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1 PUC-PR/MESTRADO EM ADMINISTRAÇÃO/SÉRIE MONOGRÁFICA: “CADERNO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS” MODELOS DE HOMEM E TEORIA ADMINISTRATIVA (*) Alberto Guerreiro Ramos (**) Número 3 Dezembro de 2001 RESUMO: Já não cabe mais à teoria administrativa continuar a legitimar a racionalidade funcional da organização, como tem feito em larga escala. O problema básico do passado era superar a escassez de bens materiais e de serviços elementares. Nessa época, era técnica e socialmente necessário, e até mesmo inevitável, que houvesse um grande esforço nos ambientes de trabalho, o que já não é verdade hoje. O que provoca crises nas organizações de hoje é o fato de elas, por desígnio e por operação, ainda admitirem que as velhas carências continuam a ser básicas, enquanto de fato o homem contemporâneo tem consciência de carências críticas que pertencem a outra ordem, isto é, que estão relacionadas a necessidades que vão além do nível da mera sobrevivência. Assim, o darwinismo social, que tradicionalmente tem validado a teoria e a prática da administração, tornou-se obsoleto por força das circunstâncias. Neste artigo tenta-se reavaliar a evolução da teoria administrativa, usando-se modelos de homem como seu ponto de referência (a saber, homem operacional, homem reativo e homem parentético). PALAVRAS-CHAVE: Teoria administrativa; Modelos de homem (operacional, reativo e parentético); Racionalidade funcional e substantiva. _____ (*) Artigo publicado originalmente na Public Administration Review, vol. 32, n. 3, pp. 241-6, May/June 1972. O autor deu-lhe então o subtítulo “Ascensão do homem parentético”. Uma tradução anterior do artigo saiu publicada na Revista de Administração Pública, da Fundação Getúlio Vargas, Rio de Janeiro, vol. 18, n. 2, pp. 3-12, abril/junho de 1984. Presente tradução, compilações e nota biobibliográfica: Francisco G. Heidemann. (**) Em 1972, Ramos era professor da University of Southern California (USC). Ver nota biobibliográfica, no final do texto. 2 À memória de John Pfiffner, a quem devo a centelha que me inspirou a desenvolver esta linha de reflexão. Entre o final do século 19 e o presente, aconteceu uma dramática mudança de orientação nos estudos sobre organização e trabalho. Houve um tempo em que o sucesso nos negócios era tido como sinal de virtude e talento, e os ensinamentos de Malthus, Darwin e Spencer encontraram condições ideais para florescer. Nesse sentido, o influente sociólogo William Graham SUMNER (1883: 84-5) não hesitou em afirmar que não faria sentido tentar integrar os interesses de empregadores e empregados. O antagonismo entre esses interesses era legitimado pela tradição e pela ciência social da época. A prova de que era acertado e bem-sucedido o critério determinante de valor humano, então em uso, é dada pela popularidade alcançada pelo ensaio Mensagem a Garcia, de Elbert HUBBARD (1899), e pelos livros Power of will, de Frank Channing HADDOCK (c1907) (ver Nota do tradutor), e Como fazer amigos e influenciar pessoas, de Dale CARNEGIE (1936); publicado pela primeira vez em 1936, este último atingiu vendas superiores a quatro milhões de exemplares (ver BENDIX, 1963: cap. 5). A imagem de homem contida nesses livros populares estava em consonância com o tipo de administração que Taylor e os autores clássicos advogavam. Entretanto, hoje os livros que têm grande aceitação pública e cuja leitura é exigida com freqüência nas escolas de administração pública e de empresas são, entre outros: Eros e civilização (MARCUSE, c1955), The making of a counter culture (ROSZACK, c1969) e The greening of America (REICH, 1970) – todos notórios por suas críticas aos sistemas sociais e organizacionais vigentes. Hoje tornou-se lugar comum afirmar que há uma atmosfera de crise a envolver as organizações contemporâneas, e esta se reflete na teoria que se formula sobre elas. Os profissionais e os acadêmicos vivenciam continuamente esta crise em seu dia-a-dia. Um elevado grau de ambigüidade e confusão atormenta o ambiente interno e externo das organizações atuais. A literatura corrente em nosso campo mostra que há, sem sombra de dúvida, um grande interesse em saber como abordar os problemas que nos confrontam. Ao pôr em foco estas dificuldades, diversos estudiosos deram a entender que está surgindo um novo modelo de homem, cujo desenvolvimento e elucidação são essenciais para superar o atual estado crítico da arte e da teoria da administração. James Carroll, por exemplo, vê uma “crescente conscientização” que está “transbordando e inundando ... os atuais sistemas 3 sociais”. Ele também detecta o surgimento de um novo tipo de personalidade, que já não “se ajusta mais tão facilmente à estrutura de valores organizacionais e institucionais baseada em percepções e interesses previamente estabelecidos” (CARROLL, 1969: 493). E Anders Richter propõe que as burocracias dos EUA estão precisando do que ele chama de “executivos existencialistas”, cuja estrutura de personalidade assemelhar-se-ia à prefigurada pelo paradigma psicológico descrito por Carroll (RICHTER, 1970). As orientações propostas por Carroll e Richter e muitos outros assentam-se sobre a idéia de que se precisa de um ponto de referência, um foco central, para desenvolver um certo senso de direção no trato dos problemas de administração. Precisamos compreender que tipos de circunstâncias sociais contemporâneas estão afetando atualmente cada indivíduo e, por conseqüência, as organizações. De fato, a história contemporânea está gestando um novo tipo de homem, ao qual em outra ocasião dei o nome de “homem parentético”¹. Neste artigo, tento reavaliar a evolução da teoria administrativa, usando modelos de homem como seu ponto de referência (a saber, o homem operacional², o homem reativo e o homem parentético). Em toda a história do estudo da administração, os teóricos e profissionais fizeram suposições acríticas sobre a natureza do homem, em suas obras e suas ações. Hoje, porém, dificilmente será satisfatória uma teoria administrativa que ignore suas implicações psicológicas. Modelos de homem tradicionais Na teoria administrativa, o homem operacional equivale ao homo economicus, usado na economia clássica; ao homo sociologicus, amplamente pressuposto no modelo acadêmico da sociologia; e ao homo politicus, descrito por David TRUMAN (1965), Christian BAY (1965) e Sheldon WOLIN (1969), como sendo o modelo predominantemente empregado na ciência política vigente. As características psicológicas básicas que estes tipos têm em comum os levam a conformarem-se aos critérios inerentes ao sistema social industrial e, portanto, a manterem-no incólume. A validade do homem operacional tem sido aceita sem questionamento. Ele tem sido considerado um recurso organizacional a ser maximizado em termos de produto físico mensurável. De fato, as implicações desse modelo de homem para o design organizacional podem ser descritas em poucas palavras. Ele implica: (1) um método autoritário de alocação de recursos, no qual o trabalhador é visto como um ser passivo que deve ser programado por 4 especialistas para atuar dentro da organização; (2) uma concepção de treinamento como uma técnica destinada a “ajustar” o indivíduo aos imperativos da maximização da produção; (3) a visão de que o homem é calculista, motivado por recompensas materiais e econômicas e, enquanto trabalhador, um ser psicologicamente isolado e independente de outros indivíduos; (4) a crença de que a administração e a teoria administrativa são imparciais, isentas ou neutras; (5) uma indiferença sistemática às premissas éticas e de valor do ambiente externo; (6) o ponto de vista de que questões de liberdade pessoal são estranhasao design organizacional; (7) a convicção de que o trabalho é essencialmente um adiamento da satisfação. Uma alternativa ao homem operacional foi sugerida pela primeira vez nos Estudos de Hawthorne, no início da década de 1930. Foi o início da Escola de Relações Humanas, que via o homem como um ser mais complexo do que supunham os teóricos tradicionais (ver ROETHLISBERGER & DICKSON, 1964). Em contraste com os operacionalistas, os humanistas: (1) tinham uma visão mais sofisticada sobre a natureza da motivação humana; (2) não negligenciavam o ambiente social externo da organização e, por isso, definiam a organização como um sistema social aberto; e (3) não desconsideravam o papel desempenhado por valores, sentimentos e atitudes sobre o processo de produção. O modelo de homem desenvolvido pelos humanistas pode ser chamado de “homem reativo”, com tudo o que termo implica. Para os humanistas, assim como para seus antecessores, o sistema industrial e a empresa funcionam como variáveis independentes. O objetivo principal da administração é estimular comportamentos que reforcem sua racionalidade específica. Embora os humanistas estivessem aparentemente mais preocupados com os trabalhadores e conhecessem melhor suas motivações, os objetivos que buscavam não haviam realmente mudado. Para despertar reações positivas em favor das metas da empresa, eles desenvolveram procedimentos para a cooptação de grupos informais, práticas para o “aconselhamento de pessoal” e habilidades para lidar com as relações humanas individuais. Viam o trabalhador como um ser reativo. Seu objetivo principal era ajustar os indivíduos aos contextos de trabalho, e não o seu crescimento individual. O resultado final da utilização maciça de “relações humanas” era a inserção total do indivíduo na organização; em outras palavras, ele devia ser transformado no que W. H. Whyte Jr. denominou de “homem organizacional” (WHYTE Jr., 1957). A prática da administração avançou para além desse ponto? À vista dessas evidências, dificilmente a resposta a esta pergunta poderia ser algo diferente de “não”. Os modelos 5 operacional e reativo ainda continuam a influenciar em larga escala os sistemas sociais e organizacionais dos EUA. Nos meios acadêmicos, estes modelos são duramente criticados, mas não apareceram ainda alternativas de ampla aceitação para substituí-los. No entretanto, alguns aspectos dos contextos organizacionais, que estavam em grande parte esquecidos no passado, estão a receber hoje uma atenção considerável. Por exemplo, está se dando agora mais atenção ao processo do que à estrutura; às tarefas do que às rotinas; às estratégias ad hoc do que aos princípios e prescrições; e o mesmo está acontecendo com as assim chamadas organizações em mudança, as organizações não hierárquicas e a gestão participativa. O ambiente é mais do que nunca uma preocupação central, o que até certo ponto explica a influência atual das abordagens sistêmicas. Além disso, liberdade e auto- realização têm se tornado temas proeminentes em livros e nas salas de aula. Estes são avanços consideráveis, mas são ainda, na melhor das hipóteses, avanços meramente periféricos. De maneira geral, as atuais teorias e práticas de administração ainda não correspondem às necessidades dos tempos atuais. Conceitos como organizações em mudança, por exemplo, são articulados em termos reativos apenas; ou seja, estas organizações são testadas quanto à sua capacidade de responder de modo não crítico às flutuações que ocorrem em seu ambiente; elas não são testadas quanto à sua capacidade para assumir responsabilidade pelos padrões de qualidade e pelas prioridades desse mesmo ambiente. Essa teoria reativa parece basear-se em uma visão ingênua da natureza dos insumos e produtos. Ela considera, como insumos as pessoas, os materiais e a energia, mas perde de vista os fatores éticos e valorativos do ambiente, cuja racionalidade e legitimidade são tipicamente desconsideradas. O ambiente é aceito como dado, e sua configuração episódica, restritiva, torna-se um padrão normativo inquestionável, ao qual as assim chamadas organizações em mudança devem se ajustar. Na verdade, estas são, assim, apenas “organizações adaptativas”; já as organizações em mudança deveriam ser aquelas que têm a capacidade de influenciar e modelar o ambiente, de acordo com critérios não necessariamente dados. Em outras palavras, a administração das micro-organizações deve ser vista como parte de uma estratégia geral orientada à administração de toda a sociedade. A integração do indivíduo à organização constitui um outro problema. Aqueles que defendem esta integração ignoram o caráter básico e duplo da racionalidade. De fato, existe uma racionalidade cujos padrões nada têm a ver com o comportamento administrativo. Esta racionalidade, chamada substantiva e noética, respectivamente por Karl Mannheim e Eric Voegelin (ver MANNHEIM, 1940: 51-66; VOEGELIN, 1963; ARON, 1963; HABERMAS, 6 1970), é um atributo intrínseco do indivíduo enquanto uma criatura de razão, e jamais pode ser entendida como dizendo respeito à qualquer organização. De fato, a racionalidade noética não se relaciona sistematicamente com coordenação de meios e fins, do ponto de vista de eficiência. Ela deriva de imperativos imanentes à razão em si, entendida como uma faculdade específica do homem que impede a obediência cega a requisitos de eficiência. Assim, pode muito bem acontecer que, historicamente, um alto grau de desenvolvimento da racionalidade pragmática coincida com um “alto grau de irracionalidade na esfera da razão noética” (VOEGELIN, 1963: 43). Um comportamento humano que ocorra sob a égide da racionalidade noética pode ser administrativo apenas por acaso, não necessariamente. A organização e seus líderes podem julgar se um comportamento é racionalmente instrumental para suas metas, mas jamais sua adequação à racionalidade noética. Na verdade, é privilégio da racionalidade noética julgar a organização. É condição de uma sólida teoria administrativa ser capaz de distinguir e separar as duas racionalidades. Adolf Eichmann foi talvez um perfeito burocrata cujo crime consistiu precisamente em identificar a racionalidade noética ou os imperativos categóricos kantianos da “razão prática” com os “imperativos categóricos do III° Reich”³. E, mais recentemente, foi a tensão crônica entre as duas racionalidades que tornou tão desconcertante a decisão de Daniel Ellsberg de revelar o teor dos assim chamados documentos secretos do Pentágono. Acredito que o modelo de homem parentético pode dar à teoria administrativa a sofisticação conceitual que se faz necessária para enfrentar as questões e os problemas que causam tensões entre a racionalidade noética e a racionalidade funcional. Surgimento do homem parentético Na realidade, o homem parentético não pode deixar de ser um participante da organização. Mas, justamente por tentar ser autônomo, ele não pode ser entendido ou explicado pela psicologia da conformidade, como o são os indivíduos que se comportam de acordo com os modelos operacional e reativo. Ele possui uma consciência crítica altamente desenvolvida sobre as premissas de valor latentemente presentes em seu dia-a-dia. De fato, o adjetivo “parentético” deriva da noção de Husserl de “suspensão”, de estar “entre parênteses”. Husserl faz uma distinção entre uma atitude natural e uma crítica (HUSSERL, 1967). “Natural” é a atitude do homem “ajustado”, despreocupado com a racionalidade noética e aprisionado em seu imediatismo. Já a atitude “crítica” suspende ou põe “entre 7 parênteses” a crença no mundo comum, permitindo ao indivíduo atingir um nível de reflexão conceitual e, portanto, de liberdade. O homem parentético é um reflexo das novas circunstâncias sociais, que hoje estão mais visíveis nas sociedadesindustriais avançadas, como os EUA, mas que irão eventualmente prevalecer em todo o mundo; e é ao mesmo tempo uma reação a essas circunstâncias. Como salientou Robert Lane, os padrões de comportamento, que apenas existem em forma residual nas sociedades em estágios anteriores de evolução, tendem agora a se tornar universais nas sociedades industriais avançadas. De fato, no passado, esses padrões de comportamento podiam ser encontrados apenas em indivíduos excepcionais. Sócrates, Bacon e Maquiavel, por exemplo, tinham a capacidade psicológica, segundo a expressão de LANE (1966: 654), de “diferenciar o eu do mundo interior do eu do mundo em volta”, o que os tornava capazes de perceber suas respectivas sociedades como arranjos precários. Enquanto a massa da população, nas sociedades menos evoluídas, interpretava a si própria e a realidade social de acordo com as definições convencionalmente estabelecidas, estes pensadores tiveram a capacidade de suspender suas circunstâncias internas e externas, podendo assim examiná-las com visão crítica. Esta claramente se qualifica como uma capacidade parentética. De fato, a suspensão equivale aqui a pôr as circunstâncias ‘entre parênteses’. O homem parentético consegue abstrair-se do fluir da vida diária, para examiná- lo e avaliá-lo como um espectador. Ele é capaz de distanciar-se do meio que lhe é familiar. Ele tenta deliberadamente romper suas raízes e ser um estranho em seu próprio meio social, de maneira a maximizar sua compreensão desse meio. Assim, a atitude parentética é definida como a capacidade psicológica do indivíduo de separar-se de suas circunstâncias internas e externas. Os homens parentéticos prosperam quando termina o período da ingenuidade social. Por isso, a sociedade “informada” de LANE (1966: 654) é o ambiente natural do homem parentético. Numa pesquisa realizada entre camponeses no Oriente Médio, Daniel Lerner perguntou-lhes como se comportariam no papel de governantes de seu país, ou de residentes em um país estrangeiro, ou de redatores de um jornal, etc. Lerner constatou que estes aldeões estavam tão imersos e arraigados em suas condições sociais que não conseguiam se imaginar nessas posições. Seu mundo era um mundo social ontologicamente justificado, bem ao contrário de um cenário em que eles poderiam explorar possibilidades e tirar vantagem de oportunidades. 8 Por outro lado, Robert J. LIFTON (1970: 311-31) encontrou comportamentos altamente desenraigados entre jovens japoneses, a quem denominou de “versáteis”. Um jovem entrevistado, por exemplo, observou: “Para mim, não existe um único ato que eu imagine não poder praticar!” (1970: 319). O homem “versátil” japonês, de Lifton, é muito semelhante ao homem parentético. Mas há uma diferença fundamental entre os dois, a saber: em vez de entregar-se a um relativismo inconseqüente, como parece fazer o “versátil”, o homem “parentético” se compromete eticamente com valores que o conduzem ao primado da razão (no sentido noético), em sua vida social e particular. Em conseqüência, sua relação com o trabalho e a organização é muito peculiar. Pode-se esclarecer a natureza dessa relação quando se observa a tipologia que Robert Presthus apresenta em seu livro The organizational society (PRESTHUS, 1965). Se admitirmos que os três tipos de homem de Presthus caracterizem o espectro de pessoas que trabalham nas organizações modernas, estaremos lidando apenas com indivíduos que querem ascender na organização (alpinistas), com indivíduos ambivalentes e com indivíduos indiferentes. A essa tríade deve-se acrescentar um quarto tipo, a saber, o homem parentético. Esse quarto homem não se empenharia em excesso para ser bem sucedido segundo padrões convencionais, como o faz o alpinista. Ele teria um grande senso de individualidade e uma forte compulsão por encontrar sentido para sua vida. Não aceitaria padrões de desempenho sem um senso crítico, embora possa ser um grande realizador quando lhe forem atribuídas tarefas criativas. Ele evitaria trabalhar apenas com o intuito de fugir à apatia ou à indiferença, pois o comportamento passivo ofenderia seu senso de auto-estima e autonomia. Empenhar- se-ia no sentido de influenciar o ambiente, para retirar dele tanta satisfação quanto fosse capaz. Seria ambivalente em relação à organização, mas de um modo diferente do modo descrito por Presthus. Sua ambivalência qualificada decorreria de seu entendimento de que as organizações têm que ser tratadas de acordo com seus próprios termos relativos, já que elas são limitadas por sua racionalidade funcional. Quando não conseguem influenciar seu ambiente, os indivíduos ambivalentes de Presthus são considerados emocionalmente indisciplinados, psicologicamente bloqueados e facilmente desestimulados. Talvez tenha sido o conhecimento desse quadro desolado da atual “sociedade organizacional” que levou Robert Townsend a escrever que seu livro Up the organization “não ataca os problemas dos 20 milhões de pobres da América”, mas “dos 80 milhões de casos psiquiátricos que detêm empregos” (TOWNSEND, 1970: 121). 9 Não cabe mais à teoria administrativa legitimar a racionalidade funcional da organização, como tem feito em grande escala. O problema básico do passado era superar a escassez de bens materiais e de serviços elementares. Nessa época era técnica e socialmente necessário, e até mesmo inevitável, que houvesse um grande esforço nos ambientes de trabalho, o que já não é verdade hoje. O que provoca crises nas organizações de hoje é o fato de elas, por desígnio e por operação, ainda admitirem que as velhas carências continuam a ser básicas, enquanto de fato o homem contemporâneo tem consciência de carências críticas que pertencem a outra ordem, isto é, que estão associadas a necessidades que vão além do nível da simples sobrevivência (ver GALBRAITH, 1958). Assim, o darwinismo social, que tradicionalmente tem validado a teoria e a prática da administração, tornou-se obsoleto por força das circunstâncias. Cada vez mais pessoas tomam consciência de que a eliminação do esforço desnecessário é hoje uma possibilidade factível, o que condiciona suas atitudes diante do trabalho e da organização. É difícil motivar esses indivíduos com as práticas gerenciais tradicionais. Um número cada vez maior deles considera falacioso, para dizer o mínimo, administrar micro-organizações, sem levar em conta os condicionamentos que o sistema macro-social lhes impõem. Eis o depoimento de um jovem executivo recém-graduado, com louvor, em 1970, pela Universidade de Yale: “Não quero um emprego em que tenha que inventar novas formas de vender pratos de papelão. Esta sociedade produz demais e temos que parar. Não é aí que devem residir nossas prioridades” (GOODING, 1971: 103). O desenvolvimento e a renovação organizacionais só fazem sentido hoje na medida em que representem uma tentativa de dar às pessoas um sentimento de verdadeira participação social. É por isso que hoje não basta administrar organizações; é necessário administrar a sociedade toda. O ambiente das sociedades industriais avançadas, em que a sobrevivência não constitui mais a principal razão para se trabalhar, está gerando uma nova atitude frente às organizações. A síndrome psicológica descrita por Presthus tende a tornar-se dominante nas sociedades em que é generalizado “o temor pela perda do emprego” (RICHTER, 1970: 419). Quando se constata que a escassez de empregos resulta mais de distorções institucionais do que da falta elementar de competência social, quando a incapacidade de se conseguir trabalho não é mais vista como uma deficiência de ordem pessoal, e quando o desemprego é subsidiado e a produção de bens declina em importância – então o indivíduo tende a ver refletido na micro-organização o mesmo mal que ele vê presente no sistema social todo. Em conseqüência, ele é encorajadoa se tornar um trabalhador menos conformado e dócil, e um 10 ser político mais ativo. Nesse clima, a política torna-se onipresente, no sentido de que cada um se empenha pelo direito de satisfazer suas próprias necessidades, em todos os níveis de relações interpessoais. Quando é baixo o nível de acumulação de capital, o adiamento da satisfação pessoal pode-se tornar inexorável; este não parece ser o caso, porém, onde a acumulação de capital é elevada. É nesse contexto que faz sentido a recente ampliação do conceito de administração. De fato, é significativo que a administração da sociedade esteja agora se tornando uma questão central. Um dos problemas principais a ser considerado na condução global do sistema social é o design de novos tipos de organização ou novos padrões de trabalho. John Kenneth Galbraith salientou que a sociedade opulenta de hoje está carregada de contradições. Trata-se de um sistema capaz de eliminar tarefas árduas, ao ponto de abolir totalmente o trabalho nos termos em que o conhecemos hoje; mas não estamos encarando de forma sistemática esta possibilidade concreta (GALBRAITH, 1958: 263). Quanto mais o indivíduo comum toma consciência desse fato, menos ele se dispõe a engajar-se em esforços desnecessários. O fato de a grande maioria dos trabalhadores industriais não encontrar o “interesse central de suas vidas” em seus empregos tem crescente significado social. Há indicações cada vez maiores de que suas vidas fora do trabalho são desoladas e contagiadas por sua situação empregatícia. Seu descontentamento com o emprego pode, por sua vez, aliená-los da sociedade global. Na atual sociedade industrial avançada, o trabalhador médio se dá conta de que está perdendo a capacidade de lidar consigo mesmo e com o ambiente global. A tecnologia, como força não controlada, está pondo em risco a possibilidade do homem enquanto criatura racional, em vez de melhorar sua qualidade de vida. E como esse efeito não é inerente à tecnologia, mas decorre da estrutura política e institucional episódica dos sistemas industriais avançados, está surgindo um novo nível de conscientização humana, que estimula as pessoas (sobretudo as mais jovens) a descartar comportamentos reativos. Essas pessoas sentem que têm a responsabilidade de redefinir as prioridades e metas tanto das organizações quanto do sistema social global, para que possam desenvolver suas “próprias propensões e predisposições individuais, e consumir não apenas bens manufaturados, mas a própria liberdade” (HARRINGTON, 1969: 272). Na verdade, paradoxalmente, é a própria tecnologia o principal fator a contribuir para essa revolução na sociedade moderna. Estas são algumas das razões que estão levando a sociedade afluente a estilos parentéticos de vida. Embora as implicações deste modelo para o design organizacional extrapolem os objetivos deste artigo, importa destacar que está surgindo uma abordagem 11 parentética para o design organizacional. É o que revela o comportamento de muitos indivíduos engajados, estudiosos e profissionais (de novo, sobretudo jovens) que estão tentando “derrotar” ou “desestabilizar” os sistemas de administração tradicionais. É o que certamente está implícito nas tentativas de projetar organizações não hierárquicas e orientadas para clientes (ver BENNIS, 1966; e WHITE Jr., 1969); nos órgãos e estratégias voltados à proteção dos cidadãos e dos consumidores (como, por exemplo, a Federal Trade Comission, a Citizen Group Association (dos consumidores da Califórnia) e as diversas atividades de homens como Ralph Nader e Saul Alinsky); na decisão de reestruturação de todo o sistema social, a partir da perspectiva de imperativos ecológicos4; na escolha de novas prioridades sociais (por exemplo, a Common Cause, de John Gardner) e de novos critérios de qualidade de vida (para os quais aponta o movimento dos “indicadores sociais”) (ver GROSS, 1969; ver também The Annals of the American Academy of Political and Social Sciences, March 1970). É um sinal dos tempos que o livro de Robert Townsend, Up the organization, um bestseller levado a sério tanto em círculos acadêmicos como por profissionais, tenha sido apresentado pelo autor como “um manual de sobrevivência para guerrilhas organizacionais bem sucedidas” (TOWNSEND, 1970: ix). Em sua longa história, a organização tradicional está chegando agora a seu momento da verdade. Ela está perdendo seu poder de sedução. Nosso campo está agora maduro para uma façanha kantiana, para uma revolução copernicana. Precisamos de nada menos que uma crítica radical da razão organizacional. Notas 1. Este artigo originou-se de um trabalho maior intitulado “O homem parentético”, que foi apresentado ao Encontro Nacional da Sociedade Norte-Americana de Administração Pública (ASPA), ocorrido em Denver, Colorado, entre 18 e 21 de abril de 1971. 2. Devo esta expressão a John Pfiffner. 3. Frase atribuída por Hannah ARENDT (1968: 136) a Hans Frank. 4. Ver PEARL & PEARL (1971). Os autores advogam que se faça “um novo tipo de análise de custo-benefício, de cunho ecológico e de escala mundial, em que o planejamento nos redirecione de uma sociedade orientada para mercadorias para uma sociedade orientada à qualidade de vida e ao serviço do homem” (p. 33). Bibliografia ARENDT, Hannah. Eichmann in Jerusalem. New York: The Viking Press, 1968. ARON, Raymond (ed.). Work technology and human destiny. Ann Arbor: The University of Michigan Press, 1963. BAY, Christian. Politics and pseudo-politics: a critical evaluation of some behavioral literature. American Political Science Review, 59 (1), Mar. 1965. 12 BENDIX, Reinhard. Work and authority in industry. New York and Evanston: Harper & Row Publishers, 1963. BENNIS, Warren G. Changing organizations. New York: Mc-Graw-Hill Book Co., 1966. CARNEGIE, Dale. How to win friends and influence people. N. York: Simon and Schuster, c1936. CARROLL, James D. Noetic authority. Public Administration Review, vol. 29, Sept./Oct. 1969. GALBRAITH, John K. The affluent society. New York: The New York American Library, Inc., 1958. GOODING, Judson. The accelerated generation moves into management. Fortune, March 1971. GROSS, Bertram (ed.). Social intelligence for America’s future. Boston: Allyn Bacon, Inc., 1969. HABERMAS, Jürgen. Toward a rational society. Boston: Beacon Press, 1970. HADDOCK, Frank Channing. Power of will: a practical companion-book for unfoldment of selfhood through direct personal culture. Meriden (Conn.): Pelton Pub. Co., c1907. HARRINGTON, M. The accidental century. Baltimore: Penguin Books, Inc., 1969. HUBBARD, Elbert. Message to Garcia. (Ensaio publicado, originalmente, na revista do próprio autor The Philistine, em 1899). HUSSERL, Edmund. The thesis of natural standpoint and its suspension. In: KOCKELMANS, J. J. (Ed.). Phenomenology, the philosophy of Edmund Husserl and its interpretation. Garden City (N. Y.): Doubleday and Co., Inc., 1967. LANE, R. E. 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The making of a counter culture: reflections on the technocratic society and its youthful opposition. Garden City (N. York): Anchor Books, c1969. SUMNER, William Graham. What social classes owe each other. N. York: Harper and Brothers, 1883. TOWNSEND, Robert. Up the organization. Greenwich (Conn.): Fawcet Publications, Inc., 1970. TRUMAN, David B. Disillusion and regeneration: the quest for a discipline. American Political Science Review 59 (4), Dec. 1965. VOEGELIN, Eric. Industrial society in search of reason. In: ARON, Raymond (1963). WHITE Jr., O. F. The dialectical organization: an alternative to bureaucracy. Public Administration Review, vol. 29, Jan./Feb. 1969. WHYTE Jr., William H. The organization man. Garden City (N. York): Doubleday and Co., 1957. WOLIN, Sheldon S. Political theory as a vocation. American Political Science Review, 63 (4), Dec. 1969. 13 Nota do tradutor No texto original em inglês, Ramos atribuiu a autoria do livro Power of will a Orison Swett MARDEN (1901). Houve um equívoco nesta referência. Sobre a relação entre Orison Swett Marden e o título ou a temática deste livro, e vice-versa, pode-se encontrar as seguintes informações nas bases internacionais de dados bibliográficos: MARDEN, Orison Swett. How they succeeded. Boston (Mass.): Lothrop Pub. Co., 1901. MARDEN, Orison Swett. An iron will. New York: Crowell, c1901. MARDEN, Orison Swett. Querer es poder. Barcelona (Espanha): Antonio Rocha, 1921. MARDEN, Orison Swett. O poder da vontade. Porto (Portugal): A. Figueirinhas, 1932. Não consta, pois, nessas bases de dados, que Marden tenha dado o título Power of will a algum de seus livros. No entanto, no ano de 1901, saíram duas publicações de Marden, com os seguintes títulos: How they succeeded e An iron will. O segundo é um texto quase monográfico (49 páginas), enquanto o primeiro tem um volume mais compatível com o que se convenciona chamar livro. Os títulos das obras de Marden em espanhol e em português, referidas acima, se devem muito provavelmente à temática dominante na época, inclusive na obra de Marden. Por sua vez, constata-se nessas mesmas bases de dados que o autor de Power of will é Frank Channing Haddock, que publicou uma série com este título, com copy right datado em 1907. Além de tudo isso, cabe observar que Ramos valeu-se de BENDIX (1963, cap. 5), uma fonte secundária, para referenciar Power of will. Acontece que, por cúmulo das coincidências, o título do livro de Haddock e o nome de Marden se encontram muito próximos um do outro no texto de Bendix (p. 260), o que provavelmente também ajude a explicar a associação indevida. Na mesma página, porém, fica claro que Power of will é obra de Frank C. Haddock. Nota biobibliográfica Alberto Guerreiro Ramos (nascido em 13.09.1915, em Santo Amaro da Purificação, Bahia, e falecido em 06.04.1982, em Los Angeles, Califórnia), se distingue no cenário intelectual brasileiro como uma estrela de primeira grandeza. Em 1956, o sociólogo clássico Pitirim A. Sorokin incluiu-o entre os autores eminentes que contribuíram para o progresso mundial da disciplina da Sociologia. Como professor, pesquisador e autor, Ramos esteve associado a quatro importantes instituições – DASP, ISEB/MEC, EBAP/FGV e USC – e por seu intermédio publicou a maior parte de sua obra. Além da carreira acadêmica, exerceu mandato político como deputado federal. Como scholar, Guerreiro Ramos teve uma produção acadêmica expressiva em dimensão e originalidade, em seus 45 anos de atividade intelectual, tendo dado contribuições significativas às ciências sociais, sobretudo aos estudos de sociologia das organizações e da administração. Pelo menos dois conceitos seminais são devidos a ele, viz.: o conceito de redução sociológica e a teoria da delimitação dos sistemas sociais, brevemente descritos a seguir. Conforme se lê no Dicionário de Ciências Sociais (1986: 1037), da Fundação Getúlio Vargas, redução sociológica é um método de análise sociológica formulado e exposto por Ramos em seu livro A redução sociológica (1958). Como define Lívia Neves de H. Barbosa, no Dicionário, tanto em seu sentido genérico como no contexto sociológico, “a redução consiste na eliminação dos componentes acessórios e secundários de um determinado dado, objeto ou sujeito ... para conhecimento e penetração do essencial”. É uma metodologia que leva à apreensão das estruturas elementares dos fenômenos, fatos e conceitos sociológicos, pela redução daquilo que se conhece diretamente da realidade social para aquilo que a informa estruturalmente. Nas palavras do autor do conceito, a redução sociológica é definida como “uma atitude metodológica que tem por fim descobrir os pressupostos referenciais, de natureza histórica, dos objetos e fatos da realidade social” (Ramos, 1958: 44). Para articular o conceito de redução sociológica, o autor inspirou-se na fenomenologia de E. Husserl. Segundo afirma Ramos, uma comunidade precisa praticar a redução sociológica não só pelo 14 imperativo de conhecer a realidade, mas também por sua necessidade social de servir-se da experiência de outras comunidades, no esforço de realização de seu próprio projeto de existência histórica. Em síntese, com a redução sociológica pretende-se impedir a transposição de problemáticas alheias à realidade estudada. Quanto a seu segundo conceito, Guerreiro Ramos parte da presunção de que, na análise tradicional de sistemas sociais, a categoria de mercado é o único pressuposto básico a orientar a organização da existência social e individual. Já para o seu modelo de delimitação dos sistemas sociais, por outro lado, o mercado é um domínio social necessário, mas deve ser circunscrito e regulado. A noção de delimitação organizacional implica que (a) a sociedade se compõe de diversos domínios, dentro dos quais os indivíduos se associam em diferentes tipos de atividade; e (b) um governo societário formula e implementa políticas para alocar os recursos e tomar as decisões necessárias à interação desejada entre os diversos domínios ou encraves sociais. A economia deixa de ser a única força e critério para a organização da vida social e individual. O arranjo multicêntrico do espaço social, vislumbrado por seu paradigma paraeconômico, permite ao indivíduo fazer escolhas autênticas e ordenar sua existência de acordo com suas necessidades de realização pessoal. Este paradigma pode ser imaginado e construído sobre duas linhas que se cruzam ao meio, em ângulo reto. A linha vertical aponta, em sentido ascendente, para um espaço crescentemente prescritivo; e, em sentido descendente, para um espaço cada vez menos regulado por normas. A linha horizontal, em seu sentido à esquerda, aponta para uma orientação comunitária; e, em seu sentido à direita, para uma orientação individual. Os seis domínios usados para descrever o paradigma (economia, isonomia, horda, eremita, fenonomia e anomia) são categorias heurísticas com o caráter e a função dos tipos ideais de Weber. A lógica dos dois vetores permite uma infinidade de arranjos intermediários, além dos seis tipificados. De acordo com Ramos, as possibilidades humanas podem ser melhor atendidas sob este arranjo multicêntrico do espaço social do que sob o arranjo unidimensional do mercado. Depois de se dedicar brevemente a pesquisas então típicas de sociologia, como os problemas de puericultura, a opção preferencial de Ramos pelos estudos de administração e organizações se firmou na década de 1940, quando ele fazia parte do DASP (Departamento Administrativo do Serviço Público), um órgão do governo federal em cujo seio nasceu a Fundação Getúlio Vargas. Foi pelas páginas da Revista do Serviço Público (RSP), do DASP, que ele apresentou, em 1946, uma contribuição weberianamuito especial para os administradores brasileiros, a saber, o insuspeitável tipo ideal da burocracia, então percebido por nossos administradores apenas como uma categoria sociológica. Duas outras revistas brasileiras publicaram estudos de nosso autor: os Cadernos do Nosso Tempo, publicados pelo IBESP (Instituto Brasileiro de Economia, Sociologia e Política) e a Revista de Administração Pública (RAP), editada pela Fundação Getúlio Vargas. No exterior, Ramos valeu-se de mais duas revistas acadêmicas para dar continuidade à publicação do produto de suas pesquisas: Public Administration Review (PAR), editada pela Sociedade Norte-Americana de Administração Pública (ASPA), e Administration and Society, uma publicação da editora Sage. Sua teoria sobre delimitação dos sistemas sociais veio à luz pela primeira vez pela revista Administration and Society, em 1976. No período do Governo Juscelino Kubitscheck de Oliveira (1956-60), Ramos associou-se com Hélio Jaguaribe, Álvaro Vieira Pinto, Cândido Mendes, Nelson Werneck Sodré e Roland Corbisier, todos oriundos do IBESP, para formarem o Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB/MEC), um think tank criado dentro da estrutura do MEC para produzir uma ideologia desenvolvimentista para o Brasil. Como isebiano de “primeira hora”, ele dirigiu o Departamento de Sociologia do Instituto e orientou seus estudos para um desenvolvimento de cunho nacionalista. Exerceu até uma certa “liderança intelectual” no Instituto, conforme sugere Caio Navarro de Toledo, em seu livro ISEB: fábrica de ideologias (1982: 98). Mas ele desligou-se do ISEB em 1958, justamente quando este vivia a fase que mais o caracterizaria, a fase do nacional-desenvolvimentismo. O período mais fértil na carreira acadêmica de Ramos ocorreu durante as duas décadas que se seguiram ao final da Segunda Guerra Mundial. Pelo menos quatro artigos por ano marcaram sua presença nas páginas da RSP, entre 1946 e 1949, abordando e debatendo diversos temas sociais e político-administrativos. Os 10 livros relacionados a seguir foram todos publicados entre 1950 e 1966: Uma introdução ao histórico da organização racional do trabalho (1950); A sociologia industrial: 15 formações, tendências atuais (1952); Cartilha brasileira do aprendiz de sociólogo (1954); Introdução crítica à sociologia brasileira (1957); A redução sociológica (1958; publicado também no México, em 1959); O problema nacional do Brasil (1960); A crise do poder no Brasil (1961); Mito e verdade da revolução brasileira (1963); A redução sociológica, 2ª edição (1965); Administração e estratégia do desenvolvimento (1966), que foi republicado, após sua morte, com novo título: Administração e contexto brasileiro (1983). Em 1966 veio o exílio. Nos 16 anos em que viveu nos Estados Unidos, Ramos produziu apenas um livro – A nova ciência das organizações: uma reconceituação da riqueza das nações – publicado em 1981, ao mesmo tempo em inglês e português, respectivamente, no Canadá (pela editora da Toronto University Press) e no Brasil (pela editora da Fundação Getúlio Vargas). Nele o autor apresenta em detalhe sua teoria sobre a delimitação dos sistemas sociais e o paradigma paraeconômico. Além de pesquisador, autor e professor, Guerreiro Ramos passou por várias instituições internacionais como conferencista. Com essa missão visitou a Universidade de Paris, a Academia de Ciências de Moscou e as cidades de Pequim (China) e Belgrado (Iugoslávia), em plena época do império soviético. Também foi visiting fellow na Universidade de Yale e professor visitante na Wesleyian University, ambas localizadas na região norte-americana da Nova Inglaterra. Após a anistia política no Brasil, promulgada em 1979, a Universidade Federal de Santa Catarina convidou-o como professor visitante para seu recém criado Mestrado em Administração (1980-81). Ramos era um animal político por excelência. Não se limitava a estudar a realidade brasileira de forma distante e fria, mas também se engajava politicamente. Assessorou três presidentes da República (Vargas, Kubitschek e Goulart). Em 1961, integrou a delegação brasileira à 16ª Assembléia Geral da ONU e fez pronunciamentos oficiais em duas de suas comissões. Como político, candidatou- se a um cargo eletivo e acabou exercendo mandato de deputado federal, entre agosto de 1963 e abril de 1964, na Câmara Federal, onde apresentou 71 projetos e pronunciamentos. Guerreiro Ramos não se restringia a publicar seus estudos na imprensa acadêmica. Também usava com freqüência a grande imprensa diária para se posicionar em relação às questões sociais, políticas e culturais mais agudas do país e para oferecer uma contribuição refletida e fundamentada ao aperfeiçoamento das instituições. Mais de 100 artigos foram publicados por ele em diferentes momentos, sobre diversos temas, quase todos em quatro jornais cariocas: O Jornal, A Manhã, Diário de Notícias e Jornal do Brasil. A questão racial no Brasil também chegou a fazer parte por algum tempo de seus interesses acadêmicos. Entre 1948 e 1955, ele publicou alguns estudos sobre relações, contatos e preconceitos raciais, sobre negritude, sobre o problema do negro na sociologia brasileira e sobre a patologia do “branco” brasileiro. Ele próprio era de raça negra. Se algum leitor interessado desejar informações adicionais sobre a vida e obra de Guerreiro Ramos, poderá recorrer, entre outras fontes, às que serviram de referência para a elaboração das presentes notas, a saber: o inventário bibliográfico levantado para o Colóquio Guerreiro Ramos: Resgatando uma obra, que a EBAP/FGV organizou e promoveu em sua homenagem, em 1982; o livro-tese de Caio Navarro de Toledo intitulado ISEB: fábrica de ideologias, publicado pela editora Ática, em 1982 (2ª ed.); e o Dicionário de Ciências Sociais, elaborado sob a coordenação do professor Benedicto Silva e publicado pela Fundação Getúlio Vargas, em 1986. 16 PUC-PR/MESTRADO EM ADMINISTRAÇÃO/SÉRIE MONOGRÁFICA: “CADERNO DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS” MODELS OF MAN AND ADMINISTRATIVE THEORY (*) Alberto Guerreiro Ramos (**) Number 3 December 2001 ABSTRACT: Administrative theory can no longer legitimize the functional rationality of the organization as it has largely done. The basic problem of an earlier time was to overcome the scarcity of material goods and elementary services. In that period a great amount of toil in work settings was technically and socially necessary and even inevitable, which is not true at present. What brings about the crises in today’s organizations is the fact that by design and operation they still assume that old scarcities continue to be basic, while in fact contemporary man is aware of critical scarcities belonging to another order, i. e., related to needs beyond the level of simple survival. Thus, the social Darwinism that has traditionally validated management theory and practice has become outdated by the force of circumstances. This article is an attempt to reassess the evolution of administrative theory. It takes models of man as its point of reference (namely, the operational man, the reactive man and the parenthetical man). KEY-WORDS: Management or administrative theory; Models of man (Operational, Reactive and Parenthetical man); Functional and Substantive Rationality. ____ (*) Text originally published in Public Administration Review, vol. 32. n. 3, pp. 241-6, May/June 1972. An earlier rendering into Portuguese has been published in Revista de Administração Pública, Fundação Getúlio Vargas, Rio de Janeiro, vol. 18, n. 2, pp. 3-12, April/June 1984. Present translation, compilation and biobibliographical note are by Francisco G. Heidemann. (**) In 1972, Professorwith the University of Southern California (USC). Biobibliographical note at the end of the text.
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