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01 - GIORDANI, Mário - Iniciação ao Direito Romano (Trechos)

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MÁRIO CURTIS GIORDANI 
Titular de Direito Romano da Faculdade de Direito Candido Mendes, 
Rio de Janeiro 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
INICIAÇÃO 
AO 
DIREITO ROMANO 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
3ª EDIÇÃO 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
EDITORA LUMEN JURIS 
 
 
SUMÁRIO 
 
CAPÍTULO I 
NOÇÃO DE DIREITO ROMANO. INFLUÊNCIAS RECEBIDAS 1 
NOÇÃO DE DIREITO ROMANO 1 
A LONGA VIGÊNCIA DO DIREITO ROMANO 1 
HISTÓRIA INTERNA E HISTÓRIA EXTERNA 2 
INFLUÊNCIAS NA EVOLUÇÃO DO DIREITO ROMANO 3 
INFLUÊNCIAS ORIENTAIS 3 
INFLUÊNCIAS DA CIVILIZAÇÃO GREGA 6 
INFLUÊNCIAS DO CRISTIANISMO 11 
CAPÍTULO II 
ALGUNS TRAÇOS CARACTERÍSTICOS DO DIREITO ROMANO 17 
FRUTO DE UM TRABALHO SÉRIO DE JURISTAS E PRETORES 17 
FALTA DE UNIDADE. TRADICIONALISMO 17 
REALISMO 18 
CASUÍSMO 19 
INDIVIDUALISMO? 19 
DESIGUALDADE 20 
OUTRAS CARACTERÍSTICAS 21 
CAPÍTULO III 
UTILIDADE DO ESTUDO DO DIREITO ROMANO 22 
UTILIDADE DE ORDEM CULTURAL 22 
UTILIDADE DE ORDEM PRÁTICA 26 
CAPÍTULO IV 
DISCIPLINAS AUXILIARES 28 
LATIM 28 
HISTÓRIA DE ROMA 29 
EPIGRAFIA 30 
PAPIROLOGIA 33 
CAPÍTULO V 
ALGUMAS NOÇÕES ELEMENTARES 37 
O VOCÁBULO JUS 37 
JURISPRUDENTIA 38 
DEFINIÇÃO DE DIREITO 39 
AEQUITAS 39 
JUS E FAS 40 
MORAL E DIREITO 41 
DIVISÕES DO DIREITO 43 
Jus scriptum e Jus non scriptum 43 
Jus Civile 44 
Jus honorarium 45 
Jus Constitutionum 48 
Jus Gentium 49 
Jus Naturale 52 
Jus Singulare e Jus Communae 55 
Jus publicum e Jus privatum 56 
CAPÍTULO VI 
FATOS E ATOS JURÍDICOS 59 
NOÇÕES GERAIS 59 
NEGÓCIO JURÍDICO 59 
REQUISITOS GERAIS DO NEGÓCIO JURÍDICO 61 
Vicios da vontade 62 
Coação (Vis, metus) 65 
ELEMENTOS ACIDENTAIS DO NEGÓCIO JURÍDICO 65 
REPRESENTAÇÃO 69 
CAPÍTULO VII 
ESTRUTURA POLÍTICA 73 
REALEZA 73 
Rei 74 
Senado 74 
Comicios Curiatos 75 
REPÚBLICA 75 
Magistraturas 76 
Imperium 76 
Magistrados cum imperio 78 
Magistrados sine imperio 79 
Edilidade 79 
Questura 80 
Tribunato da plebe 80 
O Senado 81 
Os Comicios 82 
Comicios curiatos 82 
Comicios centuriatos 82 
Comicios tributos 84 
PRINCIPADO 85 
Poderes de Otávio 85 
Dominato 88 
AS PROVÍNCIAS 89 
As provincias na República 90 
As Províncias no Império 90 
RELAÇÕES INTERNACIONAIS 91 
CAPÍTULO VIII 
FONTES DO DIREITO ROMANO 94 
NOÇÃO DE FONTE 94 
ORIGENS 96 
Costume 96 
ANTIGO DIREITO 97 
Lei das XII Tábuas 97 
Legislação posterior à Lei das XII Tábuas 99 
PERÍODO CLÁSSICO 99 
Leis 99 
Costume 103 
Editos dos Magistrados 104 
Responsa Prudentium 106 
Senatusconsultos 110 
Constituições Imperiais 111 
PERÍODO DO BAIXO IMPÉRIO OU BIZANTINO 113 
Leges antes de Justiniano 113 
A jurisprudência no periodo pós-clássico 114 
A lei das citações 115 
Compilações de Justiniano 116 
O 1º Código 117 
O Digesto (Pandectas) 117 
As Institutas 119 
O segundo Código 119 
Novelas 120 
Antinomias 120 
CAPÍTULO IX 
INTERPRETATIO 121 
NOÇÕES GERAIS 121 
A INTERPRETAÇÃO NO DIREITO ROMANO 124 
BIBLIOGRAFIA 134 
NOTAS 139 
 
 
Capítulo I 
NOÇÃO DE DIREITO ROMANO. 
INFLUÊNCIAS RECEBIDAS 
 
NOÇÃO DE DIREITO ROMANO 
 
Podemos definir o Direito Romano como o “conjunto de normas jurídicas que regeram o 
povo romano nas várias épocas de sua História, desde as origens de Roma até a morte de 
Justiniano, imperador do Oriente, em 565 da era cristã”1. 
Estudando a História da Educação em Roma, o historiador Marrou sublinha que, no 
campo do ensino jurídico, cessa o paralelismo entre as escolas gregas e latinas : “Abandonando 
aos gregos a filosofia e (ao menos por muito tempo) a medicina, os romanos criaram com suas 
escolas de direito um tipo de ensino superior original.” Esta originalidade provém 
evidentemente do objeto desse ensino: o direito romano que, como acentua, ainda, Marrou, 
representa “o aparecimento de uma forma nova de cultura, de um tipo de espírito que o mundo 
grego não havia de modo algum pressentido”2. 
É comum salientar-se que, enquanto a Grécia antiga notabilizou-se, entre outras 
características, pela vocação especulativa, cultora da idolatria da razão, que deu ao mundo 
ocidental a Filosofia, Roma, impregnada de um senso prático, criou um admirável ordenamento 
jurídico da sociedade, que reflete tão bem os traços marcantes do gênio romano: a gravitas 
(senso de responsabilidade), a pietas (expressão da obediência à autoridade tanto divina como 
humana) e a simplicitas (a qualidade do homem que vê claramente as coisas e as vê tais como 
são). Kaser atribui aos dotes do povo romano a magnitude e a importância do Direito Romano 
privado: “A magnitude do Direito Romano privado e sua importante missão histórica devem-se 
aos dotes do povo de Roma para o Direito, à sua constante atenção para com as realidades vitais 
e a um sentimento jurídico educado, depurado com o transcurso do tempo.3“ Compreende-se a 
magnitude dessa criação original ao gênio romano quando se considera que o Direito Romano 
chegou a ser, na palavra de Jhering, “como o cristianismo, um elemento de civilização 
moderna”4. 
 
A LONGA VIGÊNCIA DO DIREITO ROMANO 
 
As origens, a evolução e, finalmente, a reinterpretação e atualização do Direito Romano 
nas compilações justinianas no século VI P. C. abrangem um multissecular espaço de tempo em 
que os institutos jurídicos surgiram, desenvolveram-se e sofreram modificações, algumas tão 
profundas que os tornaram quase irreconhecíveis ou simplesmente extinguiram-nos. 
Compreende-se, assim, que o Direito Romano não ofereça em seu conjunto uma unidade 
monolítica. Como anota Margadant, frases como: “no Direito Romano encontramos a seguinte 
regra... “ sugerem falsamente uma unidade que não existe5. A diversidade do Direito Romano 
encontra fácil explicação em numerosos fatores que, através do tempo, influíram direta ou 
 1
indiretamente na estrutura dos institutos jurídicos. Essa vasta gama de fatores inclui desde os 
acontecimentos políticos, econômicos, sociais, religiosos que assinalaram as diferentes fases da 
História de Roma até a intensa atuação dos jurisconsultos das mais diferentes épocas, o profícuo 
trabalho dos pretores e as normas jurídicas emanadas de fontes tão diversas como os Comícios, 
o Senado e o Imperador. 
 
 
HISTÓRIA INTERNA E HISTÓRIA EXTERNA 
 
O filósofo alemão Leibniz (+ 1716) distinguiu, no estudo do Direito Romano, entre 
História Externa e História Interna. Nem todos os autores estão acordes em aceitar esta divisão e 
os que a adotam divergem no que tange a seu sentido exato e à respectiva periodização. A 
História Externa tem por objeto o estudo das instituições políticas e sua atuação como fontes 
produtoras do direito; a História Interna visa a conhecer os institutos do direito privado em sua 
formação e ulteriores desenvolvimentos. 
A periodização da História Externa do Direito Romano coincide com a da História de 
Roma:6 
Realeza (da fundação de Roma até o início da República em 510 a.C.). 
República (de 510 a. C. até a batalha de Actium, 31 a. C. ). 
Império subdividido em: 
a) Principado (do início do reinado de Augusto até o reinado de Diocleciano). 
No principado o imperador é o “primeiro” (princeps) dos cidadãos, mas submetido às leis como os demais. 
b) Dominato (do reinado de Diocleciano (284-305) até a morte de Justiniano em 565). 
O imperador não é mais o primeiro dos cidadãos, mas o senhor (dominus). Este 
qualificativo já exigido anteriormente torna-se obrigatório por ordem de Diocleciano. 
Observe-se que, da História de Roma, dois acontecimentos devem ser lembrados: em 
395, opera-se a divisão definitiva do Império em Império Romano do Ocidente e Império 
Romano do Oriente. Em 476, o primeiro sucumbe com a deposição de seu último imperador, 
Rômulo Augústulo. 
Entre outras, podemos anotar a seguinte periodização da História Interna :7
1. Período das origens (coincide com a Realeza). 
2. Período do antigo Direito (do início da República até a época dos Gracos segunda metade do II século a. 
C.). 
3. Período clássico (da época dos Gracos até Diocleciano ). 
4. Período pós-clássico, romano-helênico ou bizantino (de Diocleciano até a morte de Justiniano). 
Não sedeve confundir período bizantino da História do Direito Romano com Direito 
Bizantino, isto é, o Direito que se desenvolveu no Império Romano do Oriente, após a morte de 
Justiniano. 8
 
 2
INFLUÊNCIAS NA EVOLUÇÃO DO DIREITO ROMANO 
 
Inserido no importante quadro da História de Roma, o Direito Romano está sujeito 
através dos numerosos séculos a um longo desenvolvimento que se de um lado conserva uma 
perene continuidade a partir de suas origens, apresenta, de outro lado, uma ampla e intensa 
variedade caracterizada por justaposições e estratificações e que ,leva da extrema simplicidade 
primitiva à mais vasta complexidade”9. 
No estudo dessa longa e complexa evolução histórica do Direito Romano constitui um 
aspecto interessante a indagação sobre se teria havido e, em caso positivo, até onde se teriam 
feito sentir influências de outros sistemas jurídicos ou de outras manifestações culturais 
estranhas ao povo romano. 
Não cabe evidentemente, dentro dos estreitos limites da presente obra, aprofundar um 
tema tão interessante e que já despertou entre romanistas os mais vivos debates. Pretendemos, 
apenas, abordar resumidamente três problemas: 
1. Influência dos Direitos Orientais; 
2. Influência da Civilização Grega; 
3. Influência do Cristianismo. 
 
 
INFLUÊNCIAS ORIENTAIS 
 
As descobertas arqueológicas no Oriente Próximo revelaram a existência de rico 
material de conteúdo jurídico desde os códigos legislativos (entre os quais deve-se destacar o 
famoso Código de Hamurabi) até contratos redigidos em milhares de tabletes de argila 10 . 
Compreende-se que a decifração e o estudo de toda essa vasta documentação de conteúdo 
jurídico (na qual deve ser incluída também a grande quantidade de papiros) tenha chamado a 
atenção não só dos historiadores, de um modo geral, mas dos especialistas em História do 
Direito e, de modo muito particular, dos romanistas. Ao lado do desenvolvimento do estudo do 
Direito Comparado surge entre alguns autores a tendência para explicar as origens e a evolução 
do Direito Romano por influências de outros sistemas jurídicos. Volterra sintetiza a história dos 
estudos sobre a influência dos Direitos Orientais no Direito Romano, na primeira parte de sua 
obra Diritto Romano e Diritti Orientali. Aliás a preocupação em comparar normas jurídicas 
romanas com normas orientais e de mostrar a falta de originalidade das primeiras em relação às 
segundas já aparece claramente na “Mosaicarum et Romanarum legum collatio” (Comparação 
das leis mosaicas e romanas), um longo fragmento conhecido através de três manuscritos (de 
Berlim, de Vercelli e de Viena), parte de uma compilação redigida provavelmente no século IV 
e que justapõe textos mosaicos extraídos de traduções latinas da Bíblia com textos de Gaio, 
Papiniano, Paulo, Ulpiano, Modestino e de constituições contidas principalmente nos Códigos 
Gregoriano e Hermogeniano. 
Inútil lembrar ao leitor aqui todos os exageros a que o entusiasmo pelas legislações 
orientais levou os historiadores do Direito. Assim, por exemplo, Müller lançou em 1903 a 
hipótese de que a legislação de Hamurabi, a legislação mosaica e a lei das XII Tábuas 
 3
derivariam de uma fonte primitiva. Ainda o mesmo autor, com base no Livro Siro-Romano 
(tradução em árabe, armênio e siriaco de um manual de direito romano redigido em grego, no 
século V), que ele considerava como uma fusão de normas romanas e normas orientais, 
“procura demonstrar profundas relações entre ambos os direitos”11. 
Um estudo ainda que superficial do problema das relações entre os sistemas jurídicos 
orientais e o Direito Romano deve levar, desde logo, em consideração, que entre as origens da 
Civilização Romana de um lado e as Civilizações Orientais de outro lado encontra-se um hiato 
cronológico e cultural. Quando as legiões romanas conquistam a bacia do Mediterrâneo Oriental 
encontram-na helenizada, fato esse que levanta os seguintes problemas estudados mais adiante: 
Qual a influência da civilização grega na evolução do Direito Romano? Teria havido influências 
orientais através dos gregos? Quais as influências orientais no Direito Romano tardio? 
Volterra sublinha que na comparação entre os institutos arcaicos romanos e os institutos 
das antiqüíssimas legislações orientais o direito quiritário aparece como absolutamente 
independente dessas legislações, apresentando uma completa autonomia originária12. 
Uma breve comparação entre o Direito contido na Lei das XII Tábuas (como nos foi 
transmitido pela tradição) e os sistemas jurídicos orientais revela-nos uma antítese fundamental. 
Com efeito, anota Volterra, o primeiro “é em substância um direito destinado, nas suas origens, 
a regular a vida pública e privada de uma cidade e que conservará por quase todo o período 
republicano este caráter fundamental”13. 
“O direito do Código de Hamurabi, o direito assírio, o direito egípcio, já a partir da V e 
da VI dinastias, são, ao contrário, direitos aptos a regular a complexa vida de impérios 
grandiosos, perfeitamente organizados, a assegurar a existência de sociedades ricas de indústrias 
e de comércios. Tais direitos respondem, pois, a exigências absolutamente diversas, têm atrás de 
si um longuíssimo e laborioso processo de evolução: regulam institutos comerciais e industriais 
que os romanos conhecerão somente em época tardia, a distância de muitos séculos; exercem-se 
e desenvolvem-se sobre territórios vastíssimos”14. 
A diferença entre o Direito Romano e os antigos Direitos Orientais acentua-se em um 
ainda que rápido confronto entre as estruturas dos principais institutos. Procedendo-se a tal 
confronto, anota Volterra, experimenta-se “uma verdadeira sensação de estupor” ao constatar-se 
que alguns autores tenham podido encontrar com tanta segurança analogias entre elementos tão 
díspares15. Cabe aqui uma observação curiosa que explica, pelo menos em parte, os equívocos 
resultantes da comparação entre Direito Romano e Direitos Orientais: os orientalistas, ao 
traduzirem os documentos jurídicos de antigas civilizações orientais, foram levados a usar 
termos romanísticos correntes para designarem institutos que, na realidade, apresentavam 
muitas vezes com os institutos romanos apenas “uma aparente e confusa analogia”16. 
Os juristas e historiadores, iludidos assim por uma falsa terminologia, teriam concluído 
da aparente identidade de termos para a existência de uma identidade de estrutura. 
De tudo o que se escreveu parece-nos lícito extrair a seguinte conclusão: “Como se pode 
constatar, mesmo um rápido confronto entre o direito quiritário e os antiqüíssimos direitos 
orientais é suficiente para persuadir-nos que nenhuma influência podem ter exercido estes sobre 
aquele e para fazer-nos concluir que na origem o Direito Romano - e sobretudo o privado - 
apresenta uma singular autonomia de princípios e de institutos”17. Quanto à indagação sobre 
possível penetração de institutos e princípios de direitos orientais no antiqüíssimo Direito 
Romano através de influências gregas (uma vez que a civilização grega apresenta em suas 
origens vínculos diretos ou indiretos com as antigas civilizações do Oriente Próximo ), a 
resposta dependerá da constatação da influência helênica na época em tela. Focalizaremos mais 
adiante o problema18. 
 4
Passemos agora às influências dos direitos orientais na evolução posterior do Direito 
Romano. Volterra, depois de sublinhar que a influência maior foi no direito público (grande 
parte da organização política do Império do Oriente teria sofrido influências orientais), cita e 
discute uma série de prováveis ou certos exemplos dessa influência oriental em institutos e 
princípios do Direito Romano tardio. 
Convém, desde logo, advertir o leitor de que é necessário proceder aqui com cautela. 
Não há dúvida de que a expansão romana para o Oriente pôs os conquistadores em contato com 
povos cuja civilização possuía raízes milenares e entre os quais estavam vigentes diversos 
sistemas jurídicos: O ambiente provincialda pars Orientis do Império era, segundo Grosso, 
“um tanto variado e complexo”19. O mesmo autor chama a atenção para o fato de não ser 
sempre certa a derivação grega de normas e institutos (o período tardio da História do Direito 
Romano é chamado romano-helênico) e de não ser sempre possível discernir o caminho através 
do qual penetraram no Direito Romano, neste período, certos institutos que derivam dos antigos 
direitos orientais. Teriam as influências orientais impregnado os ambientes provinciais e estes, 
por sua vez, provocado uma reação positiva no Direito Romano? Ou a penetração das inovações 
no Direito Romano teria sido direta através do direito hebraico graças à difusão do Antigo 
Testamento pelos cristãos?20
Sem pretender aprofundar o tema das influências orientais no Direito Romano tardio, 
vamos limitar-nos aqui apenas a citar alguns exemplos que, parece, dão margem a dúvidas. 
Quanto ao Direito Público lembremos que o deslocamento do centro de gravidade do 
Império Romano para o Oriente favoreceu a influência da mentalidade e das concepções 
orientais na estrutura governamental. Meyer chama a fase da História do Direito Romano que 
vai de Diocleciano a Justiniano “a era da orientalização do Direito Romano”. “Expressão 
característica do novo regime é o tratamento de dominus dado ao imperador por ordem de 
Diocleciano 21 .” O Imperador lembra então os soberanos absolutos orientais: é legislador 
exclusivo e absoluto. “Afastava-se do modelo do princeps romano para seguir o da teocracia 
heleno-egípcia. Já não era princeps, mas dominus (et deus); a quem, como tal, se renda culto 
(adoratio)22. 
Quanto ao Direito Privado, podemos apontar os seguintes exemplos de influências 
orientais23: 
1. As arrae sponsaliciae: soma em dinheiro que um dos sponsi entrega ao outro 
por ocasião da conclusão dos esponsais24. 
2. Papel da escrita como elemento formal dos contratos. “San Nicolo;. entre os 
exemplos principais da influência oriental sobre o Direito Romano sublinha a 
sempre maior importância assumida pela escrita como elemento formal dos 
contratos e nota a diferença que neste campo apresenta o desenvolvimento do 
direito pós-clássico oriental em confronto com o direito ocidental, onde a 
instrumento escrito de compra e venda conserva o caráter probatório e não 
formal”.25 
3. O aparecimento de novas formas de adoção consagradas definitivamente por 
Justiniano (a adoptio minus plena) marca, segundo Giffard, “a orientalização 
do Direito Romano”.26. 
4. O Oriente apresenta resistência à assimilação da patria potestas romana, fato 
esse que se reflete na simplificação das formalidades da emancipação e na 
redução dos efeitos desse instituto.27 
 5
Concluamos estas considerações sobre a influência dos Direitos Orientais no Direito 
Romano tardio com duas observações: 
1. A matéria é complexa e muitos exemplos de influência oriental estão 
sujeitos a controvérsia. 
2. Volterra, seguindo S. Nicolo (I problemi degli influensi...), anota que o 
início da influência oriental situa-se bem antes de Justiniano e, 
precisamente, no primeiro século do Baixo Império, “quando, como 
repetidas vezes afirmou Albertario e como afirma a doutrina dominante, 
teria cessado a resistência imperial, ainda fortíssima sob Diocleciano, aos 
direitos estrangeiros e quando a divisão do Império teria favorecido tal 
influência”.28 
 
 
INFLUÊNCIAS DA CIVILIZAÇÃO GREGA 
 
As influências gregas na evolução da Civilização Romana constituem tema por demais 
conhecido e estudado tanto nos grandes tratados de História de Roma como em simples 
compêndios escolares. Que essa influência se tenha feito sentir já em época bem remota é um 
indício seguro o fato inconteste de o alfabeto latino derivar de um alfabeto grego de tipo 
ocidental (talvez por intermédio dos etruscos29). 
A Expansão Romana através da Magna Grécia e a conquista do Oriente helenizado com 
a perda definitiva da independência grega ( 146 a.C.) vão ter como conseqüência a 
intensificação da influência helenística em Roma. Língua, Literatura, Religião, Educação, etc. 
sofrem o impacto helênico e Horácio (Ep. II, 1, 156) assinala a vitória do vencido sobre o 
vencedor: Graecia capta ferum victorem cepit et intuit artes agresti Latio (a Grécia vencida 
conquistou por sua vez seu selvagem vencedor e trouxe a Civilização ao inculto Lácio). 
No presente item interessa-nos apenas indagar de modo sucinto sobre a influência da 
civilização grega no Direito Romano, quer através de legados do próprio Direito Grego ao 
Direito Romano, quer através da Filosofia Grega. 
Preliminarmente convém dizer algumas palavras sobre o Direito Grego. Um rápido olhar 
sobre a História deste Direito revela-nos, desde logo, um pluralismo de sistemas jurídicos. A 
vida jurídica encontra-se particularizada em cada uma das numerosas cidades gregas, embora 
todas elas tenham um denominador comum a civilização grega que se expressa por uma relativa 
unidade lingüística30. Dos direitos das antigas cidades gregas o que melhor conhecemos é o 
direito de Atenas. A época helenística, caracterizada sobretudo no Egito dos Ptolomeus por uma 
vida jurídica intensa revelada pelos papiros gregos, assinala uma nova etapa da evolução 
histórica do Direito Grego em que influências extra-helênicas se fazem sentir. Assim é que, no 
Egito, devemos falar de um direito greco-egípcio. 
O estudo do Direito Grego antigo não encontrou por parte dos historiadores e juristas o 
mesmo interesse demonstrado pelo Direito Romano, o que se explica facilmente pelo fato de o 
primeiro aparecer como um direito meramente histórico sem as profundas repercussões que o 
segundo teve na elaboração da Civilização Ocidental. Acrescente-se a dificuldade que o estudo 
do Direito Grego apresenta em virtude da documentação esparsa que constitui sua fonte de 
cognição. 
 6
Cabe aqui uma observação curiosa. Algumas obras gerais que focalizaram o Direito 
Grego (como por exemplo a notável Histoire du droit privé de la République Athénienne, da 
autoria de Beauchet, 1897) revestem a tendência de expor a matéria de direito helênico dentro 
dos quadros tradicionais do Direito Romano. Este método de exposição pode sugerir uma 
semelhança entre um e outro. Na realidade um paralelo entre ambos mostra algumas acentuadas 
diferenças. Um fato chama logo a atenção quando se estuda a formação do Direito Grego: 
embora tenha existido na Grécia uma vida jurídica, não encontramos aí, anota Gernet, “como 
órgão de conservação e de elaboração do direito, qualquer coisa comparável aos prudentes 
romanos”31. A Grécia não produziu juristas. Roma, ao contrário, faz do Direito o objeto de uma 
jurisprudência profissional32 . Outra, diferença fundamental : o costume, a regra não escrita 
enraizada em um passado mais ou menos distante, existe em diversos planos (familiar, religioso, 
econômico) mas não é considerado expressamente, teoricamente, como fonte do direito: “Há no 
grego uma disposição “intelectualista” que o inclina a não reconhecer outra norma além da 
norma escrita, que é como um decreto da inteligência a Lei33.” 
É interessante observar que a atuação dos tribunais atenienses, que não são integrados 
por profissionais, obedece à preocupação de orientar-se pela justiça. O sentimento do justo 
domina o sistema legislativo. “É bem característico que os gregos falem constantemente do 
justo e não possuam um vocábulo especializado para o direito34.” Sublinhe-se que, em face do 
Direito Romano, o Direito Grego apresenta, em alguns aspectos essenciais, características 
originais. Assim, por exemplo, o desenvolvimento do Direito Comercial. 
Quanto ao problema das influências gregas no Direito Romano, sublinhemos, desde logo, 
que enfrentamos um tema controvertido. Mayr, depois de afirmar a existência de numerosos 
paralelismos entre o Direito Grego e o Direito Romano, sublinha como verossímil a opinião dos 
que crêem “que em Roma houve, em diferentes épocas e sob diferentes formas, uma vasta 
recepção de instituições econcepções jurídicas helênicas”35. 
A notícia sobre a tão discutida missão à Grécia com a finalidade de estudar a legislação 
como preparo para a codificação das XII Tábuas, constituiria, segundo Mayr, “uma paráfrase 
com que se quer aludir às evidentes e profundas influências gregas que se encontram nas XII 
Tábuas”36. 
Arangio-Luiz nega essa influência grega: “Na organização da propriedade como no 
sistema das penas, nas formas do processo como naquelas dos negócios jurídicos, os decênviros 
operaram com idéias e institutos francamente romanos, cujas origens poderíamos, talvez, 
encontrar no mundo etrusco ou latino, se estes ambientes jurídicos nos fossem melhor 
conhecidos; e também as adaptações que tiveram maior caráter de novidade (como a extinção 
do pátrio poder em conseqüência da tríplice venda do filho, ou como a interrupção do usucapião 
do poder marital com a ausência da mulher, por três noites do lar comum) foram concebidos em 
conformidade com o gênio da raça, não substituindo as antigas por novas concepções jurídicas, 
mas deduzida sutilmente da própria estrutura dos institutos primordiais.”37
Arangio-Luiz admite que algumas normas particulares gregas (como, por exemplo, as 
que condenam o luxo dos funerais e que parecem imitadas da legislação de Sólon) tenham sido 
adotadas por intermédio da Etrúria sem que os legisladores romanos tivessem conhecimento das 
origens mais distantes. Tais normas, entretanto, não seriam suficientes para caracterizar um 
sistema jurídico. Convenhamos que o direito vigente no ambiente de intensa vida urbana do 
mundo grego não tinha muito a oferecer ao mundo romano ainda num estágio de predominância 
da vida pastoril.38
Na época das guerras púnicas a influência grega em Roma torna-se intensa. “É então 
somente que os romanos começam a imitar a literatura grega; pouco á pouco, seus talentos 
despertam ao contato com as obras-primas helênicas e chegam a produzir obras literárias mais 
 7
originais.”39 Entre estes talentos romanos que se inspiram na literatura, nas instituições e nos 
costumes gregos conservando, contudo, um cunho de profunda originalidade no estilo e na 
língua, figura Plauto (+ 184 a.C.) com suas numerosas comédias. Por que citá-lo aqui? Porque 
suas obras constituem um curioso testemunho do conhecimento do Direito Grego por parte dos 
romanos. Plauto conhece a linguagem jurídica e emprega uma série de termos jurídicos romanos 
de tal forma que à primeira vista parece constituir uma fonte para o conhecimento de institutos 
do Direito Romano contemporâneo. Na realidade, a terminologia jurídica romana está aplicada 
às vezes a institutos do direito grego essencialmente diversos dos institutos do Direito 
Romano40. Evidentemente, a onda avassaladora do helenismo não atingiria somente o campo 
literário e o direito grego não chamaria somente a atenção de comediógrafos como Plauto. 
Chegamos assim ao estudo da influência grega no Direito Romano já não mais na época da Lei 
das XII Tábuas mas em sua posterior e longa evolução. Antes porém de falarmos da inegável 
influência, vamos fazer duas observações que nos parecem de capital importância. 
1. Segundo alguns autores as chamadas influências helenísticas sofridas pelo Direito 
Romano no período pós-clássico (período denominado romano-helênico) constituem, não raro, 
“o produto da ação da refinada técnica romana em uma exigência de vulgarização e da 
influência de fatores econômico-sociais (...)”.41 
Romanistas como Riccobono e Chiazzese defendem a tese “de que, em verdade, as 
inovações pós-clássicas nada mais são do que o desenvolvimento espontâneo dos elementos 
romanos colocando em evidência tendências que se observavam no jus honorarium e no jus 
extraordinarium do período clássico “42. 
2. A segunda observação diz respeito às diferenças existentes entre os direitos vigentes 
nas regiões em que predominava a civilização helenística, e o Direito Romano. Vejamos, 
somente para ilustrar, alguns exemplos significativos que demonstram a recíproca 
impermeabilidade entre o Direito Romano e os direitos helenísticos.43 
 
Direito Romano 
 
1) Patria potestas, em princípio, vitalícia. 
 
2) Sucessão dos filhos à mãe e vice-versa só foi 
aceita na época imperial e com limitações. 
 
3) No caso de ad-rogação, o ad-rogado perdia 
seu patrimônio em favor do ad-rogante. No 
caso de adoção, cessavam as relações 
jurídicas entre o adotado e a família de origem. 
 
4) A disposição dos bens em testamento 
obedecia, no Direito Romano, à proibição de 
testar apenas sobre parte do patrimônio. 
(Nemo pro porte testatius, pro pocrte 
intestatus decedcre potest). 
 
5) No Direito Romano os efeitos jurídicos, via 
de regra, estavam ligados à enunciação de 
palavras solenes (verba sollemnia). O uso da 
escrita havia-se generalizado apenas para 
testamento visando ao segredo da 
manifestação da última vontade. 
Direitos Helenísticos 
 
1) Patria potestas extingue-se com a maioridade 
do filho. 
 
2) Este tipo de sucessão era amplamente 
reconhecida. 
 
3) A adoção helenística não destruía as relações 
com a família de origem e não privava o 
adotado dos bens que eventualmente 
possuísse. 
 
4) Os direitos helenísticos permitiam que se 
testasse sobre uma parte do patrimônio, 
deixando o restante aos herdeiros legítimos. 
 
5) Nos direitos helenísticos, via de regra, os 
negócios jurídicos se processavam por escrito. 
 
 
 
 
 
 
 8
Werner Jaeger, em sua famosa Paidéia, considera a Filosofia como a criação mais 
maravilhosa do espírito grego44. 
O contato com o helenismo iria despertar nas classes elevadas de Roma o amor pela 
cultura literária e o interesse pelas idéias filosóficas. O gênio romano, entretanto, não possuía 
vocação para a especulação filosófica. O senso prático dos intelectuais romanos levaram-nos a 
um ecletismo filosófico, aceitando e selecionando, adaptando e vulgarizando os sistemas 
filosóficos helênicos. Os filósofos romanos raciocinaram em termos de filosofia grega. 
Lembremos, apenas para exemplificar, o eclético Cícero (+ 43 a.C ) e os estóicos Sêneca ( + 65 
P.C. ) e Marco Aurélio (·+ 180 P.C. ) Cícero tem o grande mérito de difundir em alto nível a 
filosofia grega entre seus concidadãos, criando, em latim, uma verdadeira linguagem filosófica. 
A par da influência das idéias filosóficas deve ser acentuado o papel da retórica grega na 
formação intelectual do romano. Compreende-se esse papel quando se considera com Marrou 
que a retórica “marca profundamente todas as manifestações do espírito helenístico” 45 . E 
observe-se que, como a filosofia, estamos aqui em face de uma manifestação cultural 
estritamente grega. Os autores latinistas inclusive Cícero, estavam impregnados dos 
ensinamentos da retórica grega, procurando criar um vocabulário técnico latino que reproduz, 
não raro de modo servil, a nomenclatura grega.46 
A evolução do Direito Romano não poderia evidentemente fugir às influências da 
filosofia e da retórica helênicas. Enfatize-se, todavia, que essa influência nada subtrai ao mérito 
próprio dos criadores do Direito Romano e nem retira a estes o cunho da criação original que, já 
vimos, Marrou caracteriza como “uma forma nova de cultura”. 
Monier acentua que “com os escritos de Cícero, são os princípios da filosofia estóica, de 
uma grande elevação moral, que exercem sua influência benfazeja sobre o direito”47. Registre-
se que Cícero, imbuído da mentalidade grega, preconiza fazer do direito civil uma “arte”, isto é, 
um corpo de doutrina estruturado. 
Villey, depois de observar que a influência de uma doutrina filosófica sobre os juristas 
não deve ser imaginada como um decalque literal, pois eles “se inspiram livremente nas 
filosofias”, salienta que os juristas romanos recorreram simultaneamente a diversas escolas 
filosóficas: “O estoicismo, em que sobretudo foi instruído Cícero e ao qual aderiu um bom 
número de jurisconsultos clássicos, deixou sobre o direito romano uma marca bem visível; e o 
platonismo tambémnão lhe foi sempre estranho. Mas a nossos olhos é da doutrina de 
Aristóteles que, no início do período clássico, recebeu seus princípios constitutivos e seu valor 
excepcional48.” 
Passemos agora, somente a título de ilustração, a examinar brevemente alguns exemplos 
da influência da filosofia e da retórica grega no Direito Romano. 
1. Direito natural. A idéia de um direito superior, ideal, proveniente de Deus ou 
decorrente da própria natureza humana que encontramos em textos romanos, tem suas raízes na 
filosofia grega. No tratado De Republica, Cícero inseriu a famosa definição de lei natural. 
nitidamente estóica : “Est quaedam vera lex, recta ratio, naturae congruens, difjusa in omnes, 
constans, sempiterna; quae vocet ad officium jubendo, vetczndo a fraude deterreat (...) “. Existe 
uma verdadeira lei, reta razão, conforme à natureza, difundida entre todos, constante, eterna; 
que por seus mandamentos chama ao cumprimento de um dever; por suas proibições afasta do 
mal (...)49. Cícero conclui dizendo que Deus é o autor dessa lei e que seus transgressores serão 
punidos pois repudiaram sua natureza humana. Villey chama a atenção para certas definições 
romanas do direito natural que nos foram conservadas pelas Institutas de Gaio ou pelo Digesto e 
que “possuem uma tintura estóica”49a. Assim, parece proceder de origem estóica a definição de 
Ulpiano que estende o direito natural a todos os animais (omnia animalia) (D. I, 1,1,3). 
 9
2. Coisas corpóreas e incorpóreas. Esta classificação das coisas em corpóreas e 
incorpóreas é anterior a Cícero e provém da filosofia estóica. Era desconhecida,no período do 
Antigo Direito50
3. Direito e Moral. Giffard, depois de comentar textos de Ulpiano em que parece haver 
confusão entre o Direito e a moral, atribui essa confusão à influência dos filósofos gregos “que 
não separaram jamais o direito da moral e viam nesta a ciência geral das ações dos homens da 
qual o Direito constituía uma parte”51. Mais adiante voltaremos ao problema da distinção entre 
Direito e Moral. 
4. Aequitas, bona fides, utilitas. Essas três concepções, segundo Villers, penetram no 
Direito Romano através da Filosofia Grega. A primeira “é uma noção matemática extraída das 
obras de Aristóteles: inspira-se na proporção ou igualdade de duas relações. No plano jurídico, 
convida a manter entre os homens uma igualdade proporcional tanto às forças como às 
necessidades de cada um.” Daí o famoso suum cuique tribuere (dar a cada um o que é seu) de 
Ulpiano (D. I,1,10) 52 . O Exemplo de influência da eqüidade na elaboração do direito é a 
correção feita pelos pretores às “iniquitates” do velho direito civil, ao elaborarem as regras da 
sucessão pretoriana53. Na interpretação do Direito, a retórica ensina a preferir a intenção do 
legislador ou das partes às palavras proferidas. 
A fides (fé) era uma velha noção religiosa ligada à deusa Fides a quem o rei Numa havia 
consagrado um templo. Sob influência grega a fides secularizou-se, chegando a revestir um 
caráter puramente ético, como, por exemplo, em Cícero (De Officiis I, 7) que a qualifica de 
“fundamentum justitiae”54. No campo do jus, a fides, qualificada de bona fides, apresenta uma 
dupla acepção: objetiva e subjetiva. Na primeira, temos as ações de boa fé que possuem uma 
cláusula “ex bona fide”. Na segunda acepção, temos a bona fides quando um comprador de boa 
fé crê em determinadas qualidades da coisa adquirida55. 
Finalmente os juristas identificam o fim do direito com a utilidade comum. É o bem 
comum, o bem geral, anota Villers; “a idéia é admitida tanto pelos jurisconsultos como pelos 
magistrados”56. Os jurisconsultos do século III, por exemplo, dirão que o jus praetorium foi 
aceito por causa da utilidade pública (propter utilitatem publicam). 
5. Divisão do direito segundo Gaio. A famosa divisão do Direito segundo Gaio (I, 1-8) : 
Omne autem jus quo utimur vel ad personas pertinet vel ad res vel ad actiones (todo o direito de 
que usamos ou diz respeito às pessoas ou às coisas ou às ações), possuiria uma origem retórica e 
remontaria a um protótipo de inspiração grega57. 
6. A filosofia grega tem influência decisiva na formação dos jurisconsultos romanos e na 
didática jurídica. Marrou chama a atenção para o fato de que a sabedoria do juris prudens, por 
muito tempo intuitiva, tornou-se refletida, consciente e soube alimentar-se de toda a 
contribuição formal do pensamento grego, “da robusta armadura lógica do aristotelismo como 
da riqueza moral do estoicismo”58 . Ainda Marrou observa que foi somente a partir da geração 
de Cícero e largamente, ao que parece, graças à sua ação e propaganda que a pedagogia jurídica 
romana acrescenta ao ensinamento prático (respondentes audire) um ensinamento sistemático 
(instituere). “Cícero havia intitulado uma de suas obras, infelizmente perdida, de jure civili in 
artem redigendo; lançando mão de todos os recursos da lógica grega, o direito romano esforça-
se, desde então, por apresentar-se aos iniciantes sob a forma de um corpo de doutrina, de um 
sistema, constituído por um conjunto de princípios, de divisões e classificações apoiados em 
uma terminologia e em definições precisas.”59 
Kaser sublinha também a influência da filosofia grega no método dos juristas, 
colocando-a já no século II a. C.: “Pela metade do século II a.C. produz-se uma mudança 
fundamental no método dos juristas romanos que, impulsionados pela filosofia grega, dão à 
matéria jurídica um enfoque dialético60.” Kaser admite que os precedentes gregos da legislação 
 10
das XII Tábuas tenham favorecido a elaboração de normas gerais (regulae) e acrescenta: “E se 
nos últimos tempos a produção de regras cobrou novo impulso, até ao ponto de dar a uma 
determinada fase da evolução o nome de ‘jurisprudência de regras’, deve-se isso ao encontro 
que se produz entre a jurisprudência romana e a filosofia grega nesta época” (obra citada, p. 27). 
Monier, depois de salientar a influência dos princípios estóicos através dos escritos de 
Cícero, acrescenta: “Ao mesmo tempo, a retórica grega ensina aos jurisconsultos a substituir o 
método de interpretação literal por um método de interpretação lógica e a procurar a vontade do 
legislador nos redatores do ato jurídico focalizado.” 61
A respeito da influência da retórica sobre a jurisprudência, convém anotar a advertência 
de Kaser: “Não obstante, as notas comuns entre jurisprudência e retórica chegam logo a seu fim. 
Isso se deve sobretudo a que seus fins e seus meios são diversos, embora coincida seu campo de 
ação no processo. A retórica não tendeu em nada caso concreto à realização da justiça e, se o fez, 
foi de modo secundário. Por isso nada teve a ver com esse conhecimento intuitivo do Direito, 
que alcançou com os juristas uma mestria genial. A arte oratória persegue antes êxitos 
puramente externos e amiúde duvidosos, se temos que julgar com critérios éticos” (Kaser, En 
torno del método, p. 37). 
Quanto à influência direta do Direito Grego no Direito Romano constitui ainda um vasto 
campo de pesquisas e de controvérsias. Limitar-nos-emos aqui a um exemplo: a chamada Lex 
Rhodia. Cícero (Pro lege Manilia 18) menciona e elogia a longa tradição naval dos ródios 
(Rhodii... quorum usque ad nostram memoriam disciplina navulis et gloria remansit). Estrabão, 
sob o reinado de Augusto, testemunha a prosperidade de Rodes enaltecendo os regulamentos aí 
elaborados para o policiamento dos mares e que foram adotados por todos os grandes portos de 
comércio 62 . Compreende-se pois que Roma aplicasse as leis e costumes marítimos 
convencionados - sob o nome de Lex Rhodia. Augusto aprovou-a expressamente em um 
rescriptum. Volusius Maecianus, jurisconsulto que se dedicou ao ensino jurídico sob Marco 
Aurélio, (+ 180), narra-nos que Antonino, o Pio, (+161), atendendo a uma petição do grego 
Eudêmon, cujo navio naufragara em Icária, citou a lex Rhodia como a norma jurídica pela qual 
devia ser julgado o litígio entre Eudêmon e os publicanos de Icária quese haviam apoderado 
dos despojos do naufrágio. Eis a resposta de Antonino : “Eu sou o senhor do orbe, mas a lei 
Ródia é a senhora do mar; julgue-se esta questão pela lei Ródia marítima no que ela não 
contrariar alguma de nossas leis. Assim também julgou o divino Augusto” (D. XIV, 2,9)63. 
O jurisconsulto Paulus, prefeito do pretório sob Alexandre Severo (222-235), menciona 
a Lex Rhodia em suas Sententiae (II, 7 ), sob a rubrica ad legem rhodiam. Qual, afinal, o 
conteúdo da famosa Lex Rhodia? “Em virtude dos princípios reunidos sob essa denominação 
(Lex Rohdia de jactu), os proprietários de mercadorias lançadas ao mar (jactu), em momento de 
perigo, devem ser indenizados para que os prejuízos sejam suportados, proporcionalmente, por 
todos - pelo armador do navio e pelos donos das mercadorias salvas64.” 
 
 
 INFLUÊNCIAS DO CRISTIANISMO 
 
Pela Constituição Tanta (chamada também confirmação do Digesto - De Confirmatione 
Digestorum), Justiniano promulga o Digesto (dezembro de 533) em nome de Nosso Senhor 
Deus Jesus Cristo (in nomine Domini Dei nostri Jesu Christi). Esta expressão, que teria causado 
 11
espanto aos jurisconsultos clássicos, é bem um sinal dos tempos: o Cristianismo que, havia 
muito, emergira vitorioso das catacumbas com o edito de Milão (313), tornara-se religião de 
Estado desde o reinado de Teodósio I (+ 395) e constituía agora um fator determinante da 
Civilização, tanto na Pars Orientis como na Pars Occidentis do velho Império Romano, esta 
última já em sua maior parte dominada pelos reinos bárbaros. 
Por sua natureza, a pregação cristã visava antes de tudo a renovação espiritual colocando 
sobre os altares a crença no Deus crucificado e implantando nos corações dos homens o 
mandamento sublime da fraternidade universal. Desde o martírio de S. Pedro, o primeiro papa, 
em Roma, sob o reinado de Nero (54-68), o Cristianismo não cessara de adquirir adeptos e de 
difundir-se por todas as províncias do Império dos Césares. Os cristãos, segundo um famoso 
texto de Tertuliano (Apol. 32, final do II século), não viviam à margem da sociedade: “Nós, 
cristãos, não vivemos à margem do mundo; freqüentamos, como vós, o forum, os banhos, as 
oficinas, as lojas, os mercados, as praças públicas (...)” 
Compreende-se, assim, que a mentalidade da Roma pagã fosse, cada vez mais, sofrendo 
a profunda influência da doutrina e da moral cristãs. O Direito Romano, evidentemente, não 
ficaria isento dessa influência. Defini-la, verificar sua extensão e profundidade tem sido o 
objeto de numerosos estudos e conclusões divergentes. Gaudemet resume, a esse respeito, os 
pontos de vista dos historiadores: “Para alguns historiadores, bem raros, é verdade, a influência 
do Cristianismo teria sido limitada. Outros reconhecem uma influência geral da moral cristã 
sobre a civilização romana de preferência a uma ação precisa que tivesse resultado na 
modificação das regras jurídicas. Outros, enfim, admitem que, pelo menos em certos domínios, 
o Cristianismo faz modificar certos princípios jurídicos65.” 
Um estudo da influência do Cristianismo no Direito Romano, parece-nos, deve levar em 
consideração duas fases fundamentalmente distintas : a fase anterior à conversão de Constantino 
e a fase posterior a essa conversão. Na primeira, não será tão fácil estabelecer se determinadas 
modificações que se enquadram no espírito da doutrina cristã, refletem realmente a atuação da 
nova doutrina. Em outras palavras : se os inovadores pagãos teriam agido inconscientemente já 
influenciados pela doutrina cristã difundida em várias camadas da população, inclusive nas altas 
esferas administrativas, ou se as transformações das normas jurídicas num sentido mais 
humanitário obedeceram aos influxos de fatores diversos, inclusive de idéias filosóficas 
helênicas. 
Léon Homo, focalizando o Século de Ouro do Império Romano, isto é, a época dos 
Antoninos, sublinha o grande élan de humanidade e de caridade que caracteriza o mundo 
romano no II século depois de Cristo: “Os fracos e os sacrificados da sociedade romana, as 
mulheres e os escravos em particular, iriam ser os beneficiados naturais dessas tendências novas. 
A transformação assinala-se, de início, nos costumes, até passar para as leis66.” Homo explica o 
lugar importante que a moral ocupa na sociedade do II século P.C. por duas causas : a evolução 
do mundo romano, de uma parte, a influência da filosofia, de outra. Este élan de humanidade 
reflete-se na maneira com que alguns autores e a própria legislação focalizam a situação do 
escravo já, aliás, a partir do século I até, inclusive, o século III P.C. 
Vejamos alguns exemplos. Sêneca, o filósofo estóico vitima de Nero, vê entre os 
homens um parentesco natural e “reivindica os direitos da Humanidade para o escravo nascido 
da mesma origem que nós, escravo pelo corpo mas livre pelo espírito”.67 
Epicteto, filósofo estóico que viveu no fim do século I e no início do II, proclama que, 
para os homens livres, os escravos são irmãos68. Plínio, o Jovem (+ 113), que não professa o 
estoicismo e que entra em contato com o Cristianismo, revela um sentido profundamente 
humanitário em relação a seus escravos69. Juvenal (+ 130 ?) critica em suas sátiras o avarento 
que não nutre os escravos e a mulher que os castiga pela menor falta, com severidade. 
 12
Carcopino observa que a indignação do poeta corresponde à opinião pública70 . Marcial (+ 
102 ?), embora não hesite em infligir um castigo corporal a seu cozinheiro, dedica a seus 
escravos terna afeição.71
Segundo o jurisconsulto Florentino (II século P.C.), “a escravidão é um instituto do 
direito das gentes pelo qual alguém está submetido ao domínio de outro contra a natureza” 
(Servitus est constitutio juris gentium, quo quis dominio alieno contra naturam stebicitur - 
D.1,5. 4.1. ). Ainda Florentino observa que a natureza estabeleceu entre os homens um certo 
parentesco (inter nos cognatzonem quandam natura constituit - D. 1,1,3). O jurisconsulto 
Ulpiano (séc. III) ensina que, no que tange ao direito natural, todos os homens são iguais (Quia 
quod ad jus naturale attinet, omnes aequales sunt - D. 50, 17. 32). Ainda Ulpiano (D. 1.1.4) 
proclama que por direito natural todos os homens nasceriam livres e que nem seria conhecida a 
manumissão pois a escravidão seria ignorada (Cum jure naturali omnes liberi nascerentur nec 
esset nota manumissio, cum servitus esset incognita). 
Além de escritores, poetas e jurisconsultos, a própria legislação romana revelou-se 
também favorável aos escravos Vejamos alguns exemplos. A lex Petronia (19 P.C.), 
completada por senatus-consultos e rescritos imperiais, proíbe aos senhores entregar o escravo 
para combater contra feras sem autorização especial do magistrado72 (Post legem Petroniam et 
senatus consulta ad eam legem pertinentia dominis potestas ablata est ad bestias depugnandas 
suo arbitrio servos tradere: oblato tamen judici servo, si justa sit domini querella, sic poenae 
tradetur - D. 48,8 .11. 2). Segundo um edito de Cláudio (41-54), perdia a propriedade sobre o 
escravo, o senhor que o abandonasse velho ou doente; ao escravo era concedida a cidadania 
latina73. 
A castração dos escravos foi proibida e severamente punida por Domiciano e seus 
sucessores.74
Adriano (117-138) condena a cinco anos de relegatio (desterro) uma mulher que, por 
motivos fúteis, maltratara uma escrava. (Divus eticim Hadrianus... quandam matronam in 
quinquennium relegavit, quod ex levissimis causis ancillas atrocissime tractasset - D. 1. 6. 2). 
A legislação põe em cheque o jus vitae necisque (direito de vida e morte) do senhor 
sobre o escravo. Referindo-se ao século II P. C. , Troplong anota : “Tudo se modifica então na 
jurisprudência sobre as relações com os escravos; o direito de vida e de morte se transfere aos 
magistrados. O direito de correção deixado aos magistrados tem que exprimir-se em regras mais 
humanas; um magistrado, o prefeito da cidade, é o encarregado de aplicar essas medidas75.” 
Vamos encerraresses exemplos de modificação dos costumes num sentido humanitário 
com a seguinte página de Gaio, contemporâneo dos Antoninos : “Mas nos tempos atuais nem 
aos cidadãos romanos, nem a quaisquer outros homens, que se encontram sob o império do 
povo romano, é permitido maltratar exageradamente e sem causa os seus escravos. Pois em 
virtude de uma constituição do sacratíssimo imperador Antonino, aquele que sem causa matar 
seu escravo é tão responsável como quem matar um escravo alheio. Mas reprime-se também, 
pela constituição desse mesmo príncipe, a excessiva crueldade dos senhores; pois, consultado 
por alguns governadores de províncias sobre os escravos que se refugiam nos templos dos 
deuses ou nas estátuas dos príncipes, ordenou que, se a dureza dos senhores parecesse 
insuportável, fossem eles obrigados a vender os escravos. E ambas essas disposições são 
corretas, pois não devemos usar mal de nosso direito (...)” (Sed hoc tempore neque civibus 
romanis nec ullis aliis hominibus, qui sub imperzo populi romani surit, licet supra modum et 
sine causa in servos suas saevire; nam ex constitutione sacratissimi imperatoris Antonini qui 
sine causa servum suum occiderit non minus teneri jubetur, quam qui alienum servum occiderit. 
Sed et maior quoque asperitas dominorum per ejusdem principis constituionem coërcetur; nam 
consultus a quibusdam praesidibus provinciarum de his servis, qui ad fana deorum vel ad 
 13
statuas principum confugiunt, praecepit, ut si intolerabilis videatur dominorum saevitia, 
cogantur servos suos vendere. Et utrumque recte fit: male enim nostro jure uti non debemus ... - 
Gaio, I,1, 63). 
Como já observamos, não se pode afirmar categoricamente que algumas dessas 
situações da mentalidade romana e da própria norma jurídica em relação à situação do escravo 
tenha sido exclusiva influência cristã. 
Quando o estoicismo faz sua entrada em Roma (II e I séculos a. C. ), revela-se como a 
forma da filosofia talhada para o temperamento romano. 76 A doutrina do Pórtico (ετοα – 
pórtico) encontra-se na segunda etapa de sua evolução histórica abordando já problemas éticos. 
A terceira etapa do estoicismo coincide com a época imperial romana. Predominam então os 
temas éticos. Na época que focalizamos nas linhas acima e através desses séculos o estoicismo 
inegavelmente influiu na mente de intelectuais romanos, tanto no terreno da filosofia como no 
do direito. Parece-nos, entretanto, que seria exagero atribuir exclusivamente ao estoicismo a 
tendência humanitária de certos aspectos do Direito Romano. Paralelo ao estoicismo (que 
atingia principalmente parte da elite intelectual), toma vulto a difusão cristã fecundada pelo 
sangue de seus mártires. Essa difusão atinge não só as baixas camadas da população, mas 
também as altas esferas da sociedade romana. As apologias cristãs visam a intelectualidade e 
várias apologias foram dedicadas a imperadores. “Septimio Severo confiou ao cristão Práculo a 
educação de seu primogênito. Alexandre Severo, filho de uma mãe quase cristã, adorava Jesus 
Cristo juntamente com Abraão e Orfeu; tinha, sem cessar, nos lábios, esta máxima evangélica: 
Não faças a outrem o que não quererias que te fizessem a ti, máxima que fez gravar em seus 
palácios e até nas paredes dos edifícios públicos.”77 
Vamos concluir estas breves considerações em torno das prováveis influências cristãs no 
Direito Romano na fase anterior a Constantino, repetindo as palavras de Troplong 78 . “A 
filosofia não pôde ter o privilégio de permanecer mais afastada que a sociedade, que o recebia 
através de todos os poros, da influência do Cristianismo. Num tempo em que todas as coisas 
tendiam a relacionar-se e a unir-se; em que os homens e as idéias pareciam possuídos de uma 
incessante necessidade de comunicação e transformação; em que o ecletismo filosófico 
meditava a fusão de todos os grandes sistemas em um sincretismo poderoso; onde o Estado 
Romano, abrindo seu seio a um pensamento de homogeneidade que durante tanto tempo lhe 
repugnou, dava o título de cidadãos a todos os súditos do Império, apagando assim as distinções 
de raça-e origem, confundindo o romano com o gaulês, o itálico com os filhos da Síria e da 
África; no meio de tal ação de todos os elementos sociais, uns sobre os outros, não parece 
absurdo pensar que o Cristianismo seja o único que não subministrou seu contingente à massa 
comum das idéias, estando de posse das mais comunicativas e civilizadoras?” 
Pisamos terreno firme quando se trata de apontar a influência do Cristianismo no Direito 
Romano a partir de Constantino. Biondo Biondi, que escreveu uma obra em três volumes com o 
sugestivo título de Il Diritto Romano Cristiano, sublinha: “as leis pós-clássicas e justinianéias 
têm o cunho essencialmente cristão79.” 
Gaudemet, estudando a influência do Cristianismo no Direito pós-clássico, compara-a 
com a do estoicismo sobre o Direito Clássico: “Estoicismo e Cristianismo propunham uma 
filosofia do indivíduo e do grupo. Notaram-se também analogias das doutrinas: ambas afirmam 
a igualdade e a liberdade natural de todos os homens, ensinam o amor ao próximo e a moral 
familiar. Mas as diferenças entre estoicismo e cristianismo não são menos evidentes. Não 
vamos aqui realçar as diferenças doutrinárias mas somente assinalar o quanto a diferença entre 
uma moral altiva feita para uma elite e uma religião que se dirigia a todos e que encontrou seus 
primeiros adeptos entre os humildes, devia necessariamente acarretar diferenças em seu modo e 
possibilidade de ação sobre o direito. Difundidas pela pregação, as idéias morais do 
 14
Cristianismo conheceram uma mais ampla audiência e, em conseqüência, exerceram uma 
influêncía mais profunda que as máximas estóicas, apanágio de um círculo restrito de sábios.”80
A influência cristã na legislação imperial, a partir do século IV, é tão grande que 
mereceria um estudo especial. Curioso é que certos historiadores, desvinculados do contexto 
histórico em que esta influência se processava, viram nela a prepotência imperial sobre a Igreja. 
Assim é que, como observa Biondo Biondi, Justiniano, louvado e abençoado pelos papas de seu 
tempo, e colocado por Dante no paraíso como fiel filho da Igreja, foi representado “pelos 
modernos, sem (e até contra) qualquer documentação, como o típico opressor da Igreja”81. 
Entre os numerosíssimos textos da legislação imperial referentes ao Cristianismo, é de 
suma importância lembrar o edito de Tessalônica (380) que Teodósio endereça ao povo de 
Constantinopla e que impõe a todos os povos (cunctos populos) a religião que o apóstolo Pedro 
levou aos romanos (quam divum Petrum apostolum tradidisse romanis) (C. J. 1, 1,1). Cabe aqui 
chamar a atenção para o papel decisivo de Santo Ambrósio (+ 397 ?), o grande bispo de Milão, 
exemplo da encarnação do gênio romano depurado pelo Cristianismo, que exerce então uma 
atuação decisiva na cristianização do Império. Achile Ratti, sucessor de Ambrósio na sé 
milanesa e posteriormente sucessor de Pedro na sé romana sob o nome de Pio XI, chama a 
atenção para o fato de que, graças ao santo bispo, “o espírito cristão havia penetrado mais nas 
leis e o Império como tal acabara de tornar-se cristão”.82 
Ambrósio teve ampla influência na legislação imperial promulgada na época em que 
exerceu o episcopado (323-397). As constituições imperiais passam a adotar as determinações 
eclesiásticas conferindo-lhes força de lei. “O Código de Teodósio II cita os concílios de Nicéa 
(C. Th. 16.1.3; 381), de Rimini e de Constantinopla (16, l, 14; 386), de Éfeso (16, 5, 66; 435). O 
Código de Justiniano cita os quatro primeiros concílios ecumênicos (1, 5, 8; 455). Fora dessas 
referências expressas, as constituições imperiais inspiram-se freqüentemente em disposições 
conciliares sem citá-las formalmente.”83 O livro XVI do Código de Teodósio encerra legislação 
de conteúdo religioso. No Código de Justiniano esses textos terão lugar especial figurando antes 
dos que se referem às fontes do Direito (C.J. I, 1-13).84 
A influência cristã não se limitou somente ao domínio religioso em que, observa 
Gaudemet, ela é evidente e normal. Essa influência fez-se sentir também no campo da 
legislação familiar e social. Gaudemet cita os seguintes exemplos: 
1. Alteração do calendário, passando o dies solis a domingo (ver C. Theodósio 2.8.18)85. 
 2. A condenação dos jogos de gladiadores em 32 (embora de êxito limitado, pois esses 
jogos persistiram até o início do século V).86 
3. A repressão da prostituição em 343. 
4. Sobre a escravidão, anota Gaudemet : “Se a Igreja não pôde obter o desaparecimento 
da escravidão, foi sem dúvida ao Cristianismo que se deveu a proibição de marcar os escravos 
na fronte ou de separar as famílias servis. O reconhecimento da plena validade da manumissão 
in ecclesia, que na origem não foi senão uma forma particular de manumissão inter amicos, foi 
devida igualmente à intervenção da Igreja.”87 
5. No direito de família, a influência cristã é mais sensível. Temos, por exemplo, a 
proibição do casamento por affinitas; as restrições à liberdade do divórcio; as sanções que 
acompanham a ruptura injustificada dos esponsais: a proteção dos interesses pecuniários dos 
filhos do primeiro leito; a luta contra a exposição dos recém-nascidos, contra a venda de 
crianças e os abusos da patria potestas.88 
6. No campo do Direito penal, deve-se provavelmente à influência cristã a supressão do 
suplício da cruz; aos bispos foi também dada a missão de fiscalizar as prisões.89
 15
7. Troplong, na segunda parte de sua conhecida obra Influence du Christianisme sur le 
Droit Civil des Romáins, estuda esta influência nos seguintes setores: escravidão, matrimônio, 
impedimentos matrimoniais em virtude do parentesco, restrições ao divórcio, celebração 
religiosa do matrimônio, concubinato, patrio poder, condição da mulher e direito das sucessões. 
 16
Capítulo II 
ALGUNS TRAÇOS 
CARACTERÍSTICOS DO DIREITO 
ROMANO 
 
A longevidade da vigência do Direito Romano dificulta evidentemente a tarefa de 
apontar-lhe os traços característicos gerais. Cada período da História Interna apresenta 
características próprias. O mesmo se pode dizer respectivamente do Direito Privado e do Direito 
Público. Neste item vamos tentar apenas sublinhar algumas características que, no seu conjunto, 
possibilitem formar uma ligeira idéia do que seria o espírito do Direito Romano.90 
 
FRUTO DE UM TRABALHO SÉRIO DE JURISTAS E PRETORES 
 
No decurso da presente obra, o leitor poderá sentir que este primeiro traço caracteriza 
bem a multissecular elaboração do Direito Romano. No item referente às fontes teremos 
oportunidade de enfatizar a atuação dos juristas e dos pretores. Por ora, contentemo-nos em 
repetir Villey: “O Direito Romano é o fruto de um trabalho sério. Os pretores e jurisconsultos 
que o elaboraram pacientemente não pretenderam jamais refazer a sociedade sobre bases novas, 
o que estaria bem acima das forças do espírito humano. Mas lentamente, partirão de dados 
positivos, guiados somente pela paixão da eqüidade e da utilidade social criaram um direito 
verdadeiramente adaptado à natureza do homem.”91
 
 FALTA DE UNIDADE. TRADICIONALISMO 
 
Aqui estão duas características que, à primeira vista, parecem conflitar entre si, mas que 
se harmonizam perfeitamente quando consideradas sob o aspecto dinâmico da evolução 
histórica do Direito Romano. Assim, por exemplo, se considerarmos dois estratos jurídicos 
distintos como o jus civile e o jus honorarium, procedentes respectivamente de fontes diversas, 
aparece-nos nítida a falta de unidade, já sublinhada, aliás, quando tratamos da longa vigência do 
Direito Romano. Por outro lado, entretanto, mesmo nesta falta de unidade é possível perceber a 
marca do tradicionalismo. Assim, por exemplo, muitos aspectos do jus honorarium (criado 
pelos magistrados) que se estende a todos os campos do Direito Privado e do Processo Civil, 
encontram seu fundamento e sua origem no próprio Jus Civile. E talvez seja oportuno lembrar 
que “recentes estudos confirmaram que o jus civile era, na sua origem, consuetudinário, era o 
costume jurídico dos romanos”92. Há, pois, na evolução do Direito Romano, uma certa unidade 
na diversidade, isto é, uma certa tradição que só aos poucos e diante da própria evolução 
histórica vai cedendo às transformações inevitáveis. Entre outras, duas razões explicam esse 
tradicionalismo. Em primeiro lugar porque os romanos, como observa Kaser, “não ab-rogam 
suas velhas instituições, mas críam junto a elas outras novas, confiando em que, em virtude das 
 17
melhores vantagens que estas oferecem, as antigas irão perdendo a vigência. Só em poucos 
casos, nos quais é inevitável a inovação, recorre-se às leis ou normas reformadoras”.93 
Outra razão desse tradicionalismo reside na constante atuação dos juristas romanos 
através dos séculos. Esta atuação não se faz sentir somente no campo privado, mas no 
assessoramento direto de magistrados, juízes e jurados. O tradicionalismo, anota Grosso, está 
inserido , “na própria mentalidade do jurista (...)”94. 
Lembremos aqui, a título de exemplo, a importância que os juristas atribuem muitas 
vezes à autoridade de seus predecessores, citando-os e emprestando às suas opiniões mais valor 
que a argumentos de fundo95. Este fio condutor da tradição não impede as transformações, mas 
está presente em todas as fases da história do Direito Romano, até mesmo nas Compilações de 
Justiniano96. Concluamos lembrando o apego dos romanos ao tradicionalismo “com sua idéia 
de manter a todo o custo os costumes que tivessem mostrado sua razão de ser através das 
gerações. O mos maiorum criou um quadro muito claro das instituições da sociedade e de seus 
fundamentos, que, em parte, estavam já respaldados por preceitos e proibições; quadro que, 
firmando-se num conservadorismo agrícola, transmitido de pais para filhos, conduziu por leitos 
seguros o conhecimento do Direito até o final da época clássica97.” 
 
REALISMO 
 
Dois exemplos podem ser mencionados como manifestação do realismo: a atuação dos 
juristas, principalmente nos períodos pré-clássico e clássico, e a criação do jus honorarium. Nos 
períodos citados o Direito privado se manifesta de modo marcante como criação dos 
jurisprudentes que enfatiza Kaser (Derecho Romano Privado, p. 17), não são sábios idealistas, 
mas homens práticos “que extraem seus conhecimentos e seu saber da própria vida do Direito e 
que, por sua vez, influem com seus conhecimentos na prática jurídica”. 
A permissão dada aos magistrados com atribuições judiciárias (exemplo: pretores, edis 
curuis e governadores nas províncias) de aplicar em matéria de direito privado e direito 
processual princípios que não repousavam em explícitas bases legais foram admitidos por uma 
tácita tolerância porque correspondiam a exigências práticas), criando assim o jus honorarium, 
revela o senso realista que presidiu a evolução histórica do direito romano. O direito honorário 
foi introduzido por utilidade pública (propter utilitatem publicam D. 1.1. 7 .1 ). 
Enfatizando o sentido dos romanos para a realidade da vida o qual, tanto na política 
como no Direito, levava-os a encontrar sempre os meios mais idôneos para realizar suas 
intenções, Kaser anota: “Este realismo conduzia a soluções que se ajustavam de modo mais 
perfeito à natureza das coisas e, portanto, à normatividade da matéria tratada98.” Vale aqui 
repetir a observação de Biondi (Scritti Giuridici I, p. 326) : “A atividade dos juristas é guiada 
não por um vão intelectualismo, mas por uma finalidade prática: os juristas compreendem muito 
bem que o direito não é especulação, mas sim instrumento para satisfazer necessidades 
concretas e mutáveis, e é sempre a realidade da vida com todas as suas exigências que guia o 
desenvolvimento do sistema.” 
Concluamos estas breves considerações sobre o realismo com dois textos que revelam 
de modo eloqüente como o jurista romano prezava a realidade das coisas quenem a lei poderia, 
de qualquer forma, alterar. Gaio (I. 3, 794) : “Pois nem a lei pode tornar ladrão manifesto quem 
não o é, como não pode tornar ladrão quem absolutamente não o é, ou tornar adúltera ou 
homicida quem não é nem uma nem outra cousa.” (Neque enim lex facere potest, ut qui 
 18
manifestus fur non sit, manifestus sit, non magis quam qui omnio fur non sit, fur sit, et qui 
adulter aut homicida non sit, adulter vel homicida sit). 
Paulo (D. 41. 2 .1. 4) adverte que uma situação de fato não pode ser anulada pelo direito 
civil (res facti infirmari jure civili non potest). 
 
CASUÍSMO 
 
O enfoque do Direito sob a perspectiva do caso concreto domina todos os períodos da 
história do Direito Romano. Kaser sublinha que “o Direito Romano manteve sempre este caráter 
de casuística jurídica, ou melhor, de problemática jurídica. E isto continua sendo certo embora 
tenha havido atos de codificação em tempos primitivos com as XII Tábuas e, depois, no final da 
Idade Antiga, com o Corpus Juris. Estas codificações não excluem que o caráter total do Direito 
romano e, concretamente, do clássico, tenha sido determinado pelo fato de que o conjunto das 
idéias jurídicas se encarna nos problemas casuísticos que os juristas resolvem e expõem”99. 
 
INDIVIDUALISMO? 
 
 Pode-se atribuir ao Direito Romano a característica de individualista por ter 
reconhecido a liberdade e a autonomia do indivíduo nas relações com outros membros da 
sociedade ou por considerar o indivíduo como titular de direitos subjetivos? De Martino, em 
interessante estudo sobre “Individualismo e Diritto Romano Privato”, chama a atenção para o 
fato de que essa autonomia e essa titularidade de direitos subjetivos constituem fundamentos 
essenciais do direito privado.100 Por si só não seriam suficientes para caracterizar um sistema 
jurídico como individualista. Individualista, segundo De Martino, é um sistema em que a 
liberdade individual é concebida e regulada como fim em si mesma, fora de qualquer 
subordinação aos interesses do grupo os quais são simplesmente considerados como soma dos 
interesses individuais que, devendo existir, limitam-se reciprocamente em sentido negativo. O 
mesmo autor considera a posição da vontade individual no sistema das fontes, em Roma, “bem 
limitada e definida”101. Vejamos, a seguir, alguns exemplos citados por De Martino em que o 
Direito Romano aparece com um sentido social, ético, oposto ao individualista. 
1. O formalismo na idade primeira do Direito Romano constitui a primeira vitória da 
sociedade sobre o individual102. 
2. A tipicidade dos negócios, considerada como uma das categorias fundamentais do 
pensamento jurídico romano, revela-se um grave limite à autonomia privada. Encontramos, com 
efeito, no Direito Romano figuras bem determinadas e definidas de negócios com seus 
elementos essenciais, com suas ações correspondentes103. 
3. O cunho dado à propriedade romana como senhoria absoluta, como poder 
independente, como ato de verdadeira soberania do paterfamilias, não constitui uma 
característica nítida de individualismo? De Martino considera esse cunho, essa marca, não como 
uma exasperação individualística, mas antes como “afirmação da autoridade do pater, isto é, de 
um grupo étnico autônomo”, e cita Bonfante que procura demonstrar “que quando necessidades 
gerais e absolutas da coexistência social o exigiram, também a propriedade romana tolerava 
 19
limites104. Refutando a opinião muito difundida que acusa o condomínio romano de extremo 
individualismo, De Martino observa que o princípio do jus prohibendi, usado no Direito 
Romano direito de veto de um condômino em relação à atuação de outro condômino não é 
menos equânime e social que o princípio da maioria. Este, ao contrário, “é mais francamente 
individualístico porque dá aos mais fortes um poder quase tirânico contra os fracos, isto é, 
contra os menores e mais modestos interesses”105. 
4. No direito das obrigações, De Martino sublinha que “as idéias e tendências sociais 
possuem uma força preponderante”106. A aceitação da bona fides (que não é uma categoria 
originária do Direito Romano) constitui um “critério eminentemente social e ético” e revela 
“uma esplêndida influência das idéias sociais sobre o direito”107. 
5. A atuação do pretor, intervindo contra a rígida aplicação do jus civile (conforme 
veremos mais adiante, especialmente no estudo do processo), acentuou mais o espírito social 
que impregna certos aspectos do Direito Romano. 
 
DESIGUALDADE 
 
Estudando brevemente alguma das características do Direito Romano, Villey observa : 
“O direito romano, sem dúvida, é incompleto. Admite a escravidão, não protege os pobres, os 
doentes, os proletários; está bem longe de fazer reinar uma perfeita igualdade entre os 
homens.”108 A idéia difundida entre os intelectuais romanos pelo estoicismo de que todos os 
homens eram fundamentalmente iguais por direito natural (ver o que já escrevemos em páginas 
anteriores) era contrária ao espírito do Direito Romano que, segundo a clássica summa divisio 
de Gaio (1,9), dividia todos os homens em livres e escravos (omnes homines aut liberi sunt aut 
servi). A mentalidade que admite a igualdade fundamental dos homens como filhos do mesmo 
Deus, só triunfou graças à pregação cristã. Ao lado da desigualdade extrema entre livres e 
escravos, o Direito Romano admitia também desigualdade entre os próprios livres. Estudando o 
espírito do Direito Romano, Ihering enfatiza: “Em Roma não existia direito nem Estado, senão 
para os romanos; ou para falar com mais acerto, o direito era circunscrito à comunidade dos 
gentis. Gentilidade e capacidade civil plena, falta de gentilidade e completa incapacidade civil 
são, em sua origem, equivalentes109.” 
Notem-se aqui duas modificações impostas pela evolução dos tempos. A concessão do 
commercium aos estrangeiros e a ampliação da concessão da cidadania. 
Focalizando as diferentes formas de proteção aos estrangeiros, Ihering observa : “A mais 
apreciada consistia na concessão do commercium que fazia participar o estrangeiro das leis 
romanas sobre os bens, permitindo-lhe, por conseguinte, reclamar a proteção que o Estado 
garantia ao direito. Já neste ponto o Direito Romano eleva-se à concepção jurídica moderna que 
não estabelece distinção entre os estrangeiros e os indígenas, com a importante diferença de que, 
o que em Roma era resultado de um privilégio concedido, ou de um pacto público 
especialíssimo, é entre nós a aplicação de um princípio geral e o efeito de uma idéia jurídica 
superior. A concessão do commercium era, entre os romanos, a forma regular que dava acesso 
às relações jurídicas internacionais”110. 
Outra modificação importante é introduzida com a Constituição de Caracala do ano 212 
P.C. que, com algumas exceções, concedia a cidadania romana a todos os súditos do Império, 
transformando esta cidadania, no dizer de Grosso, “em uma cidadania universal do Império”111. 
 20
Entre os próprios cidadãos romanos o Direito estabelecia desigualdades quanto à 
capacidade jurídica. Assim, por exemplo, o cidadão romano liberto (ex-escravo) formava uma 
classe à parte e não possuía a mesma capacidade dos cidadãos romanos ingênuos (que haviam 
nascido livres e jamais haviam sido escravos). Justiniano iria conceder a todos os libertos a 
condição de ingênuos112. 
 
OUTRAS CARACTERÍSTICAS 
 
Encerremos esta tentativa de apontar algumas características do Direito Romano com a 
observação de Villey segundo o qual esse Direito “protege as liberdades individuais, com os 
direitos de contornos firmes assegurados a cada um; reconhece a autonomia da família com o 
pátrio poder; ensina ao homem a ter uma palavra e a mantê-la; não é estranho aos sentimentos 
humanitários113“ 
 21
Capítulo III 
UTILIDADE DO ESTUDO DO 
DIREITO ROMANO 
 
Por que estudar Direito Romano? 
Como resposta bem geral a essa indagação poderíamos repetir Von Ihering em sua já 
citada obra O Espírito do Direito Romano: “Sucedecom o Direito Romano o mesmo que com a 
fascinação que exercem certos indivíduos sobre outros: sentem o encanto, sem saberem ao certo 
como se pôde realizar. Tal foi a atração que ele exerceu para aqueles que o estudaram. Todos 
tiveram a percepção de sua grandeza, alguns levaram-na ao mais cego fanatismo, mas ninguém 
pensou em formular a justificação científica dessa percepção. Têm-se estudado a matéria nos 
seus íntimos detalhes e, cada vez que se trata de formular uma opinião contentam-se em 
outorgar-lhe, nos termos mais gerais, em mais brilhantes testemunhos. 
Se só se aspirasse à geral apreciação, se só se procurasse projetar luz brilhante sobre a 
grandeza do Direito Romano e não se tivesse outro fim senão convencer ao ignorante, ou fechar 
a boca ao cético, bastaria deixar falar os fatos, porque a história leva em si o melhor testemunho 
em favor da excelência do Direito Romano: o papel que desempenhou assinala sua verdadeira 
grandeza.114“ 
Nas páginas seguintes vamos tentar demonstrar a utilidade do estudo do Direito Romano 
sob um duplo aspecto: cultural e prático. 
 
UTILIDADE DE ORDEM CULTURAL 
 
Cultura geral - Numa época em que o pragmatismo e o tecnicismo ameaçam bitolar as 
inteligências, nunca será demais sublinhar quão importante se constitui para o ser humano 
ampliar cada vez mais seus horizontes culturais adquirindo conhecimentos que lhe 
proporcionem uma ampla visão de conjunto dos fenômenos que entretecem toda a trama da 
civilização, quer focalizada em sua horizontalidade atual, quer visualizada em sua verticalidade 
temporal. Em outras palavras: para o ser humano viver conscientemente sua inserção no 
contexto histórico, indispensável se torna : aquisição de um bom lastro do que se chama cultura 
geral, isto é, de conhecimentos que não possibilitem necessariamente lucro pecuniário ou 
aplicação tecnológica: Entre esses conhecimentos figuram de modo ímpar os relativos à História, 
de um modo geral, e, de um modo muito especial, à História de nossa Civilização Ocidental. 
Ora, a presença do Direito Romano é uma constante em todas as fases da elaboração dessa 
Civilização, desde suas raízes clássicas até a época contemporânea. Compreende-se pois que, se 
o conhecimento da História de nossa Civilização é parte integrante do cultura geral e se o 
DirEito Romano constitui um elemento importante na formação dessa civilização, o estudo, 
ainda que superficial, dos principais aspectos desse Direito, contribua para melhor compreensão 
dos fenômenos históricos e conseqüente ampliação da cultura geral. Exemplifiquemos. 
A civilização greco-romana é o pedestal de nossa Civilização e o Direito Romano 
constitui, sem dúvida, um dos aspectos mais interessantes dessa civilização. Sem uma noção 
 22
elementar da estrutura político-administrativa e das normas jurídicas que regeram o povo 
romano através das fases de sua longa história, é impossível compreender plenamente a vida na 
Roma Antiga, a organização da família romana e seu papel decisivo na História de Roma, o 
êxito admirável dos romanos na conquista, integração e governo de povos os mais variados sob 
o ponto de vista racial e cultural, todos reunidos no vasto e imponente Império. Petit chama 
atenção para a importância do Direito Romano no estudo da civilização romana: “O Direito é 
indispensável para compreender a história e á literatura romanas. Em Roma, mais que em 
qualquer outra parte, os cidadãos estavam iniciados na prática do direito; era isto a 
conseqüência de sua inclinação natural e de seu sistema de organização judiciária”115. 
Outro exemplo. Pode-se afirmar, de um modo geral, que os bárbaros germânicos 
invasores do Império Romano do Ocidente respeitaram o Direito Romano. Vasiliev acentua a 
influência das normas jurídicas romanas sobre os Reinos Bárbaros: “Enfim, o Código 
Teodosiano, introduzido no Ocidente na época das invasões germânicas exerceu, com os dois 
códigos anteriores, as Novelas posteriores e alguns monumentos jurídicos da Roma Imperial (as 
Institutas de Gaio, por exemplo), uma grande influência, direta e indireta, sobre a legislação 
bárbara. A famosa “Lei Romana dos Visigodos” (Lex Romana Visigothorum) destinada aos 
súditos romanos no reino visigótico não é senão uma abreviação do Código Teodosiano e das 
outras fontes que acabamos de mencionar. Por isso a Lei Romana dos Visigodos se denomina 
também “Breviário de Alarico “ (Breviarium Aluricianum), do nome do resumo publicado pelo 
rei visigodo Alarico II, no início do século VI. Este é um exemplo de influência direta exercida 
sobre a legislação bárbara pelo Código de Teodósio. Porém maior foi ainda a influência indireta 
que exerceu por intermédio do supracitado código visigótico. Na Alta Idade Média sempre que 
se alude à Lei Romana, é invariavelmente a Lei Romana dos Visigodos e não o verdadeiro 
Código Teodosiano que se cita. Durante todo esse período e até a época de Carlos Magno 
inclusive, a legislação da Europa Ocidental foi influenciada pelo Breviário de Alarico que se 
converteu na principal fonte do Direito Romano no Ocidente”116. 
Enquanto nas antigas províncias romanas do Império do Ocidente ocupadas agora pelos 
bárbaros estava vigente o Direito Romano baseado no Codex Theodosianus e em algumas 
disposições legislativas subseqüentes, mas anteriores a Justiniano, na península itálica, após a 
reconquista, pelas tropas bizantinas, passou a ter vigência o Direito Justinianeu117. Sublinhe-se 
que este Direito, consubstanciado nas compilações que posteriormente seriam designadas como 
“Corpus Juris Civilis” não se tornou conhecido em sua totalidade na península itálica. Assim, 
por exemplo, o Digesto só foi conhecido provavelmente por estudiosos do Direito Romano, pois 
na prática passou despercebido durante séculos. É provável que uma das causas desse lastimável 
esquecimento se encontre na elevada linguagem dos jurisconsultos romanos que não estaria ao 
alcance dos ítalo-romanos habituados a um latim bastante decadente. As Institutas de Justiniano, 
entretanto, foram conhecidas e estudadas durante todo o período dos Reinos Bárbaros e em 
pleno Mundo Feudal. 
Como o leitor facilmente concluirá, a História da Europa nos séculos que seguiram a 
Queda do Império do Ocidente seria incompreensível sem uma noção ainda que elementar do 
papel exercido então pelo Direito Romano. Diga-se o mesmo da História da Europa Feudal, 
principalmente graças ao êxito da difusão do Direito Romano especialmente o justinianeu. a 
partir da famosa Escola de Bolonha. A vida jurídica da Europa na época do Mundo Feudal, a 
atuação dos legistas, a decadência do sistema feudal, etc. constituem aspectos da História 
Medieval que só podem ser plenamente compreendidos levando-se em conta a maior ou menor 
influência do Direito Romano118. 
 
 
 23
Cultura Jurídica 
 
Que o conhecimento, ainda que elementar, do Direito Romano contribua para ampliar a 
cultura jurídica, parece-nos ocioso demonstrar. Limitemo-nos, pois, neste item, a chamar a 
atenção, meramente a título de exemplo, para alguns aspectos da cultura jurídica em que a 
presença do Direito Romano é marcante, especialmente no que concerne à História do Direito e 
ao estudo do Direito Comparado. 
O que se escreveu a propósito da “cultura geral” evidencia que o Direito Romano 
através dos tempos constitui um capítulo obrigatório em qualquer estudo da História do Direito. 
Monier chama a atenção para a importância do Direito Romano sob o ponto de vista histórico: 
“Sob o ponto de vista histórico, o estudo das instituições jurídicas romanas permite seguir a 
evolução das regras de direito no decurso de um período de mais de dez séculos: assistimos, de 
certo modo, ao nascimento de um direito ainda imperfeito e bárbaro, seguimos seu 
desenvolvimento à medida em que se transforma o meio econômico e social até o período dito 
clássico, quando, sob a influência dos jurisconsultos, adquire um valor técnico raramente 
igualado. Enfim, vemos a ciência jurídica entrar em decadência no Baixo

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