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33 C o n t r o le d e C o n t a m in a çã o 1 4 7 J u l h o 2 0 1 1 TENDÊNCIA É QUE O TEMA, AINDA TÃO NOVO PARA ALGUNS, SEJA INCORPORADO DE MANEIRA CADA VEZ MAIS ROTINEIRA ÀS ORGANIZAÇÕES PERTENCENTES À CADEIA PRODUTIVA DE ALIMENTOS SEGURANÇA DOS ALIMENTOS FIGURA 1 – EXEMPLO DE MATRIZ DE RISCO PARA AVALIAÇÃO DE AMEAÇAS E VULNERABILIDADES EM FOOD DEFENCE Severidade 1. Catastrófica 1 2 6 8 12 2. Crítica 3 4 7 11 15 3. Moderada 5 9 10 14 16 4. Baixa 13 17 18 19 20 Frequente A Provável B Ocasional C Raro D Improvável E Probabilidade FOOD DEFENCE – PROTEÇÃO CONTRA A CONTAMINAÇÃO INTENCIONAL Juliane Dias e Fernando Ubarana INTRODUÇÃO Considerado um complemento dos programas de segurança de alimentos (do inglês, food safety), que têm o foco na contamina- ção incidental de produtos, observa- mos na cadeia produtiva de alimentos uma preocupação cada vez maior com o chamado food defence (sem uma tradução definitiva estabelecida para o português até o momento, mas que em algumas referências encontramos referenciado como “proteção de ali- mentos” ou “defesa de alimentos”). O foco principal dos programas de food defence é a prevenção da contaminação intencional de produtos, onde indivídu- os, motivados ideologicamente ou não, deliberadamente podem contaminar produtos por agentes biológicos, quí- micos, físicos ou, ainda, radiológicos com o objetivo de causar prejuízos di- retos às organizações, governos ou à população em geral. De uma maneira mais abrangente, além da contamina- ção de produtos, o food defence pode visar ainda à proteção contra outras formas de agressão à empresa, como danos à propriedade, à marca ou a seus colaboradores. Tal preocupação, proveniente inicialmente de mercados mais susceptíveis a ameaças de fundo ideológico, como Estados Unidos e Reino Unido, acabou se difundindo ao redor do mundo, inicialmente através dos requisitos corporativos de grandes grupos multinacionais na cadeia de alimentos provenientes destes países e posteriormente atra- vés de normas certificáveis interna- cionais como o Global Standard for Food Safety do BRC (associação de varejistas britânicos) e a certificação FSSC 22000 (conjunção da Norma ISO 22000:2005 com a especifi- cação técnica PAS220:2008, sobre BPF, que traz uma seção inteira- mente dedicada ao tema da prote- ção de alimentos), forçando as or- ganizações da cadeia de alimentos a adequarem os seus programas de pré-requisitos de maneira a inserir medidas preventivas e de controle relacionados a food defence. Como principais referências para estabelecer estes programas temos, dos Estados Unidos, o chamado Bio- terrorism Act (ou, de maneira mais completa, o Public Health Security and Bioterrorism Preparedness and Response Act) de 12 de junho de 2002, que em seu título III, estabe- lece controles específicos a serem adotados concernentes à proteção do fornecimento de alimentos. Do Reino Unido, temos uma referência importante e bastante difundida que é a especificação técnica PAS96, que se encontra na versão de março de 2010 e que fornece um guia para a implementação de um programa de food defence. Apesar dos requi- sitos do PAS 96 não serem prescri- tivos, acabam sendo uma referência importante para as organizações. Seja qual for a referência, um dos grandes enfoques que rege tais pro- gramas é o chamado princípio da proporcionalidade. Este estabele- ce que a organização deve realizar 34 C o n t r o le d e C o n t a m in a çã o 1 4 7 J u l h o 2 0 1 1 SEGURANÇA DOS ALIMENTOS Tabela 1 AMEAÇA OU VULNERABILIDADE MEDIDAS DE CONTROLE Sabotagem de materiais recebidos Pré-inspeção e inspeção de recebimento, lacração de veículo, programas de ava- liação e seleção de fornecedores, controle de qualidade e quantidade de materiais recebidos, encaminhamento rápida dos materiais para o armazenamento final. Embarque de produtos acabados Inspeção de condições do veículo, verificação de documentação do motorista e veí- culo, inspeção de condição da carga embarcada, controle de pessoas estranhas no local do embarque, lacração, rastreamento de carga. Portas externas Sistemas de fechamento e controle de acesso, redução de número de portas de acesso, reduzindo-se ao essencial. Utilização de produtos químicos Inventário diário, acesso somente a pessoas autorizadas e treinadas, identificação adequada, eliminação da presença de produtos químicos sem utilidade. Equipamentos Proteção de equipamentos já limpos e fora de uso que podem ser fonte ataques potenciais. Armazenamento de utensílios higienizados em local fechado, inspeção prévia ao uso. Laboratórios Acesso restrito, sistemas de controle de acesso, inventário diário de reagentes, circui- to fechado de televisão. Áreas de dosagem. mistura, adição e armazenamento de ingredientes Restrição de acesso a funcionários específicos, circuito fechado de televisão, registros de controle de processo, rastreabilidade de ingredientes, sistemas de controle de acesso, controle de visitantes, funcionários treinados para avaliar integridade de embalagens, estabelecimento de rotinas sistemáticas de manipulação, não permitir que nestas área aconteça descanso ou encontro de pessoas. Armazenamento granel (matérias- primas, produto acabado e utilidades) Sistemas de fechamento / lacração, localização no perímetro das instalações, ronda, restrição de acesso a escadas, circuito fechado de televisão. Armazenamento de produto Inspeção de produtos, procedimentos para tratamento de produtos danificados ou adulterados, controles de acesso, sistema de notificação de pessoas estranhas, inventário. Áreas de Embalagem Restrição de acesso a funcionários específicos, circuito fechado de televisão, registros de controle de processo, controle de qualidade de produtos, sistemas de controle de acesso, controle visitantes Uniformes e vestiários de pessoal Controle de distribuição de uniformes, inspeção de armários de funcionários, lavan- derias próprias controladas. Funcionários insatisfeitos ou com intenções pré-definidas Políticas de contratação, avaliação de antecedentes criminais, avaliação de clima organizacional, canais de comunicação de atividades suspeitas. Acesso à planta e áreas externas Perímetro cercado/murado, inspeção de veículos, identificação e controle de visitan- tes, políticas de acompanhamento de visitantes, redução do número de pontos de acesso, circuito fechado de televisão, sistema de ronda. uma análise de riscos em seus pro- cessos, instalações, materiais e áreas e identificar as potenciais ameaças e vulnerabilidades relacionadas a uma contaminação de produtos. De acordo com este princípio, não se pode afirmar que o mesmo tipo de controle preventivo deve ser sempre aplicado da mesma maneira em to- das organizações. Ao se aplicar tais controles, deve-se considerar ques- tões locais como legislação, aspec- tos culturais, o tipo e complexidade das instalações, o risco envolvido e a própria relação custo-benefício da implementação destes controles. Por exemplo, não se pode afirmar que parte dos requisitos de food defence deve incluir sempre medi- das de revista de pessoal na entrada da planta, pois isso pode esbarrar em questões legais em determina- dos locais ou sistemas de controle de acesso eletrônico em todos os casos, pois pode ser que dada à re- lação custo-benefício associada ao baixo risco, poderia ser alcançada através outros sistemas de controle de acesso menos dispendiosos. Ou seja, devemos sempre aplicar me- didas de controle proporcionais ao risco envolvido, sempre conside- rando as particularidades locais de cada negócio e mercado. AVALIANDO O RISCO Deve-se sempre levar em conta que diversos agentes potenciais po- dem estar por trás dessas ameaças, incluindo terroristas, ativistas, cri- 35 C o n t r o le d e C o n t a m in a çã o 1 4 7 J u l h o 2 0 1 1 SEGURANÇA DOS ALIMENTOS minosos ou mesmo funcionários in- satisfeitos.Isto nos leva à conclusão que a preocupação em proteger aos alimentos contra ataques intencio- nais não é uma preocupação somen- te para países que tradicionalmente são alvos de ameaças bioterroristas, mas também de outros grandes cen- tros produtores de alimentos, como é o caso do Brasil. Uma das caracte- rísticas deste tipo de ameaça é a im- previsibilidade, dificultando as ava- liações tradicionais de risco baseadas em probabilidade e severidade. Em função disto, e somando-se também o fato de que as ameaças e vulnerabili- dades não estão somente no processo produtivo em si, mas também em ou- tras áreas e atividades da organização, recomenda-se utilizar ferramentas dis- tintas do APPCC (sistema de Análise de Perigos e Pontos Críticos de Contro- le), que normalmente é desenhado para lidar com perigos mais “previsíveis” e cujo risco pode mais claramente ser ge- renciado. Ferramentas específicas para esta análise de riscos, como o sistema CARVER+SHOCK, desenvolvido con- juntamente pelo FDA (Food and Drug Administration) e pelo USDA (United States Department of Agriculture) e outras formas de avaliação de amea- ças e vulnerabilidade (TVA- Threath and Vulnerability Assesment) são mais indicadas para este fim. O sistema CARVER+SHOCK foi desenvolvi- do a partir de técnicas provenientes do Departamento de Defesa Ame- ricano em que diversos fatores (que constituem a sigla CARVER) são utilizados, incluindo: C - Critically – avaliado com base na medida de impactos do ataque (Ex. impactos à saúde) A = Acessibility – avaliado com base na facilidade de acesso físico ao alvo R = Recuperability – habilidade do sistema de se recuperar do ataque V = Vulnerability – vulnerabilida- des existentes E = Effect – estimativa de perdas di- Nível 1 Cerca externa Nível 3 Controle de acessos gerais Nível 4 Acesso às áreas críticas. Nível 2 Serviços de guarda FIGURA 2 - MODELO TEÓRICO DE SISTEMA DE CÍRCULOS CONCÊNTRICOS DE SEGURANÇA retas provenientes do ataque R = Recognizability – facilidade de identificar os alvos O fator SHOCK é avaliado com base em uma combinação dos im- pactos à saúde, econômicos e psico- lógicos de um potencial ataque. Além do CARVER, outras fer- ramentas de análise de risco podem ser utilizadas. Na figura 1 podemos ver um exemplo de matriz de risco focado à análise de ameaças e vul- nerabilidades A exemplo do sistema APPCC, é importante que o programa de food defence seja planejado, implemen- tado e verificado por uma equipe multidisciplinar. Como algumas das medidas de controle a serem adotadas são bastante estratégicas e podem envolver aspectos distin- tos da organização, recomenda-se a participação de áreas diversas como gerência de produção, representante da área de recursos humanos, repre- sentantes de setores administrativos e de segurança patrimonial (pre- ferencialmente níveis gerenciais), representantes dos empregados e representantes dos sistemas de ges- tão integrados, como Segurança de Alimentos, Qualidade, Saúde e Se- gurança e Meio Ambiente (para que se possa sempre avaliar a interface com os mesmos). É importante que seja designado pela alta dire- ção um coordenador para admi- nistrar os trabalhos da equipe, e a mesma deve contar a todo o mo- mento com a consultoria externa de empresas especializadas em segurança patrimonial. ESTABELECENDO AS MEDIDAS DE CONTROLE A partir da avaliação riscos realiza- da, deve-se estabelecer as medidas de controle, que normalmente estarão relacionadas a requisitos preventi- vos para: - edificação e instalações; - controles de acesso; - armazenamento e transporte; - segurança de pessoal e recursos humanos; - relação com fornecedores; - segurança da Informação. Quanto à edificações e instala- ções, um dos fatores importantes a serem considerados é a implementa- ção de um sistema de círculos concêntri- cos de segurança conforme figura 2. Neste sistema, alguns aspectos importantes as serem considerados para instalações são: localização, al- tura, tipo e instalação de cercas e por- tões, segurança de estacionamento de 36 C o n t r o le d e C o n t a m in a çã o 1 4 7 J u l h o 2 0 1 1 SEGURANÇA DOS ALIMENTOS empregados e visitantes, requisitos para portarias, iluminação externa e interna, considerações quanto à necessidade de Circuito Fechado de Televisão (CFTV), com definição feita por especialista quanto tipos e localização de câmeras e sistemas de registro, sistemas de de- tecção de intrusos, serviços de guarda, proteção do sistema de abastecimento de água, controles de acesso a telhados e controle de portas externas. Quanto aos controles de acesso, uma especial consideração deve ser feita ao já mencionado princípio da proporcio- nalidade, para que se avalie claramente a relação custo-benefício do sistema a ser adotado, que pode incluir desde o simples uso de chaves (neste caso é im- portante se pensar em todos os controles a serem adotados para chaves como in- ventário, regras para guarde e proibição de duplicação) até o uso de modernos, e muitas vezes dispendiosos, sistemas de leitura biométrica (retina, íris, digitais, etc.), passando por sistemas interme- diários mais acessíveis como cartões e códigos de acesso. O tipo de controle a ser adotado dependerá muito da critici- dade e vulnerabilidade da área. Os processos de armazenamento e transporte são particularmente sen- síveis a vulnerabilidades e devem ser considerados com atenção em um programa de food defence. Controles importantes a serem considerados in- cluem: motoristas (controle de acesso, regras e locais específicos), materiais recebidos (lacres, identificação e quan- tidades de acordo com documentação, sinais de adulteração de embalagens, desvios de temperatura – intencionais ou não. Aqui mercadorias a mais com relação ao pedido, podem não ser um bom sinal...), estocagem de produtos (quantidades, adulterações de embala- gens, temperaturas, presença de pes- soas ou materiais estranhos), controles de acesso a estoques granel, sistemas de amônia (avaliação de sinais de van- dalismo), armazenamento de produtos químicos (controle do acesso e uso, inventários, eliminação de produtos químicos desnecessários) e avaliação de condições de veículos (condições de conservação, materiais estranhos, odo- res, lacres). Quanto ao pessoal, pode-se ado- tar diversas medidas preventivas, que podem começar por avaliações de clima organizacional, onde pode-se detectar a tendência de existência de funcionários insatisfeitos, avaliação de comportamentos agressivos no tra- balho, controles de uniformes para se evitar o uso dos mesmos por terceiros ou pessoas mal intencionadas, políti- ca de inspeção periódica de armários e vestiários e políticas de contratação. Qualquer requisito adotado com re- lação ao pessoal deve ser cuidadosa- mente avaliado e validado pelas áreas de recursos humanos e jurídica da or- ganização, de maneira a não se contra- riar quaisquer requisitos estatutários ou regulamentares vigentes. Como outra fonte potencial de con- taminações propositais de produtos po- dem ser as próprias matérias-primas e materiais de contato com produto, uma especial atenção deve ser dada também aos fornecedores. É recomendado que, seguindo-se o princípio da proporcio- nalidade, não se imponha requisitos demasiadamente prescritivos de food defense para fornecedores. No entanto, alguns requisitos específicos podem ser adotados em alguns temas como trans- porte, lacração, identificação, rastrea- bilidade e outros pertinentes. Canais claros de comunicação com os forne- cedores sobre os requisitos devem ser mantidos, assim como uma postura po- sitiva e cooperativa junto aos mesmos com relação ao tema. É importante que eventuais auditorias não imponham regras muito específicas para as insta- lações do fornecedor. Deve-se procurar estimular a implementação da avalia- ção de ameaças e vulnerabilidades e de medidas de controle proporcionais.Ainda quanto a fornecedores deve ser dada especial atenção a terceiros que operam dentro da organização incluin- do controles de acesso, identificação e orientações gerais. A tabela 1 fornece alguns exemplos de ameaças e vulnerabilidades típicas e respectivas medidas de controle Adicionalmente o programa de food defence deve ser apoiado por outros programas existentes em segurança de alimentos, como rastreabilidade e recall e gestão de crises e resposta a emergências. CONSIDERAÇÕES FINAIS Estes são apenas alguns dos prin- cipais aspectos relacionados a um programa de food defence que, por ser um tema relativamente novo, ainda deverá passar por diversas revisões e atualizações, seja através de normas internacionais certifi- cáveis, seja através dos requisitos especificados pelas corporações. A tendência é que o tema, ainda tão novo para alguns, seja incorporado de maneira cada vez mais rotineira às organizações pertencentes à ca- deia produtiva de alimentos. Para as empresas brasileiras, o assunto é ainda mais recente e aparentemente distante de nossa realidade, porém as adequações serão cada vez mais exigidas para o mercado, conside- rando nosso papel como importante exportador e eventos internacionais que serão sediados neste país. Juliane Dias Diretora técnica, Flavor Food juliane@flavorfood.com.br Fernando Ubarana Auditor líder. SGS fnu@assyste.com.br REFERÊNCIAS -Brackett, PhD and Carson, Louis. Food Safety and Security: Operational Risk Management Systems Approach, FDA, November 29, 2001, http://www.fda.gov -CARVER Plus Shock Method for Food Sector Vulnerabilty Assesments. National Grain & Feed Association www.ngfa.org -PAS 96, Defending food and drink. Guidance for the deterrence, detection and defeat of ideologically motivated and other forms of malicious attack on food and drink and their supply arrangements
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