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Historiografia brasileira no século 19

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UNIVERSIDADE DO ESTADO DE MINAS GERAIS 
 
 
 
FELIPE CABRAL PEREIRA 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
PROVA DE HISTORIOGRAFIA BRASILEIRA 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Carangola – MG 
 
2021 
Discuta a partir dos autores que estudamos o significado da obra de Von 
Martius e do IHGB na construção de uma história nacional, bem como sua 
relação com os projetos do Estado Imperial de então para a nação brasileira. 
 
 O Instituto histórico e geográfico brasileiro (IHGB), foi fundado em 1838 pelo 
Imperador Dom Pedro II que tinha como uma tarefa criar a nacionalidade, a 
identidade, daquele país que se tornara independente apenas uma década e meia 
antes, vendo na historiografia como uma ferramenta para essa identidade. 
 Em 1844 o Instituto histórico e geográfico brasileiro promove um concurso 
para a elaboração de um texto sobre como deveria ser escrito a história do Brasil, 
Carl Friedrich Philipp Von Martius, um botânico alemão que veio ao país anos atrás, 
foi o ganhador. 
 Para Von Martius, a construção de uma narrativa histórica brasileira deveria 
considerar três elementos formuladores. O Branco, como garantia civilizatória; o 
indígena brasileiro, sendo este o elemento diferenciador que significaria a 
particularidade do país; e o negro, que impediria o alcance da civilização no país. 
Vemos aqui antes da metade do século XIX, a importância de raça na produção de 
uma narrativa historiográfica proposta por Von Martius para os historiadores 
posteriores. 
 Importante ressaltar, que predominantemente neste período, a academia 
europeia acreditava em um processo de evolucionismo cultural onde o indígena 
seria primitivo, em contraste, o europeu seria o auge da civilização, o topo da 
cultura. Essas mentalidades fortaleceram o racismo cientifico, que respingava no 
elitismo dos europeus associados ao IGHB. 
 
Um exame da lista dos 27 fundadores do IHGB nos fornece uma amostra 
significativa do perfil do intelectual atuante naquela instituição. [...] Parte 
significativa destes 27 fundadores pertencia a uma geração nascida ainda 
em Portugal, vinda para o Brasil na esteira das transformações produzidas 
na Europa em virtude da invasão napoleônica à Península Ibérica. Tal 
experiência marcará certamente a socialização desta geração, criada nos 
princípios de recusa ao ideário e práticas da Revolução Francesa e de 
fidelidade à casa reinante de Bragança. (GUIMARÃES, Manoel. 1988). 
 
 Somado a isto, a ideologia predominante entre os sócios era conservadora, 
mas também respaldada na História Iluminista, buscando uma construção nacional a 
partir da luz da “História mestra da vida”. Outro fator importante, é que o Instituto 
buscava escrever a História geral do Brasil, unificando toda a cultura de forma 
homogênea e criando um sentimento de patriotismo. No entanto, como propõe Van 
Martius (de forma bem progressista à visão da época, afinal, admitia o papel do 
negro no cenário da história nacional), não era possível essa leitura do brasil 
homogêneo, deveria ser considerado as diversidades das três “raças” que 
coexistiam em solo brasileiro, sendo os três elementos unificadores destas raças a 
língua, o território e a identidade. 
 Apesar do racismo cientifico, eurocentrismo e o desamparo pela construção 
de uma narrativa fidedigna1. O Imperador sabia a potência da História, deter a 
narrativa histórica significa deter o poder, sendo assim, a busca pela identidade 
brasileira era também um jogo político. Assim o IGHB construir uma História 
nacional, ao mesmo tempo que o recente Estado independente se formulava, 
passava por uma construção de poder político, e pela tentativa da formulação de um 
patriotismo brasileiro “sob os auspícios de sua majestade o Imperador Dom Pedro 
II”. 
 
 
Discuta a partir dos autores que estudamos a importância do conceito de raça 
na historiografia brasileira da passagem do Império para a República, bem 
como a revolução trazida por Gilberto Freyre a partir da incorporação da noção 
de cultura como via de interpretação de nossa história. 
 
 O racismo que andava de mãos dadas a inferiorização do negro, do índio e a 
escravidão no Brasil do século XIX, era também refletido na escrita da História, 
afinal, a construção de uma narrativa histórica promovida pelo próprio Estado com o 
IHGB, que como dissertado na questão anterior, eram feitas a partir do elitismo de 
sócios europeus ou seus descendentes formados na Europa. 
 Racializar, ou seja: pôr a ideia de raça em ação, estabelecer distinções a 
partir de concepções de raça, foi exercício político recorrente naquele ambiente de 
incertezas e mudanças sociais profundas. (ALBUQUERQUE, P 104). Aliás, com o 
fim da Colônia, posteriormente com o fim do Império, e como conseguinte, o fim da 
 
1 O IHGB foi responsável pela criação de vários mitos sobre a história nacional, vide em: HISTÓRIA FM 036: 
Mitos nacionais: da chegada de Cabral ao Brasil contemporâneo. Entrevistador: Icles Rodrigues. Entrevistados: 
Anelize Vergara, Ricardo Duwe. [s.l.] Leitura ObrigaHISTÓRIA, 7 set. 2020. Podcast. Disponível em < 
https://open.spotify.com/episode/3dYyx5X9WwHKWVDQcKgjBk >. 
https://open.spotify.com/episode/3dYyx5X9WwHKWVDQcKgjBk
divisão entre súdito e realeza, o que fazer quando a antiga distinção hierárquica 
como modelo interpretativo da sociedade não existe mais? Se criava novos modelos 
de divisões da sociedade. Neste cenário, surge a raça como um conceito 
interpretativo para entender o Brasil, e a partir de então construir sua narrativa 
histórica, sendo assim um elemento fundamental para o IGHB e os historiadores 
nacionais do período. 
 Euclides da Cunha, por exemplo foi um jornalista que se encarregou em 1897 
de cobrir os eventos da Guerra dos canudos, como resultado, suas anotações 
renderam a publicação de Os Sertões. Além de narrar a guerra, irá fazer uma leitura 
da sociedade negligenciada pela metrópole, com metodologia semelhante à teoria 
taineana, que organiza a sociedade com os determinantes de “raça, meio e 
momento”. O que é claramente percebido não só na divisão do livro em partes 
correspondentes a teoria: A terra, O homem e o Clima, mas também na sua própria 
escrita: “[...] ali existiam 2 mil brancos, 4 mil negros e 6 mil índios” (EUCLIDES, p. 
177). Percebe-se claramente a separação entre raças no texto. 
 Importante ressaltar como era tratado a raça para Euclides, para ele a mistura 
de raças não era só impossível no sentido de formar unidade de caráter nacional, 
além de acreditar que a miscigenação era nociva, tratando a revolta dos Canudos 
como resultado da mestiçagem e conflitos que a pluralidade étnica poderia trazer. 
Isto claro, combinado à sua crença de que o homem era determinado pelo meio 
onde vive. Os Sertões, apesar de todas suas contribuições históricas e sociológicas, 
ainda era um tratado determinista que ajudaria na manutenção de teorias racistas e 
excludentes. 
 Euclides é um exemplo desta mentalidade intelectual que acreditava na raça 
como justificativa para os defeitos do país. A adoção do trabalho assalariado, a 
queda da monarquia e os conflitos da nascente república trouxeram à tona dúvidas 
sobre o futuro do país, cujo atraso era atribuído à grande diversidade de sua 
população. (VENTURA, 2000. P 331). 
 Claro que esta mentalidade não era unanimidade, o então deputado Joaquim 
Nabuco por exemplo, acreditava que a escravidão era o grande mal do país, 
escrevendo uma espécie de tratado antiescravista intitulado “O abolicionismo” em 
1883. 
 Joaquim Nabuco anteriormente teria tentado sugerir a interpretação da 
história através da sociedade invés de fatores raciais. No entanto, essa 
sistematização da raça como elemento interpretativo para a formulação da 
historiografia nacional, só foi intencionalmente rompida com Gylberto Freyre: 
 
[...] ele ambiciona tornar-se o autordo primeiro grande trabalho de cunho 
sociológico que consiga romper com o racismo que caracterizava boa parte 
da nossa produção erudita sobre o assunto até 1933, consagrando-se então 
como aquele que tenta recuperar positivamente as contribuições oferecidas 
pelas diversas culturas negras para a formação da nossa nacionalidade. 
(ARAÚJO, 1994). 
 
 Influenciado pela antropologia culturalista de Franz Boas, Gilberto Freyre 
adotou o conceito de cultura como modelo interpretativo, entrelaçando as misturas 
étnicas com as misturas culturais, escrevendo assim o livro “Casa grande e 
Senzala”. Esta ruptura traz uma revolução para o modo de ver a sociedade 
brasileira, deixando para trás a mentalidade baseado em pseudociências que a 
miscigenação transformaria o Brasil em branco, “puro” em três gerações. 
 Freyre aborda a mistura de raças e de culturas como a formulação de uma 
única cultura, a marca própria nacional, formando assim uma cultura brasileira. 
Contudo, esta interpretação contém falhas metodológicas: Ocultando a exploração, 
os conflitos e a discriminação que a escravidão necessariamente implica atrás de 
uma fantasiosa “democracia racial”, na qual senhores e escravos se 
confraternizariam embalados por um clima de extrema intimidade e mútua 
cooperação. (ARAÚJO, 1994). 
 Gilberto Freyre ameniza as experiências das relações entre nativos e 
colonizadores, senhores de escravos e escravizados, escrevendo como se fosse 
“um verdadeiro paraíso tropical” como coloca Ricardo Araújo. Somado ao mito da 
democracia racial, ainda temos o problemático determinismo geográfico, que apesar 
de abandonar a raça e se propor abandonar o racismo como interpretação da 
sociedade, o preconceito racial é trocado pelo preconceito geográfico. 
 
 
 
 
 
BIBLIOGRAFIA 
 
ALBUQUERQUE, W. “A vala comum da ‘raça emancipada’”: abolição e racialização 
no Brasil, breve comentário. História Social, (19), 91-108. 
 
ARAÚJO, Ricardo Benzaquen de. Corpo e alma do Brasil; Agonia e êxtase. In: 
Guerra e paz. Casa-Grande & Senzala e a Obra de Gilberto Freyre nos anos 30. 
São Paulo: 34, 1994, p. 27-41;43-73. 
 
FRANCO NETO, Mauro. Canudos sob o olhar da ciência: Nina Rodrigues e Euclides 
da Cunha na interpretação da guerra no Sertão. Revista Escrita da História. Ano II – 
vol. 2, n. 3, abr./ago. 2015. 
 
GUIMARÃES, Manoel Luís Salgado. Nação e civilização nos trópicos: o IHGB e o 
projeto de uma História Nacional. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, n. 1, p. 5-27, 
1988. 
 
HISTÓRIA FM 036: Mitos nacionais: da chegada de Cabral ao Brasil 
contemporâneo. Entrevistador: Icles Rodrigues. Entrevistados: Anelize Vergara, 
Ricardo Duwe. [s.l.] Leitura ObrigaHISTÓRIA, 7 set. 2020. Podcast. Disponível em < 
https://open.spotify.com/episode/3dYyx5X9WwHKWVDQcKgjBk >. 
 
MARTIUS, Karl Friederich Phillipe von. “Como se deve escrever a historia do Brasil”. 
Revista Trimensal de Historia e Geographia ou Jornal do Instituto Historico e 
Brasileiro, Rio de Janeiro, IHGB, tomo 6, n. 24, jan. 1845, p. 381-403. 
 
VENTURA, Roberto. Um Brasil mestiço: raça e cultura na passagem da monarquia à 
república. In: Viagem incompleta : a experiência brasileira (1500-2000): formação: 
histórias[S.l: s.n.], 2000. 
 
 
https://open.spotify.com/episode/3dYyx5X9WwHKWVDQcKgjBk

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