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Catarina Nykiel - MedManas CASO CLÍNICO – DIARRÉIA CRÔNICA Um homem de 38 anos de idade, sem história médica significativa, chega ao consultório para uma avaliação. Ele relata uma história de 9 a 12 meses de diarreia intermitente, associada a cólicas leves. Suas fezes costumam ser volumosas, não sanguinolentas e, às vezes, exibem um aspecto gorduroso. O paciente perdeu mais de 9 kg durante esse período, de maneira involuntária, mas afirma que o apetite e a ingesta oral permanecem normais. Nos últimos meses, ele tentou usar um inibidor de bomba de prótons diário, porém o fármaco não melhorou os sintomas. Ele também experimentou parar de consumir laticínios e, mais uma vez, a diarreia não melhorou. O paciente é afebril e não apresenta sintomas constitutivos. Não fuma e bebe cerveja apenas ocasionalmente, nos fins de semana, e não com regularidade. É casado, monogâmico, foi adotado e desconhece sua história médica familiar. Ao exame, ele está afebril, normotenso e aparenta estar se sentindo confortável. Apresenta certo grau de glossite, mas não há outras lesões orais. O tórax está limpo à ausculta e o coração apresenta frequência e ritmo regulares. Ao exame abdominal, os sons intestinais estão ativos e não há hipersensibilidade, massas nem organomegalia. O exame retal resultou negativo para sangue oculto nas fezes. Ele apresenta algumas lesões papulovesiculares nos cotovelos e joelhos, com algumas escoriações. Questionamentos 1. Qual é o diagnóstico mais provável? 2. Qual o melhor exame diagnóstico? RESPOSTAS NA PÁGINA SEGUINTE Catarina Nykiel - MedManas Respostas Um homem de 38 anos apresenta uma diarreia crônica que, segundo descreve, é não sanguinolenta e, às vezes, gordurosa, sugerindo má-absorção de gordura. Ele apresenta perda de peso não intencional. Não há febre nem outros sintomas sistêmicos sugestivos da existência de um processo infeccioso ou inflamatório. Ao exame, foi encontrada uma glossite que está relacionada a deficiências de ferro, vitamina B12 ou outra vitamina do complexo B. As erupções observadas nas superfícies extensoras são consistentes com uma dermatite herpetiforme, que está fortemente associada à doença celíaca. • Diagnóstico mais provável: diarreia crônica decorrente de doença celíaca • Melhor exame diagnóstico: exame endoscópico com biópsia de intestino delgado que pode ser associado com exames sorológicos como o IgA antiendomísio e os anticorpos antitransglutaminase tecidual (anti-tTgG). Análise do caso Esse paciente apresenta diarreia crônica com aspectos preocupantes (perda de peso, provável má absorção com deficiência nutricional). É importante distinguir entre as causas funcionais de diarreia crônica (p. ex., síndrome do intestino irritável) e as causas mais significativas de diarreia (p. ex., doenças inflamatórias, má-absorção por causas diversas ou doença sistêmica subjacente) que podem levar ao desenvolvimento de complicações ou sequelas adversas a longo prazo. A doença celíaca é um diagnóstico importante a ser considerado, uma vez que as manifestações clínicas podem ser mínimas. Entretanto, depois que o diagnóstico é estabelecido, a maioria dos pacientes pode ser tratada com modificação da dieta para melhorar os sintomas e prevenir complicações. Abordagem clínica A maioria dos pacientes com doença de branda a moderada dispensa avaliação específica, e seus sintomas podem ser tratados com solução oral de açúcar-eletrólitos ou com agentes antimotilidade (ex: loperamida). O subsalicilato de bismuto também é útil para amenizar os sintomas de náusea e diarreia. Uma doença mais grave é sugerida pela observação de qualquer um dos seguintes achados: diarreia aquosa profusa acompanhada de sinais de hipovolemia; fezes grosseiramente sanguinolentas; febre; sintomas com duração > 48 horas; dor abdominal grave; idade > 70 anos; internação ou uso recente de antibióticos. Esses pacientes devem ser submetidos a uma avaliação para distinguir entre causas inflamatórias e não inflamatórias de diarreia. A avaliação de rotina inclui: 1. Teste de detecção de leucócitos fecais. 2. Cultura de fezes de rotina (para Salmonella, Shigella e Campylobacter). Testes adicionais: exame de fezes para pesquisa de ovos e parasitas, culturas para E.coli O157:H17 (síndrome hemolítico-urêmica para a qual antibióticos não são recomendados) e pesquisa de toxina C.difficile em pacientes que usaram antibióticos recentemente. Mecanismo fisiopatológico da diarreia crônica: a. Diarreia secretória: interrupção do transporte de água e eletrólitos pelo epitélio intestinal. É volumosa, aquosa, sem dor abdominal ou evidências de gordura nas fezes. Ex: tumores produtores de hormônio, b. Diarreia osmótica: ocorre com a ingesta de grandes quantidades de soluto osmoticamente ativo e de absorção precária que normalmente puxa a água para o lúmen como lactose em pacientes com deficiência de lactase ou íons bivalentes como magnésio e sulfato. Para diferenciá-la da secretória basta deixar o paciente em jejum, nesta haverá interrupção da diarreia, enquanto na primeira não. c. Diarreia inflamatória: apresenta sintomas sistêmicos como febre, dor abdominal ou sangue nas fezes. Normalmente há leucócitos nas fezes. As causas mais comuns são DC, rcu. d. Dismotilidade: ocorre devido a alteração da motilidade intestinal que é resultado de uma causa secundária (hipertireoidismo, medicações pró-cinéticas). De forma alternativa, pode ser causada por uma desregulação autonômica visceral, como ocorre na diarreia diabética. Um distúrbio de dismotilidade bastante comum, porém precariamente compreendido, é a síndrome do intestino irritável (SII). e. Má-absorção/esteatorreia: má-absorção ou o comprometimento da absorção de nutrientes podem ocorrer por causa da má digestão intraluminal ou em consequência de defeitos no epitélio da mucosa. Nas condições causadoras de má-absorção, a esteatorreia costuma ser avaliada como indicador de má-absorção global primariamente porque o processo de absorção de gorduras é complexo e sensível à interferência de processos patológicos absortivos. Vai haver fezes com odor pútrido e aspecto gorduroso. A causa mais comum é a pancreatite crônica e outra importante é a doença celíaca. Catarina Nykiel - MedManas Manejo A base do tratamento da doença celíaca é a adesão a uma dieta isenta de glúten. O encaminhamento a um nutricionista pode ser uma ação adequada, e existem vários alimentos isentos de glúten comercializados. Além disso, as deficiências nutricionais devem ser repletadas, e os pacientes devem ser avaliados quanto à perda óssea com densitometria. Os pacientes com doença celíaca também podem apresentar risco aumentado de desenvolvimento de malignidade (mioma e tumores malignos gastrintestinais), por isso é necessário manter um índice de suspeição maior.
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