Prévia do material em texto
A RESPONSABILIDADE CIVIL DO INFLUENCIADOR DIGITAL PELA PUBLICIDADE OCULTA NO BRASIL THE CIVIL RESPONSIBILITY OF THE DIGITAL INFLUENCER FOR HIDDEN ADVERTISING IN BRAZIL Ludmila dos Santos Pellegrini 1 Wallace Fabrício Paiva Souza 2 RESUMO: O presente artigo tem como objetivo demostrar que analisando o ordenamento jurídico brasileiro, seria possível responsabilizar os influenciadores digitais civilmente pela publicidade oculta, ora ilícita, sob a égide do Código de Defesa do Consumidor e do Código Civil. Dada evolução dos meios de comunicação, com advento da internet e redes sociais busca-se analisar a influência dessa evolução nas relações de consumo. O método utilizado foi o indutivo, concomitantemente à técnica de pesquisa bibliográfica. O marco teórico que fundamenta a hipótese trata-se do Código de Defesa do Consumidor, bem como, o Código Civil. PALAVRAS-CHAVE: Publicidade Oculta, Direito do Consumidor, Influenciador Digital, Responsabilidade Civil, Hiperconsumo ABSTRACT: The purpose of this article is to demonstrate that, analyzing the Brazilian legal system, it would be possible to hold digital influencers civilly responsible for hidden advertising, now illegal, under the aegis of the consumer protection code and the civil code. Given the evolution of the media, with the advent of the internet and social networks, we seek to analyze the influence of this evolution on consumer relations. The method used was inductive, concurrently with the bibliographic research technique. The theoretical framework that underlies the hypothesis is the Consumer Protection Code, as well as the civil code. KEYWORDS: Hidden Advertising, Consumer Law, Digital Influencer, Civil Liability, Hyper Consumption. SUMÁRIO: 1 Introdução. 2 A Influência das redes sociais na sociedade de hiperconsumo. 3 Regulamentação da publicidade no Brasil (histórico e regulamentação atual). 4 Influenciadores digitais, publicidade oculta/ dissimulada e a responsabilidade civil. 4.1 A vedação da publicidade oculta/dissimulada 4.2 Publicidade oculta: possibilidade de responsabilização civil do influenciador digital 5 Análise de casos concretos. 6 Considerações Finais. Referências. 1 INTRODUÇÃO O surgimento da internet foi um marco evolutivo para diversos âmbitos da sociedade, dentre eles, pode-se citar a forma de consumir e de se fazer publicidade. A ascensão das 1 Discente da Escola de Direito do Centro Universitário Newton Paiva. 2 Professor Orientador. plataformas digitais, especialmente das redes sociais, abriu um leque de possibilidades ao consumidor, que a todo momento recebe anúncios e ofertas e pode consumir em qualquer lugar, sem sair de casa. Os fornecedores se adaptaram a essa tendência e alguns direcionam praticamente toda sua publicidade para as plataformas digitais. Nesse ponto, destaca-se a figura do influenciador digital O chamado influenciador digital trata-se de um indivíduo com grande poder persuasivo, suas redes sociais tem milhares de seguidores que acompanham sua rotina, hábitos e preferências. A informalidade das redes sociais e a forma com que o usuário recebe informações diárias sobre aquele indivíduo, acaba criando uma relação de confiança e familiaridade entre o influenciador e o usuário. Muitos influenciadores concentram-se em nichos específicos, como por exemplo esportes, moda, humor, estética e culinária, são infinitas possibilidades, e, é dessa forma que o influenciador atrai a atenção daqueles que se identificam com aquele segmento, transmitindo muita credibilidade quando expõe opiniões e indica produtos relacionados ao tema. Os fornecedores de mercadorias, por sua vez, remuneram os influenciadores digitais para que promovam a publicidade e divulguem em suas redes sociais determinados produtos, geralmente relacionados ao nicho daquele influenciador. O objetivo é utilizar-se do já referido sentimento de confiança e credibilidade entre o usuário e influenciador para vender a mercadoria, o que se mostra muito eficaz. O problema surge no momento em que há uma confusão entre o que é rotina, opinião ou indicação do influenciador e o que seria uma publicidade promovida por este, remunerada pelo fornecedor. Ou seja, por vezes, intencionalmente, o influenciador digital mascara um anúncio publicitário fazendo com que o usuário acredite que aquilo se trata de opinião pessoal do influenciador, configurando publicidade oculta ou dissimulada. Embora o Código de Defesa do Consumidor, em seu art. 36, determine que “a publicidade deve ser veiculada de tal forma que o consumidor, fácil e imediatamente, a identifique como tal”, muitos influenciadores digitais ainda ignoram esse dever. Por isso, além das penalidades administrativas, pergunta-se: seria possível a responsabilização civil dos influenciadores digitais por eventuais danos ao consumidor derivados desse tipo de publicidade ilícita? É fato que as normas do ordenamento jurídico brasileiro não conseguem modificar-se com a mesma velocidade em que ocorrem as transformações socias, especialmente após o advento das novas tecnologias, por isso, o problema será analisado com base no ordenamento jurídico vigente, tendo como marco teórico o Código de Defesa do Consumidor e o Código Civil. A análise do tema proposto encontra relevância na medida em que o Direito deve evoluir e conseguir alcançar tais imbróglios, vez que as redes sociais e a figura do influenciador digital inegavelmente estão presentes no cotidiano das pessoas e suas ações carecem de estudo e regulamentação, pois podem ter implicações jurídicas. A metodologia utilizada foi o uso do método indutivo, no qual partindo-se de premissas particulares, colhendo dados constatados, pretende-se chegar a uma verdade geral, premissa maior (MARCONI; LAKATOS. 2003,). Assim, em apertada síntese, considerando que o ordenamento jurídico brasileiro protege o consumidor da publicidade dissimulada, oculta e ilegal pois causa dano ao consumidor (premissa menor), observadas as regras de responsabilidade civil vigentes, pretende-se concluir que estão presentes os requisitos da responsabilidade civil e, portanto, os influenciadores digitais poderiam ser responsabilizados civilmente pela publicidade oculta e ilícita (premissa maior e universal). A técnica de pesquisa empregada foi a bibliográfica, pois foi redigido a partir de análise de livros, artigos, dados e publicações em geral, que fizessem referência ao tema proposto. Por fim, cabe ressaltar que o presente trabalho foi dividido em três partes: inicialmente abordará a ingerência das redes sociais e da internet para a construção de um sociedade hiperconsumista, a segunda parte abordará sobre a regulamentação do direito consumerista e da publicidade no Brasil, e por último, examinará a possibilidade de responsabilização dos influenciadores digitais no tocante à publicidade oculta na internet, trazendo à baila casos concretos que exemplifiquem esse tipo de publicidade. 2 A INFLUÊNCIA DAS REDES SOCIAIS NA SOCIEDADE DE HIPERCONSUMO A globalização trouxe consigo uma tendência mundial de consumo desenfreado, os indivíduos encontram-se em um ciclo vicioso, onde quanto mais se compra, mas se deseja comprar. Os fornecedores, percebendo essa tendência, estimulam a prática, na medida que em curtos períodos de tempo lançam, reiteradamente, produtos similares, sem relevante diferença técnica, apenas para estimular o ciclo do consumismo. Aqui surge a ideia de sociedade de hiperconsumo, onde comprar se tornou um prazer, nela se cultua um extremo fetichismo da mercadoria, que passa a ter um papel de ditar padrões na sociedade, “o consumo baseado no bem-estar e na busca da felicidade individual é o objetivo do hiperconsumo” (AMORIM, PEREZ, ET AL, p.5). Assim, uma simples mercadoria tornou- se uma forma de realização pessoal, traz felicidade,um produto é muito mais que um objeto, é forma de expressão, possibilitando identificação entre os indivíduos, ditando padrões estéticos, sociais, políticos e econômicos. A publicidade tem papel fundamental nessa dinâmica, pois objetiva aproximar o consumidor do produto, por vezes, o que se visa comprar não é necessariamente o objeto e sim o que ele representa. Conforme explica Chiachiri, Roberto (2010, p.14) Para gerar a adesão do receptor, a publicidade introduz, além do próprio produto, algo muito mais importante do que ele, a saber, ícones que fisgam o desejo: formas e sentimentos (visuais, sonoros, táteis, viscerais...). São esses ícones que se responsabilizam pela rede de sugestões de sentido que a mensagem publicitária é capaz de produzir no receptor. Aliás, o poder sugestivo que uma comunicação publicitária exerce pode levar o receptor a negligenciar a verdadeira razão de ser do próprio produto. Explicando melhor, nas peças publicitárias, o que aparece em predominância é “a coisa que se dá a entender, a insinuação”, por meio da forma, de um desejo, e o produto propriamente dito vem em segundo plano. Isto porque “a publicidade junta tudo magicamente. Na sua linguagem, um produto vira uma loura, o cigarro vira saúde e esporte, o apartamento vira família feliz [...], a bebida vira o amor...” (Rocha, 1985: 63). Com advento da internet e das redes sociais a forma de se comunicar foi alterada de forma considerável. Tradicionalmente, o receptor era mediado pelos meios de comunicação, uma espécie de hierarquia, pois recebia o conteúdo da forma que interessava ao meio produtor. Após o surgimento da internet e principalmente das redes sociais, abandonou-se a ideia de hierarquia, o usuário consegue optar pelo que consumir, possui uma postura mais ativa no cenário consumerista. (ROCHA; ALVES,2010, p.224). Os usuários acabam participando da mensagem publicitária mesmo inconscientemente. Um comentário positivo, uma curtida ou um compartilhamento sobre determinado produto, gera em outros indivíduos o desejo de consumir aquele item. Não se pode deixar de citar ainda, o relevante papel do influenciador digital nesse cenário. Estes atraem cada vez mais usuários para os seus perfis e com números elevadíssimos de curtidas e compartilhamentos, conjuntamente à sensação de confiança transmitida ao seguidor, a mensagem publicitária ganha um alcance inimaginável. Se por um lado os influenciadores digitais gerenciam seus perfis de maneira a atrair seguidores que passam a acompanhar suas vidas sentindo como se fizessem parte desse universo, por outro cada usuário é plenamente livre para seguir o perfil que quiser, de acordo com sua escolha e critério, sem que exista qualquer coerção. A combinação de um feed atraente com a liberdade de escolha dos seguidores favorece a criação de laços e promove ainda mais confiança na opinião do digital influencer (BARBOSA, MOREIRA, 2018, p. 7) Em suma, o influenciador digital torna-se um modelo, um padrão de vida a ser alcançado, transmitindo muitas vezes a ideia de que ao adquirir determinado produto, o usuário estará mais próximo daquele padrão tão almejado. As plataformas digitais fomentam a prática do consumo desmedido, já que são ferramentas de interação social, que influenciam nas formas de pensar e agir dos usuários, especialmente através do influenciador digital. Logo, infere-se que as redes sociais e internet acabam por influenciar também no aspecto do consumo, de modo que os fornecedores aprenderam a utilizar-se dessa ferramenta, bombardeando os consumidores a todo o tempo com mensagens sugestivas, estimulando que estes consumam desenfreadamente. 3 REGULAMENTAÇÃO DA PUBLICIDADE NO BRASIL (HISTÓRICO E REGULAMENTAÇÃO ATUAL) Inicialmente, faz-se necessário promover a distinção entre os termos publicidade e propaganda, pois, embora utilizados por muitos doutrinadores como sinônimos, o ordenamento jurídico brasileiro, especialmente o CDC, entende que haveria distinções. A publicidade tem, exclusivamente, um fim comercial, seu objetivo é essencialmente incentivar o consumo de determinado produto. Por outro lado, a propaganda teria fins políticos, sociais e ideológicos, sem intuito de lucro ou simples comercialização de uma mercadoria. (TARTUCE; NEVES, 2016, p.290) Feitas tais considerações, no presente trabalho analisa-se a regulamentação da publicidade no país e não da propaganda. Historicamente, o primeiro paradigma de ruptura na forma de consumo dos indivíduos foi a Revolução Industrial, pois, com o desenvolvimento de novas formas de produzir, as formas de consumir também ganharam novos contornos. Já a modernização dessas novas formas de consumo deu-se no pós Segunda Guerra Mundial, no qual foi difundida a ideia de consumo em massa e ampliação da publicidade. (EFING; BERGSTEIN; GIBRAN, 2012, p.2) Desde então, as transformações no mercado de consumo, são sucessivas, especialmente após o advento da internet que aumentou exponencialmente os números de investimento em publicidade no mundo. No Brasil, não foi diferente, em pesquisa realizada pelo Cenp (Conselho Executivo das Normas Padrão), divulgada por Renato Pezzotti no site UOL, em janeiro de 2020, foi constatado que “o investimento em publicidade no Brasil chegou a R$ 12,5 bilhões entre janeiro e setembro de 2019” sendo que os meios de internet e mídia exterior foram os que apresentaram maior crescimento. Assim, tem se que as formas de consumir e de se fazer publicidade, no Brasil são áreas em constante evolução e que tendem a continuar crescendo significativamente. Nesse contexto, surge a necessidade de se regulamentar a publicidade no ordenamento jurídico brasileiro, já que o consumidor é vulnerável e facilmente persuadido através da publicidade, logo, necessita de proteção. Nesse sentido, Antônio Carlos Efing, Laís Gomes Bergstein e Fernanda Mara Gibran, 2012 argumentam que: a publicidade se originou como forma de informar e alertar o consumidor acerca da qualidade dos produtos ou serviços a ele disponibilizados. Todavia, a competitividade do mercado e a massificação do consumo incitaram o uso da publicidade como meio de ludibriar o consumidor e persuadi-lo a adquirir bens dos quais não precisava No Brasil a proteção dos direitos do consumidor surgiu de forma gradual. Anteriormente à Constituição Federal de 1988, haviam apenas diplomas esparsos como por exemplo o decreto- lei 22.626/1943, mais conhecido como lei de Usura, a lei n. 4.680/65, e o decreto 57.690/66, que traziam disposições acerca do exercício da profissão de publicitário, a lei federal n 5.197/67 versando sobre o emprego de animais silvestres em anúncios publicitários etc. (VIEIRA, 2012). Com advento da Constituição Federal em 1988, os direitos consumeristas ganharam maior proteção na medida em que seu artigo 5º, XXXII, previa que o “Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor.” (BRASIL, 1988, 2016, p.7). No mesmo sentido, visando a proteção ao consumidor, o Ato das Disposições Constitucionais Transitórias ( LGL 1988\31 ) determinou ainda, em seu art. 48, um prazo de 120 (cento e vinte) dias desde a promulgação da CF para que o Congresso Nacional editasse o Código de Defesa do Consumidor. Embora a idealização do Código de Defesa do Consumidor tenha se iniciado antes mesmo da Constituição Federal/1988, o projeto levou alguns anos, vindo a ser promulgado apenas em 11 de setembro de 1990, lei nº 8.078 (JUNIOR, 2017, p.22). Apenas a partir daí houve uma compilação das normas consumeristas o que pode ser considerado um grande marco evolutivo do direito consumidor. Um dos direitos tutelados pelo CDC é o da publicidade. Em seu art. 6º, elenca os direitos básicos do consumidor, dentre eles, o inciso IV dispõe que é direito do consumidor “a proteção contra a publicidade enganosa e abusiva, métodos comerciais coercitivosou desleais, bem como contra práticas e cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e serviços” ( BRASIL, 1990, p.802). Nos termos do CDC tanto a publicidade enganosa como a abusiva são vedadas por expressa previsão do art. 37, caput, pois são incompatíveis com o sistema protetivo consumerista, vez que ferem direitos básicos do consumidor. Ocorre que embora existam outros artigos delimitando regras acerca da publicidade no CDC, o código não consegue esgotar toda a matéria, logo, ainda é necessário recorrer a legislações esparsas e recomendações de órgãos especializados, como as do CONAR. O CONAR (Conselho de Auto-regulamentação Publicitária) não é um órgão estatal, trata-se de uma organização da sociedade civil, criada por entidades do mercado publicitário com objetivo de regular a publicidade no Brasil. De acordo com o sitio digital da instituição, “o CONAR é uma organização não-governamental que visa promover a liberdade de expressão publicitária e defender as prerrogativas constitucionais da propaganda comercial.” (CONSELHO). As orientações do CONAR, embora não possuam força coercitiva são muito respeitadas no país, inclusive, são citadas em decisões judiciais acerca dos temas que regulamenta. Uma das conquistas dos integrantes dessa organização foi o Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária em 1978, nele se encontram as principais normas que orientam a publicidade no Brasil hoje. O Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária, estabelece orientações mais diretas em relação ao conteúdo publicitário, como limitações, princípios norteadores, elenca infrações, penalidades etc. Por fim, além das normas supracitadas, saliente-se que existem outros diplomas, órgãos e recomendações acerca da publicidade no Brasil. Deve-se ressaltar ainda a existência de alguns projetos de lei visando alteração do CDC para endurecimento das regras de publicidade no país, como por exemplo o PL da Câmara n° 30, de 2017, já em faze plenária, que visa coibir qualquer tipo de mensagem subliminar ou que leve o consumidor a engano em propagandas. Contudo, a regulamentação da publicidade no país ainda possui grandes lacunas e carece de evolução, especialmente para alcançar de forma específica a publicidade veiculada na internet e redes sociais. 4 INFLUENCIADORES DIGITAIS, PUBLICIDADE OCULTA/ DISSIMULADA E A RESPONSABILIDADE CIVIL Nos últimos anos, os influenciadores digitais têm colecionado condenações administrativas no Conar (Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária) pela publicidade oculta veiculada em suas redes sociais (LEMOS, SACCHITIELLO, 2019). Em que pese alguns doutrinadores entenderem que a publicidade oculta, embora ilícita, deva ser tratada apenas na esfera administrativa, pretende-se defender que esse tipo de publicidade também deve ser discutida sob a ótica da responsabilização civil, conforme demonstrado nos tópicos a seguir. Para estudar esse fenômeno, inicialmente temos que estudar o conceito de publicidade oculta e seu tratamento no ordenamento jurídico brasileiro. 4.1 A vedação da publicidade oculta/ dissimulada No Brasil, “a publicidade pode ser conceituada como sendo qualquer forma de transmissão difusa de dados e informações com o intuito de motivar a aquisição de produtos ou serviços no mercado de consumo”. (TARTUCE, NEVES, 2016, p.307). Normalmente, a publicidade é veiculada de tal forma que é de fácil identificação pelo receptor, todavia, existem mensagens que o conteúdo publicitário não fica tão evidente assim. Em suma, veicula-se mensagens que a princípio seriam neutras e isentas de interesse comercial, mas que acabam tendo um teor publicitário de forma mascarada. A doutrina denomina esta última de publicidade oculta ou dissimulada. Fábio Ulhoa Coelho ensina que “Publicidade simulada é a que procura ocultar o seu caráter de propaganda” (COELHO, 2007. p. 103). Um grande exemplo de publicidade oculta é o famoso merchandising, que consiste na tática de inserir produtos em cenas de filmes, programas, animações etc, a fim de sugestionar que o espectador consuma aquela mercadoria. Em regra, o merchandising, não é ilícito por si só, torna-se ilícito a partir do momento em que não se deixa claro ao espectador, os reais motivos da aparição daquele produto, ou seja, do caráter publicitário da mensagem. (DIAS, 2010 p.224) Com advento da internet, dando origem aos influenciadores digitais, surgiu-se uma nova forma de se praticar a publicidade oculta. Conforme já explanado, o influenciador digital trata- se de um sujeito que utiliza das redes sociais, geralmente trabalhando por nichos, expondo o seu cotidiano, ideias e modos de pensar, para atrair pessoas que se identificam com aqueles temas e irão consumir o seu conteúdo. Uma matéria da revista digital exame, divulgou uma pesquisa realizada pelo BR Media Group, em 2018, que constatou que as empresas estão investindo 30% (trinta por cento) a mais nos influenciadores digitais. Ainda segundo a pesquisa 74% (setenta e quatro por cento) dos consumidores de alguma forma compram de acordo com as influências de suas redes sociais (DINO, 2018). O ponto é, muitas vezes esses influenciadores são contratados para que façam publicidade de determinados produtos. Alguns, seguem as regras de transparência e informação e sinalizam que aquele conteúdo específico seria publicitário. Ocorre que muitos influenciadores não o fazem e, acabam induzindo o consumidor a erro, na medida em que este ao acompanhar a rotina diária do influenciador, acaba acreditando que aquele produto mostrado nas redes sociais seria objeto de uso pessoal daquele individuo, atestando a qualidade daquele item. Apesar de muitas marcas ainda manterem seu prestígio no mercado, os influenciadores digitais, também encabeçam uma importante posição diante da relação próxima que guardam com seus seguidores, como explicitado alhures. A soma desses fatores se revelou uma forma de publicidade altamente rentável e eficaz, pois através desses perfis que exercem grande influência nos gostos e escolhas dos seguidores há uma relação de intimidade, que é o que as marcas mais desejam para envolver e encorajar o seguidor a consumir. É justamente esse o poder do Instagram: oferece naturalidade e espontaneidade que acentuam o efeito persuasivo em virtude da sutilidade do anúncio. (BARBOSA, MOREIRA, 2018, p. 7) Ora, a credibilidade de um produto que em tese é utilizado cotidianamente por um influenciador digital que publica para milhões de seguidores e tem a confiança deles, tende a ser muito maior que uma mercadoria divulgada por meio de uma simples publicidade. A publicidade oculta ou dissimulada fere alguns princípios norteadores do direito consumerista brasileiro, dentre eles destacam-se: o princípio da identificação da publicidade, que veda a publicidade clandestina ou subliminar, o princípio da identificação publicitária que proíbe a publicidade mascarada ou dissimulada e ainda o princípio da boa fé que estabelece um padrão ético de conduta na relação. (TARTUCE, NEVES, 2016, p.307). O artigo 36 do CDC traz a expressão literal desses princípios na medida em que determina que a publicidade deve ser veiculada de modo que o consumidor, possa identificar seu caráter publicitário facilmente e imediatamente. No mesmo sentido, o artigo 37 do CDC é explícito ao vedar a publicidade enganosa, pois obsta a veiculação de qualquer mensagem de caráter publicitário ou modalidade de informação, falsa no todo ou em parte, ou ainda, aquela que por qualquer outro modo, inclusive por omissão, seja capaz de induzir o consumidor em erro, acerca da natureza, características, qualidade, quantidade, propriedades, origem, preço e quaisquer outros dados sobre produtos e serviços. De acordo com Luciana Ancona L. M. Dias, 2010, p.207: “A publicidade oculta é umapublicidade enganosa nos termos do art. 36, caput e 37 do CDC, afinal este último dispositivo dispõe que a indução em erro pode se dar por qualquer outro modo, o que inclui a sua apresentação.” Embora seja pacífico que a publicidade oculta ou dissimulada é ilícita por contrariar diversos preceitos que regem o direito consumerista, a divergência encontra-se na forma de sancionar a prática. Flávio Tartuce, por exemplo, acredita que a publicidade oculta deve ser penalizada com imposição de multas administrativas, não interessando à responsabilidade civil consumerista (TARTUCE, NEVES, 2016, p.309). O presente trabalho, pretende romper esse posicionamento, demonstrando sim, que a responsabilização civil poderia ser um meio de punir e inibir a publicidade dissimulada, sem prejuízo as demais sanções administrativas. 4.2 Publicidade oculta: possibilidade de responsabilização civil do influenciador digital Inicialmente, necessário debruçar-se sobre o instituto da responsabilidade civil e sua aplicabilidade nas relações consumeristas. Consoante ensinam Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho, (2012, p.46), o conceito jurídico de responsabilidade é uma acepção que: está ligada ao surgimento de uma obrigação derivada, ou seja, um dever jurídico sucessivo, em função da ocorrência de um fato jurídico lato sensu. O respaldo de tal obrigação, no campo jurídico, está no princípio fundamental da “proibição de ofender”, ou seja, a ideia de que a ninguém se deve lesar — a máxima neminem laedere, de Ulpiano — limite objetivo da liberdade individual em uma sociedade civilizada. A responsabilidade civil, por sua vez, é conceituada pelos autores como aquela que “...deriva da agressão a um interesse eminentemente particular, sujeitando, assim, o infrator, ao pagamento de uma compensação pecuniária à vítima, caso não possa repor in natura o estado anterior de coisas.” (GAGLIANO, FILHO, 2012, p.54). O Código Civil de 2002, regulamenta o instituto, merecendo destaque seus artigos 186, 187 e 927. Do artigo 186 CC, extrai-se a ideia de que qualquer indivíduo que de forma dolosa ou culposa, causar prejuízo, um dano, a outrem, comete um ato ilícito e, por isso, terá o dever de repara-lo. Logo, a reparação do dano é uma consequência da prática do ato ilícito (GAGLIANO, FILHO, 2012, p.59). Encerando este raciocínio, no mesmo sentido disciplina o art. 927 do CC determinando que “Aquele que, por ato ilícito, causar dano a outrem, fica obrigado a repará- lo”. Por sua vez, o artigo 187 do CC dispõe que “também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes”. Daí extrai-se o chamado abuso de direito, entendido pela doutrina como um ato incialmente lícito que, seu exercício irregular o torna ilícito, ou seja, um direito utilizado para além dos seus limites, devendo, portanto, ser objeto de responsabilização civil (TARTUCE, 2018, p.521). Ainda no âmbito do Código Civil, necessário citar os elementos da responsabilidade civil, também extraídos do art. 186, quais sejam: a conduta humana, positiva ou negativa, o dano ou prejuízo e, por fim, o nexo de causalidade entre os dois primeiros. Apenas diante desses três elementos, haveria de fato a possibilidade de responsabilização do agente (GAGLIANO, FILHO, 2012, p.74) Quanto as espécies de responsabilidade civil, merece relevância a distinção entre responsabilidade civil subjetiva e objetiva. A responsabilidade civil subjetiva constitui a regra no ordenamento jurídico brasileiro, nela, para que o indivíduo responda civilmente pelo dano é indispensável a comprovação de culpa ou dolo (TARTUCE, 2018, p.598-599). Lado outro, a responsabilidade civil objetiva, também admitida pelo código civil em sede de exceção, art. 927, parágrafo único do CC, trata-se de um responsabilização na qual a constatação de dolo ou culpa na conduta do indivíduo é juridicamente insignificante, pois será necessário apurar apenas o nexo de causalidade entre o dano e a conduta do agente para que exista a obrigação de reparação, pode-se afirmar que há uma presunção de culpa em sentido amplo (GAGLIANO, FILHO, 2012, p.60) No que tange o Código de Defesa do Consumidor, o preceito extraído dos artigos 12, 13 e 14 é a da responsabilidade civil objetiva. Ou seja, ressalvadas pontuais exceções, no CDC, diferente do Código Civil, a regra geral é a de responsabilização objetiva dos fornecedores e comerciantes de mercadorias, o que não causa nenhuma grande polêmica considerando a ideia de vulnerabilidade o consumidor. (JÚNIOR, 2017, p.81). Ademais, o CDC estabelece uma série de regras acerca da responsabilização civil, seja por inadimplemento contratual, acidente de consumo, vicio do produto, e, também acerca do que aqui nos interessa, as atinentes à mensagem publicitária ilícita, enganosa ou abusiva. De acordo com Lucia Ancona Lopez De Magalhães Dias (2010, p.286) a publicidade ilícita, enganosa deve ser objeto de responsabilização civil: A configuração da publicidade ilícita, nas suas diferentes modalidades, enganosa ou abusiva, enseja o dever de reparação dos eventuais danos causados. Estes danos podem ser, em relação aos sujeitos que sofrem a lesão, individuais ou coletivos, e no que tange à natureza da lesão, materiais e/ou morais. O direito à indenização, bem como a possibilidade de cumulatividade de danos materiais e morais, decorre de previsão expressa do artigo 6º inciso VI do CDC, que disciplina ser direito básico do consumidor ―a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos ou difusos‖, de modo que o veto ao § 4º do artigo 37 do CDC em nada modificou esse direito básico dos consumidores em relação à publicidade ilícita. A autora ainda afirma que a espécie de responsabilidade civil aplicável seria a objetiva. (DIAS, 2010, p.287) Corroborando com o entendimento acima, a proteção do consumidor quanto a publicidade enganosa deve ultrapassar a tutela administrativa, cabendo também a reparação civil do consumidor, já que tanto o direito à proteção com relação a publicidade enganosa ou abusiva, quanto a reparação por danos, são direitos básicos do consumidor, senão vejamos: Art. 6º São direitos básicos do consumidor: (...) IV - a proteção contra a publicidade enganosa e abusiva, métodos comerciais coercitivos ou desleais, bem como contra práticas e cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e serviços; (...) VI - a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos; (BRASIL, 1990, p.802) Não há nenhum óbice à reparação civil pela publicidade ilícita, especialmente se considerar que todos os elementos da responsabilidade civil objetiva são possíveis de serem demonstrados em casos concretos. O dano coletivo ou individual pode advir da simples veiculação da mensagem ilícita ou até mesmo causar prejuízos materiais e morais decorrentes da aquisição do produto pelo consumidor induzido ao erro, por exemplo. Tratando-se especificamente da publicidade oculta, consoante discutido nos tópicos anteriores, esta “pode ser enquadrada como modalidade mais ampla do gênero de publicidade enganosa” (DIAS, 2010, p.64), logo também é passível de responsabilização civil. Passa-se, doravante, à análise da identificação dos causadores do dano para auferir quais sujeitos podem ser responsabilizados pela publicidade ilícita. Não há dúvidas de que o fornecedor anunciante é responsável por eventuais danos que sua publicidade ilícita vier a causar, presentes os requisitos da responsabilização civil objetiva. A discussão encontra-se nas demais figuras da cadeia publicitária, quais sejam: da agência publicitária, do veículo de comunicação e da celebridade. (JÚNIOR, 2017, p.202). Nesse contexto,relevante é o texto do parágrafo único do art. 7º do CDC dispondo que “Tendo mais de um autor a ofensa, todos responderão solidariamente pela reparação dos danos previstos nas normas de consumo” (BRASIL, 1990, p.802). Em uma análise fria, todos participantes da cadeia publicitária poderiam ser civilmente e solidariamente responsabilizados pela publicidade ilícita. A doutrina e jurisprudência, no entanto, divergem acerca do tema e acabaram criando alguns critérios e teorias para auferir essa responsabilidade. Por exemplo, Humberto Theodoro Júnior entende que no caso do agente publicitário, poderia não “haver responsabilidade da agência quando a enganosidade: (i) não estiver objetivamente colocada no anúncio; ou, (ii) depender de uma ação real e posterior do anunciante, tendo a agência participado como mera produtora de uma informação encomendada” (JÚNIOR, 2017, p.202). Pode-se dizer, no que tange a responsabilização da celebridade, que existem três teorias. A primeira defende que as celebridades não poderiam ser responsabilizadas por nada na mensagem publicitária, pois a atuação e riscos seriam exclusivamente do fornecedor. A segunda acredita que a responsabilidade da celebridade pela publicidade seria possível, mas que esta seria subjetiva, desde que comprovado dolo ou culpa do sujeito. Por fim, a terceira teoria, defendida por Paulo Jorge Scartezzini Guimarães, 2007, dispõe que a celebridade deve responder objetivamente pela publicidade que participa, uma vez que deve ter comprometimento e consciência daquilo a que vincula sua imagem. As decisões dos Tribunais Superiores têm sido no sentido de limitar essa responsabilização ao fornecedor anunciante, eximindo as agências de publicidade, os veículos de comunicação e as celebridades. (STJ, 4ª T., REsp. 1.157.228/RS, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, ac. 03.02.2011, DJe 27.04.2011, Recurso Especial 1.157.228-RS). Em contrapartida, há também tímida jurisprudência no sentido oposto, possibilitando a responsabilização de todos da cadeia publicitária, se estes houverem cooperado conscientemente com a fraude elaborada pelo fornecedor anunciante (JÚNIOR, 2017, p.203). Ressalte-se que todas as decisões são pautadas em casos concretos, logo, não há impedimento legal para que se discuta judicialmente a responsabilização solidária desses agentes, especialmente no que tange a publicidade na internet, já que é fruto de discussões doutrinárias recentes, não havendo entendimento consolidado sobre o tema, tampouco jurisprudência. A figura do influenciador digital, surge de uma modernização dessa cadeia publicitária, e, embora não se equipare totalmente a nenhuma dessas figuras já citadas, está próximo a elas e merece tratamento similar. Nesse ponto, interessante destacar a teoria de Leonardo Bessa, que cria a figura do fornecedor por equiparação. Segundo o autor, houve uma ampliação do campo de aplicação do CDC, no que tange a definição de fornecedor, resultando no fornecedor equiparado. Este, trata- se de um terceiro alheio a relação de consumo principal, mas que exerce função de intermediário ou colaborador atuando muito próximo ao consumidor, como se fornecedor fosse. Tal conceito é facilmente aplicável a figura do influenciador digital, que embora não faça parte diretamente da relação de consumo principal, muito colabora com ela. Ainda segundo Bessa, o fornecedor por equiparação teria responsabilidade objetiva, tal qual o fornecedor comum. (BESSA, 2013, p.118) Conforme ensina Carlos Roberto Gonçalves, 2012, p.22 “A responsabilidade objetiva funda-se num princípio de equidade, existente desde o direito romano: aquele que lucra com uma situação deve responder pelo risco ou pelas desvantagens dela resultantes (ubi emolumentum, ibi onus; ubi commoda, ibi incommoda). Quem aufere os cômodos (ou lucros), deve suportar os incômodos (ou riscos).” Ora, os influenciadores digitais são remunerados para tanto, se envolvem diretamente e pessoalmente com a publicidade veiculada em suas redes sociais. A pessoalidade é tão grande que chega a gerar no consumidor a impossibilidade de perceber o caráter publicitário da mensagem. Ocultar o fim publicitário de uma postagem também pode ser vantajoso para o influenciador, por isso, consoante ensina Luciana Ancona L. M. Dias, eles devem conjuntamente ao fornecedor anunciante, ser responsabilizados objetivamente e solidariamente pelos anúncios ilícitos. (DIAS, 2010, p. 302). Necessário ressaltar ainda os princípios da reparação integral, cooperação e da solidariedade, aplicáveis nas relações consumeristas. Isso porque, ao admitir a responsabilização civil objetiva e solidária entre os causadores do dano, há uma facilitação de que o consumidor, indivíduo vulnerável, veja-se indenizado. “Consigne-se que essa responsabilidade independentemente de culpa visa à facilitação das demandas em prol dos consumidores, representando um aspecto material do acesso à justiça “ (NEVES, TARTUCE, 2016, p.67). Por fim, a favor da responsabilização dos influenciadores digitais, cabe trazer à baila as funções da reparação civil. Consoante ensinam Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho (2012, p.67), além de compensar o dano à vítima; há outras duas funções da responsabilidade civil: a punitiva do ofensor; e a de desmotivação social da conduta lesiva. Ressalte-se que o influenciador digital é figura independe do fornecedor anunciante, logo, tem plena liberdade para firmar ou não firmar contratos que tem por objeto uma publicidade dissimulada. Por isso, um dos desdobramentos da responsabilização do influenciador, além de reparar o dano seria a punição da prática e inibição de que outros também realizem esse tipo de publicidade ilícita. Conforme já explanado, atualmente não há legislação específica que regulamente a responsabilidade civil do influenciador digital, tampouco jurisprudência considerável acerca da temática. Em que pese a tentativa de inibição da publicidade oculta nas redes sociais pelo CONAR, seu caráter não vinculativo e ausência de regulamentação legal dificultam o trabalho da organização. A publicidade oculta é um comportamento que entidades como o Conar tentam coibir, no entanto, a atuação isolada deste Conselho tende a ser insuficiente, já que as redes sociais possuem uma dinamicidade que demanda um esforço conjunto de órgãos e da própria legislação para impor um controle mais rígido da publicidade oculta.(JUNIOR, SIMAS, 2018, p.9) 5 ANÁLISE DE CASOS CONCRETOS Conforme já explicitado a jurisprudência acerca do tema estudado ainda é muito tímida, isso porque discussões sobre publicidade no ambiente da internet, especialmente das redes sociais é um debate relativamente novo e contemporâneo, mas também, pelo fato de muitas demandas acerca da publicidade ilícita no ambiente digital, nem chegarem ao crivo do Poder Judiciário, sendo punidas pelos órgãos reguladores da área, principalmente pelo Conar. Ainda que exista a obrigatoriedade de sinalização do conteúdo, muitos influenciadores deixam de fazê-lo e acabam respondendo administrativamente. Segundo Alexandre Zaghi Lemos e Bárbara Sacchitiello, para a revista meio e mensagem, no ano de 2018, no balanço das decisões tomadas pelo Conar, os influenciadores digitais e produtores de conteúdo no geral, foram mais punidos pela publicidade velada/oculta do que marcas anunciantes. A maioria das condenações feitas a postagens de influenciadores se enquadra no que o Conar determina como “identificação publicitária”, caracterizada quando um influenciador faz uma divulgação de um produto, local ou serviço de uma marca sem sinalizar que aquilo é uma parceria comercial. Pela primeira vez nos 40 anos de existência da entidade, os nomes que mais aparecem no topo do ranking das decisões de condenação são de influenciadores e não de marcas. Nesse ponto merece destaquea influenciadora Emilly Araújo, vencedora do programa de televisão Big Brother Brasil edição 2017, foi condenada cinco vezes pelo Conar, só no ano de 2018, todas pelo mesmo motivo, publicidade oculta, não sinalizada em suas redes sociais. Em pesquisa rápida no próprio site institucional do Conar, tem-se que em março de 2018 foram doze decisões apenas acerca de identificação publicitária. De todas essas condenações, Emilly Araújo obteve quatro, sendo punida com advertências e obrigação de alteração do conteúdo para que conste a sinalização da publicidade. Decisão: Alteração e advertência Fundamentos: Artigos 1º, 3º, 6º, 9º, 28, 29, 30 e 50, letras "a" e "b", do Código Resumo: Consumidora gaúcha considerou ser publicidade disfarçada um post em internet da blogueira Emilly Araújo promovendo produtos da Bag-Onlin. A consumidora notou que o mesmo problema se verifica em várias outras postagens. Não houve defesa por parte das denunciadas. O relator deu razão à consumidora, propondo a alteração da postagem e advertência à Emilly Araújo e Bag-Online. Seu voto foi aceito por unanimidade. (CONSELHO, Representação nº: 005/18, Autor(a): Conar mediante queixa de consumidor, Anunciante: Emilly Araújo e Bag-Online, Relator(a): Conselheiro Gustavo Oliveira, Câmara: Terceira Câmara) Já no corrente ano de 2020, no mês de março, foram julgadas três demandas envolvendo identificação publicitaria. Foram condenados os influenciadores Lucas Rangel, Carolina Dieckmann e Felipe Neto. Este último chegou a apresentar defesa alegando que a divulgação da empresa PicPay teria caráter beneficente, o que não foi acolhido pelo órgão, por novamente ser enquadrada como publicidade oculta. In verbis: Decisão: Advertência Fundamentos: Artigos 1º, 3º, 6º, 9º, 28, 30 e 50, letra "a", do Código Resumo: Consumidor questiona no Conar a clara natureza publicitária de ação em redes sociais do influenciador Felipe Neto divulgando serviço da PicPay. Esta se defendeu no Conar, informando que mantém relacionamento comercial com o influenciador, mas que a referida ação não tem natureza publicitária e sim beneficente, realizada por iniciativa exclusiva de Felipe Neto, tendo PicPay como meio de pagamento. Para o relator, se é difícil afirmar que a campanha seja material publicitário, é ingenuidade maior acreditar que apenas esta mensagem fosse uma iniciativa isolada e em nada relacionada ao acordo comercial mantido entre as partes, o que infringiria os artigos 28 e 30 do Código. Por isso, o relator propôs a advertência ao anunciante e ao influenciador para que, em situações similares no futuro, explicitem a existência de sua relação de parceria comercial. Seu voto foi aceito por unanimidade. (CONSELHO, Mês/Ano Julgamento MARÇO/2020, Representação nº:281/19, Autor(a): Conar mediante queixa de consumidor, Anunciante: Picpay e Felipe Neto, Relator(a): Conselheiro Guto Belchior, Câmara: Sétima Câmara) Analisando todos esses casos, tem que anualmente o Conar condena dezenas de influenciadores pelo mesmo motivo, publicidade oculta nas postagens. Ora, se mesmo após tantas condenações esse tipo de publicidade ilícita é reiteradamente cometida, pode-se inferir que as medidas punitivas estão sendo insuficientes para coibir a prática. Já existe um projeto de lei tramitando (nº 10.919 de 2018), que visa endurecer as regras de publicidade na internet, alterando a redação do art. 36 do CDC. O projeto determina que independentemente da forma ou meio de divulgação, a exibição e divulgação de produtos e serviços, ainda que recebidos de forma gratuita ou como brinde, caracterizam-se como publicidade, devendo ser identificadas e sinalizadas como tal. Embora seja necessário reconhecer que tal alteração legislativa é um avanço, o presente trabalho insiste na tese de que a penalização administrativa não é suficiente e que a responsabilização civil dos influenciadores seria a solução mais acertada, haja vista o caráter punitivo e educativo da indenização. 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS Partindo da premissa que o consumidor é pessoa vulnerável na relação consumerista e carece de proteção, a publicidade merece especial atenção e cuidado, já que ela influencia diretamente no poder decisório do consumidor, muitas vezes inconscientemente. A publicidade possui papel fundamental na sociedade de hiperconsumo e, com advento da internet e das redes sociais, alterou-se a forma de se fazer publicidade. O ambiente virtual permite uma maior interação dos receptores da mensagem, fazendo com que muitas vezes o próprio consumidor veicule a publicidade em suas redes. Nesse contexto surge a figura do influenciador digital, pessoas que atraem milhares de usuários em suas redes para acompanhar seu cotidiano, observar seu estio de vida e opiniões. A visibilidade dos influenciadores atraiu a atenção dos fornecedores que passaram a utilizar da imagem e da confiança que o usuário tem na opinião dessa figura para comercializar produtos. O problema surge quando o que é rotina, indicação livre e despretensiosa do influenciador se confunde com aquilo que é patrocinado, conteúdo meramente publicitário, sem nenhum fundo de opinião pessoal. O consumidor é induzido a acreditar que a indicação daquele produto é advinda de motivação pessoal e aprovação do influenciador, mas na realidade não há motivação espontânea, já que o influenciador está sendo remunerado apenas para exibir aquele produto. Uma vez que os influenciadores digitais criam conteúdo publicitário nas redes sociais, devem ser tratados como um integrante da cadeia de consumo, sujeitos às normas consumeristas, inclusive no que tange a sua responsabilização civil. Atualmente a publicidade oculta nas redes sociais é penalizada administrativamente em sua maioria. Ocorre que Conar não detém coercitividade em suas decisões, dificultando a penalização dos infratores. Considerando que a prática da publicidade velada tem crescido cada vez mais no âmbito da internet, se faz necessário levar essa penalização para além do âmbito administrativo. Assim, propõe-se que seja aplicada a esses sujeitos a responsabilidade objetiva solidária, disciplinada no art. 7º, parágrafo único do CDC Já demostrado que são inúmeras as condenações administrativas pelo Conar por publicidade dissimulada, tem-se que o assunto é de extrema recorrência, merecendo estudo e relevância. É de suma importância a atuação de entes que integrem a política nacional das relações de consumo para atuarem de forma incisiva, na proteção dos direitos consumeristas. Ao dar atenção ao tema estudado, este alcança maior relevância, impulsionando também os projetos de lei que visam atualização do ordenamento jurídico no que tange a publicidade nas plataformas digitais, pois como já mencionado, a regulamentação legal é relativamente antiga e não alcança as atuais necessidades. O objetivo do presente trabalho ao apresentar a responsabilização civil como forma de se combater a publicidade dissimulada na internet não é incentivar a judicialização da questão, mas sim, apresentar uma alternativa ao consumidor na tutela de seus direitos. A internet é vista por muitos como uma “terra sem lei”, no qual as normas não possuem alcance e os infratores seguem impunes. Deve-se prezar pela propaganda honesta e clara, de modo a identificar aqueles que ferem as normas vigentes e puni-los, assegurando o ressarcimento dos atingidos e expurgando-se a sensação de impunidade na internet. Apenas dessa maneira as redes sociais se tornarão um ambiente seguro e transparente ao consumidor. REFERÊNCIAS AMORIM, Eliã Siméia Martins dos Santos; PEREZ, Clotilde et al. O Princípio Do Prazer: O Hiperconsumo Como Escape Em Tempos De Modernidade Líquida. Disponível em < http://www.revistas.usp.br/signosdoconsumo/article/download/144828/141621/> Acesso em 06/04/2020 BARBOSA, Nathalia Sartarello ; MOREIRA,Diogo Rais Rodrigues. O Reflexo Da Sociedade Do Hiperconsumo No Instagram E A Responsabilidade Civil Dos Influenciadores Digitais Disponível em: <https://www.researchgate.net/publication/328376203_O_REFLEXO_DA_SOCIEDADE_D O_HIPERCONSUMO_NO_INSTAGRAM_E_A_RESPONSABILIDADE_CIVIL_DOS_IN FLUENCIADORES_DIGITAIS > Acesso em 26/03/2020 BESSA, Leonardo Roscoe; MARQUES, Claudia Lima et al. Manual De Direito Do Consumidor. 5ª edição, revista dos tribunais 2013 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil,1988. Brasília: Senado Federal. In: Vade Mecum. 22ª ed. São Paulo: Saraiva, 2016 BRASIL. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências. In: Vade Mecum. 22ª ed. São Paulo: Saraiva, 2016 CÂMARA DOS DEPUTADOS Atividade legislativa PL 10919/2018. Disponível em: < https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2184914 > Acesso em 01/06/2020 CENTRO UNIVERSITÁRIO NEWTON PAIVA. Manual para Elaboração e Apresentação dos Trabalhos Acadêmicos: padrão Newton Paiva. Elaborado pelo Núcleo de Bibliotecas. Centro Universitário Newton Paiva, Belo Horizonte, 2015. Disponível em: <https://www.newtonpaiva.br/system/file_centers/archives/000/000/175/original/MANUAL_ BIBLIOTECA_NEWTON.pdf?1466508943>. Acesso em 27/04/2020 CHIACHIRI, R. O poder sugestivo da publicidade: uma análise semiótica. São Paulo : Cengage Learning, 2010. Disponível em: <https://integrada.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788522126583/>. Acesso em: 07/04/ 2020 COELHO, Fábio Ulhoa. Manual de Direito Comercial. Direito de Empresa. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. CONSELHO, Nacional de Autorregulamentação Publicitária, Sobre o Conar: Missão. Disponível em < http://www.conar.org.br/> Acesso em 24/04/2020 DIAS, Lucia Ancona Lopez de Magalhães; Critérios para Avaliação da Ilicitude na Publicidade. Disponível em: < https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/2/2131/tde-16082011- 160021/publico/Tese_Doutorado_Lucia_A_L_M_Dias_04_02_2010.pdf > Acesso em: 01/05/2020 DINO, Consumo: 74% das pessoas compram de acordo com as influências das mídias sociais. Disponível em:< https://exame.abril.com.br/negocios/dino_old/consumo-74-das- pessoas-compram-de-acordo-com-as-influencias-das-midias-sociais/ > Acesso em 01/05/2020 EFING, Antônio Carlos; GASPARATTO, Ana Paula Gilio; FREITAS, Cinthia Obladen de Almendra. Responsabilidade Civil Dos Influenciadores Digitais. Revista Jurídica Cesumar janeiro/abril 2019. Disponível em: <https://periodicos.unicesumar.edu.br/index.php/revjuridica/article/download/6493/3396/ > Acesso em: 26/04/2020 FILHO, Rodolfo Pamplona, GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo curso de direito civil, volume 3: responsabilidade civil. 10. ed. São Paulo : Saraiva, 2012 GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade Civil. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. GUIMARÃES, Paulo Jorge Scartezzini. Publicidade Ilícita e a Responsabilidade Civil das Celebridades que Dela Participam. Volume 16. Revista dos tribunais, 2007 JÚNIOR, Albefredo Melo de Souza; SIMAS, Danielle Costa de Souza. Sociedade Em Rede: Os Influencers Digitais E A Publicidade Oculta Nas Redes Sociais. Revista de Direito, Governança e Novas Tecnologias ,| Salvador, 2018 Disponível em: < https://www.researchgate.net/publication/327255620_SOCIEDADE_EM_REDE_OS_INFLU ENCERS_DIGITAIS_E_A_PUBLICIDADE_OCULTA_NAS_REDES_SOCIAIS > Acesso em 24/03/2020 JÚNIOR, Humberto Theodoro. Direitos do consumidor. 9. ed. ref., rev. e atual. – Rio de Janeiro: Forense, 2017 JÚNIOR, Humberto Theodoro. Manual de Direito Civil. 8 ed. rev. e atual. – Rio de Janeiro: Forense, São Paulo: Método, 2018 LAKATOS, Eva Maria. Fundamentos de metodologia científica 1. 5. ed. - São Paulo: Atlas 2003. LEMOS, Alexandre Zaghi; SACCHITIELLO, Bárbara. Por publicidade velada, influenciadores lideram condenações do Conar. 25 de janeiro de 2019.Disponível em : < https://www.meioemensagem.com.br/home/comunicacao/2019/01/25/por-publicidade-velada- influenciadores-lideram-condenacoes-do-conar.html> Acesso em 01/06/2020 PEZZOTTI, Renato. Investimento em publicidade no Brasil foi de R$ 12,5 bi em 9 meses de 2019. Disponível em: <https://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2020/01/29/investimento-em-publicidade-no- brasil-foi-de-r-125-bi-em-9-meses-de-2019.htm> . Acesso em 10/04/2020. SENADO FEDERAL, Atividade legislativa: Projeto de Lei da Câmara n° 30, de 2017, Disponível em :< https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/128834>, Acesso em: 24/04/2020 SILVA, Michael César; SANTOS, Wellington Fonseca. O Direito Do Consumidor Nas Relações De Consumo Virtuais, In Revista Eletrônica de Direito Newton Paiva,Belo Horizonte, 2013. Disponível em: < http://revistas.newtonpaiva.br/redcunp/d21- c03/?highlight=influenciador%20digital >. Acesso em 17/04/2020 TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil, 8ª ed, Rio de Janeiro: Forense, São Paulo: Método, 2018 TARTUCE, Flávio, NEVES, Daniel Amorim Assumpção; Manual de direito do consumidor: direito material e processual, 5.ed. Rio de Janeiro: Forense: São Paulo: Método, 2016 VIEIRA, Fernando Borges. O Direito do Consumidor no Brasil e sua breve história. Disponível em: < https://www.migalhas.com.br/depeso/163956/o-direito-do-consumidor-no- brasil-e-sua-breve-historia >. Acesso em 16/04/2020