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TCC - A NATUREZA DOS UNIVERSAIS NA LÓGICA PARA PRINCIPIANTES DE PEDRO ABELARDO - PDF

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO 
INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS 
CURSO DE BACHARELADO EM FILOSOFIA 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
RODRIGO ANTONIO GINO VENCESLAU 
 
 
 
 
 
 
 
A NATUREZA DOS UNIVERSAIS NA LÓGICA PARA PRINCIPIANTES 
DE PEDRO ABELARDO 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
CUIABÁ 
2019 
RODRIGO ANTONIO GINO VENCESLAU 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
A NATUREZA DOS UNIVERSAIS NA LÓGICA PARA PRINCIPIANTES 
DE PEDRO ABELARDO 
 
 
 
 
Trabalho de conclusão de curso de graduação, 
apresentado à disciplina de Prática de Pesquisa em 
Filosofia III, do Curso de Bacharelado em Filosofia da 
Universidade Federal de Mato Grosso – UFMT, como 
requisito parcial para a obtenção do título de bacharel. 
Orientadora: Profª. Dra. Maria Cristina Theobaldo 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
CUIABÁ 
2019 
RODRIGO ANTONIO GINO VENCESLAU 
 
 
 
 
 
A NATUREZA DOS UNIVERSAIS NA LÓGICA PARA PRINCIPIANTES 
DE PEDRO ABELARDO 
 
 
 
 
Trabalho de conclusão de curso de graduação, apresentado à disciplina de Prática 
de Pesquisa em Filosofia III, do Curso de Bacharelado em Filosofia da Universidade 
Federal de Mato Grosso – UFMT, como requisito parcial para a obtenção do título de 
bacharel. 
 
 
 
 
___________________________________________________ 
Rodrigo Antonio Gino Venceslau 
 
 
 
Data de aprovação: Cuiabá/MT, ________/________/________. 
 
 
 
BANCA EXAMINADORA 
 
 
 
___________________________________________________ 
Maria Cristina Theobaldo, Dra. 
(Orientadora – Universidade Federal de Mato Grosso) 
 
 
 
 
___________________________________________________ 
Angelo Aparecido Zanoni Ramos. Avaliador, Dr. 
(Membro da Banca – Universidade Federal de mato Grosso) 
 
 
 
Média: ________ 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
A Deus, simplicidade pura, a minha família, a minha esposa, pela 
paciência, compreensão e apoio e todos que direta ou 
indiretamente contribuíram para esse momento importante. 
AGRADECIMENTOS 
 
Gratidão é o melhor sentimento para expressar a aqueles que viram nas minhas 
pesquisas, ou seja, na potência a possibilidade do ato. Principalmente a minha 
orientadora, a Professora Maria Cristina Theobaldo, que foi muito importante nas 
correções primordiais e sem as quais este trabalho não seria possível. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
RESUMO 
 
Este trabalho baseia-se no tema da natureza dos universais na Lógica para 
principiantes de Pedro Abelardo. A pesquisa trata de uma discussão já presente no 
século V a.C. e que com Abelardo ganha notoriedade e corpo estrutural, trata-se da 
famosa “Querela dos Universais”. Que tipo de ser devemos atribuir aos gêneros e 
espécies (universais)? São subsistentes ou estão colocados apenas no pensamento 
isolado? Caso subsistam, são corporais ou incorporais? Sendo incorporais, estão 
separados do sensível ou estão nele implicado? Essas questões foram transmitidas 
por Boécio (480-524) na tradução e comentário ao Isagoge de Porfirio. Dividiremos a 
pesquisa em três partes. A primeira será uma atitude propedêutica onde trataremos a 
respeito da lógica e sua característica, relacionando-a ao gênero a qual pertence – a 
Filosofia. Analisaremos as espécies da Filosofia e de que maneira a lógica a ela está 
ligada e de que se ocupa. Em seguida, faremos um comentário conciso da tradução 
da Isagoge e suas implicações. A versão de Boécio passou a ser o mais conhecido 
manual de introdução ao estudo da lógica aristotélica, exercendo uma profunda 
influência sobre o pensamento medieval europeu e alcançando o seu apogeu por volta 
do século XII, período em que avulta Abelardo, o nosso peripatético palatino. E 
finalmente, tendo como principal objetivo compreender a natureza dos universais na 
Lógica para principiantes de Pedro Abelardo. 
 
Palavras-chave: Abelardo. Universais. Lógica. Gênero. Espécie. 
 
 
 
SUMÁRIO 
 
INTRODUÇÃO ....................................................................................................................................... 8 
1. NOÇÕES GERAIS DA LÓGICA E DA FILOSOFIA .......................................................................... 11 
1.1. FILOSOFIA RACIONAL ..................................................................................................................... 12 
2. EDIFÍCIO MEDIEVAL ............................................................................................................... 15 
2.1. A DIALÉTICA .................................................................................................................................... 17 
3. UNIVERSAIS SEGUNDO OS MESTRES DE ABELARDO ................................................................ 19 
3.1. O UNIVERSAL COMO SERMONES .................................................................................................. 21 
3.2. A DIFERENÇA ENTRE A GRAMÁTICA E A DIALÉTICA ....................................................................... 22 
4. A NATUREZA DAS PALAVRAS UNIVERSAIS EM ABELARDO ....................................................... 24 
4.1. CAUSA COMUM .............................................................................................................................. 26 
4.2. INTELECÇÕES VERSUS SENSAÇÕES ................................................................................................. 27 
4.3. INTELECÇÃO DOS UNIVERSAIS VERSUS INTELECÇÃO DOS PARTICULARES .................................... 28 
CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................................. 30 
REFERÊNCIAS .............................................................................................................................. 31 
 
 
 
8 
 
 
INTRODUÇÃO 
 
Pedro Abelardo1 o nosso mestre palatino, dá início as suas glosas com 
intencionalidade propedêutica, ele comenta o que é a lógica vetus2 e suas 
características. Para Abelardo, a lógica pertence ao gênero filosofia, ele recorre a 
Boécio3 para ministrar essa relação e classifica a filosofia não como qualquer ciência, 
mas dá a ela um peso qualitativo, propondo-a como a ciência que se ocupa das coisas 
mais elevadas. Não obstante haver, já no século XII, consideráveis pontos a favor ou 
contra a autonomia da lógica em relação a filosofia, Abelardo segue os passos de 
Boécio e demonstra que esses argumentos não mudam o peso e a importância que 
cada uma tem em si, o que consiste em dizer que, de maneira nenhuma, a lógica “é 
menos lógica por ser instrumento da lógica, ou seja, a lógica como instrumento de si 
própria. Assim, também não é menos filosofia por ser instrumento da filosofia”4. A 
filosofia, por sua vez, tem sua distinção elaborada por Boécio e aceita por Abelardo, 
está proposta na seguinte ordem: especulativa; moral e racional, sendo esta última 
denominada lógica pelos gregos, que tem a finalidade de trazer alguma ordem aos 
argumentos para que o filósofo não seja levado pelos erros dos falsos raciocínios. 
Esse primeiro e importante argumento abelardiano não tem outra intenção senão 
alcançar clareza, sutileza e compreensão da natureza dos argumentos e chegar à 
verdade que é, entre outras coisas, uma das finalidades tanto da lógica quanto da 
filosofia. 
 
1 Abelardo nasceu na Bretanha, perto de Nantes, na aldeia de Le Pallet (1079-1142). “Essa celebre 
figura apaixonado amara mais a dialética do que sua doce Heloísa. Dele escreveu Pedro, o venerável: 
Sócrates da França, sumo Platão do Ocidente, moderno Aristóteles, êmulo ou maior dos dialéticos de 
todos os tempos; príncipe dos estudos, famoso no mundo; gênio multiforme, penetrante e agudo; tudo 
superava com o poder da razão e a arte da palavra – esse era Abelardo.” (REALE, 2003, p.162.). 
2 Na história da lógica, houve uma lógica vetus (velha lógica) e alógica nova. A divisão foi como segue: 
Lógica vetus (às vezes Ars veto), As Categorias, O De Interpretatione, A Isagoge de Porfírio, O Liber 
sex principiorum, um anônimo comentário sobre a última parte das Categorias que tem sido muitas 
vezes atribuída a Gilberto de La Porrée. Às vezes estão incluídas obras de Boécio O De topicis 
differentiis, O De divisione, O De syllogismis categoricis, O De syllogismis hypotheticis. Estas obras já 
eram canônicas no tempo de Abelardo. Ele escreveu o seu chamado Logica Ingredientibus sobre o 
esquema de um conjunto de sete comentários. A lógica nova refere-se a uma subdivisão da lógica 
tradicional da Europa Ocidental. São textos Aristotélicos recuperados no Ocidente somente na segunda 
metade do século XII, os Tópicos, Sofística, Refutações, e o Primeiro e o Segundo Analíticos de 
Aristóteles (ABBAGNANO, 2007, p. 624). 
3 Anísio Mânlio Severino Boécio nasceu em Roma por volta de 480. É considerado o último dos 
romanos e o primeiro dos escolásticos, e, portanto, uma figura chave no surgimento da ldade Média. 
Seu esforço era o de tornar conhecida aos latinos a cultura grega, por meio de um projeto vastíssimo 
(mas apenas em parte realizado) de traduções e comentários, entre os quais os comentários às obras 
de lógica de Aristóteles (REALE, 2003, p. 129). 
4 ABELARDO, Logica Ingredientibus, 2005, p. 40. 
9 
 
 
O filósofo, para Boécio, e consequentemente, para Abelardo, não é um 
estudioso diletante, mas sim aquele cuja agudeza da inteligência é de uma sabedoria 
incomparável, é aquele que toca as sutilezas. Hoje, de certa forma, é possível dizer 
que Abelardo apontava para Boécio como o principal ponto de contato entre a cultura 
do mundo clássico e a do mundo medieval, adquirindo importância decisiva na 
configuração do principal tema em voga na escolástica e na intersecção das duas 
tradições - platonismo e aristotelismo quando introduz aos latinos o Isagoge5 
(traduções e comentários às obras de lógica de Aristóteles). É provável que o Isagoge 
de Porfírio seja o então responsável pelo emaranhado de conceitos e de objetos 
teóricos e de problemas dos quais o pensamento medieval extraiu a “Querela dos 
Universais”? Há quem pensa diferente, e de certa forma, não está de um todo errado. 
Segundo Carlo Huber, foi a historiografia medieval que instituiu o problema dos 
“universais” como um problema filosófico que está fora do domínio do tempo, um 
problema que vai para além “das rupturas epistemológicas”, das revoluções cientificas 
e não seria ousado dizer que para além do nosso tempo. Ele conclui dizendo: “É 
certamente um problema ínsito na própria existência humana (...) Por essa razão, é 
um problema eterno, que talvez não será resolvido e que se coloca sempre de novo”6, 
logo poderíamos presumir que este problema não é antigo e nem tão pouco moderno, 
mas sim atemporal, provavelmente não encontraremos meios de resolvê-lo, ele 
sempre se porá atualizado na pauta das discussões. Uma vez parecer razoável a 
insolubilidade do problema, característica que se encontra bem longe das crenças de 
Abelardo, ele no seu tempo não se deu por vencido. Herdou de Porfírio7 indiretamente 
o problema e agora precisava resolvê-lo - Que tipo de ser devemos atribuir aos 
gêneros e espécies (universais)? São subsistentes ou estão colocados apenas no 
 
5 Isagoge (Introdução) de Porfírio às Categorias de Aristóteles e pelos comentários de Boécio a ela 
relativos. Essa disputa foi motivada por um trecho às Categorias de Aristóteles. O trecho de Porfírio é 
o seguinte: "Dos gêneros e das espécies não direi aqui se subsistem ou se são apenas postos no 
intelecto, nem — caso subsistam — se são corpóreos ou incorpóreos, se separados das coisas 
sensíveis ou situados nas coisas, expressando seus caracteres comuns". 1) Das alternativas indicadas 
por Porfírio nesse trecho, apenas uma não se encontra na história da disputa: aquela segundo a qual 
seriam realidades corpóreas. Em compensação, uma alternativa que Porfírio não previra verificou-se 
historicamente, pelo menos segundo dizem: o II. não existe nem no intelecto e é apenas um nome, um 
flatus vocis. Essa é a solução atribuída a Roscelin por S. Anselmo - De fide Trinitatis. 2) e por João de 
Salisbury (Metal. II 13; Policrat., VII, 12). As soluções dadas a esses problemas na Escolástica e depois 
dela foram muito numerosas, e muitas vezes diferem por ninharias. (ABBAGNANO, 2007, p. 981). 
6 HUBER, 1998, p. 341. 
7 Porfírio de Tiro — Roma (304/309 AD) foi o primeiro a enumerar os cinco universais simples ou 
primitivos, que são gênero, espécie, diferença, próprio e acidente. (ABBAGNANO, 2007, p. 787). 
10 
 
 
pensamento isolado? Caso subsistam, são corporais ou incorporais? Sendo 
incorporais, estão separados do sensível ou estão nele implicado? 
Abelardo só se sentirá apto a responder as questões ora em apreço (respostas 
que não será nosso objetivo nessa pesquisa) depois de ter perpassado as noções 
gerais sobre lógica e filosofia; conhecer as espécies de filosofias e suas implicações 
e anuir a ordem da lógica, onde faremos uma breve comparação com a lógica 
tradicional e contemporânea, o que nos permitirá ter maior clareza da lógica 
abelardiana e a sua relação com a dialética. Após considerar as questões acima 
acreditamos ser possível compreender “a natureza dos universais” na lógica de 
Abelardo, objetivo maior de nosso estudo. Antes de nos atermos a essas “querelas”, 
vale a pena frisar alguns pontos bem característicos do período em questão: a) Apesar 
das exceções é possível afirmar com certo grau de segurança que o assunto discutido 
nesse período é único: a questão dos universais, ou seja, a luz da razão e da fé, a 
natureza ontológica dos universais. Copleston8 afirma que os medievais, ao se 
ocuparem com o problema dos universais, não estão lidando com algo inútil ou se 
entregando a jogos dialéticos, antes, basta uma pequena reflexão para mostrar a 
importância do problema e suas consequências; b) É possível ver a universalização 
na Religião: o politeísmo pagão perde a hegemonia, abrindo espaço para o 
monoteísmo cristão, os escolásticos podiam divergir em muitas coisas, mas na 
concepção da unidade do Deus trino eles se mantinham fundamentados. Na ética: 
Deus seria a fonte definitiva das leis eternas e universais a todos os homens, ao 
homem cabe obedecer a suas leis; c) Por fim, o próprio conceito de “universidade” 
nos séculos XII e XIII é resultado dessas influências. A abertura das universidades a 
mestres e estudantes provenientes de qualquer camada social, entre os quais 
encontramos Abelardo, não importando mais a composição aristocrática do 
conhecimento. Tudo isso nos leva a refletir que os conceitos mais elementares e 
gerais dos “universais” não estão apenas nas teorias dos escolásticos. Estão também 
na sua religião, na sua ética, na sua própria existência. 
 
 
 
 
8 COPLESTON, 1983, p.145. 
11 
 
 
1. NOÇÕES GERAIS DA LÓGICA E DA FILOSOFIA 
 
Considerar as noções gerais sobre a lógica e a filosofia é de fundamental 
importância segundo Abelardo. Aos que se introduzem nessas ciências é necessário 
compreender com admirável respeito que elas e os que as estudam se ocupam de 
coisas para além daquilo que podemos chamar de communi sensu9 
 
Para aqueles dentre nós que se introduzem na Lógica, falemos 
previamente um pouco a respeito de sua característica própria, 
começando pelo gênero a que pertence, isto é, a Filosofia. Ora, Boécio 
não chama de Filosofia qualquer ciência, mas apenas a que se detém 
nas coisas mais elevadas; de fato não chamamos de filósofos a 
quaisquer pessoas dotadas de conhecimento, mas apenas àquelas 
cuja inteligência penetra as sutilezas. Boécio distingui três espécies de 
Filosofia, a saber: a especulativa, que se ocupa da natureza das coisas 
a ser investigada; a moral, que se ocupa da dignidadeda vida a ser 
considerada; a racional, denominada Lógica pelos gregos, que se 
ocupa da ordem dos argumentos a serem compostos.10 
 
Obviamente, essas noções acerca da lógica e da filosofia estão um tanto 
quanto defasadas em nossos dias, principalmente as da lógica, uma vez que 
contemporaneamente, ela se distanciou consideravelmente da logica vetus. Segundo 
Mortari11, Kant, por exemplo, fez uma previsão errada quando afirmou na sua obra 
Crítica da razão pura, que a lógica tinha sido inventada por Aristóteles e nada mais 
havia de se considerar. Os séculos seguintes mostrariam que essa afirmação estava 
equivocada. É sabido que os estoicos12 desenvolveram uma lógica certamente tão 
interessante quanto a de Aristóteles, denominada lógica proposicional, usada hoje 
com bastante frequência. Em 1854 George Boole deu início a simbolização, ou 
matematização da lógica, constituindo-a numa linguagem simbólica e artificial, o que 
Aristóteles havia começado em grego. Gottlob Frege, em 1948-1925, leva a lógica 
contemporânea a um importante avanço com a publicação da Conceitografia. 
Diferente de Aristóteles, dos estoicos e Boole, que se detinham em identificar formas 
válidas de argumento, Frege propõe a uma sistematização do raciocínio matemático, 
isto é, “encontrar uma caracterização precisa do que é uma demonstração 
 
9 Senso comum ou conhecimento vulgar é a compreensão do mundo resultante da herança fecunda 
baseada nas experiências acumuladas por um grupo social. O senso comum descreve as crenças e 
proposições que aparecem como "normais", sem depender de uma investigação detalhada para se 
alcançar verdades mais profundas, como as científicas. (ABBAGNANO, 2007, p. 161). 
10 ABELARDO, 2005, p.39. 
11 MORTARI, 2001, p. 28, apud Kant, no prefácio de sua Crítica da Razão Pura (1724-1804). 
12 Ibid., p. 28, apud Crísipo (cerca de 280-205 a.C.). 
12 
 
 
matemática”13, o que resultou no que nós conhecemos hoje como cálculos de 
predicados. Em suma, a lógica de Aristóteles vence a lógica dos estoicos no século 
XII e detém a hegemonia até a metade do século XIX quando surgem Boole, Frege e 
a lógica dos estoicos novamente. Sobre essa última parte, faremos um breve 
comentário no próximo capítulo. 
Feita tais considerações, o importante para nós é compreender o valor 
qualitativo que tanto a lógica quanto a filosofia têm; a intenção de alguns autores, 
segundo Abelardo (cujos nomes não são citados na obra), de dicotomizar as duas, ou 
seja, separar a lógica da filosofia e vice-versa, provou-se infrutífera e ele usa de uma 
metáfora boeciana para provar essa insuficiência: “nada impede que a lógica seja 
tanto instrumento como parte de algo, assim como a mão o é em relação ao corpo 
humano”14. Basta essa explicação para chegarmos à conclusão que uma depende da 
outra, assim como, o corpo depende da mão para se servir e a mão depende do corpo 
para se sustentar. Entretanto, apesar da lógica pertencer ao gênero filosofia ela acaba 
se distinguindo das duas outras espécies de filosofias já citadas, a saber, a filosofia 
especulativa e filosofia moral, Abelardo concorda com Boécio sobre essa distinção, e 
ela se dá por razões do seu fim próprio, ou seja, é finalidade da lógica compor 
argumentos, ele acrescenta, “embora o estudioso da natureza componha argumentos, 
não é o estudo da natureza que o institui para tal, mas apenas a lógica”15. 
 
 
1.1. FILOSOFIA RACIONAL 
 
Para definição e caracterização da lógica, Abelardo apresenta a acepção feita 
por Boécio, ou seja, filosofia racional; denominada lógica pelos gregos, ela é a 
principal responsável em compor e impor ordem aos argumentos. Abelardo apresenta 
as teorias de Boécio a respeito da lógica, que por sua vez foi organizada e reduzida a 
certas regras de argumentação com o seguinte objetivo: “para que não leve ao erro, 
pelos falsos raciocínios”16. É possível que indivíduos cambaleiem quando pareça 
edificado com os seus argumentos o que não se acha na natureza das coisas, e 
 
13 MORTARI, 2001, p. 29. 
14 ABELARDO, 2005, p. 40. 
15 Ibid., p. 40. 
16 ABELARDO, 2005, p. 40. 
13 
 
 
quando, às vezes, se coligem coisas em que há contradições, por exemplo: “Sócrates 
é corpo; ora, o corpo é branco; logo, Sócrates é branco. E por outro lado - Sócrates é 
corpo; ora, o corpo é preto; logo, Sócrates é preto”17. É notável para Abelardo a 
importância da lógica para a compreensão da natureza das coisas. No requisito 
argumentativo, para ele a lógica pertencente à própria filosofia e doravante tornar-se-
á uma poderosa fonte de entendimento e preciosa avaliadora de argumentos, ela tem 
grande importância, pois os que a estudam procuram a verdade, a lucidez dos 
entendimentos. Ela desempenha dois papéis importantíssimo: clarifica o pensamento 
e ajuda a evitar erros de raciocínio. Ela também permite criticar os argumentos, 
problemas e teorias. Para encontrar a verdade, a lógica se utiliza de argumentos 
formados por premissas e conclusões. 
Abelardo acede que ao escrever um tratado de lógica impõe-se 
necessariamente certa ordem no tratamento dos assuntos, pois, uma vez que as 
argumentações se compõem de proposições, e já que estas são formadas por termos, 
quem escreve uma obra completa de lógica precisa primeiramente tratar dos termos 
simples, depois das proposições e, por fim, coroar o seu estudo com o exame das 
argumentações. Ele traz à luz que quem fez isso com notável maestria foi Aristóteles: 
“ao redigir a lógica, é necessária a seguinte ordem [...] como o fez o nosso príncipe 
Aristóteles, que escreveu as Categorias sobre a doutrina dos termos, o Peri 
Hermeneias sobre as proposições, e os Tópicos e os Analíticos sobre as 
argumentações.”18. A lógica, partindo de princípios racionais, serve para compor, 
validar e impor ordem aos argumentos. Já foi dito com outras palavras que a filosofia 
pode até compor argumentações, mas todas elas têm que ser provadas racionalmente 
e ordenadas, para isso se faz uso da lógica. 
Ao expor essas sucintas explicações nos parece que Abelardo tem a 
intencionalidade de proporcionar maior clareza e objetividade à tarefa de explicar a 
lógica boeciana. Ao nominar “lógica boeciana” estamos referindo a lógica aristotélica 
e porfiriana e não ao contrário, não há grandes dessemelhanças entre uma e as 
outras, e se caso houver não existem a ponto de abalar o principal pilar que sustenta 
toda a arquitetura dessa ciência. Boécio, além de tradutor e comentador dos escritos 
lógicos de Porfirio e do peripatético Alexandre de Afrodísia, foi também autor de vários 
tratados lógicos. Segundo Reale, “a lógica de Boécio não é muito original, mas 
 
17 Ibid., p. 41. 
18 Ibid., p. 41. 
14 
 
 
bastante refinada. Aristóteles permanece a sua matriz de base, mesmo que possam 
localizar algumas influências da lógica estóica”19. Nesse sentido, Boécio, o último dos 
gregos e o primeiro dos escolásticos, se tornou uma figura importante não apenas por 
ter sido tradutor e comentador das obras de lógica de Aristóteles, mas também por 
fazer conhecida aos latinos a cultura grega e filosofia racional aristotélica – a lógica. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
19 REALE, 2003, p. 131. 
15 
 
 
2. O EDIFÍCIO MEDIEVAL 
 
Já foi dito anteriormente ser necessária e fundamental a ordem da lógica. É 
como a construção de um edifício cuja as partes não poderão ser ignoradas correndo 
sérios riscos de se perder todo investimento. Ao apresentar a lógica, Abelardo se põe 
aristotélico com um residual de platonismo ao relacioná-la com a Dialética20, para 
melhor explicar esse pensamento fazemos a seguinte pergunta: que significava ser 
um lógico nos tempos de Abelardo? Ora, como resposta encontramos na maioriados 
comentadores que ser um lógico na escolástica era na verdade ser um dialético. 
Fumagalli21 informa-nos que, na escolástica, a educação lógica era denominada 
Dialética. Vale a pena salientar que fazia parte da formação intelectual à época 
medieval, o estudo das artes liberais, ou seja: 
 
a. Artes reais (quadrivium), constituídas pela Música, Aritmética, 
Geometria e Astronomia; 
b. Artes do discurso (trivium), compostas pela Gramática, Retórica e 
Dialética (ou Lógica). 
 
Não é preciso dizer que, para os peripatéticos do palatium e para o sistema 
educacional medieval, o estudo da dialética alcançou maior destaque frente as demais 
áreas de ensino. Logo, é possível concluir com certo grau de certeza que há poucas 
ou quase nenhuma diferença entre a dialética platônica e dialética/lógica aristotélica, 
por isso o uso do termo “residual”. Em Platão, os homens comuns se detêm nos 
primeiros degraus da primeira forma de conhecimento, isto é, na doxa, mas o filósofo, 
ascendendo de ideia a ideia até a captação da Ideia suprema, se torna um Dialético 
ou Lógico para os medievais. Aristóteles por sua vez impõe o rigor do silogismo, e ao 
ligar três proposições das quais as duas primeiras são chamadas de premissas, e a 
terceira de conclusão, impõe um julgamento aos argumentos para chegar à conclusão 
 
20 Dialética. “Esse termo, que deriva de diálogo, não foi empregado, na história da filosofia, com 
significado unívoco, que possa ser determinado e esclarecido uma vez por todas; recebeu significados 
diferentes, com diversas inter-relações, não sendo redutíveis uns aos outros ou a um significado 
comum. Todavia, é possível distinguir quatro significados fundamentais: 1º como método da divisão; 2º 
como lógica do provável; 3º como lógica; 4º como síntese dos opostos. Esses quatro conceitos têm 
origem nas quatro doutrinas que mais influenciaram a história desse termo, mais precisamente a 
doutrina platônica, a aristotélica, a estóica e a hegeliana.” (ABBAGNANO, 2007, p. 269). 
21 FUMAGALLI, PARODI, 1998, p.168. 
16 
 
 
verdadeira ou falsa. Em Abelardo não é diferente, sobre ele escreve Berengário de 
Tours22 “é próprio de um grande coração recorrer à dialética para cada coisa, pois 
recorrer a ela é recorrer a razão, de modo que aquele que a ela não recorre, sendo 
feito à imagem de Deus segundo a razão, despreza a própria dignidade e não pode 
renovar-se dia a dia à imagem de Deus”. O edifício medieval de Abelardo é alicerçado 
sobre as rochas do Perípato, ou seja, ele herda toda herança tradicional da 
dialética/lógica aristotélica, nesse sentido a argamassa usada entre outras são as 
traduções e comentários de Boécio e assim o Palatium tão logo estará pronto para 
recepcionar um assunto tão concorrido: a “Querela dos Universais”. 
Na lógica clássica, a definição encontra-se formalizada em “fórmulas atômicas, 
fórmulas moleculares, e fórmulas gerais (ou complexas)”23. O que de certo modo é, 
na verdade, uma contextualização da definição aristotélica dos termos simples, 
proposições e argumentações. Abelardo procede com a ordenação da lógica aos 
moldes boeciano para instruir o leitor para a compreensão do que nela está sendo 
tratada. Ao assim fazer, ele traz as claras os predicáveis aristotélicos: gênero, espécie, 
diferença e o próprio. Nesse sentido, com grande perceptibilidade Abelardo atribui os 
universais ao domínio da palavra, do modo como ficou clássico: “aquele que, por sua 
descoberta, é apto para ser predicado de muitos tomado um a um”24. Dito de outra 
forma, a espécie homem é predicável porque do homem se predica o animal; o gênero 
animal é predicável porque se predica ente vivo; o homem é capaz de aprender 
aritmética porque é próprio do homem pensar; o homem é um animal, mas não é um 
cachorro, essa é a diferença que ele tem em relação ao outro do mesmo gênero; e o 
acidente indica sobre tudo a contingência. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
22 Berengário de Tours, 1088, apud REALE, 2003, v. II, p. 167. 
23 MORTARI, 2001. p. 73 – 96. 
24 ABELARDO, 2005, p. 67. 
17 
 
 
2.1. A DIALÉTICA 
 
Ao atribuir o “universal” ao domínio da palavra, Abelardo o relaciona às artes 
do trivium (gramática, dialética e retórica), com especial ênfase para a dialética. Ele 
concorda com Cícero e Boécio que esta arte é basicamente duas coisas, a saber: “a 
ciência de descobrir os argumentos e a de julgá-los, isto é, de confirmar e comprovar 
os argumentos descobertos”25. É perfeitamente possível dizer que em Abelardo, ao 
falarmos de dialética, estamos concomitantemente tratando de lógica e, “por sua vez, 
defende a dialética com as mesmas palavras de Agostinho, e Hugo de São Vítor 
considera-as segundo o modelo estóico, parte da lógica racional ao lado da 
retórica.”26. Ele reflete criticamente a possibilidade de alguns considerarem esta 
ciência totalmente separadas da lógica e conclui afirmando que tanto a razão quanto 
a autoridade discordam dessa teoria. Nessa perspectiva a dialética é um instrumento 
para discussões e debates com finalidade de discernir a veracidade ou falsidade dos 
argumentos, é uma poderosa arma para vencer as guerras, não as físicas, mas 
aquelas que se travam nas ágoras do discurso. 
 
(...) renunciei completamente a corte de Marte para ser educado no 
regaço de Minerva. E, visto que preferi as armas dos argumentos 
dialéticos a todos os ensinamentos da filosofia, troquei as outras 
armas por essas e antepus os choques das discussões aos troféus 
das guerras27 
 
A dialética foi uma ferramenta muito útil no sistema de ensino medieval, pois 
assegurava ao indivíduo, de modo racional, a possibilidade de discernir o discurso 
verdadeiro do falso. Foi utilizada para a análise racional na própria esfera da teologia 
e quando esse racionalismo alcançou púlpitos das igrejas houve muitas polêmicas em 
torno do assunto. Dialéticos e antidialéticos travaram uma disputa que ficou conhecida 
posteriormente na famosa luta entre a fé e razão. Ao que parece, Anselmo de Aosta28 
 
25 Ibd., p.42. 
26 ABBAGNANO, 2007, p. 272. 
27 ABELARDO, 1983, p. 250. 
28 Normandia, norte da França, ano 1076. Os monges da abadia de Bec não estavam inteiramente 
satisfeitos com as Escrituras Sagradas. Eram homens de piedosa fé cristã e acreditavam nas palavras 
divinas de sua religião. Contudo, sentiam necessidade de um alimento intelectual superior, que lhes 
desse as mesmas certezas da revelação bíblica, mas de um ponto de vista exclusivamente racional. 
Em longas conversas com o prior da abadia, ficaram convencidos de que ele poderia auxiliá-los. [...] O 
prior que desenvolvera essas argumentações estava apenas iniciando uma obra que iria colocá-lo 
como um dos criadores da chamada filosofia escolástica. Chamava-se Anselmo e tinha nascido na 
cidade de Aosta, na região do Piemonte, Itália, no ano de 1033. (MATTOS, 1988, p. 7). 
18 
 
 
interveio como um mediador diplomático nessa disputa, ele assumiu a posição de 
equilíbrio entre os dois grupos. Para os dialéticos ele afirmava a primazia da fé; e para 
os antidialéticos ele sustentava que a razão era importante para a compreensão da 
fé. Não dar prioridade à fé como fazem os dialéticos, diria ele, é soberba; não apelar 
posteriormente para a razão como os antidialéticos, é negligência. Não é possível 
afirmar que ele tenha tido êxito em suas tentativas de conciliar esses dois grupos e 
ainda hoje a percepção que temos é que essa divisão perdura, mas uma coisa não 
podemos deixar de considerar: a dialética foi, e mesmo hoje, ao cair em desuso, ainda 
tem sido de extrema importância na busca pelo conhecimento, pelo seu rigor prático 
na investigação, e com isso Abelardo está de acordo. 
 
A íntima ligação entre os estudos gramaticais e a dialética foi 
evidenciada sobretudo por Abelardo. Identificada com a lógicae, 
portanto, com a ratio in exercitio, a dialética impõe o rigor na 
investigação, que se concretiza na análise dos termos do discurso, 
através de um exame crítico do processo de “imposição” das voces ou 
termos às res designadas e pela identificação do papel que tais voces 
desempenham na estrutura e no contexto do discurso.29 
 
Uma vez compreendida a correlação entre a dialética e a lógica, estamos aptos 
a compreender a natureza dos universais. É o que trataremos a seguir. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
29 REALE, 2003, V. II, p.167. 
19 
 
 
3. UNIVERSAIS SEGUNDO OS MESTRES DE ABELARDO 
 
Não foi muito fácil a lenta passagem da auctoritas30 para a ratio31, que conduzia 
os estudos gramaticais. Historicamente a reação foi bem intolerante, pois para as 
autoridades, as palavras dos Padres e da Bíblia deviam ser meditadas e assumidas 
como uma norma de vida ascética contemplativa e não profanada pela avalanche de 
silogismos e distinções gramaticais. São Pedro Damião, ferrenho antidialético, no seu 
tratado Sobre a perfeição monástica32 chegou a considerar que o diabo foi iniciador 
desses estudos dialéticos e com ele nossos progenitores aprenderam a declinar Deus 
e a falar dele no plural. Não é possível afirmar que Damião tenha tido algum tipo de 
contato com Roscelino de Compiègne (1050 – 1120), defensor do nominalismo33, mas 
é possível entender o porquê da ferrenha crítica: 
 
A Igreja teria indubitavelmente deixado de dar atenção a Roscelino 
não tivesse ele aplicado tal “nominalismo” à Trindade. Deus, segundo 
asserção sua, é uma palavra que se aplica a três Pessoas da 
Trindade, assim como homem aplica-se a muitos homens, porém tudo 
que realmente existe são as três pessoas – com efeito, três deuses. 
Isso era admitir o politeísmo de que o Islã implicitamente acusava o 
cristianismo cinco vezes ao dia do alto de centenas de minaretes. A 
Igreja não podia admitir tal doutrina de alguém que era cônego da 
catedral de Compiègne. Roscelino foi intimado a comparecer diante 
de um sínodo episcopal em Soissons (1092), onde foi lhe dada a 
alternativa de poder retratar-se ou então sofrer a excomunhão. Ele se 
retratou. Fugiu depois para a Inglaterra e atacou ali o concubinato do 
clero. Regressou à França e começou a lecionar em Tours e Loches. 
 
30 No período medieval esse termo genérico se referia a Autoridade da Igreja. A auctoritas é o primeiro 
recurso do método escolástico. Tais autoridades eram citações da Bíblia, dos Padres da Igreja, dos 
Concílios, mesmo na filosofia: mas, sobretudo, citações de Aristóteles, o "Filósofo", por excelência. 
(ABBAGNANO, 2007, p. 98). 
31 O conceito da rátio como discurso permite a, consideração formal do procedimento racional: 
possibilita uma lógica, que é na realidade a lógica tradicional na forma elaborada pelos filósofos desde 
Aristóteles até o fim do séc. XIX. Entendida neste sentido, a lógica é ao mesmo tempo descritiva e 
normativa: descritiva em relação aos procedimentos próprios da razão. Normativa no sentido de que 
essa mesma descrição vale como regra para o uso correto da razão. Nesse sentido, a lógica tradicional 
era definida com exatidão como "arte de raciocinar". O pensamento racional, que se esforçava por 
desentranhar, mediante análises conceptuais, o sentido das doutrinas recebidas, precisar-lhes mais 
exatamente o valor e, sendo possível, conciliá-las. (Ibid., p. 843). 
32 REALE. 2003, Vol. II, p. 167. 
33 Os universais são apenas nomes, mero flatus vocis, meros nomes que indica uma multiplicidade de 
indivíduos e nada mais, não tem status ontológico, não tem um status lógico fundativo da palavra é na 
verdade simples emissão de vocábulos. Trata-se de uma teoria cética que nega qualquer valor aos 
universais, anula alguns conhecimentos humanos tornando-as simples atividades analíticas de fatos 
concretos. A razão está tão envolvida “nas imaginações corpóreas” que é incapaz de ascender a níveis 
de caráter geral, é incapaz de se libertar e se elevar acima das realidades individuais e materiais. 
(REALE, 2003, Vol. II, p. 169). 
20 
 
 
Foi provavelmente em Loches que Abelardo se tornou o seu 
discípulo.34 
 
Talvez seja por essa razão que devemos olhar para Abelardo com admirável 
respeito. O nosso filósofo palatino trata ousadamente e com tamanha maestria do 
assunto, que Alain Libera35 refere ao século XII como sendo o século de Abelardo e 
da Dialética. Quando Abelardo se depara com o problema dos universais a formulação 
clássica continuava sendo a questão proposta por Porfírio, continuada por Boécio. O 
contato de Abelardo com essa ratio aconteceu por meio dos seus mestres. O primeiro 
a iniciar a discussão foi Roscelino, ele teorizava que os universais não passavam de 
meras emissões de voz. Ele reduzia os universais à uma materialidade física de 
palavras, ou seja, a uma representação gráfica do fonema, em suma como bem 
expressa Gilson: 
 
Para ele (Roscelino), o termo ´homem´ não designa nenhuma 
realidade, ou seja, em qualquer grau, a da espécie humana. Como 
todos os outros universais, este corresponde apenas as duas 
realidades concretas, nenhuma das quais é da espécie (universais). 
Por um lado, há a realidade física do próprio termo, isto é, da palavra 
´homem´ tomada como flatus vocis, ou emissão de voz; por outro lado, 
há indivíduos humanos que essas palavras têm por função significar. 
E não há nada mais que se encontre por trás dos termos que 
utilizamos.36 
 
Guilherme de Champeaux (1070 – 1121), também mestre de Abelardo, propôs 
o que ficou conhecido como realismo exagerado, ou realismo extremo. Segundo 
Durant37, Abelardo divertiu-se com o realismo exagerado do mestre e desafiou-o em 
plena aula, obrigando-o a mudar sua teoria por três vezes. Guilherme acreditava que 
a espécie humana era a mesma em cada homem. Abelardo discordava dizendo que 
se assim fosse Sócrates e Platão seriam o mesmo homem, já que participam da 
mesma espécie38. 
 
34 DURANT, 1995, p. 833. 
35 LEITE JUNIOR, 2001. p. 41 apud LIBERA, 1998. p. 307. 
36 Ibid., apud GILSON, Etiene,1995. p. 289. 
37 “Toda humanidade encontra-se integrada em Sócrates? Nesse caso, achando-se toda humanidade 
integrada em Alexandre, Sócrates (nela também integrado) devia achar-se presente em Alexandre. 
Presumivelmente Guilherme quisera dizer que todos os elementos essenciais da humanidade acham-
se presentes em cada ser humano. Não dispomos dos argumentos tecidos então por Guilherme. Seja 
como for, o fato é que Abelardo não os aceitou. Ao realismo de Guilherme e ao Nominalismo de 
Roscelino opôs ele o que veio a ser chamado conceptualismo.” (DURANT, 1995, p. 835). 
38 ABELARDO, 2005, p. 59. Ibid., p. 60. 
21 
 
 
Podemos concluir esta parte atentando para o seguinte pensamento de 
Abelardo: os universais não são meros nomes, são conceitos formados pela abstração 
do nosso pensamento (o ato de inteligir da alma). Com efeito, essa abstração ora 
atenta só para matéria, ora só para forma separadamente, e ora concebem ambas 
misturadas39. Em outras palavras, os universais são formados de elementos ou coisas 
que notamos serem comuns a um grupo de indivíduos, objetos, ações ou ideias. Tais 
elementos comuns são reais embora apareçam em formas particulares. Os conceitos 
pelos quais pensamos nesse elemento comuns, as ideias universais pelas quais 
pensamos nas classes de coisas semelhantes não são meros flatus vocis, porém os 
instrumentos mais úteis e indispensáveis ao pensamento. Sem eles a ciência e a 
filosofia não teriam razão de ser. 
 
 
a. O UNIVERSAL COMO SERMONES 
 
Depois de abordamos de forma concisa a pars destruens, ou seja, as críticas 
de Abelardo às teorias de seus mestres, após examinar e rejeitar o realismo de 
Guilherme e o nominalismo de Roscelino, Abelardo inicia então a pars construens, ou 
seja, a solução,o momento construtivo onde se desenvolverá a noção de universal. 
O ponto de partida assumido por Abelardo para essa construção é o que se pôde 
extrair da disputa com seus mestres, ou seja, tomadas ontologicamente nega-se que 
exista coisas universais, não há coisas universais, nem tomadas como res nem 
apenas voces ou flatus vocis. Ora, se o universal não é nenhuma dessas coisas então 
o que é? 
Abelardo, com excelente desempenho nesse debate, atribui o universal ao 
domínio da palavra, mas não qualquer palavra, o que logo ficará claro na distinção 
entre a gramática (sintática) e a dialética (semântica). Temos a impressão que o 
universal é retirado do mundo da natureza (res) e é colocado no domínio de uma 
construção humana da razão (discurso ou sermo). Para Abelardo, essa teoria é a que 
mais se alinha com a razão; é a que não atribui a universalidade nem à res nem à 
voces, sustentando que os singulares ou universais são os sermones40. Na verdade, 
para Abelardo tudo é unidade compacta ou singular, uma conjunção de matéria e 
 
39 Ibid., p. 82. 
40 REALE, 2003, p.169. 
22 
 
 
forma. Mas a ratio humana, pelo pensamento, tem o poder de inteligir e separar os 
diversos elementos que subsistem unidos na realidade. 
 
Entretanto, agora que já foram apresentadas as razões pelas quais as 
coisas, nem tomadas isolada nem coletivamente, podem ser 
chamadas de universais no que diz respeito ao serem predicadas de 
vários, resta que confiramos essa universalidade apenas as 
palavras.41 
 
O conceito abelardiano de universal é post rem, ou seja, na mente como 
conceito abstratos – o universal é palavra, ou discurso. Vale salientar que Abelardo 
usou os termos palavra / discurso / sermones não se referindo a mero sentido físico 
como quis Roscelino, mas sim para designar a função significativa das palavras. 
Nesse sentido, podemos afirmar que estamos no campo semântico e da significação, 
ou seja, uma palavra que significativamente tem a capacidade de gerar uma 
intelecção. 
 
 
b. A DIFERENÇA ENTRE A GRAMÁTICA E A DIALÉTICA 
 
Antes de abordarmos a teoria da intelecção propriamente dita, vamos 
resumidamente especular a diferença que há entre a gramática42 e a dialética. A 
gramática, grosso modo, tem a função de examinar se uma frase está corretamente 
ordenada. Uma frase está corretamente construída quando liga favoravelmente um 
predicado a um sujeito pela cópula “é”, assim sendo, a frase “o homem é pedra”43 está 
correta do ponto de vista gramatical. A gramática, em suma, se preocupa com a 
sintaxe, ou seja, parte da gramática que estuda a disposição das palavras na frase e 
das frases no discurso para que os indivíduos não caiam nas aporias do solecismo. 
A dialética, por sua ordem, segundo Abelardo, tem a finalidade de se ocupar 
com as correções semânticas de uma frase. Na mesma frase “o homem é pedra” a 
 
41 ABELARDO, 2005, p. 66. 
42 Gramática é propriamente o estudo de uma língua no estado em que se encontra, e, portanto, nos 
princípios, leis ou regras clássicas que a regem. A gramática pode abranger também muitas línguas, e 
então se chamará comparativa; e neste caso, aproxima-se muito da linguística. – Entre gramático e 
gramaticógrafo há uma grande distinção. – Gramático é o letrado que conhece bem a sua língua, que 
a professa, que a fala e escreve com perfeição. Gramaticógrafo é o que escreveu algum tratado, ou 
algum compêndio de gramática. (POMBO, Rocha. 2011. p. 434). 
43 ABELARDO, 2005, p. 68. 
23 
 
 
dialética deve ter em conta, além da correção gramatical, a correção semântica, ou 
seja, “a natureza das coisas”44, “a manifestação da verdade do seu estado”45, isto é, 
aquilo que é (status rei = condição ou modo de ser)46. O dialético se utiliza de dois 
critérios para avaliar se uma frase está semanticamente correta: 
I) A natureza das coisas; 
II) A manifestação da verdade do seu estado. 
Exemplos: 
1. (Pedra homem é o). Flatus vocis - sem sentido, expressão incorreta e sem 
valor semântico; 
2. (Homem é pedra). Gramaticalmente a frase está correta, pois manifesta um 
sentido que é possível entender, mas dialeticamente, está incorreta, pois 
“ser pedra” não é da natureza do homem, logo essa frase não expressa a 
verdade do seu estado; 
3. (Todo homem é mortal. Sócrates é homem. Logo, Sócrates é mortal). Esse 
famoso silogismo sim está correto do ponto de vista da gramática quanto do 
ponto de vista da dialética. Pois, nele está compreendida a natureza das 
coisas bem como a manifestação da verdade do seu estado. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
44 ABELARDO, 2005, p. 68. 
45 Ibid., p. 68. 
46 ABBAGNANO, 2007, p. 921. 
24 
 
 
4. A NATUREZA DAS PALAVRAS UNIVERSAIS EM ABELARDO 
 
Já foi dito anteriormente que Abelardo atribui o universal ao domínio da palavra. 
Agora cabe a nós explicar onde Abelardo vai localizá-lo na palavra, qual seja, na 
natureza da palavra. Em suma, na sua significação: “Agora, porém, já tendo sido 
estabelecida nas palavras a definição tanto do universal, como do singular, 
investiguemos com cuidado a propriedade das palavras universais”47. Evidentemente, 
ao atribuir o universal ao domínio da palavra, ele nega que o universal seja uma res 
tanto particular quanto universal e, assim, a especialidade própria das palavras, de 
forma genérica, está no campo semântico, ou seja, na competência da significação. 
Após essa elementar explicação, Abelardo reflete sobre as possibilidades de a 
palavra universal não ter qualquer coisa subordinada, nem mesmo fixar alguma 
intelecção válida de algo, e mais uma vez ele recorre a Boécio para tal reflexão. 
Segundo Boécio, para que exista uma intelecção na mente, é preciso que exista algum 
objeto subordinado (ligado, dependente), ou seja, uma (res), um referente na 
realidade, um estado de coisa. A mente só concebe algo, seja por conjunção, divisão 
e abstração, a partir de uma coisa existente na realidade, vejamos: 
 
Por isso, Boécio afirma nas Divisões que esta palavra “homem” 
provoca dúvida da intelecção, pois, uma vez ouvida, a inteligência é 
arrebatada por muitas flutuações e é levada a erros, diz ele. Com 
efeito, a não ser que alguém defina, dizendo “todo homem anda” ou, 
pelo menos, “algum”, e designe esse homem, se assim for de fato, a 
intelecção do ouvinte não tem o que inteligir racionalmente.48 
 
O que está sendo dito aqui, entre outras coisas, é que as palavras universais, 
fora de uma de uma estrutura fático real (res), podem conduzir o indivíduo ao erro, 
uma vez que, na investigação da propriedade das palavras universais, elas carecem 
de significação. Logo, é possível presumir uma impotência de significação e cognição, 
pois que as palavras universais não parecem gerar uma intelecção na mente por não 
se referir a alguma coisa na realidade, com exceção, a palavra singular “Sócrates”49. 
Aparentemente, essa sim parece trazer uma intelecção de algo “a própria pessoa de 
um homem é inteligida; daí ser denominada singular”50. Por sua vez, o nome universal 
 
47 ABELARDO, 2005, p. 69. Ibid., p. 70. 
48 ABELARDO, 2005, p. 70. 
49 Ibid., p. 70. 
50 Ibid., p. 70. 
25 
 
 
“homem”, afirma Abelardo, referindo-se as posições de Boécio, “nem o próprio 
Sócrates nem outro, nem a coleção inteira dos homens”51 pode, por força da palavra 
universal ser inteligida. Abelardo conclui: “desse modo parece que tanto “homem” 
como qualquer outro vocábulo universal não significa coisa nenhuma, uma vez que 
não fixa a intelecção de coisa alguma”52. Em suma, os universais parecem 
completamente desprovidos de significação. 
“Mas não é assim”53. O tradutor recorre muito bem ao uso da conjunção 
adversativa (mas) para mostrar que Abelardo se opõe as teorias boeciana da 
impotência semântica e cognitiva da palavrauniversal uma vez que elas não estão 
ligadas a nada na realidade. Abelardo nega a existência de uma res universal que 
corresponda à intelecção suscitada pelo nome universal. Ora, se é impossível como 
queria Boécio, que haja uma intelecção na mente por falta de um objeto subordinado 
na realidade, consequentemente, o nome universal é desprovido de significação. E se 
uma realidade universal é inexistente por não corresponder ao um nome universal, 
como queria Abelardo, como é possível o conhecimento? 
 
Mas não é assim. De fato, eles (universais) significam, de certo modo 
coisas diversas por meio da denominação, não porém fixando uma 
intelecção procedente delas, mas pertinente a cada uma. Como está 
palavra “homem” tanto nomeia cada um deles por motivo de uma 
causa comum, isto é, que são homens, pelo que é denominada 
universal, como constitui uma certa intelecção comum, não própria, 
isto é, pertinente a cada um deles, dos quais concebe a semelhança 
comum.54 
 
Está claro para Abelardo que as palavras universais podem sim nomear coisas 
diversas, e não deveríamos esperar que sua significação e intelecção partam das 
coisas nomeadas propriamente ditas como sugere Boécio, mas sim uma intelecção 
daquilo que é pertinente a cada uma delas. A partir desse momento Abelardo constrói 
seu edifício teórico mostrando a verdadeira natureza dos universais em sua lógica 
Ingredientibus. 
 
 
 
 
51 Ibid., p. 71. 
52 Ibid., p. 71. 
53 ABELARDO, 2005, p. 71. 
54 Ibid., p. 71, 72, grifo nosso. 
26 
 
 
4.1. CAUSA COMUM 
 
A primeira referência teórica abelardiana da natureza dos universais é a causa 
comum. Embora os homens são distintos uns dos outros pelas essências (substância) 
quanto pelas formas (acidentes), segundo a física da coisa se reúnem nisto “que são 
homens”55. Abelardo sugere tomarmos certo cuidado para não atribuirmos a esse “ser 
homem” a teoria de “uma substância essencialmente a mesma”56 como queria seu 
mestre Guilherme, ou seja, dizer que uma coisa universal é essência una e assim 
negar o princípio de contradição, a distinção e a multiplicidade dos seres. O “ser 
homem” é o que Abelardo denomina “estado de homem”57. 
 
Chamamos de estado de homem o próprio ser homem, que não é uma 
coisa e que também denominamos causa comum da imposição do 
nome a cada um, conforme eles próprios se reúnem uns com os 
outros. Às vezes, porém, designamos com o nome de causa também 
aquilo que não é alguma coisa, quando se diz: “ele foi espancado 
porque não quis ir ao foro”. “não quis ir ao foro”, que é apresentado 
como causa, não é essência alguma. Assim, também podemos 
chamar de estado de homem as próprias coisas estabelecidas na 
natureza do homem, das quais aquele que lhes impôs a denominação 
concebeu a semelhança comum.58 
 
 
Na medida em que Abelardo usa o termo “estado”, a construção lógica ocorre 
de modo que “ser um homem” constitua uma realidade concreta e favorável à 
predicação, ou seja, homem é predicável porque do homem se predica o animal. Em 
seguida, em virtude da semelhança comum desses indivíduos, obtida através da 
abstração, lhes serão denominados os nomes; e a partir dessa designação que gerará 
o sentido é que surgem os universais. O universal é, então, a palavra que designa o 
nome dado a imagem confusa abstraída pelo pensamento de uma multiplicidade de 
indivíduos de natureza semelhante, ou seja, que se encontram no mesmo “estado”. 
 
 
 
 
 
55 Ibid., p. 72. 
56 Ibid. p. 72. 
57 ABELARDO, 2005, p. 73. 
58 Ibid., p. 73. 
27 
 
 
4.2. INTELECÇÕES VERSUS SENSAÇÕES 
 
Abelardo distingui as sensações da intelecção, e essa distinção será de 
extrema importância no ato de dar continuidade para a explicação da natureza dos 
universais. Apesar de ambas serem próprias da alma, elas têm algo que as distingue, 
a distinção está como se segue: 
 
a) Sensações: “(...) são exercidas apenas por meio de instrumentos corpóreos 
e só percebem os corpos ou o que neles está”59. As sensações estão no 
campo anatômico, ou seja, são exercidas pelos órgãos corporais e 
percebem os corpos e suas qualidades. Entretanto, apesar das sensações 
serem exercidas por instrumentos corpóreos, elas são próprias da alma, 
momento em que temos uma sensação qualquer e dessa se origina uma 
intelecção uma vez que qualquer um dos cinco sentidos ao atrair uma coisa 
qualquer logo impõe a nós a inteligência dela. As deliberações, motivada 
pelas sensações, se dão na alma, mas na ausência do objeto que as 
motivava, elas desaparecem. Para exemplificar isso Abelardo usa a visão 
de uma torre e suas qualidades visíveis. No campo da sensação se a torre 
for destruída, a sensação que atuava sobre ela também desaparece. Logo 
podemos concluir essa parte com a seguinte hipótese. A sensação por atuar 
no campo físico depende da presença daquilo que é físico para sua 
existência. Não existindo mais o objeto, ela também deixa de existir; 
 
b) Intelecção: está claro em Abelardo que a intelecção “não precisa de um 
instrumento corpóreo”60, ou seja, ela é totalmente oposta a sensação. Para 
a intelecção basta a semelhança do objeto que a própria alma elabora para 
si mesma quando quer e como quer. No exemplo da visão de uma torre, 
usado por Abelardo, mesmo a torre sendo destruída a intelecção da mesma 
permanece, “se a semelhança da coisa for retida pelo espírito”61. Por meio 
da intelecção pode-se construir seres fantásticos, não reais, como, por 
exemplo, um unicórnio, dragões, duendes e fadas, Essa intelecção é, na 
 
59 Ibid., p. 74. 
60 ABELARDO, 2005, p. 74. 
61 Ibid., p. 74. 
28 
 
 
verdade, uma certa ação da alma chamada de o ato de inteligir, não é 
semelhante às coisas nem se dirige a elas, mas à imagem produzida pela 
alma/espírito “(...) aquelas cidades imaginárias vistas durante o sono ou 
como aquela forma de um edifício a ser construído que o artesão concebe 
como semelhança e modelo da coisa a ser produzida e que não podemos 
chamar nem de substância nem de acidente”.62 
 
 
4.3. INTELECÇÃO DOS UNIVERSAIS VERSUS INTELECÇÃO DOS 
PARTICULARES 
 
Um nome universal, nas concepções de Abelardo, concebe uma imagem 
comum e confusa de muitos. A palavra universal embora nomeie cada uma das coisas 
que é comum, por exemplo, a palavra “homem”, que concebe uma forma comum a 
todos os homens, não pode certificar ou determinar a coisa homem. Ela vaga flutuante 
e confusa sem a nada se fixar. Por outro lado, o nome singular “Sócrates”, como foi 
dito anteriormente, esse sim gera na mente uma determinação e a certificação de um 
indivíduo. Essa palavra nomeia e determina um só objeto subordinado, a saber, o 
indivíduo Sócrates. Já vimos, entre outras coisas, os três pontos de significação dos 
nomes universais. a) uma significação real, a partir do estado da coisa; b) a partir da 
intelecção do universal, a significação intelectual; c) significação imaginária produzida 
pela intelecção promovida pela alma. 
Na parte “intelecção promovida pela alma” surge pelo menos uma pergunta a 
ser respondida. Ora, se as intelecções dos nomes universais não determinam um 
objeto subordinado, seriam então elas falsas e vazia? Abelardo acredita que não, para 
ele não podemos chamar as intelecções de falsas e vazias, uma vez que a intelecção 
dos universais se dá por abstração. A abstração é o processo pelo qual é possível a 
intelecção dicotomizar aquilo que se encontra unido; dito de outra forma, é quando a 
intelecção dirige a atenção de forma separada para aquilo que se encontra unido. 
 
A intelecção concebe as coisas assim unidas entre si, como divididas 
de um modo e unidas de outro. Por isso, Boécio atribui ao espírito esta 
capacidade de poder, pela razão compor os separados e desunir os 
compostos, sem se afastar contudo, em ambos os casos, da natureza62 Ibid., p. 74. 
29 
 
 
da coisa, mas percebendo apenas aquilo que está na natureza da 
coisa. Se assim não fora, não se trataria de razão mas de opinião, isto 
é, se a inteligência se desviasse do estado da coisa.63 
 
 
 Sobre aquilo que não tocamos pelas inteleções dos universais temos mais doxa 
(opinião) que episteme (ciência). É exatamente por essa razão que, “[...] toda questão 
a respeito da intelecção em relação a Deus é supérflua”64. A intelecção em relação 
aos homens ora é possível só a matéria, ora só a forma, ora matéria e forma juntas, 
mas toda intelecção em relação a Deus é apenas doxa. No livro poético de Jó, por 
exemplo, depois de uma tentativa frustrada de Jó e seus amigos falarem de Deus, há 
uma resposta de Deus a eles, “Depois disto, o Senhor (Deus) respondeu a Jó de um 
redemoinho e disse: Quem é este que escurece o conselho com palavras sem 
entendimento?”65 Todos termos teóricos e teológicos a respeito de Deus são meros 
termos humanos capazes de nos trazer um vislumbre humano de uma compreensão 
teológica, mas incapazes de entender a natureza e Deus. É por isso que a doutrina 
bíblica da revelação de dá no campo da fé e não da razão. 
Quando temos intelecção dos particulares por abstração, e dirigimos a nossa 
atenção para o estado da coisa “ser homem”, atentamos para a natureza do homem 
que está relacionada a um indivíduo determinado e subordinado. De outra forma, o 
nome universal “homem” atentamos para aquela mesma natureza, mas somente em 
si mesma e que não está relacionada e nem determinada a um indivíduo. Concluímos, 
então, que a intelecção dos nomes universais não é vazia, mas sim, isolada, nua e 
pura. 
 
Portanto, a intelecção dos universais é, com razão, denominada 
isolada, nua e pura: isolada, sem dúvida, das sensações, porque não 
percebe a coisa como sensível; nua, quanto à abstração de todas ou 
de algumas formas, e completamente pura, quanto à distinção porque 
nenhuma coisa, quer seja matéria, quer seja forma, é certificada nela, 
razão pela qual chamamos antes uma concepção desse tipo 
confusa.66 
 
 
 
 
63 ABELARDO, 2005, p. 84. 
64 Ibid., p. 86. 
65 Bíblia de Estudo Plenitude, 2001, p. 530. 
66 ABELARDO, 2005, p. 87. 
30 
 
 
CONSIDERAÇÕES FINAIS 
 
 Chegamos ao ponto em que podemos concluir o quão importante foi o que 
podemos chamar de o século dos universais, sobretudo a acunhada perspectiva de 
Abelardo sobre eles. Abelardo é metódico, ele vai construindo seu edifício teórico a 
cada explicação. Após elucidar suas concepções acerca da filosofia e de ter decorrido 
as noções gerais sobre a lógica e filosofia, as espécies de filosofias e suas 
implicações, ele se concentra na dialética, o ponto onde explicita “a natureza dos 
universais”. Na medida em que explica a dialética, sua arma afiada, corta as teorias 
de seus mestres e remonta apoditicamente o seu conceitualismo. Para Abelardo, essa 
teoria está mais de acordo com a razão do que as outras, uma vez que os universais 
não são nem res nem voces e sim palavras. Apesar de estar claro para o nosso filósofo 
as coisas se constituírem de uma unidade compacta, ou seja, tudo é particular e 
individual. Mas, conclui Abelardo, a intelecção tem a capacidade de distinguir e 
separar os diversos elementos que subsistem unidos na realidade. Podemos chamar 
essa teoria de uma espécie de aristotelismo reelaborado. O universal é um conceito 
significativo obtido por intelecção. Intelecção como ele mesmo conclui: isolada, “sem 
dúvida, das sensações, porque não percebe a coisa como sensível”67; nua; “quanto à 
abstração de todas ou de algumas formas”68, e pura, “quanto à distinção porque nenhuma 
coisa, quer seja matéria, quer seja forma, é certificada nela, razão pela qual chamamos antes 
uma concepção desse tipo confusa”69. 
 
 
 
67 Ibid., p. 87. 
68 Ibid., p. 87. 
69 Ibid., p. 87. 
31 
 
 
REFERÊNCIAS 
 
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ABELARDO, Pedro. Lógica para principiantes. São Paulo: Unesp, 2005._ 
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Editori Laterza, 1998. 
 
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Evanildo Bechara], 2. Ed. Rio de Janeiro: Academia Brasileira de Letras, 2011. 
 
REALE, Giovanni, ANTISERI, Dario. História da filosofia. v. I, II. São Paulo: Paulus, 
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