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SÍNDROME DO INTESTINO IRRITÁVEL Síndrome do intestino irritável (SII) é uma entidade clínica funcional, ou seja, sua etiologia é marcada por inúmeros mecanismos, determinada por variações individuais, aspectos psicológicos, genéticos, alimentares e culturais, assim como o estilo de vida. Antigamente essa doença era chamada de síndrome do cólon irritável, é a mesma coisa, não confunda. ?? DISTÚRBIOS FUNCIONAIS ?? São doenças que se caracterizam por alterações motoras, da sensibilidade e das secreções dos diferentes segmentos do canal alimentar e que podem comprometer mais de um órgão ao mesmo tempo. Como elas se originam de alterações das funções, não terão anormalidades orgânicas (estruturais ou bioquímicas), o que dificulta bastante seu diagnóstico. EPIDEMIOLOGIA É uma das síndromes de maior prevalência e mundialmente possui uma prevalência variável, ou seja, atinge homens e mulheres de qualquer faixa etária. Representa em média 30% das idas ao médico gastroenterologista, sendo a segunda causa mais frequente de não ida ao trabalho, perdendo para o resfriado. Já aqui no ocidente temos algumas características: 1. Sexo: atinge mais mulheres 2. Idade: normalmente < 45 anos !! A epidemiologia dessa síndrome é subestimada pois muitas pessoas não buscam médicos para tentar um diagnóstico concreto ou até mesmo demoram muito para o conseguir. FISIOPATOLOGIA Sua fisiopatologia ainda é fruto de muitos estudos, o que significa que ainda não é 100% esclarecida, apresentando vários fatores importantes, como: FALHA NO EIXO CÉREBRO-INTESTINO Exemplo disso é a liberação de substâncias com atividade neuroendócrina. O que ocorre é que nesses pacientes os até mesmo os menores sinais originados no intestino têm uma área que os recebe no córtex pré-frontal e hipotalâmico muito maior que em indivíduos normais. Dessa forma, a resposta eferente também que sai do SNC para o intestino segue com maior intensidade e provoca os sintomas, isso tudo de forma inconsciente. PADRÕES DE DISMOTILIDADE Dismotilidade colônica: haverá uma resposta motora exagerada a alguns estímulos como estresses, colecistocinina (CCK) e prostaglandinas, o que explica sua relação de dor com alimentos gordurosos, já que esses estimulam a CCK e nos períodos menstruais pois há aumento de prostaglandinas. Dismotilidade do intestino delgado: haverá contrações prolongadas nessa região, que podemos chamar de contrações em salvas. Essa interação vai afetar então o processo de motilidade, percepção da dor, fluxo sanguíneo e secreções, moduladas por sua inervação intrínseca e extrínseca (ramos do SNA). ENTENDA: o paciente terá uma percepção aumentada da dor e assim uma hipersensibilidade que reduz seu limiar de dor e desconforto abdominal, a maior queixa da doença e aumentará a sensação de movimentos e a audição dos ruídos hidroaéreos. NEUROTRANSMISSORES? a serotonina tem papel nas respostas da secreção, modulação do peristaltismo e funções viscerais aferentes e cerca de 80% dela vai estar no TGI e é liberado das células enterocromafins e mastócitos, a partir de estímulos mecânicos ou inflamatórios, atingindo a inervação intrínseca e extrínseca por via transepitelial. Em situações de estresse, os fatores liberadores de corticotropina e tireotrofina, produzidos no cérebro, degranulam mastócitos, promovendo o extravasamento de serotonina, o que provoca maior contração cólica. INFLAMAÇÃO Isso poderia provocar um comprometimento da função imunológica do intestino, o que levaria a um mau desempenho dos nervos que compõem esse sistema nervoso entérico. Isso possui relação direta com o fato de pacientes com SII possuírem uma maior quantidade de mastócitos da mucosa intestinal, mas o que eles fariam? esses mastócitos possuem grânulos ricos em substâncias como histamina, serotonina, prostaglandinas, proteases e citocinas que acabam modulando a atividade neural intestinal. Como estão MUITO próximos das terminações nervosas, eles agem sobre ela, gerando mudança da sensibilidade na região. MUDANÇA DA MICROBIOTA Podem ter impacto no sistema imunológico intestinal, afetando a função neuroimune da víscera. Catarina Nykiel e Crislane Nogueira - MedManas O que ocorre é que a SII é uma condição relacionada com alterações da microbiota (DISBIOSE). Assim. a microflora e a produção de gases é diferente das pessoas sem essa doença, eles possuem mudanças como: 1. Meteorismo excessivo: é o acúmulo de gases no intestino que pode gerar distensão abdominal e dor; 2. Anormalidade motora intestinal; 3. Supercrescimento bacteriano: por isso alguns pacientes têm melhora com antimicrobianos ou probióticos( Lactobacilos inibiriam a colonização de bactérias patogênicas nos enterócitos por meio do aumento de defensinas e redução da síntese de citocinas pró-inflamatórias). Esse fator é tão importante que cerca de 20% dos portadores de SII relacionam o início dos seus sintomas a um episódio prévio de gastroenterite. DISFUNÇÃO NA BARREIRA EPITELIAL Estudos demonstram que existe uma relação direta entre o SNC, o neuroendócrino e a composição da microbiota intestinal. Dessa forma, estímulos excessivos devido ao estresse mudam o perfil de bactérias intestinais e assim podem gerar uma maior vulnerabilidade para entrada de microrganismos. Isso ocorre pois a barreira quando integra mantém junções firmes dos enterócitos que os protege, mas quando há essa disfunção, facilmente haverá infecção que promove resposta inflamatória. FATORES PSICOSSOCIAIS Participa do processo fisiopatológico por meio da participação de substâncias químicas, principalmente o hormônio liberador de corticotropina. Esse hormônio age no eixo hipotálamo-hipófise-adrenal (HHA) e há aumento do hormônio adrenocorticotrófico e do cortisol, o que está relacionado a hipersensibilidade pois eles agem em neurônios entéricos e na mucosa da parede do intestino. Entendendo isso, fica claro que as experiências traumáticas e estressoras da infância podem ter relação com a formação do perfil psicológico que está interligado a esse metabolismo corporal citado que promove a hipersensibilidade. ALTERAÇÃO IMUNE É uma hipótese que vem sendo muito falada nos últimos anos e que basicamente demonstra que o sistema imunológico da mucosa seria o GATILHO para fisiopatologia inflamatória da SII. Esse processo se inicia por uma agressão a mucosa por: a. Microrganismos patogênicos: podem ser os da própria microbiota comensal ou externos. Isso explica o aparecimento de sintomas da SII em pacientes que tiveram recente diarreia aguda viral ou bacteriana - a chamada SII pós infecciosa. b. Antígenos alimentares. Esse processo seria mentido a partir de fatores genéticos também, que mesmo após o estímulo infeccioso iria permanecer permanece induzindo a liberação de citocinas pró-inflamatórias por células inflamatórias da lâmina própria e por ações neuroendócrinas liberadoras de serotonina (que vimos acima) que mantém a síntese de neuromoduladores e aumento da permeabilidade do epitélio intestinal. RESUMO EM IMAGEM DOS MECANISMOS FISIOPATOLÓGICOS: !!!! Percebam que uma hipótese se interconecta com a outra, sendo muito complicado isolar uma só como etiologia da SII. QUADRO CLÍNICO/CLASSIFICAÇÃO Normalmente o paciente irá se queixar de: 1. Dor abdominal: pode piorar ou aliviar ao defecar e ao liberar gases, sendo mais comum aliviar. É uma dor que pode não ter localização definida e ainda variar ao longo das crises. Ou seja, pode ser difusa ou concentrada na parte inferior do abdome, principalmente no quadrante inferior esquerdo. Catarina Nykiel e Crislane Nogueira - MedManas 2. Mudança do hábito intestinal - pode ser: a. Tipo diarreico: evacuações múltiplas, fragmentadas, que se iniciam já pela manhã, em geral após o desjejum, de volume fecal pequeno. A primeira pode ser consistente, mas as seguintes são amolecidas ou até líquidas. Podem contar muco sem sangue e serem precedidas de DOR. O intervalo entre uma e outra é curto e haverá urgência para defecar, podendo inclusive promover descontrole do esfíncter anal. !!! O paciente não se senteseguro de realizar tarefas até sentir que defecou todo o necessário. ATENÇÃO: isso pode se repetir após cada refeição, com fezes explosivas como se tivesse saído todo o bolo fecal de uma só vez. Por mais que essa situação seja ruim durante o dia, o paciente não costuma falar que acorda a noite com sintomas. b. Tipo constipação: marcado por evacuações difíceis, mesmo que diárias, com bolo fecal endurecido e de calibre e quantidade reduzida, ficando com tenesmo (sensação de eliminação incompleta). Acompanha dor abdominal por distensão evidente ou impressão de plenitude. c. Tipo misto: associação dos dois tipos anteriores. d. Tipo não classificado: quando não consegue-se caracterizar o paciente por conta de intestino irregular. TIPO DIARREICO > 25% de diarreia e < 25% de constipação TIPO CONSTIPAÇÃO > 25% de constipação e < 25% de diarreia TIPO MISTO > 25% de diarreia e > 25% de constipação ATENÇÃO: Como em um consultório poderemos entender melhor as características das fezes do paciente para que o possamos classificar? ESCALA FECAL DE BRISTOL. Você pode mostrá-la ao seu paciente na tentativa de entender melhor seus sintomas. 3. Gases intestinais 4. Outros: refluxo gastroesofágico, disfagia, vômitos, náuseas, saciedade precoce e dor torácica não cardíaca. 5. Extraintestinais: dispareunia (dor na relação sexual), fibromialgia, dismenorréia, disúria ou polaciúria, cefaleia crônica, hiperreatividade brônquica. AO EXAME FÍSICO: 6. Sem alterações no exame clínico geral: o paciente normalmente não terá perda de peso ou sinais de carências, a não ser que haja restrições dietéticas voluntárias ou sangramentos orificiais excessivos. 7. Timpanismo 8. Dor a palpação profunda: principalmente nos segmentos cólicos (principalmente na região do sigmóide que normalmente está repleto de fezes). 9. Toque retal: há maior sensibilidade. DIAGNÓSTICO CLÍNICO O diagnóstico da síndrome do intestino irritável NÃO é por exclusão. O que ocorre é que é uma doença que possui multifatorialidade, o que dificulta o processo. Porém, temos os critérios de ROMA IV, atualizados em 2016 e que são o padrão ouro no diagnóstico clínico da SII. CRITÉRIOS ROMA IV 1. Suspeita na história clínica: dor abdominal recorrente que ocorre mais de um dia por semana nos últimos 3 meses com início de pelo menos 6 meses antes. 2. Dor abdominal associado a pelo menos 2: a. Dor relacionada a defecação b. Mudança na frequência das fezes c. Mudança na aparência das fezes 3. Sinais de alerta descartados …………………………………………………….SINAIS DE ALARME…………………………………………………… Perda de peso importante Idade > 50 anos sem triagem precoce ou com sintomas de câncer colorretal Evidência de sangramento nas fezes (hematoquezia ou melena) Dor noturna ou tenesmo Mudanças recentes no hábito intestinal História familiar de doença inflamatória intestinal Massa abdominal ou linfonodos palpáveis Sinais de anemia ferropriva em exames laboratoriais Catarina Nykiel e Crislane Nogueira - MedManas DIAGNÓSTICO COMPLEMENTAR A investigação complementar é DESNECESSÁRIA se a hipótese tiver sido bem fundamentada nos critérios clínicos e ausência de sinais de alarme. Assim, a função dos critérios é justamente tentar separar os portadores de doenças orgânicas dos portadores de SII. Quando ainda restarem dúvidas, é necessário pensar numa pesquisa individualizada, com dosagens como: 1. Hemoglobina 2. PCR 3. Albumina 4. T4 5. TSH 6. Exame parasitológico de fezes e cultura 7. Calprotectina fecal 8. H2 no ar expirado: para testar intolerância a lactose caso haja associação com ingestão de leite e derivados 9. Anticorpos antiendomísio, frações IgA e IgG, e anti transglutaminase IgA + biópsia endoscópica do bulbo duodenal: para testar doença celíaca 10. Sobrecarga com lactulose: testar supercrescimento bacteriano DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL ● Parasitoses: é uma das primeiras coisas a se pensar, principalmente em áreas endêmicas (principalmente amebíase e giardíase). ● Infecções bacterianas gastroentéricas ● Disfunções tireoidianas ● Doenças inflamatórias intestinais: DC e RCU ● Neoplasias de cólon ● Síndrome de má absorção ● Síndromes isquêmicas: muito frequente em idosos TRATAMENTO O sucesso terapêutico desta doença vai depender diretamente de: 1. Boa relação médico paciente 2. Tempo de consulta 3. Envolvimento terapêutico. Mas, por quê? É importante que o médico escute TODAS as queixas do paciente de forma detalhada e consiga entender todos os medos e sensações relacionadas a eles. Além disso, a educação do paciente fará parte dese processo, já que muitos pacientes não compreendem o motivo de seus exames não terem nenhuma anormalidade, pensando inclusive na possibilidade de evolução para câncer. Assim, o diagnóstico deve ser explicado, a recorrência dos sintomas deve ser avisada para que dessa forma o paciente consiga lidar com eles. O paciente e família ou outros acompanhantes devem fazer parte do processo, entendendo como será feita a terapêutica e de forma que gere encorajamento. !! A solicitação excessiva de exames, bem como a repetição de exames já realizados, deve ser evitada, pois aumenta a ansiedade. Alguns outros tópicos devem ser conversados com esse paciente: ● Mudança na dieta Não existe uma dieta correta ou incorreta para esta condição, no entanto, alguns pacientes já possuem identificado alimentos ou bebidas que pioram seus sintomas e assim esses devem sofrer uma restrição de forma que não exacerbem os sintomas. !! Alguns alimentos possuem uma certa relação com a dor, podendo ser desencorajados como os componentes da sigla FODMAP: fermentable oli - gosacharides, disacharides, monosacharides and polyols. Ou seja, carboidratos refinados em geral. Isso porque eles causarão aumento no volume de água dentro do intestino delgado e são rapidamente fermentados pela microbiota, com maior produção de gás no cólon. ● Medidas comportamentais É necessário incentivar o paciente a praticar exercícios físicos, sendo eles de baixa intensidade e de preferência aeróbicos. É necessário também pensar em formas de reduzir os fatores que geram estresse nesse paciente, buscando terapias cognitivo-comportamentais, técnicas de relaxamento, biofeedback e outras formas individualizadas de melhorar a qualidade de vida do paciente e buscando evitar o tabagismo e álcool. ● Medicamentos O paciente poderá se apresentar no TIPO DIARRÉICO e no TIPO CONSTIPAÇÃO. A partir disso é que poderemos pensar em tratamento farmacológico, destinado aos períodos sintomáticos mais incômodos e ao tipo de sintoma, podendo ser suspenso quando houver remissão. Catarina Nykiel e Crislane Nogueira - MedManas - Antiespasmódicos/anticolinérgicos ou bloqueadores de canais de cálcio: usado para sensibilidade, reduzindo a dor, diarreia e também agindo como relaxante da musculatura intestinal. Pode ser utilizado: hioscina, escopolamina e brometo de pinavério. - Antidepressivos tricíclicos também são importantes miorrelaxantes, mas NÃO devem ser prescritos para a forma constipada da SII. Seu emprego pode, ainda mais, contribuir para o controle dos doentes que associam comorbidades psiquiátricas e não tenham apresentado boa resposta ao esquema clássico de antiespasmódicos e fibras. Exemplos são: amitriptilina, desipramina, nortriptilina. - Antidiarreicos: usados nos casos em que a diarreia não melhora com mudanças na alimentação. Pode-se usar loperamida (Imosec) ou difenoxilato (Lomotil). - Anticonstipantes: laxantes podem ser usados em casos severos de constipação como o polietilenoglicol 3350 (miralax), lubiprostona (Amitiza) e linaclotide (Linzess). - Antimicrobianos: podem causar meteorismo, que é uma das queixas mais incômodas dos doentes com SII. Quando há condições para confirmar o sobrecrescimento bacteriano, que em boa parte dos casos é responsável por essa associação com as alterações motoras e sensitivas intestinais → esquema com metronidazol ou ciprofloxacina por 10 dias. - Probióticos: recompõem a composição da microbiota intestinal que como dito na fisiopatologia pode ser um dos fatores que gerama doença. Eles podem agir ainda reduzindo sintomas motores e de sensibilidade visceral causada pela inflamação com novos microrganismos invasores. - Antagonistas do receptor 5-HT3: agem inibindo a serotonina e assim reduzindo a hipersensibilidade e a motilidade do tubo digestivo, sendo úteis para combater os sintomas de dor abdominal e diarreia da SII. Exemplos são ondansetron (Zofran) e alosetron (Lotronex, 1 mg 2x ao dia). Catarina Nykiel e Crislane Nogueira - MedManas
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