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OS NÃO-LUGARES EM MARC AUGÉ: uma análise do Hotel de Trânsito Jorge Azar Chaib TERESINA 2021 CENTRO UNIVERSITÁRIO SANTO AGOSTINHO – UNIFSA PRÓ-REITORIA DE ENSINO COORDENAÇÃO DO CURSO DE ARQUITETURA E URBANISMO DISCIPLINA: ANTROPOLOGIA URBANA PROF.ª: Ma. ANA KELMA CUNHA GALLAS ALUNOS: CAMILA SOARES BRAGA, JAÍNY GISELE DE OLIVEIRA NERI, SÁVIO MODESTO RIBEIRO, VALÉRIA GRACE TELES DE SOUSA SANTOS Os não-lugares em Marc Augé: uma análise do Hotel de Trânsito Jorge Azar Chaib Na busca pela compreensão da sociedade contemporânea, o prestigiado antropólogo francês Marc Augé (1994) concebe os “não-lugares” como elementos característicos da sobremodernidade, momento identificado pela globalização de fluxos políticos, financeiros e de pessoas a partir dos meios de transporte cada vez mais velozes ou das tecnologias de comunicação. Com efeito, o autor define o lugar - ou, de forma mais completa, o lugar antropológico - como um espaço identitário, relacional e histórico. Em contraposição, o não-lugar é aquele não identitário, não relacional e não histórico, o qual marca a sociedade contemporânea ocidental. Na prática, os não-lugares típicos listados, não exaustivamente, por Augé (aeroportos, auto-estradas, redes hoteleiras, shopping centers, etc) são muito distintos entre si em termos de conformação, implantação e programas. Nada obstante, guardam, em seu âmago, um objetivo em comum: permitir que o indivíduo faça cada vez mais coisas ao mesmo tempo, necessidade criada - ou que criou - a sobremodernidade. Essa, na verdade, ressalta Sá (2014), apresenta-se como um cenário extremamente paradoxal, no qual convivem uniformização e particularização, sociedades guiadas pelo excesso de consumo e populações miseráveis, múltiplas possibilidades de troca de informações e ocorrência de conflitos regionais e até mesmo globais justamente pela ausência de comunicação. Observa-se, dessa feita, que vivenciamos uma sociedade cada vez mais individualista, de modo que, segundo Sá (2014), a pergunta que parece estar sempre rondando as reflexões de Marc Augé é saber de que forma os não-lugares provocam a perda do homem como grupo e como sociedade, passando a prevalecer o indivíduo isolado ou “solitário”. Nesse contexto, a relação com o outro é minimizada: não temos mais tempo para estar/parar, estamos sempre de passagem, em viagem, num constante desejo de tudo fazermos em cada vez menos tempo. Diante dessa conjuntura, como destaca Sá (2014), proliferam-se os espaços multifuncionais, cujo objetivo é possibilitar ao indivíduo fazer cada vez 2 mais coisas em menos tempo. Em meio a esses espaços, o usuário nada mais faz, bem se diga, que transitar para chegar ao seu destino, não estabelecendo com ele nenhuma espécie de vínculo, relação, identidade ou afeição: pode ser uma estrada, um ponto de ônibus, um hotel, um shopping center ou uma estação de metrô. Esse grupo de espaços não relacionais, não identitários e não históricos são, no pensamento de Augé (1994), os não-lugares contemporâneos, um conceito essencial para quem se preocupa com o futuro das cidades. O antropólogo defende que há uma tendência cada vez maior em deixarmos de dar significado aos espaços e às coisas, num movimento que faz eles pertencerem a todos e, ao mesmo tempo, a ninguém. Nesse mundo caracterizado pelo domínio dos não-lugares, Sá (2014) e Reis (2013) frisam que Augé preocupa-se com dois grandes riscos daí emergentes: o da uniformidade e o da generalização do espaço urbano. O primeiro é caracterizado pela generalidade arquitetônica dos edifícios que abrigam não-lugares, conformando espaços do dejà-vu, posto que todos se parecem uns com os outros, e criando cidades genéricas. Já a generalização do espaço urbano é observada pela expansão da cidade para onde antes não havia construções, criando áreas que não podem ser qualificadas nem como urbanas nem como rurais. Por fim, Reis (2013) menciona que Augé promove uma relativização de seu conceito de não-lugares, definindo-os também em função do uso que cada indivíduo faz do espaço. Nesse diapasão, afirma-se que, embora o não-lugar seja marcado pela ausência de identidade, de significado e de referência histórica, cada sujeito/usuário pode apropriar-se dele à sua maneira, sendo o uso que faz o lugar ou o não-lugar. Assim, Reis (2013) demonstra, por exemplo, que um shopping center, classicamente elencado como um não-lugar, pode ser considerado um lugar antropológico a partir da experiência histórica, relacional ou de simbolismo que uma comunidade - ou apenas um indivíduo - confere àquele espaço. Após a breve exposição teórica acima, passamos à análise de como o Hotel de Trânsito Jorge Azar Chaib, em Teresina - PI, encaixa-se no conceito de não-lugar de Marc Augé. 3 Localizado dentro da sede da Ordem dos Advogados do Brasil Seccional Piauí (OAB/PI), no bairro Cabral, o Hotel de Trânsito Jorge Azar Chaib foi criado pela Caixa de Assistência dos Advogados do Piauí (CAAPI), juntamente com a OAB/PI, com o intuito primordial de oferecer estadia por tempo limitado aos profissionais advogados, oriundos de outras cidades, que se dirigem à capital piauiense por motivos de trabalho, tais como realização de audiências, despacho de processos junto aos magistrados, participação em conferências, dentre outros. Está no cerne da edificação, portanto, mais que em outros hotéis, ser um local eminentemente transitório, de passagem, o que é evidenciado por seu nome: Hotel de Trânsito. Fachada do Hotel de Trânsito Jorge Azar Chaib Fonte: OAB/PI A localização do prédio, ademais, é estratégica: próximo a órgãos públicos como Tribunal de Justiça, Fórum Central, Tribunal Regional Eleitoral, Câmara Municipal e Assembleia Legislativa. Além disso, como já mencionado, ele está encravado no complexo que compõe a sede da OAB/PI, onde também funcionam as Comissões especializadas, a CAAPI, a Escola Superior de Advocacia do Piauí (ESA-PI), dentre outros serviços. Desse modo, nota-se que o local de implantação do Hotel de Trânsito Jorge Azar Chaib é pensado para 4 que os profissionais ali hospedados realizem as atividades ligadas à práxis jurídica com o máximo de praticidade e agilidade, característica fundamental dos não-lugares da sobremodernidade. Possibilita-se, com isso, que o usuário faça cada vez mais em menos tempo, uma vez que ele poderá otimizar seu tempo de trabalho e de estadia por meio da realização de multitarefas em um curto período. Interior de uma das suítes do Hotel de Trânsito Jorge Azar Chaib Fonte: CAAPI Quanto à estrutura, o Hotel conta com três suítes, todas equipadas com ar condicionado, TV e frigobar. Nada obstante o conforto proporcionado pelas acomodações, é evidente que elas foram projetadas com o objetivo de abrigar os advogados viajantes apenas temporariamente. Nessa esteira, não há, nas suítes, nenhum elemento estético-sensorial, seja pelos materiais utilizados ou pela ausência quase total de decoração, que remeta o hóspede ao conforto de uma memória afetiva, ao aconchego de seu lar ou à história regional/local: é um espaço neutro, sem identidade, genérico, puramente transitório, voltado à permanência por uma ou duas noites, sem a menor pretensão de que o usuário com ele se relacione de forma subjetiva. Praticidade e generalidade são, portanto, as palavras de ordem, confirmando, mais uma vez, que o edifício analisado enquadra-se como um não-lugar. 5 A mesma generalidade manifesta-se também na fachada, marcada por tons claros, vidro, paisagismo tímido e uso abundante de uma pedra que, embora se trate de um material natural, não remete ao entorno da edificação. A junção de tais elementos formam uma composição arquitetônica que não comunica, que é vazia de significado e de história, e que, em razão disso, poderia estar reproduzida em qualquer edifício da cidade ou do país. Essa arquitetura genérica e silenciosa, observada no Hotel de Trânsito, também é uma marca dos não-lugares de Augé.Em conclusão, também cabe refletir acerca dos indivíduos que fazem uso do não-lugar analisado. Eles são viajantes, personagens padrão de não-lugares, e, em sua maioria, solitários (o Hotel oferece opção de quarto individual). Nos não-lugares, afirma Augé (1994), a relação dos indivíduos com o espaço é definida apenas pela finalidade do local (no caso estudado, hospedagem rápida), criando situações solitárias e que não permitem que o usuário desenvolva relações mais profundas com o espaço. Tal situação é observada quanto ao Hotel de Trânsito Jorge Azar Chaib: muito embora ele ofereça uma cama confortável e lençóis limpos, tudo é projetado para que a experiência do indivíduo resuma-se a uma boa noite de sono, não havendo margem para identificação ou sentimento de pertencimento. Assim, o Hotel de Trânsito mostra-se como um espaço criado para ser e permanecer um não-lugar, visto que a única sensação subjetiva que ele proporciona ao usuário é o desejo de, pela manhã, retornar ao seu lugar no mundo: seu lar. 6 Referências bibliográficas: AUGÉ, M. Não-lugares: Introdução a uma antropologia da supermodernidade / Marc Augé, tradução de Maria Lúcia Pereira. Campinas: Papirus, 1994. HOTEL de Trânsito. CAAPI. Disponível em: <https://caapi.org.br/clube_de_servicos/hotel-de-transito/>. Acesso em: 09 jun. 2021. HOTEL de Trânsito da CAAPI oferece comodidade aos advogados do Estado. OAB Piauí, 2015. Disponível em: <http://www.oabpi.org.br/acervo/pagina/491>. Acesso em: 08 jun. 2021. REIS, B. M. S. Pensando o espaço, o lugar e o não lugar em Certeau e Augé: perspectivas de análise a partir da interação simbólica no Foursquare. Contemporânea, Rio de Janeiro, vol. 1, n. 21, p. 136-148, 2013. SÁ, T. Lugares e não-lugares em Marc Augé. Tempo Social, São Paulo, v. 26, n. 2, p. 209-229, nov. 2014. 7
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