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Júlia Figueirêdo – DOR ABDOMINAL, DIARREIA, VÔMITO E ICTERÍCIA PROBLEMA 4: ABDOME AGUDO: O abdome agudo pode ser definido como uma síndrome clínica marcada por dor aguda e súbita (início máximo há uma semana) na região do abdome, capaz de direcionar o indivíduo imediatamente ao atendimento médico. O tratamento para a etiologia desse quadro, clínico ou cirúrgico, deve ser empregado em caráter de urgência ou emergência. Dada a alta incidência, a possibilidade de complicações graves e o possível risco de vida, o diagnóstico dessas condições deve ser rápido e preciso, contando com achados clínicos (mais importantes), exames laboratoriais e de imagem. Principais etiologias associadas ao abdome agudo por faixa etária ETIOLOGIA E MANIFESTAÇÕES GERAIS : A etiopatogenia do abdome agudo é bastante ampla, o que faz com que seja classificado em cinco grupos distintos, a saber: Abdome agudo inflamatório: é a causa mais comum desse quadro, que abrange apendicite aguda, colecistite, pancreatite, diverticulite e outras disfunções causadas por inflamação, seja na cavidade abdominal (peritonite) ou em órgãos específicos. Anatomia topográfica das etiologias mais comuns de abdome agudo inflamatório A dor apresenta início insidioso, podendo tanto ser decorrente de um quadro agudo como da agudização de condições crônicas. Quadro clínico associado à dor no abdome agudo inflamatório Abdome agudo perfurativo: marcado por perfurações intestinais, como em úlceras ou diverticulite, é a segunda etiologia mais frequente para essa síndrome. Nesse quadro a dor surge de forma súbita e intensa, se espalhando de modo difuso por todo o abdome (piora evidente com o movimento). Há irritação peritoneal quando ocorre extravasamento de vísceras. Inicialmente, o quadro apresenta origem numa inflamação química (decorrente da ação de enzimas ou citocinas), podendo ser agravada com invasões bacterianas. Sintomatologia associada a causas perfurativas Júlia Figueirêdo – DOR ABDOMINAL, DIARREIA, VÔMITO E ICTERÍCIA Abdome agudo vascular: resultante de obstrução arterial ou venosa súbita das mesentéricas superior ou inferior (ex.: isquemia). Nesses casos a dor é difusa e mal definida, podendo ser mais arrastada na presença de manutenção parcial do fluxo sanguíneo; Quadro clínico geral de abdome agudo vascular Abdome agudo hemorrágico: tem origem em traumas (normalmente ao baço, fígado ou intestinos) ou causas ginecológicas, como gravidez ectópica tora. A dor é intensa e o abdome mostra-se rígido, acompanhado por sinais de hipovolemia e possível comprometimento neurológico. Manifestações clínicas típicas de abdome agudo hemorrágico Abdome agudo obstrutivo: terceira principal causa dessa síndrome, promove oclusão (mecânica ou funcional) do lúmen intestinal, normalmente associada a corpos estranhos, tumorações, aderências intestinais ou bridas. O quadro apresenta dor evolutiva em cólica, normalmente na região periumbilical. Sintomas comuns também são parada na eliminação de fezes e flatos, náuseas, distensão abdominal e vômitos. Quadro clínico típico associado à dor em quadros obstrutivos É necessário salientar que esses quadros podem ser causados por qualquer distúrbio que afete órgãos e estruturas abdominais, podendo contar com manifestações gastrintestinais, urológicas, ginecológicas e associadas ao peritônio. Principais diagnósticos etiológicos para as variações do abdome agudo Traumas também são causas importantes dessa condição, seja por ruptura do baço (hemorragia) ou lacerações intestinais (perfuração). Algumas condições podem mimetizar quadros de abdome agudo, com diversas origens sistêmicas. São observadas como etiologias afecções pleuropulmonares (pneumonia de bases), cardíacas (IAM, angina), geniturinárias (pielonefrite), e gastrintestinais (febre tifoide ou gastroenterocolite). Júlia Figueirêdo – DOR ABDOMINAL, DIARREIA, VÔMITO E ICTERÍCIA Manifestações sistêmicas capazes de simular abdome aguda DIAGNÓSTICO SÍNDRÔMICO DO ABDOME AGUDO: A avaliação do paciente com suspeita de abdome agudo deve ser detalhada desde a anamnese, tendo como objetivo a adequada avaliação da dor, bem como a organização de antecedentes patológicos pessoais que possam contribuir para o surgimento do quadro (ex.: cirurgias, doenças abdominais prévias, doenças sistêmicas, antecedentes ginecológicos e uso de medicamentos). Durante a avaliação inicial, é necessário atentar-se a anorexia, náuseas ou vômitos, micção, atividade intestinal, histórico menstrual (ou gravidez), e ao uso de drogas. O início da inflamação das vísceras é marcado pela dor aguda referida, que, conforme a evolução para peritonite, promove o desenvolvimento de defesa muscular involuntária e elevada reatividade a estímulos, favorecendo uma melhor localização do quadro. Evolução do quadro inflamatório no abdome agudo, migrando de órgãos isolados para o peritônio parietal Ao exame físico, todo o abdome deve ser submetido a palpação, processo que identifica o(s) sítio(s) mais dolorosos ou define a dor como difusa. Essa etapa também pode detectar a presença de massas tumorais ou de distensão abdominal, consolidando hipóteses diagnósticas mais específicas. A palpação superficial leva a identificação de áreas álgicas e possíveis defeitos de parede do abdome (herniações). A palpação profunda, por sua vez, permite estimar as dimensões dos órgãos, avalia o conteúdo das alças intestinais e atestar sinais de irritação do peritônio parietal. Além desse artifício, a percussão da área dolorosa (busca por macicez ou timpanismo), a inspeção da estrutura do abdome e de seus movimentos, e a ausculta de ruídos hidroaéreos são instrumentos de fundamental importância para definir adequadamente o tipo de abdome agudo observado. ATENÇÃO: a avaliação Semiotécnica do abdome deve seguir a ordem inspeção, ausculta, palpação e percussão respectivamente. Júlia Figueirêdo – DOR ABDOMINAL, DIARREIA, VÔMITO E ICTERÍCIA A localização topográfica da dor pode auxiliar a determinar sua etologia, favorecendo a consolidação de um diagnóstico mais preciso A execução de sinais semiológicos pode apresentar grande utilidade para o rastreamento etiológico do abdome agudo. Assim, as principais manobras realizadas são: Sinal de Blumberg: presença de dor a compressão com piora à descompressão do ponto de McBurney, na fossa ilíaca direita, associada a quadros de apendicite aguda e peritonite; Sinal de descompressão brusca: dor à descompressão brusca de qualquer segmento do abdome indica peritonite local; Sinal de Giordano: dor à punho percussão lombar (dir. ou esq.), sugestiva de inflamações renais; Sinal de Jobert: timpanismo na percussão hepática, que indica pneumoperitônio;a Sinal de Murphy: presença de dor à palpação da borda inferior do fígado durante inspiração forçada, marcador sugestivo para colecistite aguda; Sinal do Psoas: incômodo no quadrante inferior direito do abdome após a elevação da coxa direita contra resistência. Pode indicar apendicite, pielonefrite ou abcessos locais; Sinal do obturador: possui boa especificidade para apendicite aguda, com presença de dor após rotação interna passiva da coxa direita em flexão; Júlia Figueirêdo – DOR ABDOMINAL, DIARREIA, VÔMITO E ICTERÍCIA Sinal de Rovsing: corresponde à compressão da fossa ilíaca esquerda com dor contralateral, indício de apendicite aguda; Sinal de Torres-Homem: é sugestivo de abcessos hepáticos, observado quando há dor na percussão do fígado. Esses sinais podem ser menos evidentes em pacientes obesos, idosos, pacientes graves ou que estejam em terapiacom corticoides. Após essa avaliação inicial, alguns exames complementares, laboratoriais e de imagem, podem ser solicitados de forma a confirmar a hipótese diagnóstica inicial. Esses recursos, no entanto, devem ser utilizados com moderação, prezando pela agilidade no atendimento. Toda interpretação deverá ser correlacionada aos achados clínicos do paciente. Dentre as análises laboratoriais inicialmente realizadas, destacam-se: Hemograma: identifica a ocorrência e as características de anemia, que pode indicar a necessidade de transfusão de sangue, e a presença de alterações leucocitárias, comuns em infecções por bactérias (↑) ou em infecções graves (↓); Sumário de urina: esse exame ajuda a caracterizar distúrbios de origem urológica ou renal, que podem excluir outras origens para o abdome agudo (litíase, cistite ou trauma). No entanto, a leucocitúria também pode indicar infecção de vísceras adjacentes aos ureteres (ex.: apendicite); Dosagem de enzimas pancreáticas: a amilasemia deve ser solicitada a todo paciente com dor abdominal aguda que apresente antecedentes de etilismo, sendo que, na pancreatite aguda (ou agudizada), seus valores se elevam desde o início da inflamação, perdurando por 2 a 5 dias antes de declinar. A lipasemia, ao contrário, tende a aumentar com o avanço do quadro, retornando aos parâmetros normais mais adiante. O aumento da amilase pancreática pode tanto estar associado à gravidade da pancreatite como também pode ser marcador de outras condições, como IAM, cetoacidose diabética, obstrução intestinal, gravidez ectópica rota e na trombose mesentérica. Proteína C-reativa: é a prova de atividade inflamatória preferível para a avaliação do abdome agudo, usada para diagnosticar e controlar a evolução de quadros de infecção ou inflamação; Teste de função hepática: a avaliação de aminotransferases pode confirmar ou refutar a hipótese de lesões hepatocelulares; Dosagem de HCG: realizada por meio de coleta de soro e/ou urina, tem como objetivo descartar hipóteses de gravidez ectópica. Júlia Figueirêdo – DOR ABDOMINAL, DIARREIA, VÔMITO E ICTERÍCIA No que tange aos exames de imagem, por sua vez, sua realização adequada pode fornecer diversas informações para a confirmação da etiologia do abdome agudo. Os métodos mais empregados são: Radiografia simples do abdome: é amplamente solicitado por ser um exame de execução simples e acessível, capaz de subsidiar o diagnóstico de qualquer forma de abdome agudo. Deve sempre ser realizado com o paciente em duas posições, supina e em posição ortostática. Os achados mais relevantes, no entanto, se direcionam às manifestações inflamatória (tumores inflamados), perfurativa (pneumoperitônio) e obstrutiva (distensão de alças e íleo paralítico). Radiografia com distensão de alça intestinal resultante de trombose mesentérica (abdome agudo isquêmico) A presença de corpos estranhos, edemas, dilatações ou níveis líquidos hidroaéreos também deve ser investigada. o Radiografia abdominal com contraste: sua utilização é mais específica, principalmente quando há suspeita de obstrução intestinal ou volvos, podendo ser empregados o enema opaco ou o trânsito intestinal. Ultrassonografia: permite a disponibilização rápida de imagens (inclusive à beira-leito [FAST]), processo imprescindível para diagnosticar o abdome agudo, principalmente em gestantes. Há precisão para o diagnóstico de certeza de etiologias ginecológicas, permitindo também direcionar a confirmação de causas inflamatórias específicas (ex.:apendicite, colecistite, etc.). Apendicite aguda evidenciada em USG (paredes edemaciadas apontadas pela seta azul) O principal fator que interfere na qualidade da imagem, para além da experiência do operador, é a distensão abdominal por gases. Arteriografia: pouco usada após a popularização da tomografia, é indicada para análise de isquemia intestinal; Tomografia computadorizada: representa o exame principal para o diagnóstico e monitoramento da pancreatite aguda e de etiologias vasculares do abdome agudo, podendo também fornece informações sobre coleções de líquido nessa cavidade. Sua realização deve ser feita, preferencialmente, com a administração de contraste. Pancreatite aguda (setas) em tomografia Júlia Figueirêdo – DOR ABDOMINAL, DIARREIA, VÔMITO E ICTERÍCIA Quadros inflamatórios, neoplásicos, hemorrágicos e vasculares também podem ser detectados. Algoritmo de conduta diagnóstica e terapêutica no abdome agudo TRATAMENTO GERAL DO ABDOME AGUDO: Em linhas gerais, o tratamento preferencial do abdome agudo é cirúrgico, requerendo boa exposição de toda a cavidade peritoneal, de forma a identificar vísceras e vasos acometidos. O tratamento do abdome agudo inflamatório tem como objetivo controlar a infecção de base e diminuir o risco de contaminação de outras estruturas a partir da remoção da víscera acometida. A antibioticoterapia de amplo espectro pode ser indicada a depender do quadro clinico do paciente, de forma a não impactar no prognóstico individual. Ressalta-se que, frente a diagnóstico e tratamento retardados, há risco potencial de óbito ou de complicações graves. O manejo do abdome agudo perfurativo irá depender de sua etiologia e do local perfurado, da contaminação da área e do estado geral do paciente. Normalmente, a técnica escolhida é a sutura simples da perfuração, seguida pela lavagem intensiva da cavidade abdominal e de drenagem. Caso o local afetado seja altamente contaminado ou pouco viável para anastomose, recomenda-se a exérese do segmento, com realização de ostomias. No abdome agudo isquêmico, por sua vez, a escolha da técnica de controle hemostático irá depender da extensão da área comprometida. Como é um quadro de diagnóstico precoce difícil, normalmente já há necrose de vários segmentos intestinais, seja ela total ou parcial, sendo necessária a ressecção. Uma possibilidade terapêutica em alças viáveis é a desobstrução por cateter ou a revascularização local. Em decorrência da gravidade do quadro de abdome agudo hemorrágico, seu tratamento é imediato ao diagnóstico, que normalmente ocorre na vigência de choque hipovolêmico. A conduta contempla anastomoses primárias, exérese de segmentos intestinais ou a realização de ostomias. Quando há ruptura de baço ou fígado hemodinamicamente estável, o tratamento pode ser conservador, porem o paciente sempre deve ser hospitalizado para monitorização. Júlia Figueirêdo – DOR ABDOMINAL, DIARREIA, VÔMITO E ICTERÍCIA Algoritmo para investigação e manejo preferencial das apresentações de abdome agudo APENDICITE AGUDA: A *PÁG. 217-222 CLÍNICA MÉDICA USP E PÁG. 922-930 TRATADO GASTRO*
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