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curso livre Ler Ebook AUTISMO EM PERSPECTIVA Apoio Núcleo de Apoio Psicopedagógico – NUAP Núcleo de Inclusão e Acessibilidade – NIA Organização Ana Clarisse Alencar Barbosa Autor Kevin D. S. Leyser Reitor da UNIASSELVI Prof. Hermínio Kloch Pró-Reitora do EAD Prof.ª Francieli Stano Torres Edição Gráfica e Revisão UNIASSELVI AUTISMO NA PERSPECTIVA DA NEUROBIOLOGIA E NEUROPSICOLOGIA E.02 2 DO AUTISMO AO TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA REFERÊNCIAS 1 INTRODUÇÃO 3 3 ASPECTOS NEUROBIOLÓGICOS DO AUTISMO 4 ASPECTOS NEUROPSICOLÓGICOS DO AUTISMO 5 CONSIDERAÇÕES 1 INTRODUÇÃO Olá, vamos continuar! Estamos na segunda parte do nosso estudo, da nossa formação. Estamos fomentando e trazendo alguns dos aspectos que mais geram interesse e curiosidade sobre o Transtorno do Espectro Autista (TEA). Neste espaço, explanaremos brevemente o percurso histórico da definição do Transtorno do Espectro Autista (TEA), desde os casos mais antigos conhecidos como autismo, as primeiras descrições e classificações, até chegar ao parâmetro do Manual Estatístico e Diagnóstico de Transtornos Mentais V (DSM-V). Em sequência, vamos nos debruçar sobre os aspectos neurobiológicos do autismo. Aqui o objetivo será apresentar a você, caro estudante, as principais descobertas de pesquisa atuais sobre a base neural do autismo. Para finalizar esta etapa, vamos aprofundar nosso conhecimento sobre o TEA explorando seus aspectos neuropsicológicos. Você poderá ler a respeito das 2 DO AUTISMO AO TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA REFERÊNCIAS 1 INTRODUÇÃO 4 3 ASPECTOS NEUROBIOLÓGICOS DO AUTISMO 4 ASPECTOS NEUROPSICOLÓGICOS DO AUTISMO 5 CONSIDERAÇÕES principais pesquisas e suas descobertas sobre processos psicológicos básicos (como a linguagem, a atenção, a cognição social, as emoções etc.) no TEA, sempre associando as suas bases neurobiológicas. 2 DO AUTISMO AO TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA Caro estudante, o diagnóstico do autismo é baseado exclusivamente na avaliação clínica na ausência de biomarcadores específicos. A avaliação de referência atual é baseada em ferramentas padronizadas, sendo a mais amplamente utilizada a Entrevista Diagnóstica para Autismo Revisada (ADI-R) (LORD; RUTTER; LE COUTEUR, 1994) e a Escala de Observação para o Diagnóstico de Autismo 2 (ADOS-2) (LORD et al., 1989). O ADI-R consiste em uma entrevista dos pais, que avalia a história do desenvolvimento do paciente com foco nas interações sociais, comunicação social e comportamentos repetitivos. O ADOS- 2 consiste em uma avaliação do paciente durante sequências padronizadas de brincadeiras e entrevistas. Essas ferramentas foram desenvolvidas principalmente para fornecer um diagnóstico categórico, ou seja, permitem determinar a presença 2 DO AUTISMO AO TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA REFERÊNCIAS 1 INTRODUÇÃO 5 3 ASPECTOS NEUROBIOLÓGICOS DO AUTISMO 4 ASPECTOS NEUROPSICOLÓGICOS DO AUTISMO 5 CONSIDERAÇÕES ou ausência de um transtorno do espectro autista, embora o conceito de autismo por si só nunca tenha sido claramente validado e tenha variado amplamente desde sua primeira descrição. Os casos mais antigos conhecidos de autismo precederam em muito as primeiras descrições desse transtorno por psiquiatras, feitas apenas há 70 anos. De fato, já no século XII, um dos discípulos de São Francisco de Assis, irmão Juniper, foi descrito como um homem de absoluta honestidade e sinceridade, incapaz de medir as consequências de suas ações. Apelidado de “brinquedo de Deus”, ele foi ridicularizado por seu comportamento excessivo e absurdo. No final do século XVIII, a criança selvagem, Victor de Aveyron, de acordo com o médico Itard, que forneceu descrições valiosas, apresentava alterações persistentes nas interações sociais, movimentos de balanço repetitivos e uma percepção sensorial específica após vários anos de educação (FRITH, 2010). O termo autismo (do grego autós ou self) foi usado pela primeira vez no início do século XX pelo psiquiatra suíço Eugen Bleuler (1911), que assim se referia à retirada social e perda de contato com a realidade observada em pacientes esquizofrênicos. Em 1943, o psiquiatra infantil norte-americano Leo Kanner (1943), fundador do primeiro departamento hospitalar de psiquiatria 2 DO AUTISMO AO TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA REFERÊNCIAS 1 INTRODUÇÃO 6 3 ASPECTOS NEUROBIOLÓGICOS DO AUTISMO 4 ASPECTOS NEUROPSICOLÓGICOS DO AUTISMO 5 CONSIDERAÇÕES infantil, no Hospital Johns Hopkins, em Baltimore, Maryland, EUA, propôs esse termo para qualificar um distúrbio infantil, independentemente da esquizofrenia coexistente. Em seu artigo Distúrbios autísticos do contato afetivo, ele descreveu 11 crianças, ou seja, 8 meninos e 3 meninas, de 2 a 11 anos, todos com uma incapacidade inata de formar o contato afetivo usual e fornecido biologicamente com as pessoas e um desejo ansiosamente obsessivo pela manutenção da mesmice (KANNER, 1943). Embora algumas crianças desse grupo tenham sido previamente diagnosticadas com esquizofrenia, Kanner (1943) indicou que o retraimento difere daquele descrito na esquizofrenia, pois ele está presente desde o início da vida, enquanto pacientes com esquizofrenia, crianças ou adultos, mostram um estado de desenvolvimento essencialmente normal seguido de mudanças de comportamento e retraimento social progressivo. Independentemente deste trabalho, em 1944, o psiquiatra austríaco Hans Asperger (1944) usou o termo “psicopatia autista” para descrever 4 meninos de 6 a 11 anos que mostraram uma degradação fundamental causando dificuldades significativas e muito típicas na integração social, no entanto, às vezes compensado por uma originalidade do pensamento e da experiência que 2 DO AUTISMO AO TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA REFERÊNCIAS 1 INTRODUÇÃO 7 3 ASPECTOS NEUROBIOLÓGICOS DO AUTISMO 4 ASPECTOS NEUROPSICOLÓGICOS DO AUTISMO 5 CONSIDERAÇÕES poderiam levar posteriormente a realizações notáveis. Este artigo de Asperger (1944), escrito em alemão, permaneceu desconhecido por um longo tempo. Em 1981, a psiquiatra britânica Lorna Wing (1981) contribuiu para expor esses trabalhos a um público maior. Notavelmente, com base nas descrições de Asperger (1944) e em 34 outros casos da clínica que ela administrava, Lorna Wing propôs uma definição da síndrome de Asperger (WING, 1981). Em seu artigo de 1943, Kanner forneceu descrições detalhadas de seus pacientes e suas características comuns, mas não formalizou os critérios de diagnóstico. Em 1956, com o psiquiatra americano Leon Eisenberg, ele definiu dois critérios que considerou essenciais (KANNER; EISENBERG, 1956): • profunda ausência de contato afetivo; • comportamento elaborado, repetitivo e ritualístico. Em 1978, Michael Rutter, o primeiro professor de psiquiatria infantil no Reino Unido e um dos primeiros a desenvolver a psicologia infantil, sugeriu quatro critérios para definir o autismo: • desenvolvimento social prejudicado que não corresponde ao nível intelectual da criança; 2 DO AUTISMO AO TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA REFERÊNCIAS 1 INTRODUÇÃO 8 3 ASPECTOS NEUROBIOLÓGICOS DO AUTISMO 4 ASPECTOS NEUROPSICOLÓGICOS DO AUTISMO 5 CONSIDERAÇÕES • linguagem atrasada e desviante que não corresponde ao nível intelectual da criança; • uma necessidade de imutabilidade que leva a jogos estereotipados, preocupações incomuns e resistência à mudança; • início do distúrbio antes dos 30 meses de idade. Em 1979, Wing e Gould definiram três sintomas recorrentes no autismo com déficits em três domínios: interação social, comunicação social e imaginação social. Essa tríade de sintomas foi usada como base para a construção de critérios diagnósticos na 4ª edição do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, DSM-IV (WING; GOULD, 1979), referência internacional para o diagnóstico de transtornos mentais. A recenteevolução dos critérios de diagnóstico para autismo neste manual reflete as mudanças ocorridas no entendimento dos sintomas e da fisiopatologia do autismo. No DSM-IV-TR – 4ª edição, texto revisado – (DSM-IV-TR, 2003), o autismo foi definido pela tríade de Wing e Gould (1979), sendo o terceiro item (déficit na imaginação social) substituído pela presença de comportamentos repetitivos (ou estereotipias) e interesses restritos, vistos como resultado da falta de imaginação social mencionada inicialmente. O transtorno autista foi classificado 2 DO AUTISMO AO TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA REFERÊNCIAS 1 INTRODUÇÃO 9 3 ASPECTOS NEUROBIOLÓGICOS DO AUTISMO 4 ASPECTOS NEUROPSICOLÓGICOS DO AUTISMO 5 CONSIDERAÇÕES na categoria “transtornos invasivos do desenvolvimento”, que incluiu outros quatro transtornos: • Síndrome de Asperger, que se distinguiu do autismo pela ausência de atraso de linguagem e cognitivo. • Transtorno Desintegrativo da Infância, caracterizado por um período de desenvolvimento normal de 2 a 4 anos, seguido pelo aparecimento de sintomas autistas. • Síndrome de Rett, cuja etiologia genética é conhecida e afeta apenas meninas. • Transtorno Invasivo do Desenvolvimento Sem Outra Especificação. Esse diagnóstico refere-se a pacientes com alterações graves e invasivas nas interações sociais ou comunicação verbal e não verbal, ou comportamento, interesses e atividades estereotipadas, que não atendem a todos os critérios para um transtorno invasivo do desenvolvimento (TID) específico. A conceituação desses distúrbios mudou dramaticamente nos últimos 10 anos, o que se reflete no DSM-V, a nova edição do manual do DSM publicada em maio de 2013 (DSM-V, 2014). De fato, vários estudos apoiaram 1 categoria e 2 dimensões de sintomas (SNOW; LECAVALIER, 2011; MATTILA et al., 2011), levando ao colapso das categorias diagnósticas anteriores de transtornos 2 DO AUTISMO AO TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA REFERÊNCIAS 1 INTRODUÇÃO 10 3 ASPECTOS NEUROBIOLÓGICOS DO AUTISMO 4 ASPECTOS NEUROPSICOLÓGICOS DO AUTISMO 5 CONSIDERAÇÕES generalizados do desenvolvimento em uma única categoria de transtorno do espectro do autismo ou TEA. Esse termo foi proposto em 1988 por Doris Allen (1988) e reflete a heterogeneidade dos sintomas do autismo. Além disso, os critérios de diagnóstico foram agrupados em duas áreas amplas em vez de três: • Comprometimento/déficits de interação e comunicação social (ambos os elementos foram previamente avaliados separadamente e agora são considerados um aspecto da doença). • Comportamentos, interesses e atividades restritos e repetitivos. FIGURA 1 – DSM-5 – MANUAL DIAGNÓSTICO E ESTATÍSTICO DE TRANSTORNOS MENTAIS FONTE: <http://bit.ly/2FYi7Bt>. Acesso em: 1º mar. 2020. 2 DO AUTISMO AO TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA REFERÊNCIAS 1 INTRODUÇÃO 11 3 ASPECTOS NEUROBIOLÓGICOS DO AUTISMO 4 ASPECTOS NEUROPSICOLÓGICOS DO AUTISMO 5 CONSIDERAÇÕES Descrição da imagem: a imagem representa a capa de um livro, nesta capa com cores na cor azul escuro nas bordas e na cor azul claro no centro e de forma centralizada está escrito Manual Diagnóstico e Estatísticos de Transtornos Mentais, 5ª Edição, DSM05, e ao final American Psychiatric Association, Artmed. Atualmente, é amplamente aceito que em cada domínio do comprometimento existe um gradiente na gravidade dos sintomas que pode variar consideravelmente de um indivíduo para outro e na mesma pessoa em diferentes idades, levando a uma apresentação clínica diferente em cada indivíduo. Assim, as seguintes escalas dimensionais foram desenvolvidas para avaliar quantitativamente os sintomas autistas: a Escala de Responsividade Social (ERS), que mede a gravidade do déficit de responsividade social (CONSTANTINO et al., 2000); o Checklist da Comunicação da Criança (CCC), que avalia a dimensão social da comunicação (BISHOP, 1998); a Escala de Comportamento Repetitivo (RBS), que avalia comportamentos repetitivos (BODFISH et al., 2000), e o Quociente do Espectro Autista (QA), que avalia a gravidade dos sintomas autistas como um todo (BARON-COHEN et al., 2001). Curiosamente, essa visão revisada é consistente com a imagem emergente dos mecanismos subjacentes aos Transtornos do Espectro do Autista e deve ajudar várias áreas da pesquisa sobre o autismo avançar. De fato, aceitar lidar 2 DO AUTISMO AO TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA REFERÊNCIAS 1 INTRODUÇÃO 12 3 ASPECTOS NEUROBIOLÓGICOS DO AUTISMO 4 ASPECTOS NEUROPSICOLÓGICOS DO AUTISMO 5 CONSIDERAÇÕES com a heterogeneidade clínica em vez de resolvê-la deve ajudar a promover o já imenso progresso que foi feito nesse domínio. 3 ASPECTOS NEUROBIOLÓGICOS DO AUTISMO Caro estudante, agora vamos nos ater aos aspectos neurobiológicos do autismo. Há um vasto corpo de evidências demonstrando que o cérebro autista é funcional e estruturalmente diferente do cérebro neurotípico, particularmente em áreas cerebrais que sustentam o controle inibitório, a comunicação e as emoções. Os comprometimentos nessas áreas levam a uma série de déficits inter- relacionados na interação interpessoal, como problemas para lembrar e identificar pessoas, incapacidade de perceber pistas sociais e interpretar mal pistas não verbais, como gestos, expressões faciais e prosódia da fala. 2 DO AUTISMO AO TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA REFERÊNCIAS 1 INTRODUÇÃO 13 3 ASPECTOS NEUROBIOLÓGICOS DO AUTISMO 4 ASPECTOS NEUROPSICOLÓGICOS DO AUTISMO 5 CONSIDERAÇÕES 3.1 MAIOR VOLUME CEREBRAL TOTAL Os dados da Ressonância Magnética (RM) revelam que entre dois e quatro anos de idade, 90% das crianças autistas têm um volume cerebral médio significativamente maior que os controles neurotípicos (AKSHOOMOFF; PIERCE; COURCHESNE, 2002). Esse é particularmente o caso no córtex pré-frontal dorsolateral (HUA et al., 2013). FIGURA 2 – CÓRTEX PRÉ-FRONTAL DORSOLATERAL FONTE: <shorturl.at/hiACZ>. Acesso em: 1º mar. 2020. 2 DO AUTISMO AO TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA REFERÊNCIAS 1 INTRODUÇÃO 14 3 ASPECTOS NEUROBIOLÓGICOS DO AUTISMO 4 ASPECTOS NEUROPSICOLÓGICOS DO AUTISMO 5 CONSIDERAÇÕES Descrição das imagens: a imagem representada divide as partes do CÓRTEX PRÉ-FRONTAL DORSOLATERAL Não é de surpreender que o aumento do volume cerebral corresponda ao crescimento acelerado da cabeça (ou seja, maior perímetro cefálico), pelo menos em crianças pequenas com autismo (LINDLEY et al., 1999). De fato, o perímetro cefálico aumentado, cerca de dois desvios padrão acima da média geral da população, é um dos achados clínicos mais replicados no autismo (CHASTE et al., 2013). No entanto, um estudo recente da população norueguesa sugere que é a variabilidade da circunferência da cabeça, e não a média, que é maior em meninos com autismo em relação a crianças neurotípicas (SURÉN et al., 2013). Pouco se sabe se a macrocefalia contribui para outras características coexistentes conhecidas do autismo, como epilepsia ou cefaleia. No entanto, demonstrou estar relacionado ao excesso de líquido cefalorraquidiano. Em um recente estudo prospectivo de bebês em risco de transtorno do espectro autista, as ressonâncias magnéticas foram realizadas em três momentos (8-11, 14-17, 20-26 meses de idade) (SHEN et al., 2013). Os bebês posteriormente identificados com autismo mostraram significativamente maior fluido extra- 2 DO AUTISMO AO TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA REFERÊNCIAS 1 INTRODUÇÃO 15 3 ASPECTOS NEUROBIOLÓGICOS DO AUTISMO 4 ASPECTOS NEUROPSICOLÓGICOS DO AUTISMO 5 CONSIDERAÇÕES axial (ou seja, excesso de líquido cefalorraquidiano no espaço subaracnóideo, principalmente sobre os lobos frontais) em todos os períodos de teste. Também houve uma correlação positiva entre a quantidade de fluido extra-axial e a gravidade da sintomatologia. FIGURA 3 – RESSONÂNCIA MAGNÉTICA DE UM BEBÊ DE SEIS MESES DIAGNOSTICADO COM TEA AOS DOIS ANOS(À DIREITA) E CÉREBRO DE UM BEBÊ NEUROTÍPICO (À ESQUERDA) FONTE: Carolina Institute for Developmental Disabilities (UNC-Chapel Hill). Disponível em: <shorturl.at/ fgDJ5>. Acesso em: 2 mar. 2020. Descrição da imagem: a imagem é uma ressonância magnética de um bebê de seis meses diagnosticado com TEA aos dois anos (à direita) e cérebro de um bebê neurotípico (à esquerda). 2 DO AUTISMO AO TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA REFERÊNCIAS 1 INTRODUÇÃO 16 3 ASPECTOS NEUROBIOLÓGICOS DO AUTISMO 4 ASPECTOS NEUROPSICOLÓGICOS DO AUTISMO 5 CONSIDERAÇÕES Os dados de autópsia também revelam um excesso de neurônios no córtex pré-frontal entre crianças pequenas com autismo. Crianças pequenas com autismo também exibem mais substância branca cortical (18%) e cerebelar (39%) do que os controles (AKSHOOMOFF; PIERCE; COURCHESNE, 2002). A superprodução de células e axônios cerebrais acaba diminuindo à medida que a criança autista se desenvolve (SHUMANN et al., 2010). Embora a superprodução de neurônios seja uma característica normal do desenvolvimento cerebral, o desenvolvimento típico envolve a poda subsequente do excesso de neurônios e sinapses. A eliminação progressiva das sinapses é um dos princípios gerais da plasticidade cerebral. Em última análise, melhora o funcionamento do circuito neural e coincide com o aumento das habilidades cognitivas e motoras na criança em desenvolvimento típico. No caso do autismo, no entanto, a poda normal do excesso de neurônios e suas conexões parece estar comprometida, levando a uma conectividade anormal da substância branca na adolescência e na idade adulta jovem (COURCHESNE; CAMPBELL; SOLSO, 2011). Juntos, os déficits neurais específicos que causam crescimento prematuro do cérebro podem estar subjacentes à base neural do autismo. Embora não esteja claro o que causa esse crescimento excessivo de substância cinzenta e branca, 2 DO AUTISMO AO TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA REFERÊNCIAS 1 INTRODUÇÃO 17 3 ASPECTOS NEUROBIOLÓGICOS DO AUTISMO 4 ASPECTOS NEUROPSICOLÓGICOS DO AUTISMO 5 CONSIDERAÇÕES um resultado parece ter menos conexões ou conexões anormais entre áreas do cérebro envolvidas no controle inibitório e no reconhecimento facial, a saber, o córtex frontal, o córtex temporal e a amígdala. 3.2 CONTROLE INIBITÓRIO E CONECTIVIDADE CEREBRAL Caro estudante, sabemos que indivíduos com autismo geralmente apresentam comprometimento do funcionamento executivo, incluindo inflexibilidade e déficits de reciprocidade social. No nível neural, essas características têm sido associadas a problemas no córtex frontal e aos circuitos que levam e partem do lobo frontal. As funções executivas incluem planejamento, memória de trabalho, atenção, resolução de problemas, raciocínio verbal, flexibilidade mental, alternância de tarefas e monitoramento de ações e controle inibitório. O controle inibitório permite que indivíduos retenham respostas dominantes ou ignorem estímulos 2 DO AUTISMO AO TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA REFERÊNCIAS 1 INTRODUÇÃO 18 3 ASPECTOS NEUROBIOLÓGICOS DO AUTISMO 4 ASPECTOS NEUROPSICOLÓGICOS DO AUTISMO 5 CONSIDERAÇÕES perturbadores, a fim de fornecer uma resposta apropriada. Em situações do mundo real, o controle inibitório é importante, pois nos impede de executar uma ação potencialmente inadequada quando sentida a necessidade (por exemplo, uma explosão emocional extrema). A retenção de impulsos inadequados é um critério necessário para a realização de comportamentos socialmente adequados. Déficits de controle inibitório e comportamento repetitivo fazem parte das principais características do autismo. A comunicação e a integração de redes cerebrais específicas são vitais para a execução bem-sucedida das funções motoras e executivas. O controle inibitório, em particular, requer sincronização das redes neuronais principalmente no lobo frontal (giro cingulado anterior, giro cingulado médio) e áreas posteriores do cérebro, como o estriado, os gânglios da base e a ínsula (que está localizada bem no fundo do sulco lateral, separando o lobo temporal dos lobos frontais). Pesquisas usando uma variedade de técnicas mostraram que a conectividade das regiões posteriores ao córtex pré-frontal é atípica em pessoas com TEA. Por exemplo, a imagem por tensor de difusão (DTI), que mede a conectividade da substância branca, indica que aqueles com autismo mostram anatomia anormal dos tratos frontoestriatais da substância branca (LANGEN et al., 2 DO AUTISMO AO TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA REFERÊNCIAS 1 INTRODUÇÃO 19 3 ASPECTOS NEUROBIOLÓGICOS DO AUTISMO 4 ASPECTOS NEUROPSICOLÓGICOS DO AUTISMO 5 CONSIDERAÇÕES 2012). Ressonância magnética funcional (fMRI), capaz de medir a conectividade funcional entre as áreas do cérebro durante o desempenho de uma tarefa, corroboram as descobertas estruturais. O circuito de inibição é subativado e menos sincronizado em indivíduos com autismo em comparação com controles neurotípicos (KANA et al., 2007). A ressonância magnética funcional em repouso ou a gravação eletroencefalográfica (EEG) podem medir a sincronização cortical na ausência de desempenho de tarefa. A conectividade cortical anormal no estado de repouso entre as regiões frontal e posterior também foi encontrada em indivíduos com autismo (MURIAS et al., 2007). Curiosamente, a via frontoestriatal também é prejudicada em indivíduos com transtorno do déficit de atenção e hiperatividade (TDAH) (WU et al., 2014) e déficits no funcionamento executivo estão entre as principais características do TDAH. Como existem altas taxas de comorbidade entre o autismo e o TDAH (TALKOWSKI; MINIKEL; GUSELLA, 2014), agora precisamos saber como essa via funciona em indivíduos com apenas uma ou ambas as condições (VISSERS; COHEN; GEURTS, 2012). Anteriormente, o manual de diagnóstico do DSM não permitia o codiagnóstico de TEA e TDAH. O DSM-V removeu essa proibição de comorbidade. Assim, indivíduos com transtorno do espectro autista também podem ter um diagnóstico de TDAH. Uma melhor compreensão da etiologia do autismo e de suas condições associadas ajudará nas estratégias de diagnóstico e tratamento mais precoces. 2 DO AUTISMO AO TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA REFERÊNCIAS 1 INTRODUÇÃO 20 3 ASPECTOS NEUROBIOLÓGICOS DO AUTISMO 4 ASPECTOS NEUROPSICOLÓGICOS DO AUTISMO 5 CONSIDERAÇÕES 3.3 PROCESSAMENTO DA FACE E CONECTIVIDADE CEREBRAL Caro estudante, embora exista uma grande variabilidade na gravidade dos sintomas e no funcionamento intelectual do TEA, todos os indivíduos com autismo têm dificuldades sociais envolvendo contato visual, interações recíprocas e resposta a sinais emocionais. Esta seção descreve pesquisas que sugerem que essas dificuldades sociais podem ser o resultado da natureza do processamento da face no autismo. As áreas do cérebro envolvidas em nossa capacidade de atender e processar informações das faces (área ou giro fusiforme – também conhecido como occipitotemporal gyrus, em latim – e amígdala) podem estar prejudicadas em pessoas com autismo. Crianças com TEA apresentam um desempenho pior em tarefas de processamento de faces, incluindo discriminação e reconhecimento de faces. Em crianças muito pequenas, a capacidade de usar informações faciais (por exemplo, envolver-se em atenção articular) é considerada um marcador crítico inicial do TEA. Os indivíduos com TEA também processam faces usando estratégias anormais. 2 DO AUTISMO AO TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA REFERÊNCIAS 1 INTRODUÇÃO 21 3 ASPECTOS NEUROBIOLÓGICOS DO AUTISMO 4 ASPECTOS NEUROPSICOLÓGICOS DO AUTISMO 5 CONSIDERAÇÕES Eles prestam menos atenção às principais características da face, como os olhos e o nariz, em relação aos adultos em desenvolvimento típico (ZWAIGENBAUM et al., 2005). Robert Schultz foi um dos primeiros a descobrir através da ressonância magnéticaque, no nível neural básico, uma face é apenas outro objeto para pessoas com autismo. Sua metodologia típica era pedir às pessoas com autismo e controles neurotípicos que pressionassem um botão para indicar se pares de faces ou objetos (por exemplo, xícaras, cadeiras) eram iguais ou diferentes. Os resultados revelaram que indivíduos neurotípicos usam principalmente o giro fusiforme (conhecido como área fusiforme da face) ao processar faces e o giro temporal inferior para processar os objetos. Por outro lado, os participantes com autismo usaram o giro temporal inferior para os objetos e as faces (SCHULTZ, 2005). Além de negligenciar a área fusiforme da face ao responder às faces, indivíduos com autismo apresentam conectividade prejudicada entre o giro fusiforme direito e a amígdala. A própria amígdala também é anormalmente grande em crianças autistas (SCHUMANN et al., 2004). A amígdala mede apenas uma polegada de comprimento, reside profundamente dentro do cérebro 2 DO AUTISMO AO TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA REFERÊNCIAS 1 INTRODUÇÃO 22 3 ASPECTOS NEUROBIOLÓGICOS DO AUTISMO 4 ASPECTOS NEUROPSICOLÓGICOS DO AUTISMO 5 CONSIDERAÇÕES e tem o formato de uma amêndoa. Ela desempenha um papel significativo na expressão facial e no processamento emocional (SKUSE, 2003) e, se a amígdala é danificada, há dificuldade em reconhecer emoções fortes como o medo (ADOLPHS; BARON-COHEN; TRANEL, 2002). Em indivíduos neurotípicos, a amígdala é significativamente mais ativada quando uma face medrosa é percebida em oposição a uma face neutra (MORRIS et al., 1998). Kleinhans et al. (2008) descobriram que o grau de comprometimento social naqueles com autismo estava associado à diminuição da conectividade entre a amígdala e a área fusiforme da face. O comprometimento social foi medido com o escore social da Entrevista Diagnóstica para Autismo Revisada (ADI-R). Essa correlação negativa entre a conectividade da amígdala e a área fusiforme da face e o escore da ADI-R sugere que anormalidades nas conexões entre o centro emocional do cérebro e a área de processamento da face desempenham um papel importante nas dificuldades das habilidades sociais no autismo. 2 DO AUTISMO AO TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA REFERÊNCIAS 1 INTRODUÇÃO 23 3 ASPECTOS NEUROBIOLÓGICOS DO AUTISMO 4 ASPECTOS NEUROPSICOLÓGICOS DO AUTISMO 5 CONSIDERAÇÕES 3.4 RESPOSTA NEURAL AO TRATAMENTO DO TEA Caro acadêmico, agora que falamos sobre as bases neurobiológicas do autismo, quais seriam as aplicabilidades destas descobertas para tratamento do TEA? Vamos agora responder brevemente a esta pergunta. Dado que o bem-estar a longo prazo das comunidades é cada vez mais determinado pelo comportamento social dos indivíduos, agora está claro que a dificuldade social é uma fonte essencial de deficiência. Embora os estudos de neuroimagem tenham demonstrado diferenças anatômicas e funcionais nas áreas sociais do cérebro em indivíduos com autismo, quando comparados aos controles, a pesquisa sobre a base neural para resposta à intervenção em pessoas com autismo está em sua infância. Dois desses estudos investigaram recentemente a resposta neural ao tratamento do TEA (DAWSON et al., 2012; GORDON et al., 2013). Esses estudos refletem uma tendência mais ampla de buscar medidas objetivas, ou biomarcadores, para ajudar a avaliar os efeitos do tratamento do TEA. 2 DO AUTISMO AO TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA REFERÊNCIAS 1 INTRODUÇÃO 24 3 ASPECTOS NEUROBIOLÓGICOS DO AUTISMO 4 ASPECTOS NEUROPSICOLÓGICOS DO AUTISMO 5 CONSIDERAÇÕES Dawson et al. (2012) usaram o EEG para medir a atividade cerebral de crianças com TEA (idades de 4 a 6 anos) enquanto visualizavam imagens de faces e brinquedos desconhecidos em uma tela. Quinze dos participantes com TEA haviam completado um programa de dois anos do Modelo Denver de Intervenção Precoce (ESDM), 20 horas/semana, 14 com TEA haviam recebido outras terapias comportamentais baseadas na comunidade, e havia 17 controles com desenvolvimento típico. Os investigadores usaram um biomarcador baseado em EEG que indica a resposta ao tratamento (o potencial evocado N170 reflete a resposta precoce do cérebro, pois reconhece que uma face é uma face). Ambos os grupos de intervenção mostraram respostas típicas do N170 após o tratamento, mas aqueles que receberam ESDM tinham outros indicadores de EEG que eram mais comparáveis às crianças controle. Gordon et al. (2013) mediram as alterações na ressonância magnética em 17 crianças com TEA após administração intranasal de ocitocina. As atividades de escaneamento incluíram julgamentos de figuras socialmente significativas (olhos) e figuras não socialmente significativas (veículos). A terapia aumentou a atividade no estriado, núcleo accumbens, sulco temporal superior esquerdo e córtex pré-motor esquerdo durante julgamentos sociais, e diminuição da atividade durante julgamentos não sociais. As ativações durante o processamento de 2 DO AUTISMO AO TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA REFERÊNCIAS 1 INTRODUÇÃO 25 3 ASPECTOS NEUROBIOLÓGICOS DO AUTISMO 4 ASPECTOS NEUROPSICOLÓGICOS DO AUTISMO 5 CONSIDERAÇÕES estímulos socialmente relevantes foram as mesmas dos controles. Os autores sugerem que a ocitocina pode melhorar o funcionamento social de crianças com TEA. Em ambos os estudos, crianças com TEA processaram informações sociais de maneira mais semelhante ao desenvolvimento típico de crianças após a terapia (comportamental no primeiro, ocitocina no segundo). Isso sugere que a extensão da neuroplasticidade é tal que seus cérebros foram capazes de avançar para "normalizar" o processamento de informações sociais. 4 ASPECTOS NEUROPSICOLÓGICOS DO AUTISMO Caro estudante, agora que já estudamos um pouco sobre o diagnóstico e as bases neurais do TEA, vamos aprofundar nosso estudo sobre os aspectos neuropsicológicos do autismo. 2 DO AUTISMO AO TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA REFERÊNCIAS 1 INTRODUÇÃO 26 3 ASPECTOS NEUROBIOLÓGICOS DO AUTISMO 4 ASPECTOS NEUROPSICOLÓGICOS DO AUTISMO 5 CONSIDERAÇÕES Sabemos que a avaliação neuropsicológica e a neuroimagem são dois métodos para entender as relações cérebro-comportamento no TEA. Embora esses métodos não sejam usados com frequência na avaliação individual, os resultados de estudos usando essas técnicas produziram inúmeras informações sobre o TEA. Ao identificar um grande número de funções neuropsicológicas comprometidas no TEA, bem como um grande número de regiões cerebrais associadas ao TEA, ambas as técnicas destacaram a complexidade do TEA na sua relação com muitos sistemas neurais diferentes (DAWSON, 1996; VIA et al., 2011). Espera-se que uma melhor compreensão do funcionamento neural no autismo e a capacidade de medir o funcionamento neural individualmente levem a futuras melhorias no diagnóstico e tratamento (ECKER; BOOKHEIMER; MURPHY, 2015). 4.1 AVALIAÇÃO NEUROPSICOLÓGICA Caro estudante, a avaliação neuropsicológica inclui a avaliação de diversas funções cognitivas, incluindo raciocínio verbal e visuoespacial, atenção, memória, velocidade de processamento, aprendizagem e funcionamento motor (LARRABEE, 2014). Na avaliação do TEA, o funcionamento intelectual 2 DO AUTISMO AO TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA REFERÊNCIAS 1 INTRODUÇÃO 27 3 ASPECTOS NEUROBIOLÓGICOS DO AUTISMO 4 ASPECTOS NEUROPSICOLÓGICOS DO AUTISMO 5 CONSIDERAÇÕES e da linguagem são frequentemente avaliados, pois seus comprometimentos são listados como dois especificadores do TEA no DSM-5 (2014). A avaliação desses domínios é importante, pois geralmente ocorre no TEA e está associado a resultados funcionais (OZONOFF; GOODLIN-JONES; SOLOMON, 2005). Além disso, muitas outras funções neuropsicológicas foram estudadas no TEA e os resultados mostraram que o padrão de comprometimento neuropsicológico pode variar significativamenteentre os indivíduos (TONN; OBRZUT, 2005). No nível de grupo, o desempenho de indivíduos com TEA é claramente distinguível de outras condições de desenvolvimento (MINSHEW et al., 1992). Dado o tempo e o custo da avaliação neuropsicológica, geralmente é recomendado apenas quando for útil entender os pontos cognitivos fortes e fracos de um indivíduo para responder a uma pergunta de referência específica e orientar o tratamento ou o planejamento educacional (KLIN et al., 2005). Ozonoff et al. (2005) dão o exemplo de problemas com o funcionamento executivo, levando a problemas comportamentais que afetam o desempenho escolar. O funcionamento neuropsicológico também está relacionado aos sintomas do TEA e pode sugerir comprometimentos neuropsicológicos subjacentes à expressão dos sintomas. Por exemplo, o desempenho em tarefas neuropsicológicas de aprendizagem por recompensa está associado à atenção conjunta (DAWSON et al., 2002). 2 DO AUTISMO AO TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA REFERÊNCIAS 1 INTRODUÇÃO 28 3 ASPECTOS NEUROBIOLÓGICOS DO AUTISMO 4 ASPECTOS NEUROPSICOLÓGICOS DO AUTISMO 5 CONSIDERAÇÕES É importante observar que, embora muitos déficits neuropsicológicos tenham sido associados ao TEA, muitas áreas de funcionamento geralmente apresentam pouco ou nenhum déficit quando estudadas em nível de grupo. Dentro de um domínio de funcionamento, certas habilidades geralmente são mostradas intactas. Por exemplo, dentro do domínio do funcionamento da memória, além das áreas de déficit, foi encontrado desempenho normal em tarefas de memória de reconhecimento e memória para informações repetidas com frequência (SANDERS et al., 2008). Dentro do domínio da atenção, o desempenho normal foi encontrado em medidas de atenção sustentada, apesar dos déficits na capacidade de orientar a atenção para novos estímulos (SANDERS et al., 2008). Em indivíduos com TEA sem comprometimento da linguagem, os aspectos do processamento fonológico e da sintaxe estão intactos, apesar dos déficits na comunicação social (DAWSON, 1996). Dentro do domínio do desempenho intelectual, o raciocínio visuoespacial pode estar intacto com prejuízos simultâneos na capacidade verbal (OZONOFF; PENNINGTON; ROGERS, 1991). Dado o desempenho normal no TEA em uma medida não verbal de inteligência fluida frequentemente usada, a adequação das medidas de funcionamento intelectual comumente usadas que encontram comprometimentos no TEA tem sido questionada. No entanto, observou-se 2 DO AUTISMO AO TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA REFERÊNCIAS 1 INTRODUÇÃO 29 3 ASPECTOS NEUROBIOLÓGICOS DO AUTISMO 4 ASPECTOS NEUROPSICOLÓGICOS DO AUTISMO 5 CONSIDERAÇÕES que os déficits encontrados em medidas mais abrangentes do funcionamento intelectual que incluem habilidades verbais provavelmente capturam déficits de comunicação reais no TEA (NADER et al., 2016). Além disso, o tamanho da discrepância entre as habilidades verbais e não verbais pode ser clinicamente útil; por exemplo, está relacionado ao funcionamento social. O TEA está associado a comprometimentos em diferentes aspectos do funcionamento executivo, incluindo alternância de tarefas e inibição (SANDERS et al., 2008). Esses comprometimentos podem ser encontrados em crianças e adultos com TEA e não são atribuíveis ao baixo funcionamento intelectual. A avaliação clínica dessas funções pode ser útil, pois está associada ao funcionamento adaptativo (OZONOFF et al., 2004). As escalas de classificação dos déficits do funcionamento executivo do mundo real têm alguma utilidade na distinção entre indivíduos com e sem TEA (LEUNG; ZAKZANIS, 2014). O funcionamento executivo no TEA também está associado a sintomas de comportamento repetitivo e interesses restritos (LOPEZ et al., 2005). Déficits de memória no TEA foram encontrados em tarefas de memória de trabalho, memória de curto prazo e memória de longo prazo (DAWSON, 1996), embora nem todos os estudos encontrem consistentemente deficiências em 2 DO AUTISMO AO TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA REFERÊNCIAS 1 INTRODUÇÃO 30 3 ASPECTOS NEUROBIOLÓGICOS DO AUTISMO 4 ASPECTOS NEUROPSICOLÓGICOS DO AUTISMO 5 CONSIDERAÇÕES todos esses domínios (TONN; OBRZUT, 2005). A memória para informações sociais, como faces, está associada ao TEA (BARRON-LINNANKOSKI et al., 2015). Em um estudo, constatou-se que pouca memória de trabalho espacial discriminava indivíduos com e sem TEA (WILLIAMS; GOLDSTEIN; MINSHEW, 2006). Entre as várias teorias para descrever o déficit neuropsicológico no TEA, existe uma que identifica o déficit neuropsicológico central no TEA como um déficit generalizado no processamento e integração de informações complexas (MINSHEW; GOLDSTEIN, 1998). Como evidência dessa teoria, Minshew et al. (1992) demonstraram em vários estudos que, dentro e entre domínios do funcionamento cognitivo, indivíduos com TEA são prejudicados em tarefas complexas, mas podem mostrar desempenho intacto em tarefas simples (MINSHEW et al., 1992; WILLIAMS; GOLDSTEIN; MINSHEW, 2006). Este déficit no processamento de informações complexas foi considerado como uma das causas para o comprometimento funcional no mundo real (WILLIAMS; GOLDSTEIN; MINSHEW, 2006). 2 DO AUTISMO AO TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA REFERÊNCIAS 1 INTRODUÇÃO 31 3 ASPECTOS NEUROBIOLÓGICOS DO AUTISMO 4 ASPECTOS NEUROPSICOLÓGICOS DO AUTISMO 5 CONSIDERAÇÕES 4.2 LINGUAGEM E COMUNICAÇÃO Os déficits de linguagem no TEA variam muito em gravidade; variando de indivíduos com TEA que nunca desenvolvem linguagem a pessoas que só têm dificuldades com aspectos pragmáticos de ordem superior. A variabilidade dos déficits de linguagem combinada com os desafios do ambiente de neuroimagens resultou na maioria dos estudos de imagem funcional envolvendo a população adulta com TEA de alto funcionamento. 4.2.1 Atenção ao Discurso No geral, os indivíduos com TEA são menos atentos às vozes e à fala humanas em geral (KUHL et al., 2005). De maneira semelhante, indivíduos com TEA não apresentam ativação aprimorada do sulco temporal superior em resposta a sons relacionados à voz (sons de fala e não fala), mas mostram processamento normal de sons não vocais (GERVAIS et al., 2004). Esse padrão anormal de atividade neural também foi associado à capacidade prejudicada 2 DO AUTISMO AO TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA REFERÊNCIAS 1 INTRODUÇÃO 32 3 ASPECTOS NEUROBIOLÓGICOS DO AUTISMO 4 ASPECTOS NEUROPSICOLÓGICOS DO AUTISMO 5 CONSIDERAÇÕES de recuperar os sons da voz. A conectividade funcional do estado de repouso sugere que isso pode estar relacionado à subconectividade entre áreas seletivas da voz do sulco temporal superior direito e às regiões relacionadas à emoção e recompensa, incluindo o núcleo accumbens, córtex orbitofrontal e amígdala (ABRAMS et al., 2013). Isso sugere que indivíduos com TEA podem não achar as vozes humanas inerentemente gratificantes e, portanto, indivíduos com TEA podem prestar menos atenção a elas. Além disso, essa conectividade reduzida previu significativamente a gravidade das deficiências de comunicação no ADI-R e ADOS (ABRAMS et al., 2013). 4.2.2 Processamento Semântico O processamento semântico básico, ou a capacidade de entender o conteúdo de uma frase com base no significado das palavras, é poupado em muitos adultos com TEA de alto funcionamento (NOENS; BERCKELAER-ONNES, 2005). No entanto, certos déficits no processamento semântico relacionados à memória foram mostrados nos estudos comportamentais e de imagem funcional do TEA. Por exemplo, indivíduos com TEA não apresentam um benefício de 2 DO AUTISMO AO TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA REFERÊNCIAS 1 INTRODUÇÃO 33 3 ASPECTOS NEUROBIOLÓGICOS DO AUTISMO 4 ASPECTOS NEUROPSICOLÓGICOS DO AUTISMO 5 CONSIDERAÇÕES memória ao aprender palavras semanticamente relacionadas (TAGER-FLUSBERG, 1991) ou aousar conhecimento semântico (TOICHI; KAMIO, 2002). Em uma tarefa simples de processamento semântico, em que os participantes tiveram que classificar as palavras como positivas ou negativas, os participantes com TEA apresentaram ativação reduzida na área de Broca, mas maior ativação na área de Wernicke (HARRIS et al., 2006). Um achado semelhante de ativação reduzida da área de Broca foi encontrado ao categorizar palavras com base em suas características semânticas (GAFFREY et al., 2007). No entanto, alguns argumentaram que a modulação da atividade da área de Broca pode depender do desempenho da tarefa, pois foi encontrada uma maior ativação da área de Broca, que foi menos lateralizada ao hemisfério esquerdo, em uma tarefa de nomeação de respostas semânticas em que os participantes com TEA realizavam com alta precisão (KNAUS et al., 2008). 2 DO AUTISMO AO TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA REFERÊNCIAS 1 INTRODUÇÃO 34 3 ASPECTOS NEUROBIOLÓGICOS DO AUTISMO 4 ASPECTOS NEUROPSICOLÓGICOS DO AUTISMO 5 CONSIDERAÇÕES 4.2.3 Compreensão Durante a compreensão de uma frase, indivíduos com TEA mostram menos ativação confiável no giro frontal inferior esquerdo (área de Broca) e diminuição da conectividade entre as áreas relacionadas à linguagem (JUST et al., 2004). A redução na atividade da área de Broca foi interpretada como um déficit na capacidade de integrar e interpretar palavras individuais no contexto de toda a sentença. De acordo com essa interpretação, ativações reduzidas semelhantes no giro frontal inferior esquerdo também foram encontradas em uma tarefa em que informações contextuais eram necessárias para compreender adequadamente uma frase (TESINK et al., 2011). Outra pesquisa sugeriu que indivíduos com TEA usam mais imagens mentais, como refletido pelo aumento da ativação nas regiões occipitais, ao tentar compreender frases que normalmente não requerem imagens mentais (KANA et al., 2006). Apesar disso, a compreensão de sentenças com imagens mentais elevadas foi associada à conectividade funcional reduzida das regiões frontal e parietal envolvidas no processamento espacial e da linguagem (KANA et al., 2006). Em suma, os resultados dos estudos de processamento semântico 2 DO AUTISMO AO TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA REFERÊNCIAS 1 INTRODUÇÃO 35 3 ASPECTOS NEUROBIOLÓGICOS DO AUTISMO 4 ASPECTOS NEUROPSICOLÓGICOS DO AUTISMO 5 CONSIDERAÇÕES e de compreensão sugerem que regiões típicas relacionadas à linguagem (por exemplo, a área de Broca) podem não ser tão especializadas para o processamento de linguagem no TEA quanto em indivíduos típicos. 4.2.4 Linguagem Pragmática Linguagem pragmática é a capacidade de usar pistas extralinguísticas (por exemplo, tom de voz) para entender e usar a linguagem no contexto, além de simplesmente entender o significado literal das palavras. Os ouvintes geralmente precisam entender o significado subjacente da linguagem usando sugestões de contexto, conhecimento do ambiente e experiências passadas com o falante. A linguagem pragmática inclui o uso de ironia, sarcasmo, metáfora e trocadilhos. A ativação aumentada no giro frontal inferior direito em participantes com TEA em relação a participantes com desenvolvimento típico foi encontrada ao fazer inferências sobre um falante com base no contexto (TESINK et al., 2009) e ao interpretar declarações irônicas (WANG et al., 2006). 2 DO AUTISMO AO TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA REFERÊNCIAS 1 INTRODUÇÃO 36 3 ASPECTOS NEUROBIOLÓGICOS DO AUTISMO 4 ASPECTOS NEUROPSICOLÓGICOS DO AUTISMO 5 CONSIDERAÇÕES Da mesma forma, os pesquisadores descobriram um aumento da atividade distribuída do hemisfério direito ao tentar entender trocadilhos (KANA; WADSWORTH, 2012) e fazer inferências sobre estados e intenções emocionais (MASON et al., 2008). O aumento no processamento do hemisfério direito no TEA foi considerado como refletindo um processamento mais trabalhoso da linguagem pragmática. Um aspecto específico da linguagem pragmática é a prosódia, ou o ritmo e a entonação da linguagem. A prosódia pode ter significado acima e além do conteúdo da fala, permitindo que o ouvinte obtenha significado sobre o estado emocional do falante, a natureza gramatical do enunciado (como uma pergunta) e as intenções e o significado subjacente do falante, incluindo ironia e sarcasmo. A pesquisa apoiou a ideia de que a compreensão de pistas prosódicas é prejudicada no TEA, e isso está associado a uma ativação mais inespecífica no TEA, tanto na prosódia de formas gramaticais quanto emocionais (EIGSTI et al., 2012). Outros sugeriram que a inibição reduzida da rede de modo padrão (RMP) pode contribuir para interrupções nas tarefas de prosódia (HESLING et al., 2010). 2 DO AUTISMO AO TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA REFERÊNCIAS 1 INTRODUÇÃO 37 3 ASPECTOS NEUROBIOLÓGICOS DO AUTISMO 4 ASPECTOS NEUROPSICOLÓGICOS DO AUTISMO 5 CONSIDERAÇÕES 4.2.5 Lateralidade Consistente com a literatura, talvez o achado de neuroimagem mais notável e replicado no TEA relacionado ao processamento da linguagem seja a lateralidade reduzida do processamento neural no TEA em relação aos participantes com desenvolvimento típico. Por exemplo, Kleinhans et al. (2008) encontraram redução da lateralidade esquerda em uma tarefa de fluência verbal e aumento da ativação do hemisfério direito em participantes com TEA. Um estudo combinado de fMRI e DTI também relatou redução da lateralidade do hemisfério esquerdo para indivíduos com TEA, e aqueles com lateralidade atípica da linguagem também apresentaram valores reduzidos de anisotropia fracionada (AF) no fascículo arqueado, o trato da substância branca que liga as áreas de Broca e Wernicke (KNAUS et al., 2010). Outro estudo combinado de conectividade funcional e estrutural encontrou redução da ativação de regiões frontais em uma tarefa de linguagem e conectividade estrutural reduzida entre regiões frontais inferiores e regiões temporais (SAHYOUN et al., 2010). Além disso, há evidências de que essa alteração na lateralidade da linguagem ocorre no início do desenvolvimento. Crianças entre 12 e 48 meses, 2 DO AUTISMO AO TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA REFERÊNCIAS 1 INTRODUÇÃO 38 3 ASPECTOS NEUROBIOLÓGICOS DO AUTISMO 4 ASPECTOS NEUROPSICOLÓGICOS DO AUTISMO 5 CONSIDERAÇÕES que estavam em risco ou diagnosticadas com TEA, participaram de um estudo de ressonância magnética enquanto dormiam com uma história simples contada (EYLER; PIERCE; COURCHESNE, 2012). As crianças com TEA tinham a lateralidade temporal esquerda reduzida e atividade do hemisfério direito aumentada à fala, e essas rupturas foram mais pronunciadas em crianças mais velhas. Além disso, crianças com TEA também mostram conectividade funcional reduzida entre áreas relacionadas à linguagem, como giro frontal inferior e giro temporal superior, e a força da sincronização se correlacionou significativamente com as habilidades de linguagem (DINSTEIN et al., 2011). Esses resultados sugerem que interrupções precoces da conectividade podem levar a uma especialização funcional reduzida das regiões do cérebro relacionadas à linguagem, incluindo os resultados vistos anteriormente relacionados à compreensão e ao processamento semântico. 4.2.6 Comunicação não verbal Pesquisas comportamentais mostraram uma relação forte entre comunicação não verbal precoce, especificamente gestos, e linguagem verbal expressiva e receptiva em crianças com desenvolvimento típico (IVERSON; 2 DO AUTISMO AO TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA REFERÊNCIAS 1 INTRODUÇÃO 39 3 ASPECTOS NEUROBIOLÓGICOS DO AUTISMO 4 ASPECTOS NEUROPSICOLÓGICOS DO AUTISMO 5 CONSIDERAÇÕES GOLDIN-MEADOW, 2005). Da mesma forma, os gestos também são preditivos de resultados posteriores da linguagem em crianças pequenas em risco de TEA (GORDON; WATSON, 2015). Embora se saiba que a produçãode gestos no TEA é interrompida (CARPENTER; PENNINGTON; ROGERS, 2002), existem evidências recentes de neuroimagem de que o reconhecimento e entendimento de gestos também podem ser interrompidos por causa do processamento neural alterado. Hubbard et al. (2012) descobriram que, ao ver uma pessoa falando enquanto usa gestos ritmados (gestos rítmicos de co-speech), crianças em desenvolvimento em geral exibem atividade aumentada em regiões auditivas secundárias, incluindo regiões temporais superiores direitas. O participante com TEA não apresenta atividade em regiões temporais superiores, mas apresenta atividade aumentada no córtex visual, e essa atividade correlaciona-se positivamente com a gravidade dos sintomas de comunicação social na ADOS e na Escala de Responsividade Social (ERS). Isso sugere que indivíduos com TEA podem não integrar efetivamente informações comunicativas multimodais em situações sociais complexas. 2 DO AUTISMO AO TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA REFERÊNCIAS 1 INTRODUÇÃO 40 3 ASPECTOS NEUROBIOLÓGICOS DO AUTISMO 4 ASPECTOS NEUROPSICOLÓGICOS DO AUTISMO 5 CONSIDERAÇÕES 4.3 COGNIÇÃO SOCIAL E EMOÇÃO Interrupções no processamento social e emocional são características marcantes do TEA. É claro que regiões específicas do cérebro humano são afinadas para reconhecer e processar estímulos sociais. O termo “cérebro social” tem sido usado para se referir a esse conjunto de estruturas, incluindo o sulco temporal superior, a amígdala, o córtex orbitofrontal e o giro fusiforme (BROTHERS, 1990). As evidências sugerem que uma combinação de desenvolvimento interrompido de estruturas neurais envolvidas no processamento social pode prejudicar o comportamento e, da mesma forma, a falta de experiência precoce com interações sociais pode prejudicar a especialização funcional adequada e o desenvolvimento de estruturas neurais (PELPHREY et al., 2011). Aqui, revisamos as evidências de comprometimentos nas estruturas neurais envolvidas na cognição social e no processamento de emoções no TEA. 2 DO AUTISMO AO TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA REFERÊNCIAS 1 INTRODUÇÃO 41 3 ASPECTOS NEUROBIOLÓGICOS DO AUTISMO 4 ASPECTOS NEUROPSICOLÓGICOS DO AUTISMO 5 CONSIDERAÇÕES 4.3.1 Processamento de emoção A capacidade de indivíduos com TEA de reconhecer e entender emoções tem sido mais frequentemente estudada usando expressões faciais de emoções ou posições emocionais do corpo. Os achados de neuroimagem relacionados à prosódia emocional e tom de voz foram revisados anteriormente na seção de linguagem pragmática deste tópico. A capacidade de reconhecer emoções de expressões faciais é fundamental para interações sociais bem-sucedidas. A maioria dos relatos sugere que o reconhecimento das emoções faciais é prejudicado no TEA; no entanto, há evidências de que essa capacidade pode depender da capacidade intelectual (HARMS et al., 2010). Embora alguns estudos tenham encontrado um reconhecimento básico de emoções intacto em indivíduos com TEA de alto funcionamento, também existe a possibilidade de que mecanismos compensatórios e dicas de tarefas que não são encontradas em situações sociais do mundo real possam beneficiar esses indivíduos, por exemplo, tarefas de emparelhamento nas quais rótulos emocionais são fornecidos (HARMS et al., 2010). 2 DO AUTISMO AO TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA REFERÊNCIAS 1 INTRODUÇÃO 42 3 ASPECTOS NEUROBIOLÓGICOS DO AUTISMO 4 ASPECTOS NEUROPSICOLÓGICOS DO AUTISMO 5 CONSIDERAÇÕES Semelhante a estudos de processamento facial básico, as evidências de neuroimagem sugerem que indivíduos com TEA usam mecanismos compensatórios ou alternativos para reconhecimento de emoções faciais, como visto pela ativação reduzida na área fusiforme da face e na amígdala e no aumento da ativação no córtex cingulado anterior e precuneus (ASHWIN et al., 2007) em relação a indivíduos com desenvolvimento típico. O cingulado anterior e o precuneus estão envolvidos no processamento cognitivo, como o monitoramento do desempenho e da atenção, apoiando a ideia de que o reconhecimento de emoções é um processo mais trabalhoso e baseado cognitivamente para indivíduos com TEA (ASHWIN et al., 2007). Também foi encontrada conectividade funcional reduzida entre as áreas da amígdala e do córtex visual durante o reconhecimento de emoções faciais no TEA (RUDIE et al., 2011). Além disso, a atividade reduzida na área fusiforme da face e na amígdala ao visualizar faces, incluindo expressões emocionais, pode estar relacionada à fixação do olhar nas faces, de modo que o tempo gasto na fixação se correlaciona positivamente com a atividade da amígdala e da área fusiforme da face em indivíduos com TEA (DALTON et al., 2005). 2 DO AUTISMO AO TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA REFERÊNCIAS 1 INTRODUÇÃO 43 3 ASPECTOS NEUROBIOLÓGICOS DO AUTISMO 4 ASPECTOS NEUROPSICOLÓGICOS DO AUTISMO 5 CONSIDERAÇÕES Como os indivíduos com TEA costumam passar menos tempo olhando para as faces, isso pode afetar negativamente a capacidade de desenvolver e processar adequadamente esses sistemas neurais envolvidos no reconhecimento de faces. Além disso, o reconhecimento de expressões faciais que descrevem emoções sociais complexas (por exemplo, culpa, inveja) representa uma dificuldade maior para indivíduos com TEA, incluindo indivíduos com alto funcionamento, e isso está associado à atividade reduzida na amígdala (BARON-COHEN et al., 1999). Outras formas de comportamento não verbal, incluindo a postura corporal e o olhar, também podem transmitir informações comunicativas e emocionais importantes. Os pesquisadores sugerem que os participantes com TEA têm dificuldade em reconhecer posturas emocionais do corpo, e isso está associado à atividade reduzida na amígdala e no giro frontal inferior (GRÈZES et al., 2009). Outros estudos da posição emocional do corpo apoiaram o achado de atividade reduzida no giro frontal inferior, mas também encontraram atividade reduzida da ínsula (HADJIKHANI et al., 2009). Indivíduos com TEA têm dificuldade em entender a intenção transmitida pelo olhar, e isso está associado à modulação reduzida da atividade no sulco temporal superior (PELPHREY; MORRIS; MCCARTHY, 2005). 2 DO AUTISMO AO TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA REFERÊNCIAS 1 INTRODUÇÃO 44 3 ASPECTOS NEUROBIOLÓGICOS DO AUTISMO 4 ASPECTOS NEUROPSICOLÓGICOS DO AUTISMO 5 CONSIDERAÇÕES 4.3.2 Movimento Biológico A capacidade de entender e interpretar as ações dos outros é fundamental para o processamento social normal. De fato, os seres humanos podem entender muito facilmente as ações dos outros simplesmente através de padrões cinemáticos de luzes pontuais ligadas às principais articulações do corpo, denominadas de caminhantes pontuais (JOHANSSON, 1973). Com base em pouca informação perceptiva, podemos atribuir intenção, emoção, personalidade e gênero às luzes pontuais. Em participantes com desenvolvimento típico, a percepção dos sinais de movimento biológico envolve maior ativação do sulco temporal superior em relação ao movimento não biológico (GROSSMAN; BLAKE, 2002). Indivíduos com TEA têm dificuldade em reconhecer automaticamente o movimento biológico (BLAKE et al., 2003), e isso está associado à falta de atividade aprimorada no sulco temporal superior para o movimento biológico em relação ao movimento não biológico (CARTER; PELPHREY, 2006). 2 DO AUTISMO AO TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA REFERÊNCIAS 1 INTRODUÇÃO 45 3 ASPECTOS NEUROBIOLÓGICOS DO AUTISMO 4 ASPECTOS NEUROPSICOLÓGICOS DO AUTISMO 5 CONSIDERAÇÕES 4.3.3 Teoria da Mente Pesquisadores há muito teorizam que um déficit central no TEA é um comprometimento na teoria da mente ou na capacidade de entender os pensamentos e crenças dos outros e de atribuir estados mentais a outros (BARON- COHEN; LESLIE; FRITH, 1985). Múltiplas tarefas foram usadas para estudaros processos neurais envolvidos na teoria da mente no TEA. Alguns argumentaram que muitas dessas tarefas dependem muito da linguagem; portanto, outras tarefas não verbais foram desenvolvidas (CASTELLI et al., 2002). As tarefas verbais da teoria da mente geralmente envolvem histórias sobre os pensamentos e crenças dos outros. Um tipo comum de tarefa é uma tarefa de crença falsa, que exige que o participante entenda que duas pessoas podem ter conhecimentos diferentes de uma situação e que esse conhecimento pode estar incorreto e diferir do conhecimento do participante (BARON-COHEN, 2000). Outras tarefas envolvem contos ou vinhetas que envolvem a compreensão de outros estados mentais (HAPPÉ, 1994). Muitas tarefas não verbais da teoria 2 DO AUTISMO AO TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA REFERÊNCIAS 1 INTRODUÇÃO 46 3 ASPECTOS NEUROBIOLÓGICOS DO AUTISMO 4 ASPECTOS NEUROPSICOLÓGICOS DO AUTISMO 5 CONSIDERAÇÕES da mente dependem de desenhos animados ou animações que exigem que os participantes atribuam estados mentais a entidades não humanas, como formas geométricas (CASTELLI et al., 2002). Em todos esses tipos diferentes de tarefas, os participantes com TEA mostram capacidade reduzida de atribuir estados mentais a outras pessoas (BARON-COHEN, 2000). Além disso, isso está associado à ativação reduzida em áreas como o córtex pré-frontal medial, sulco temporal superior e junção temporoparietal (CASTELLI et al., 2002). Um estudo combinado de conectividade estrutural e funcional encontrou redução da atividade da junção temporoparietal e do giro frontal inferior em participantes com TEA ao fazer atribuições intencionais, bem como uma integridade da substância branca reduzida no córtex temporal superior usando DTI (KANA et al., 2014). A conectividade funcional reduzida entre o sulco temporal superior e o córtex extrastrado também foi encontrada em indivíduos com TEA durante uma tarefa visual da teoria da mente (CASTELLI et al., 2002). Pesquisas adicionais também sugerem conectividade reduzida entre regiões frontais envolvidas na teoria da mente e regiões posteriores, como a junção temporoparietal (KANA et al., 2009). Em suma, vários estudos da teoria 2 DO AUTISMO AO TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA REFERÊNCIAS 1 INTRODUÇÃO 47 3 ASPECTOS NEUROBIOLÓGICOS DO AUTISMO 4 ASPECTOS NEUROPSICOLÓGICOS DO AUTISMO 5 CONSIDERAÇÕES da mente apoiam a ideia de atividade e conectividade funcional reduzida entre áreas do lobo frontal, sulco temporal superior e junção temporoparietal no TEA. 4.3.4 Hipótese do Neurônio Espelho Ao tentar desenvolver uma teoria abrangente para as rupturas sociais e neurais no TEA, alguns têm a hipótese de que a disfunção dos neurônios- espelho possa estar no coração do transtorno (RIZZOLATTI; FABBRI-DESTRO, 2010). Os neurônios-espelho foram descobertos pela primeira vez em macacos e descobriram que disparam quando o macaco executa uma ação, bem como quando o macaco observa outra pessoa ou macaco executando a mesma ação (GALLESE et al., 1996). Pesquisas em humanos apoiaram a ideia geral de um sistema de neurônios-espelho, onde o mesmo cérebro envolve áreas tanto na observação quanto na execução de ações. As regiões cerebrais mais comumente encontradas com essas propriedades incluem o giro frontal inferior e o lóbulo parietal inferior (RIZZOLATTI; CRAIGHERO, 2004). 2 DO AUTISMO AO TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA REFERÊNCIAS 1 INTRODUÇÃO 48 3 ASPECTOS NEUROBIOLÓGICOS DO AUTISMO 4 ASPECTOS NEUROPSICOLÓGICOS DO AUTISMO 5 CONSIDERAÇÕES Existem evidências de um sistema estendido de neurônios-espelho envolvido no processamento emocional (WICKER et al., 2003), estímulos somatossensoriais (KEYSERS et al., 2004) e processamento de linguagem (HAUK; JOHNSRUDE; PULVERMÜLLER, 2004). Como os estudos em humanos do sistema de neurônios-espelho baseiam-se em imagens funcionais, que não têm resolução para ver a atividade de neurônios individuais, é impossível saber se os mesmos neurônios individuais estão ativos nas condições de observação e execução, eles podem ser populações independentes de neurônios que estão localizadas em regiões semelhantes (HICKOK, 2009). Portanto, tem havido considerável ceticismo quanto à natureza e função do sistema de neurônios- espelho em humanos. Devido à implicação de que regiões do cérebro com propriedades de espelhamento respondem aos comportamentos de outras pessoas de maneira semelhante a ações autoexecutadas, muitos têm a hipótese de que esse pode ser o mecanismo usado para reconhecer, entender e empatizar com os comportamentos de outras pessoas (RIZZOLATTI; CRAIGHERO, 2004). Como o TEA é caracterizado pela dificuldade com comprometimentos sociais, incluindo imitação prejudicada, reconhecimento de emoções e empatia, foi levantada a hipótese de que a disfunção do sistema de neurônios-espelho pode contribuir 2 DO AUTISMO AO TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA REFERÊNCIAS 1 INTRODUÇÃO 49 3 ASPECTOS NEUROBIOLÓGICOS DO AUTISMO 4 ASPECTOS NEUROPSICOLÓGICOS DO AUTISMO 5 CONSIDERAÇÕES para o TEA (RIZZOLATTI; FABBRI-DESTRO, 2010). Essa ideia tem algum apoio de estudos de ressonância magnética, por exemplo, imitação e observação de expressões faciais emocionais resultaram em menor ativação do giro frontal inferior em participantes com TEA, e essa redução na atividade foi significativamente correlacionada com a gravidade dos sintomas nas subescalas sociais do ADOS e ADI-R (DAPRETTO et al., 2006). No entanto, outros estudos não apoiam a noção de déficit primário no sistema de neurônios-espelho e sugerem que os déficits de processamento social e de imitação estão associados a diferenças em áreas como a amígdala, que não se acredita ser parte do sistema neurônio-espelho (GRÈZES et al., 2009). Em vez disso, as distinções claras na amígdala, giro fusiforme, sulco temporal superior e diferenças de conectividade global no TEA, analisadas ao longo desta Unidade, sugerem um déficit cortical mais amplo (DINSTEIN, 2008). No geral, há poucas evidências claras de ressonância magnética de uma disfunção dos neurônios- espelho no TEA (HAMILTON, 2013). A ideia geral de um sistema de neurônios- espelho comprometido foi recebida com resistência, e por ter sido entendido sobre a natureza e existência do sistema de neurônios-espelho humano, muitos argumentam que é prematuro usá-lo como um mecanismo explicativo do TEA (HAMILTON, 2013). 2 DO AUTISMO AO TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA REFERÊNCIAS 1 INTRODUÇÃO 50 3 ASPECTOS NEUROBIOLÓGICOS DO AUTISMO 4 ASPECTOS NEUROPSICOLÓGICOS DO AUTISMO 5 CONSIDERAÇÕES 4.4 COMPORTAMENTOS REPETITIVOS E INTERESSES RESTRITOS Caro estudante, apesar de ser um domínio central dos sintomas no diagnóstico do TEA, a pesquisa de neuroimagem sobre comportamentos repetitivos e interesses restritos (RRBs) não foi pesquisada no mesmo grau dos déficits na comunicação social e na linguagem (PINA-CAMACHO et al., 2012). A pesquisa nessa área é desafiadora, dada a probabilidade de que sintomas diferentes nesse domínio possam ter correlatos neurais funcionais e estruturais diferentes (LANGEN et al., 2011). As diferenças nos correlatos neurais entre os sintomas específicos estão alinhadas com outras evidências de que esses sintomas se agrupam menos fortemente do que os déficits sociais e de comunicação e variam em suas trajetórias de desenvolvimento e relacionamentos com variáveis de diferenças individuais, como QI (LORD; BISHOP, 2015). 2 DO AUTISMO AO TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA REFERÊNCIAS 1 INTRODUÇÃO 51 3 ASPECTOS NEUROBIOLÓGICOS DO AUTISMO 4 ASPECTOS NEUROPSICOLÓGICOS DO AUTISMO 5 CONSIDERAÇÕES 4.4.1 Correlatos neurais Apesar das diferenças nas descobertas específicas entre os estudos, um conjunto de regiões regularmente associadas aos RRBs são os gânglios da base (CALDERONI et al., 2014). O aumento do volumedo caudado, uma região envolvida no comportamento direcionado por objetivos, foi encontrado em vários estudos de crianças e adultos com TEA e vinculados a RRBs (LANGEN et al., 2009). Enquanto a maioria desses estudos utilizou delineamentos transversais, com base nos resultados de um estudo longitudinal, Langen et al. (2009) sugeriram que provavelmente os sintomas de TEA estavam impulsionando o aumento do volume de caudado, um exemplo de comportamento modelando o desenvolvimento do cérebro. Outra região frequentemente associada a esses sintomas em vários estudos é o cingulado anterior, uma região também envolvida no comportamento direcionado a objetivos. Por exemplo, foi encontrada uma maior ativação nessa região em crianças com TEA, em comparação com crianças em desenvolvimento típico ao visualizar imagens de interesses pessoalmente relevantes versus interesses não pessoalmente relevantes (CASCIO et al., 2014). Usando um 2 DO AUTISMO AO TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA REFERÊNCIAS 1 INTRODUÇÃO 52 3 ASPECTOS NEUROBIOLÓGICOS DO AUTISMO 4 ASPECTOS NEUROPSICOLÓGICOS DO AUTISMO 5 CONSIDERAÇÕES paradigma de tarefa sacádica em que os indivíduos precisam alternar o olhar para um alvo, direcionando ou desviando do alvo, dependendo da tarefa, os adultos com TEA têm maior probabilidade de direcionar o olhar para o estímulo, independentemente da tarefa, levando a respostas corretas mais rápidas, mas mais erros antissacádicos, ou erros em desviar o olhar do alvo (THAKKAR et al., 2008). Esse padrão de resposta foi estrutural e funcionalmente associado ao cingulado anterior. No mesmo estudo, as classificações diagnósticas dos RRBs realizadas na Entrevista Diagnóstica para Autismo Revisada (ADI-R) também foram associadas ao cingulado anterior. Com base nos resultados dos estudos de imagem funcional, um grande conjunto de redes neurais foi identificado como relacionado à disfunção executiva e aos RRBs (PINA-CAMACHO et al., 2012). Essas redes incluem o sistema frontoestriatal, um sistema que conecta os gânglios da base a várias áreas frontais, incluindo o cíngulo anterior. Dada a sobreposição de correlatos neurais, muitos especularam como a disfunção executiva, o comportamento repetitivo e os interesses restritos estão relacionados. Não está claro até que ponto a disfunção executiva é causa, consequência ou correlato dos RRBs; no entanto, alguns argumentaram que, dado que os comportamentos repetitivos aparecem 2 DO AUTISMO AO TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA REFERÊNCIAS 1 INTRODUÇÃO 53 3 ASPECTOS NEUROBIOLÓGICOS DO AUTISMO 4 ASPECTOS NEUROPSICOLÓGICOS DO AUTISMO 5 CONSIDERAÇÕES no início do curso de desenvolvimento do TEA, eles são mais uma causa do que uma consequência da disfunção executiva (LEEKAM; PRIOR; ULJAREVIC, 2011). 5 CONSIDERAÇÕES Caro estudante, o autismo é um distúrbio do desenvolvimento neurológico hereditário e ao longo da vida, com prevalência crescente. A descoberta neurológica mais robusta para explicar o autismo é o maior volume cerebral. O crescimento excessivo do cérebro e a disfunção relacionada são mais evidentes no córtex pré-frontal. Outros locais de crescimento regional de substância cinzenta e branca incluem o córtex temporal e a amígdala. Muitas características do TEA podem ser descritas em termos de déficits cognitivos específicos, que juntos conspiram para dificultar a comunicação eficaz, o desenvolvimento e a manutenção de relações sociais. Pensa-se que o controle inibitório anormal (das habilidades cognitivas motoras e gerais) e o processamento atípico da face estejam subjacentes a essas características. Estes, por sua vez, podem ser parcialmente explicados pela conectividade atípica 2 DO AUTISMO AO TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA REFERÊNCIAS 1 INTRODUÇÃO 54 3 ASPECTOS NEUROBIOLÓGICOS DO AUTISMO 4 ASPECTOS NEUROPSICOLÓGICOS DO AUTISMO 5 CONSIDERAÇÕES entre o lobo frontal e o estriado (incluindo os gânglios da base) e entre o córtex temporal e a amígdala. Outras regiões implicadas no processamento social incluem giro fusiforme, córtex pré-frontal medial e ínsula. Os resultados dos dois estudos recentes que examinaram os mecanismos neurais subjacentes à resposta ao tratamento são promissores. Após o tratamento comportamental ou hormonal, os cérebros das crianças com TEA parecem "normalizar", respondendo de maneira mais semelhante à das crianças em desenvolvimento típico. Em ambos os casos, será interessante verificar se os biomarcadores permanecem normalizados em estudos de longo prazo e se os ganhos sociais persistem fora do laboratório. A pesquisa nessa área está de fato em seus estágios iniciais e esperamos um esforço maior para examinar a base neural da resposta ao tratamento do TEA. A avaliação neuropsicológica e a neuroimagem são duas ferramentas úteis no entendimento do TEA com aplicações clínicas atuais ou futuras. A avaliação neuropsicológica identificou um conjunto de déficits cognitivos encontrados em alguns, mas não todos, indivíduos com TEA, incluindo déficits em aspectos do funcionamento intelectual, funcionamento executivo, memória, 2 DO AUTISMO AO TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA REFERÊNCIAS 1 INTRODUÇÃO 55 3 ASPECTOS NEUROBIOLÓGICOS DO AUTISMO 4 ASPECTOS NEUROPSICOLÓGICOS DO AUTISMO 5 CONSIDERAÇÕES atenção e linguagem. A identificação desses déficits pode ser clinicamente útil, dada sua relação com o funcionamento adaptativo. Embora exista variabilidade significativa no nível individual, o padrão geral de déficits neuropsicológicos no TEA é distinto do de outros distúrbios do desenvolvimento neurológico. O padrão de déficits encontrado no TEA pode refletir um déficit mais generalizado no processamento de informações complexas. Embora atualmente não seja usado como parte da prática clínica, espera-se que, no futuro, a neuroimagem melhore o diagnóstico do TEA e facilite o desenvolvimento de tratamento individualizado e biologicamente fundamentado. Há muito trabalho a ser feito, mas vários estudos que utilizam diferenças na estrutura cerebral em regiões individuais ou diferenças na conectividade estrutural ou funcional para distinguir entre indivíduos com ou sem TEA, apresentam altas taxas de precisão de classificação. Estudos funcionais de neuroimagem identificaram diferenças na ativação e recrutamento de regiões do cérebro para executar tarefas específicas naqueles com TEA em comparação com indivíduos em desenvolvimento típico. Em termos de processamento de linguagem, o TEA está associado ao processamento anormal de sons relacionados à voz, menos ativação nas regiões tradicionais 2 DO AUTISMO AO TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA REFERÊNCIAS 1 INTRODUÇÃO 56 3 ASPECTOS NEUROBIOLÓGICOS DO AUTISMO 4 ASPECTOS NEUROPSICOLÓGICOS DO AUTISMO 5 CONSIDERAÇÕES de processamento de linguagem para tarefas como compreensão de sentenças e lateralidade reduzida do processamento da linguagem. Indivíduos com TEA também apresentam processamento alterado de sinais extralinguísticos, como prosódia e gestos. O processamento neural anormal de estímulos sociais e emocionais foi identificado em indivíduos com TEA, mostrando ativação reduzida da área fusiforme da face ao visualizar faces. Essa redução na ativação da área fusiforme da face está relacionada à gravidade dos sintomas do TEA. Ativação reduzida nesta área e na amígdala tem sido demonstrada na dificuldade do reconhecimento de emoções faciais. A teoria da mente também é prejudicada no TEA e, no nível neural, os indivíduos com TEA apresentam atividade neural e conectividade funcional reduzida nas regiões de processamento social ao concluir as tarefas de teoria das mentes. Embora menos estudados e compreendidos do que a linguagem, comunicação e interação social, estudos de neuroimagem de comportamentos repetitivos e interesses restritos (RRBs) mostraram queesses sintomas estão relacionados a regiões envolvidas no planejamento e comportamento direcionado a objetivos, como os gânglios da base e o cíngulo anterior. Maior 2 DO AUTISMO AO TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA REFERÊNCIAS 1 INTRODUÇÃO 57 3 ASPECTOS NEUROBIOLÓGICOS DO AUTISMO 4 ASPECTOS NEUROPSICOLÓGICOS DO AUTISMO 5 CONSIDERAÇÕES gravidade dos sintomas de RRBs está associada ao funcionamento executivo comprometido. Estudos de neuroimagem também mostram uma relação entre RRBs e funcionamento executivo. Recomenda-se que, para entender a variabilidade nos achados, pesquisas futuras dividam indivíduos com TEA com base em fatores genéticos ou apresentação clínica para procurar diferenças que possam ser específicas de certos subgrupos com TEA. Estudos que examinam dimensões contínuas, como gravidade dos sintomas em vez de diagnóstico binário, também podem ser úteis, dada a variabilidade entre indivíduos com TEA na expressão dos sintomas. Em termos de prática clínica, independentemente da natureza contínua dos sintomas do TEA, sempre haverá a necessidade de classificação diagnóstica. Se algoritmos de classificação baseados na estrutura e função do cérebro forem utilizados no futuro, é necessário replicar descobertas anteriores em amostras novas e maiores e usar amostras diversas que reflitam melhor os tipos de indivíduos encontrados em contextos clínicos. Será importante estabelecer que os classificadores não apenas distinguem com sucesso aqueles com TEA daqueles com desenvolvimento típico, mas também que eles podem distinguir entre aqueles com TEA e aqueles com outros transtornos neurodesenvolvimentais ou psiquiátricos. 2 DO AUTISMO AO TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA REFERÊNCIAS 1 INTRODUÇÃO 58 3 ASPECTOS NEUROBIOLÓGICOS DO AUTISMO 4 ASPECTOS NEUROPSICOLÓGICOS DO AUTISMO 5 CONSIDERAÇÕES REFERÊNCIAS ABRAMS, D. A. et al. Underconnectivity between voice-selective cortex and reward circuitry in children with autism. Proceedings of the National Academy of Sciences of the United States of America, v. 110, n. 29, p. 12060-12065, 2013. Disponível em: https://www.pnas.org/ content/110/29/12060. Acesso em: 20 jan. 2020. ADOLPHS, R.; BARON-COHEN, S.; TRANEL, D. Impaired recognition of social emotions following amygdala damage. Journal of Cognitive Neuroscience, v. 14, n. 8, p. 1264-74, 2002. 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