. A articulação cricoaritenoide é responsável
pela abdução e pela adução das cordas vocais. O envolvimento dessa articulação pode causar
uma sensação de plenitude,volume na garganta, rouquidão e, raramente, quando as cordas
estiverem essencialmente paralisadas na posição fechada, pode ocasionar obstrução respiratória
aguda alta, com ou sem estridor.
Manifestações Extra-articulares
As manifestações sistêmicas da AR, como fadiga, perda de peso e febre baixa, ocorrem
frequentemente. Assim como outras manifestações extra articulares, tendem a ser mais comuns
naqueles pacientes com fator reumatoide ou anticorpos ACPA positivos, ou ambos.
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Pele
Nódulos subcutâneos são encontrados em aproximadamente um quarto dos pacientes com AR,
quase que exclusivamente em pacientes com FR positivo. Pacientes com nódulos e FR negativo
devem ser cuidadosamente examinados quanto ao diagnóstico diferencial, como a gota tofácea
crônica. Os nódulos podem ocorrer em qualquer ponto do corpo (p. ex., pulmões, coração,
olhos), porém são observados mais frequentemente no tecido subcutâneo nas superfícies
extensoras (particularmente no antebraço), sobre as articulações ou sobre pontos de pressão.
Nódulos reumatóides apresentam consistência firme à palpação, em geral são indolores, com
histopatologia característica. Acredita-se que sejam decorrentes da vasculite de pequenos vasos.
A chamada nodulose reumatoide, síndrome caracterizada por nodulose importante, apesar do
bom controle da doença tem sido descrita com a terapia com metotrexato.
A vasculite de pequenos vasos, manifestada como infartos digitais ou vasculite
leucocitoclástica, pode ocorrer na AR, e deve desencadear um tratamento mais agressivo com
DMCD. A vasculite de pequenas e médias artérias, que é indistinguível da poliarterite nodosa,
também pode ocorrer na AR e requer terapia sistêmica agressiva. Finalmente, o pioderma
gangrenoso é encontrado em maior frequência em associação com AR.
Comprometimento Cardíaco
O envolvimento cardíaco diretamente relacionado à AR é incomum. Entretanto, pacientes com
AR têm morbidade e mortalidade significativamente aumentadas devido à doença coronariana,
As razões para isso não estão claras, mas a inflamação crônica pode ser a principal causa.
Algumas das medicações usadas no tratamento da AR e o estilo de vida sedentário podem ser
fatores de risco adicionais para o desenvolvimento de doença arterial coronariana. Os derrames
pericárdicos são comuns (50% dos pacientes, quando avaliados pela ecocardiografia), mas, em
geral, são assintomáticos. Raramente a doença pericárdica de longa duração pode resultar em
pericardite fibrinosa, e os pacientes podem se apresentar clinicamente com pericardite
constritiva. Esporadicamente os nódulos reumatoides podem ocorrer no sistema de condução e
causar bloqueio cardíaco.
Manifestações Pulmonares
As manifestações pulmonares da AR incluem derrames pleurais, nódulos reumatoides e doença
pulmonar parenquimatosa. Os derrames pleurais ocorrem mais comumente em homens e
geralmente são pequenos e assintomáticos. Olíquido pleural na AR se caracteriza por baixos
níveis de glicose e de pH e, por conseguinte, pode, às vezes, ser confundido com empiema. Os
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nódulos reumatoides podem ocorrer no pulmão, especialmente em homens. Em geral são
sólidos, mas podem calcificar, formar cavitações ou tornar-se infectados. Raramente os nódulos
podem se romper e causar pneumotórax. Se os pacientes com AR forem expostos à poeira do
carvão podem ocorrer áreas mais densas, difusas, nodulares (síndrome de Caplan). Diferenciar
nódulos reumatoides de câncer de pulmão pode ser difícil, particularmente em caso de nódulo
solitário. Portanto, a presença de nódulos pulmonares em pacientes com AR deve desencadear
uma investigação diagnóstica agressiva.
Fibrose intersticial difusa ocorre na AR e pode progredir para lesões em favo de mel, vistas na
radiografia, com dispneia crescente. Raramente, a bronquiolite obliterante pode ser observada
com ou sem pneumonia em organização. A bronquiolite obliterante tem um pior prognóstico, e
pode ocorrer mais frequentemente em associação com a terapia com D-penicilamina ou sais de
ouro.
Manifestações Oftalmológicas
A manifestação oftalmológica mais comum na AR é a ceratoconjuntivite seca (olho seco),
decorrente da sindrome de Sjõgren secundária. Os pacientes podem também apresentar
xerostomia (boca seca), edema de glândulas parótidas ou, ocasionalmente, linfadenopatia.
Esclerite também pode ocorrer e ser dolorosa, com progressão para o afilamento da esclera
(observação da pigmentação subjacente ao exame da esclera). A esclerite pode progredir para
perfuração da órbita (escleromalacia perfurante). Raramente, a tendinite do músculo oblíquo
superior pode resultar em visão dupla (síndrome de Brown).
Manifestações Neurológicas
As síndromes compressivas de nervos periféricos, incluindo a síndrome do túnel do carpo (nervo
mediano no punho) e a síndrome do túnel do tarso (aprisionamento do nervo tibial anterior no
tornozelo) 1 são comuns na AR. Vasculite pode provocar mononeurite múltipla e uma gama de
problemas neurológicos adicionais. Subluxação de C l-C2 pode causar mielopatia. Nódulos
reumatoídes no sistema nervoso central têm sido descritos, mas são raros e, em geral,
assintomáticos.
Síndrome de Felty
A síndrome de Felty é constituída pela tríade de AR, esplenomegalia e neutropenia. Esta
complicação é encontrada em pacientes com doença grave, com FR positivo, e pode ser
acompanhada de hepatomegalia, trombocitopenia, linfadenopatia e febre. A maioria dos
pacientes com a síndrome de Felty não demanda terapia especial, além do tratamento
direcionado para a AR grave característica desta síndrome. Se houver neutropenia grave ( <500
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células/ J.LL), acompanhada de infecções bacterianas recorrentes ou úlceras crônicas nas pernas
de difícil cicatrização, a esplenectomia pode ser indicada.
Alguns pacientes com AR e diagnóstico presuntivo de síndrome de Felty apresentam no sangue
periférico predomínio de grandes linfócitos granulares com uma ausência quase completa de
neutrófilos. Esta condição é conhecida como síndrome dos grandes linfócitos granulares, e
acredita-se seja uma variante de leucemia de células T. No contexto da AR, esta síndrome tem
um bom prognóstico, com a neutropenia muitas vezes respondendo drasticamente à terapia
com metotrexato.
Curso Clínico
Embora variável, a maioria dos pacientes com AR apresenta um início ínsidioso de dor, rigidez
ou edema, ou uma combinação dos três em várias articulações ao longo de semanas a meses. O
quadro articular da AR pode ser acompanhado de manifestações sistêmicas, como fadiga, febre
baixa e perda de peso. O início fulminante da doença, quase que "de um dia para o outro'; é
menos comum; os pacientes podem ainda apresentar monoartrite ou oligoartrite persistente
por períodos prolongados, antes de manifestar um padrão mais típico de envolvimento articular.
Raramente, alguns pacientes, particularmente homens, desenvolvem características
extra-articulares da AR antes do aparecimento dos sintomas articulares.
A distribuição das articulações envolvidas é um indício fundamental para o diagnóstico, embora
as articulações acometidas nos pacientes com AR no momento da apresentação da doença
também possam ser variáveis. Caracteristicamente, os sintomas começam nas pequenas
articulações das mãos (articulações IFP e MCF) e nos dedos dos pés (articulações MTF).
Importante salientar que a AR normalmente poupa as articulações interfalangeanas distais
(IFD) e as pequenas articulações dos dedos dos pés. Mais tarde a AR migra alguns diriam que ela
"metastatiza" para grandes articulações: punhos, joelhos, cotovelos, tornozelos, quadris e
ombros (aproximadamente nessa ordem). Embora o relato do paciente de sintomas articulares
(artralgia) seja importante, o diagnóstico da AR exige a presença da inflamação (edema e/ ou
calor) no exame das articulações.
A rigidez matinal é uma característica da artrite inflamatória, e é um sintoma proeminente da
AR. Classicamente, os pacientes com AR relatam que a rigidez é pior logo pela manhã ou após
períodos prolongados de repouso. Essa rigidez nas articulações e em torno delas
frequentemente perdura por horas, e quantificá-la é uma das maneiras de avaliar a melhora
clínica. A rigidez é aliviada por calor e atividade, e sua redução ou eliminação é um objetivo
claro do tratamento.
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DIAGNÓSTICO
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ACPA: Anticorpo antipeptídeo citrulinado
ERS: VHS
Historicamente, a anormalidade laboratorial mais característica na AR é a presença do FR, que é
encontrado em aproximadamente 80% dos pacientes. O FR, primeiramente descrito na década
de 1930 é um anticorpo que reconhece como antígeno a porção Fc da imunoglobulina G (IgG). A
presença do FR está fortemente associada à doença articular mais grave, bem como a
essencialmente todas as manifestações extra- articulares previamente citadas. O FR é
encontrado em muitas outras doenças, além da AR, particularmente em processos patológicos
que cursam com estimulação crônica do sistema imune.
Os anticorpos ACPA são encontrados em aproximadamente 70% dos pacientes com AR, têm alta
especificidade (de 93% a 98%), estão frequentemente presentes antes que a doença clínica seja
diagnosticada e estão relacionados à doença erosiva grave. A AR está associada a vários outros
autoanticorpos, incluindo os anticorpos antinucleares (FAN-cerca de 30% dos pacientes) e os
anticorpos anticitoplasma de neutrófilos, particularmente do tipo perinuclear
(aproximadamente 30% dos pacientes).
A maioria dos pacientes com AR tem anemia de doença crônica. O grau da anemia é
proporcional à atividade da doença, e a terapia que controla a doença normaliza os níveis de
hemoglobina. Outras causas de anemia também devem ser consideradas na AR, particularmente
anemia por deficiência de ferro devido à perda de sangue gastrointestinal.
A trombocitose é comum, com contagens de plaquetas retornando ao normal quando a
inflamação é controlada. Reagentes de fase aguda, VHS e níveis de proteína C-reativa também
acompanham a atividade da doença. Sua elevação persistente indica um pior prognóstico, tanto
em termos de destruição articular quanto de mortalidade. A contagem de leucócitos pode estar
elevada ou normal, ou, no caso da síndrome de Felty, profundamente diminuída. Alguns
pacientes com AR apresentam eosinofilia.
DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL
Muitas doenças podem mimetizar a AR. Em uma fase inicial na evolução da doença, as
síndromes virais auto limitadas precisam ser consideradas, especialmente os vírus das hepatites
B e C, parvovírus, rubéola (infecção ou vacinação) e Epstein-Barr. A qualquer momento, lúpus
eritematoso sistêmico, artrite psoriásica e artrite reativa podem representar desafios
diagnósticos. Nesses três casos, uma anamnese dirigida e um exame físico em busca das
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características clínicas associadas a essas doenças, como erupções eritematosas, úlceras orais,
alterações nas unhas, dactilites, uretrites e problemas renais, pulmonares, gastrointestinais ou
oftalmológicos, são fundamentais. Particularmenteno idoso com AR de início fulminante, o
diagnóstico de sinovite simétrica soronegativa remitente com edema depressível (a chamada
síndrome RS3PE- remitting RF-negative symmetrical synovitis with pitting edema) e de
síndromes paraneoplásicas deve ser considerado. Gota tofácea crônica também pode mimetizar
AR nodular grave. Hipotireoidismo não apenas causa muitas manifestações reumáticas, mas
também ocorre frequentemente associado à AR e, por conseguinte, não deve ser esquecido.
TRATAMENTO
Quando a AR é tratada precocemente, a remissão é possível em 40% a 50% dos pacientes.
Entretanto, as remissões exigem o uso contínuo de medicamentos e, mesmo assim, nem sempre
são duráveis. Essencialmente todos os pacientes com AR serão tratados com DMCD. Alguma
combinação de medicamentos anti-inflamatórios não esteroides (AINEs), esteróides e DMCDs é
necessária em quase todos os pacientes. Em muitos, talvez na maioria, combinações de
diferentes DMCDs são necessárias para atingir um controle adequado da atividade da AR. A
terapia deve ser incrementada rapidamente para assegurar a supressão máxima da doença com
um mínimo de toxicidade e custo. Os pacientes devem ser instruídos sobre sua doença e sobre
os tratamentos que serão usados. Na maioria dos casos, os pacientes devem ter a oportunidade
de consultar fisioterapeutas e terapeutas ocupacionais para aprender exercícios de preservação
de amplitude de movimento, proteção articular e dispositivos de assistência.
No tratamento da AR, três tipos de medicamentos são utilizados: AINEs, glicocorticoides e
DMCDs (tanto convencionais como biológicos). A terapia inicial deve incluir pelo menos uma
DMCD, enquanto a combinação dos três tipos de medicamentos é a regra .
Anti-inflamatórios não Esteroidais
Os AINEs são importantes para o alívio dos sintomas. Entretanto, desempenham apenas um
papel de menor importância em relação a induzir alterações no processo patológico básico. Por
conseguinte, os AINEs devem ser usados raramente (se o forem alguma vez) para tratar a AR
sem o uso concomitante de DMCDs. Muitos médicos perdem um tempo valioso trocando um
AINE por outro antes de iniciar a terapia com DMCDs. Muito foi escrito acerca da toxicidade
gastrointestinal dos AINEs, e essas preocupações são particularmente relevantes nos pacientes
com AR que frequentemente apresentam um número significativo de fatores de risco, como
idade e uso concomitante de esteroides. Por isso, os agentes inibidores seletivos da
ciclo-oxigenase-2 (COX-2) são populares nesse grupo de pacientes. As evidências recentes que
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relacionam os COX-2 a um aumento da toxicidade cardiovascular são particularmente
preocupantes para os pacientes com AR, os quais já têm risco aumentado para infarto agudo do
miocárdio. Portanto, se agentes seletivos para COX-2 forem usados, deve-se mantê-los em
baixas doses. Deve-se considerar a profilaxia com baixa dose de aspirina em AR, que,
entretanto, pode aumentar a toxicidade gastrointestinal dos AINEs. O uso concomitante do
misoprostol ou dos inibidores da bomba de prótons deve ser considerado para todos os
pacientes com AR que tomam AINEs. Além disso, deve-se ter em mente o potencial dos AINEs
para reduzir o fluxo sanguíneo renal e aumentar a pressão arterial.
Glicocorticoides
Os glicocorticóides tiveram um papel significativo no tratamento de AR durante mais de meio
século. De fato, a AR foi escolhida como a primeira doença para testar essa nova terapia, em
parte porque se acreditava que a AR era uma doença de deficiência de glicocorticoide. Os
glicocorticóides não são apenas úteis para a melhora sintomática, mas diminuem
significativamente a progressão radiográfica da AR. Entretanto, o perfil de toxicidade do uso
crônico de glicocorticóides é extenso e potencialmente devastador. Por conseguinte, o uso ideal
desses medicamentos requer o conhecimento dos vários princípios recomendados para o uso de
esteróides na AR.
Os glicocorticóides permanecem como os medicamentos disponíveis com mais potente ação
anti-inflamatória. Devido a isso e a seu rápido início de ação, eles são ideais para ajudar no
controle da inflamação da AR, enquanto a maioria das DMCDs, de ação muito mais lenta, está
começando a funcionar. A prednisona, o glicocorticoide mais comumente usado, raramente
deve ser empregada em doses superiores a 1 O mg/ dia para tratar as manifestações articulares e
a rigidez da AR. Esta dose deve ser lentamente reduzida até a mínima dose efetiva, e a terapia
concomitante com DMCD deve ser ajustada para tornar isso possível. Os glicocorticoides
raramente - praticamente nunca - devem ser usados para tratar a AR sem a terapia
concomitante com DMCDs. O paradigma é bloquear rapidamente a inflamação com
glicocorticoides e, então, reduzir paulatinamente seu uso à medida que as DMCDs estão
começando a funcionar ("terapia ponte"). Em todos os pacientes em uso de glicocorticoides, a
prevenção da osteoporose é fortemente recomendada. Os bisfosfonatos se mostraram
particularmente efetivos nesta função. Doses maiores de glicocorticoides podem ser necessárias
para manifestações extra-articulares, especialmente para vasculite e esclerite.
Drogas Modificadoras do Curso da Doença
As DMCDs são um grupo de medicamentos que têm a capacidade de inibir o processo da doença
na sinóvia e modificar o potencial incapacitante da AR.
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DMCDs Convencionais
Neste grupo de medicamentos estão incluídos metotrexato, sulfassalazina, sais de ouro,
antimaláricos, leflunomida, azatioprina e minocilina. É fundamental que os médicos e os
pacientes compreendam que esses medicamentos levam de dois a seis meses para exercer seu
efeito máximo, e que todos eles requerem algum monitoramento.
Portanto, outras medidas, como a terapia com glicocorticoides, podem ser necessárias para
controlar a doença enquanto essas medicações começam a funcionar. As DMCDs são
reconhecidamente efetivas tanto no tratamento da AR inicial como da doença estabelecida ou
avançada.O fator crítico não é qual DMCD deve ser iniciada primeiro, mas sim o paciente
receber a terapia DMCD precocemente no início do processo da doença.
Metotrexato
O metotrexato é a DMCD preferida da maioria dos reumatologistas, em parte porque pacientes
apresentam uma resposta mais duradoura e porque, quando monitorado corretamente, as
toxicidades graves são raras. O metotrexato é drasticamente efetivo na redução da progressão
radiográfica da AR e, em geral, é administrado por via oral em doses que variam de 5 a 25
mg/semana, em uma única dose. Esta administração uma vez por semana merece ênfase; a
experiência anterior com a terapia diária na psoríase demonstrou a importância de permitir que
o fígado tenha tempo de se recuperar entre as doses. A absorção oral do metotrexato é variável;
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portanto, injeções subcutâneas do metotrexato podem ser efetivas quando o tratamento oral
não tem sucesso. Os efeitos colaterais do metotrexato incluem úlceras na mucosa oral, náusea,
hepatotoxicidade, supressão da medula óssea e pneumonite. Com exceção da pneumonite, essas
toxicidades respondem a ajustes posológicos. Monitoramento do hemograma e da função
hepática (albumina e aspartato aminotransferase [AST ou TGO] ou alanina aminotransferase
[ALT ou TGP) deve ser feito a cada quatro a oito semanas, inicialmente e, quando estável, a cada
três meses, com ajustes na dose de metotrexato quando necessário. A função renal é
fundamental para a depuração do metotrexato; pacientes previamente estáveis podem
apresentar toxicidades graves quando a função renal se deteriora. A pneumonite, apesar de rara,
é menos previsível e pode ser fatal, particularmente se o metotrexato não for interrompido ou
for reiniciado. O ácido fólico na dose de 1 a 4 mg/dia pode diminuir significativamente a maioria
das toxicidades do metotrexato sem perda aparente da eficácia contra a AR. Se, isoladamente, o
metotrexato não controlar suficientemente a doença, ele deve ser associado a outra DMCD.
O metotrexato, em combinação com praticamente qualquer DMCD (convencional ou agente
biológico), mostrouser mais efetivo do que qualquer uma das medicações isoladamente.
Leflunomida
A leflunomida, um antagonista da pirimidina, tem uma meia-vida muito longa e mais
frequentemente é administrada na dose de 1 O a 20 mg/dia por via oral. A diarreia é a toxicidade
mais comum, e responde à redução da dose, e 1 O a 20 mg da leflunomida três a cinco vezes por
semana são frequentemente prescritos. Além disso, devido a sua meia-vida longa e seu
potencial teratogênico, mulheres que desejam engravidar e que anteriormente tenham recebido
leflunomida, mesmo se a terapia tiver sido interrompida há anos, devem submeter-se à dosagem
dos níveis sanguíneos de seu metabólito. Se ocorrer toxicidade ou se a gravidez for considerada,
a leflunomida pode ser rapidamente eliminada do sangue com o tratamento com colestiramina.
Durante o tratamento com leflunomida deve-se realizar monitoramento laboratorial da
toxicidade hematológica e hepática, assim como é recomendado para o uso do metotrexato.
Anti maláricos
Os antimaláricos, a hidroxicloroquina e a cloroquina, são frequentemente usados no tratamento
da AR. Eles têm a menor toxicidade de todas as DMCD e não exigem monitoramento com
exames de sangue. O monitoramento anual por um oftalmologista é recomendado para detectar
quaisquer sinais de toxicidade retiniana (rara). A hidroxicloroquina é a preparação mais
comumente usada, e é administrada por via oral na dose de 200 a 400 mg/dia. Estes
medicamentos são frequentemente utilizados em combinação com outros DMCDs,
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particularmente metotrexato. Recentemente foi demonstrada redução da incidência de diabetes
em pacientes com AR em uso de hidroxicloroquina.
Sulfassalazina
A sulfassalazina é um tratamento eficaz, quando administrado em doses de 1 a 3 g/dia. Nos
primeiros seis meses recomenda-se o monitoramento das células sanguíneas, particularmente
dos leucócitos. A sulfasalazina e a hidroxicloroquina são muitas vezes combinadas com o
metotrexato, o que é referido como tripla terapia.
Minociclina
A minociclina, 100 mg duas vezes ao dia, mostrou- se efetiva no tratamento da AR,
particularmente quando usada na fase inicial da doença, em pacientes com fator reumatoide
positivo. A terapia crônica(> 2 anos) com minociclina pode causar hiperpigmentação cutânea.
Minociclina tem sido associada ao lúpus induzido por drogas.
DMCDs Biológicas
Pesquisas recentes continuam a procurar elucidar o papel central que as citocinas, mais
notoriamente o TNF-a e a IL -1, desempenham na patologia AR. Isso tem proporcionado o
desenvolvimento e o uso clínico de agentes biológicos direcionados contra o TNF-cx 1
(etanercepteél [Enbrel), infliximabe [Remicade], adalimumabel [Humira], golimumabe [Simponi]
e certolizumabe [Cimzia]) e a IL-1 (anakinra [Kineret)), este último não disponível no Brasil.
Três outros biológicos foram aprovados para uso na AR: um anticorpo anti-CD20, rituximabe
(Rituxan ou Mabthera); um agente modulador de células-T, abatacepte (Orencia), e um
anticorpo anti-receptor IL-6, tocilizumabe (Actemra). Todos os pacientes com AR que recebem
terapias biológicas devem ser monitorados por um reumatologista, e seus médicos devem estar
cientes do risco de infecções que são muitas vezes atípicas. Essencialmente, todos os agentes
biológicos, quando combinados com o metotrexato, têm mostrado redução da atividade da
doença e da progressão radiográfica em pacientes com AR com doença ativa apesar do
metotrexato.