Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
0rganizadoras Cláudia Neiva de Matos Elizaheth Travasso§ Fernanda Teixeira de Medeiros Ensaios sobre Poesia, Música eVoz flr=r*us] : 1008 Cláudia Neiva de Matos, Elizabeth Tiavassos, Fernanda Têixeira de Medeiros Direitos desta edição reseruados a Viueiros de Castro Editora Ltda. Produção editorial Debora F1eck Isadora tavassos Jorge Viveiros de Castro Marília Garcia Tüi Villaça Valeska de Aguirre Capa Lena Amorim CIP.BRASIL. C,{TATOGACÁO-NA-FONTE SINDICAIO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RT P181 Palavra cantada: ensaios sobre poesia, música e r.oz / organizadoras Cláudia Neiva de Matos, Elizabeth riavassos, Fernanda Têixeira de rledeiros. - Rio de Janeiro: Tletras, 2008. 346p. :11. Trabalhos apresentados no II Encontro de Estudos da Palar.r:r cantada, realizado em maio de 2006 no Fórum de Ciência e Cultura da Universidade Federal do Rio de Janeiro Inclui bibliografia rsBN 978-85 -7 577 -449 -6 1. Música - congressos. 2. lv'lúsica e linguagem - Congressos. 3. \{Lisica e literatura - congressos. 4.Yoz - congressos. 5. Desempenho (Arte) - Congressos. I. Matos, cláudia Neiva c1e. II.'lravassos, Elizabeth, 1955-. III. N{edeiros, Fernandi Teixeira de. 08- 1 000. CDD:780.1 CDU:78.01 Viveiros R. Jardim Botânico 600 sl. (21.) 2540-0076 I 2540-0130 | de Castro Editora Ltda. 307 | tuo de Janeiro - RJ editora@7letras. com. br I cep 22461-000 wwrv.Tletras.com.br r O que vEM PRTMETRo: o rExro, e rrústcA ou A PERFoRMANCB?. Ruth Finnegant "Palavra cantada": o tema deste colóquio náo poderia ser de maior inte- resse. A "palavra cantada" está presente em Llm enorme espectro de manifes- taçóes: desde a arte erudita ocidental (Cantatas de Bach, Lierler de Schubert) ou o canto medieval eclesiástico, a cançóes de dança africanas, lamentaçóes, poemas épicos cleclamados, cançóes em filmes indianos, encantamentos má- gicos, rock, hinos religiosos, sermões entoados ou cançóes de meninos nas ruas. A palavra cantada recobre toda a música vocal e se confunde com a poe- sia, principalmente o que se chamou "poesia oral". Como esclarecem as or- ganizadoras do Encontro, ela pode incluir o canto, a declamaçáo, os recita- tivos, desde (conforme dizem) "o canto de mitos em sociedades tradicionais à cançáo comercial em contextos urbanos". Tiata-se de um tema digno des- te maravilhoso evento nesta cidade maravilhosa.* - O que então significa "cançáo" (termo que vou usar, mas no sentido amplo indicado pelas organizadoras)? A cançáo é um fenômeno tão difun- dido por todos os tempos e culturas que pode sem dúvida ser considerada como um dos vercladeiros universais da vida humana. Mesmo sendo por ve- ães restrita a especialistas, ou vindo acompanhada de sons instrumentais ela- borados com apoio de tecnologias complicadas, a cançáo termina por existir na experiência de todos. Em última instância, tudo de que precisamos é de um ouvido que escute e de uma voz que soe. Em certo sentido, entáo, ela parece a mais simples e mais fundamental de todas as artes. Contudo, também está entre as práticas humanas mais sr,r- tis e mais elaboradas. Há algo especial em palavras cantadas. Elas estáo re- movidas do banal, transcendendo o presente e dele distanciadas, destacan- do-se como arte e performance. E mesmo a canção aparentemente mais simples é maravilhosamente complexa, com texto, música e performance acontecendo simultaneamente. O texto foi traduzido do original inglês por Fernanda Têixeira de Nledeiros. 15 Loos Destacar Loos Destacar Loos Destacar Loos Destacar ,, ( 3 ? -§. L Arcuues ABoRDAGENs DA cANÇÁo Como podemos entáo abordar este fenômeno táo complexo da canção? Quero focalízar algumas questóes que surgem quando levamos a sério a in- . dagaçáo sobre como dar conta d"t ttçt di-E,rtó.t dr .rt ; performance.lEssas três dimensóes são freqüentemente consideradas em se- parado. Neste Encontro, encontramo-las corretamente interligadas. O de- saÊo que se nos coloca é náo atribuir automaticamente prioridade a uma ou outra, mas refetir sobre como operâm em conjunto. A questáo é, no entanto, complexa.Éfarilpartir do princípio de que existe apenas uma forma correta segundo a qual o texto, a música e a performance se inter-relacionam) e, conseqüentemente, apenas um método auto-evidente pa- ra conceituar essa forma. Mas, de fato, há muita diversidade - e múltiplas con- trovérsias também. De modo que escolhi meu tíürlo, talvez algo desafiador, como um meio de me aproximar de alguns dos debates sobre formas de abor- dar essa interconexáo e ao mesmo temPo aPontar Para umâ questáo de fun- do a qual, sugiro, precisa ser enfrentadapara um entendimento completo. Poderíamos começil lembrando rapidamente algumas das muitas abor- dagens estabelecidas para análise e interpretaçáo de cançóes. Cada uma car- rega seus pressupostos sobre quais são as dimensóes centrais da canção - e, conseqüentemente, sobre qual elemento tem prioridade sobre os outros. Ainda muito presente pará nós é a visáo romântica da cançáo como se- de da criatividade primeva, do transbordamento natural e irrestrito da ex- pressáo humana. Essa visão foi expressa de modo eloqüente em sucessivas formulaçóes através dos séculos. Como afirma o autor do século XVIII, An- selm Bayly, "que â música seja filha óa natureza constatâ-se pela aptidão, que crianças de todas as naçóes possuem, de cantar livremente como pássa- ros na florestd'2 (Bryly, 1789:2), enquanto a poesia de \Tordsworth roman- ticamente retrata como o Bebê, em sua alegria cantava ao ser amamentado (\Tordsworth, Michael 348-9, citado por Kramer, 1984:130)3 A união de música e voz paÍece fazer recordar o paraíso perdido da ino- cência natural. John Milton, poeta inglês do século X\1I, invoca o "Par abençoado de sereias... Voz e Poesia", captando de maneira semelhante o tema recorrente da cançáo primeva original: r6 Loos Destacar Loos Destacar Loos Destacar Loos Destacar Irmás harmoniosas nascidas nas esferas, Voz e Poesia, Casem seus sons divinos, e empreguem seu poder conjugado... Ele chora a perda daquela harmonia primeira, e anseia por recuperáJa Para que nós, naTêrra, em vozes concordantes, Possamos responder com justeza àiluele ruído melodioso [da música celeste] Como outrora fizemos, até que o pecado imenso Vibrou contrâ os sons da fla:,r)Íeza e com barulho severo Rompeu a bela música que todas as criaturas âziam Para seu grande Senhor, cujo amor as punha a dançar Em perfeito diapasáo, enquanto postâvam-se Em total obediência (...). (Milton, At a solemn music)a Um romantismo semelhante informou abordagens para as chamadas cançóes "indígenas" e "primitivas". Assim, interpretaçóes iniciais da "poesia oral" (um quase sinônimo de "cançáo") apresentaram-na como as evocaçóes intocadas de povos imersos em alguma."cultura orai" Primeva antes da in- trusáo letrada e logocêntrica do colonialismo. Essas imagens românticas do paraíso e dos "filhos da naturezi' ainda perduram. Mas houve sem dúvida uma decisiva reaçáo a elas. Hoje em dia, a canção (como a poesia oral) é mais comumente entendida em slla cleter- minaçáo cuitural e náo "natural", enraizada em nossas propensóes humanas fundamentais, porém, certamente, assim como a linguagem, variável em suas especificidades culturais. Dentro desse amplo enfoque, entretanto, há espaço oara diferenres tiDos de análisc.L/êr ( Existe em particular uma longa e contínua tradiçáo acadêmica relacio- nada ao aspecto verbal das canções. As diferentes perspectivas que já surgi- ram e desapareceram nas teorias literárias, lingüísticas e sociológicas volta- ram-se em larga medida para os textos, tratados como entidades verbais e documentados em milhares e milhares de páginas escritas. O principal foco incidiu sobre a questáo dos gêneros, entendidos como originados oll trans- mitidos pela escrita, mas hoje transcrições de performances vocais mâis re- centes sáo também incluídas nessas análises. É verdade que no passado acre- ditava-se por vezes que o interesse literário de formas classi{icadas como itiía-escritas ou "tradicionais"era pouco ou nenhum. Hoje, todavia, análises de letras de canções, poesia oral e "literatura oral" de um modo geral encon- rram-se bem estabelecidas e interagem com as abordagens variadas das lite- raturas escritas mais "convencionais" (para exemplos clesse já extensivo tra- balho, ver Brown, 1999; Finnegan, 1992; Foley, 2002 e 2003).Nestas, o rexto verbal é priorizado. 17 Loos Destacar Loos Destacar Loos Destacar No outro extremo, recorreu-se às ferramentas da musicologia conven- cional para analisaf cançóes, entendendo-as primeiramente como obras mu- sicais encapsuladas em partituras. A chamada música "popular" mostrou-se mais resistente a essa abordagem, no mínimo por causa do pressuposto paralelo de que, diferentemente das obras clássicas, ela náo continha de fato uma "mú- sica" merecedora desse nome oLt digna de uma análise musicológica séria. Mais recentemente, entretanto, houve um maior esclarecimento dos padrões musi-. .. cdis nas cançóes populares e outras performances (por exemplo, Berger; 1999; ! Menezes Bastos, 1999; Walse r, 1993; Frith, 2004a e 2004b), o qrrJ.- ..r," ' medida diminuiu a distância em relaçáo a aníises musicológicas tradicionais, agregando uma gama mais ampla de abordagens e debates musicológicos. A "canção" é freqüentemente vista como a combinaçáo de "música" e "poesia" (ou "literatura') - ambas em geral tomadas como duas artes distin- tas e analisadas em termos de comparação e contraste (por exemPlo, Brown, 1948; Burrows, 1990; Kramer, 1984; \Winn, i9B1). Esses autores observâ- ram os traços apârentemente comuns entre música e poesia - sua qualidade temporal e seqüencial, seu emprego de ritmo e entonação. Por outro lado, temos (discutivelmente) a nâtureza representacional e cognitiva dos elemen- tos verbais - as palavras sáo capazes de descrever e reportar coisas específicas de uma maneira que a música náo pode - como contrapartida à eminente capacidade da música de exprimir emoções e "climas". O modelo mais recor- rente foi o de associar o "sentido" ao texto, e o "som" e a emoçáo à música. Em seguida, vieram os muitos comentários sobre as maneiras como es- sas duas artes aparentemente distintas da palavra e da música podem se co- nectâr. Estes voltavam-se com freqüência para os modeios das canções e Para as modificações sofridas pelo texto a fim de encairar-se numa forma musi- cal. O foco incidia em geral sobre uma amostra específica da cançáo artística ocidental, com pouco interesse, por exemplo, em questóes sugeridas pelas línguas tonais (tópico abordado de forma táo elucidativa pelo trabalho de Tian Quang Hai). Mas diversos pontos interessantes foram levantados a res- peito de como texto e música trabalham juntos e afetam-se mutuamente em gêneros vocais específicos - e eu voltarei a esse tema adiante. Houve, em suma, muitas abordagens da relaçáo entre texto e música' Uma abordagem adicional, entretanto, merece atenção particular e consti- 7íui o ponto de partida do presente trabalho. Trata-se de tomar a cançáo, e a I fpo.ri, oral, não como texto, mas como performance. i-.'''? 18 Loos Destacar Loos Destacar Loos Destacar Loos Destacar Loos Destacar Loos Destacar Loos Destacar Loos Destacar Loos Destacar I A rueuoaoE DA PERFoR.MANCE De certa maneira, deveria parecer óbvio que para analisar a palavra can- tacla precisamos entendê-la como performatizada, encenada por meio da voz - afinal , o cantl é em si próprio entendido como um marcador de "pe r- formance". Contudo, existiram também diversas razóes pelas quais tomar a cançáo como performance não parecer nada óbvio e motivos pelos quais talvez ainda tendamos a resistir a essa idéia. Gostaria de me deter um pouco nessa questáo. ,/ ' Uma dessas diversas razóes é o lugar privilegiado ocupado pela lingua- gem na longa tradiçáo ocidental do discurso acadêmico. Algo que náo pu- desse ser captado por palavras ou, no mínimo, descrito e analisado em palavras, parecia náo fazer parte do domínio acadêmico - e por essa razáo náo constituía uma criaçáo humana séria. As tecnologias da escrita e da imprensa endos- sam a substancialidade e a durabilidade das palavras escritas. São os textos verbais que aparenterrente contêm "a coisa de verdade". Náo é de surpreen- der que a palavra escrita ou passível de ser escrita tenha com tanta freqüên- t cia tido lugar central no estudo das cançóes - é ela que pode ser isolada para análise e transmissáo. E daí decorre que quando nos confrontamos com qualquer arte na qual as palavras desempenhem o mínimo papel que seja nós prontamente nos voltamos para suas qualidades textuais escritas. É o qr:. se passa com nossas análises de grandes produçóes humanas do passado - épicos homéricos, tea- tro grego, cançóes de trovadores medievais, baladas tradicionais, primeiros madrigais. Freqüentemente só temos o texto - ou de toda maneira pouca evidência concreta sobre performances detalhadas - e é para o texto que es- tamos acostumados a dirigir nosso interesse. Temos a tecnologia para lidar com ele assim como um arsenal de abordagens e vocabulários azeitados para sua análise. Mesmo para as apresentações orais ou performances voca.is dos\ dias de hoje, é igualmente o t€xto ou a letra da cançáo que tendem " t.. ttr- ji rados. Estes, parece implícito, sáo aquilo que define a cançáo e seu modo de \l eristência. Assim, trate-se de exemplos longínquos ou gêneros do presente, I i em suas palavras, em seus textos verbais, que sua solidez e seu potencial de I rnterpretaçáo parecem residir. ) Tâlvez vocês me permitam ilustrar isso a partir de minha própria experiên- ;ia. Quando iniciei meu trabalho de campo antropológi.o ,r, Áfti.a Oci- dental, minha suposiçáo inicial era de que para acadêmicos sérios o "texto" 19 Loos Destacar Loos Destacar Loos Destacar Loos Destacar Loos Destacar Loos Destacar Loos Destacar Loos Destacar Loos Destacar era o principal. Assim me drzia minha experiência em estudos clássicos (o tema de minha graduaçáo): era pof meio de textos escritos que as produçóes vocais do passado tinham chegado a nós. O mesmo paradigma dizia respeito à filologia, à história, ao folclore, à análise literária etc. Os textos eÍam a reali- dade. Entáo, quando comecei a pesquisar formas orais africanas, incluindo sua performance, parti do princípio de que para estudá-las corretamente eu deveria transpô-las para a página escrita: era somente nessa forma textual pro- cessada que elas poderiam se tornar objetos próprios de análise, traduçáo, comentáfio e em última instância, publicação. E isso não era apenas uma questão de conveniência - um modo prático de compilá-las para que pu- dessem ser estudadas da maneira tradicional: era também, eu âos poucos me dei conta, a pressuposiçáo de que era nessas palavras transcritas que sua Yer- dadeira essência se encontrâya. Os traços "performáticos" eram vistos como contingenciais, secundários à existência durável das palavras no texto escri- to. "LetÍas de canção", "literatura" oral - era ao texto qúe os acadêmicos de- viam prestar atençáo. As maravilhosas performances de contadores de histórias com que me deparei ao longo do meu trabalho de campo ajudaram a mudar minha pers- pectiva. Mas como outros, eu ainda tinha que lutar contra a idéia de que o texto era de certo modo a realidade central, pois por trás disso noYamente residia a idéia táo fortemente incutida no Ocidente de que a linguagem é aquilo que nos torna humanos - pressuposto que Por Yezes informou a visáo dos colonizadores ocidentais a respeito dos povos indígenas, associando sua (suposta) falta de linguagem verbal ao seu (suposto) estatuto náo exatamen- te humano (Cláudia Neiva de Matos 12004:231] ilustra essa questáo bastan- te bem no contexto brasileiro). Ademais, é a linguagem, sobretudo em sua forma escrita, que é concebida como veículo de modernidade, racionalida- de e como valor do intelecto. Nessa ideologia, ainda táo evidententemente predominante, a linguagem escrita (especialmente na forma alfabética) re- presenta ograu máximo de humanidade. Nessa hierarquia de valores, as formulaçóes escritas foram semPre toma- das como o modo apropriado de representar a realidade das louvaçóes afri- canas, cançóes de amor indianas, jogos infantis, cançóes populares, a missa cristá... o que conta sáo as palavras, e outros elementos sáo deixados de lado por serem menos palpáveis. Quando você procura"cançáo" no cat:í1ogo de uma biblioteca, encontra listas intermináveis de textos predominantemente ).0 Loos Destacar Loos Destacar Loos Destacar Loos Destacar Loos Destacar Loos Destacar Loos Destacar Loos Destacar Loos Destacar verbais. É neles que se crê poder enconrrar a verdadeira realidade - e não certârrente na eÍêmera e incapturável performance. lsso deve soar estranho, já que nas canções a presença da música é in- discutível. Mas a presença da música assegura sua existência como perfor- mance? Mesmo isso tern sido interpretado no contexto da tendência, recor- rente no pensamento ocidental, de ver a dimensão intelectual do humano como pertencendo à linguagem, em contraste com os elementos não-yer- bais, supostâmente mais emocionais. Em sua qualidade experiencial perfor- matizada, a música tem sido relegada ao lado menos valorizado da insistente oposiçáo binária entre as formas mais elevadas e as mais corporais da nature- za humana - uma oposiçáo que, além disso, se estende às vezes àquela enrre o Ocidente (racional) e os outros (emocionais). Nessa visáo, a performance mlr: i sical representa o aspecto sensório, incontrolável e até perigoso da natureza r humana (especialmente, é claro, quando manifestado na música popular ou i náo-ocidental), enquanto a linguagem é tomada como sítio do alto intelecto i - assim, é nesta última que os estudiosos têm preferido investir sua atençáo. j Alguma música, no entanto, escapou dessas associações: os gêneros eru- ditos mediados peia notaçáo musical. Sua formulação escrita e, em cerro sentido, permanente, conferiu-lhes a possibilidade Ce reconhecimenro e o potencial para análise musicológica acadêmica. A exisrência prévia e defi- nitir..a de "obras" musicais, vocais ou instrumentais, podia assim ser atestada não por meio de performances efêmeras, mas de partituras: a notação letrada em direçáo à qual, por vezes se entendeu, a música tinha gradual e correta- llrente evoluído como parte do processo de modernizaçáo do Ocidente. Náo é segredo que houve forte reaçáo contra todo esse con.iunto de pressupostos. Um interesse na"performance" subjaz agoÍa a muitas aborda- gens correntes da cançáo e se faz refletir em muitos textos deste volume. Essa importante mudança de foco teve diferentes origens. Uma delas foi o movimento transdisciplinar ao longo da última geraçáo em direção a um interesse na idéia de processo, de diálogo e de ação em detrimento da defini- çáo de objetos de estudo enquanto produtos, estruturas ou obras definitivas. i-\Íaisdoquesobre..arte.''@sesobrecomoe|esfazem r as coisas, os recursos e limitaçóes com os quais lidam ou os contextos e uni- \-ersos nos quais operam. \[ais do que olhar apenas para "obras" literárias ou musicais fixadas, exploramos como elas sáo_-!g práqç" r...bid, ;iadas, de formas variadas, talvez fragmentadas ou "imperfeitas". Na mesma Loos Destacar Loos Destacar Loos Destacar Loos Destacar Loos Destacar Loos Destacar Loos Destacar linha, mais do que sobre "u cançáo", perguntamo-nos sobre çqp 4§ pel§aas cantam, coqqpóelq ç escutalgr§ sobre sua ' Ãí1"áo disso colocaram-se desafios decisivos à estreiteza dos cânones estabelecidos pela arte erudita, literária ou musical. A arte de povos coloniza- dos e marginalizados no passado, gêneros híbridos transnacionais e a chamada "cultura popular" tornaram-Se correta e inescapavelmente parte do cenário. As formas tradicionais de análise parecem cada vez mais inadequadas. Nossa apreciaçáo ainda em desenvolvimento dos gêneros literários africa- nos, por exemplo, significou o questionamento de definiçóes antigas segun- do as quais a literatura residia apenâs no texto escrito. Na poesia de louvaçáo xhosa, música de grupos urbanos ioruba, cançóes de migrantes sul-africanos, poesia dub jamatcana ou nos poemas "miniatura" da Somália, a arte encon- tra-se náo exatamente - ou com certeza náo exclusivamente - na frágil re- produção unilinear numa página escrita, mas nas modulaçóes e artes da(s) ,or(.r) em performance. De fato, alguns propóern a"voz" como símbolo e realizaçáo-chave da arte da grande diáspora africana (como em History of the uoice, de Edward Brathwaite, 1984, e também Peek e Yankú, 2004:xtr)' E, isso não se aplica somenre a formas africanas. A performance e as ar- tes da voz desempenham papel central em gêneros verbais por todo o mun- do - e em alguns escritos e náo-escritos tambem. N4esmo em relaçáo a cân- çóes e poemas do passado, dos quais não parece restar nada além de textos escritos, nós agora nos damos contâ de que poclem.os e devemos tentâr ex- plorar questóes sobre a sua Performance - às vezes (como mostram diferen-L--r^'^ a-r*1 tes textos deste volume) com mais sucesso do que esperávamos de início. O mesmo interesse pela performance pode ser encontrado no revigorado cam- po da literatura comparada (por exemplo, Gerstle , Jones e Thomas, 2005; valdés e Kadir, 2oo4) e na anriga, porém agora mais integracla, tradiçáo do treinamento e dos estilos d^roido cantor e suâ interaçáo com rariadas ins- { ffumenraçóes e tecnologias (cf. Potter, 1998, 2000; Sell, 2005). Somos lení:l brados de que o cerne irredutível corresponde náo ao que pode ser inscrito no papel mas na arte concreta davoz em performance. Na mesma linha, ranto a etnomusicologia quanto o estudo da canção popular têm desafiado a conceituaçáo musicológica tradicional de música enquanto "obral' ou Pârtitula escrita (contribuiçóes recentes incluem Ber- ger,1999; Cavicchi, 1998; Clayton et a\.,2003;Feld. er a|.,2004; Hesmon- dhalg e Negus, 2002; Johnson, 2000 e a coletânea em Frith, 2004b; pata 22 Loos Destacar Loos Destacar Loos Destacar Loos Destacar Loos Destacar Loos Destacar Loos Destacar Loos Destacar não falar no extenso trabalho sobre a canção popular brasileira). A análise de prriticas musicais nos leva para além dos textos e amplia o significado de mú- sica: reconhecendo que há muitas músicas e não somente uma forma erudi- ra. De modo que existe agora um interesse maior na investigaçáo etnográfica de como música e letra sáo concretamente atualizadas na performance, sem erclusáo das cançóes comerciais contemporâneas que estáo em toda parte. isso por sua vez expandiu nossa compreensáo do significado-chave da per- lormance para a música, esteja ela ou não inscrita nas partituras. E há também as tecnologias de comunicaçáo, em transformação perma- nente. O modelo da escrita como realidade central não desapareceu, mas foi suplementado por canais mais multimodais. O rádio, com seu notável po- rencial para capturar e transmrttÍ ayoz em performance, já moldou a Per- cepçáo de geraçóes, conferindo solidez aos sons da música vocal com ou sem acompanhamento musical. Múltiplos dispositivos de gravaçáo e reprodução rornaram a performance de canções acessível a milhóes de pessoas no mundo todo, independentemente da intervençáo de textos escritos, e isso foi poste- riormente ampliado pelas opçóes de vídeo e da Internet. Essas tecnologias direcionaram nossa atenção para novas facetas, ajudando-nos a perceber e analisar como as cançóes sáo performatizaclas * como é sua existência con- creta e completa. O resultado é que observar a substância da "performance"tornou-se uma abordagem cada vez mais reconhecida para análise das criaçóes humanas, es- pecialmente (embora talvez náo exclusivamente) daquelas artes que, assim .omo a musical e a verbal, são realizadas de forma temporal e seqüencial. Isso significa que "o paradigma da 'performance é tudo"'5 - tal qual de-1 nominou o intelectual finlandês Lauri Honko (2000:13) - tornou-se um I quadro de referência bem aceito para análisedas artes de enunciação vo- | ;al. O foco recai sobre a substância encarnada e temporal da performanl - .e : seu processo, dinâmica, experiência, presença multimodal. 'A literatura oral só existe no aqr-ri e agora' é um modo de expressar essa idéia (Furniss, )004:47), ou "Não há arte verbal fora da performance" (Cancel, 2004:315'). ,\qui, a forma primeira, original, é a performance: ela é o que vem primeiro. \o rNrnnroR DA PERFORMANCE Nessa perspectiva, entáo, uma cançáo - ou um Poema oral - tem sua .. erdadeira existência náo em algum texto duradouro, mas em sua perfor- irrflnce: reahzada em um tempo e espaço específicos através da ativaçáo da 23 Loos Destacar Loos Destacar Loos Destacar Loos Destacar Loos Destacar Loos Destacar Loos Destacar Loos Destacar Loos Destacar música, do texto, do canto e talvez também do envolvimento somático, da dança, da cor, de objetos materiais reunidos por agentes co-criadores em um errento imediato. Como alguns textos deste volume ilustram, uma can- ção, que em termos de sua letra e melodia escritas poderia Parecer a "mes- ma", pode ser realizada de diferentes maneiras em diferentes performances - como nas diversas gravaçóes e paródias da modinha popular "Perdáo Emí- lial" (no texto de Martha Ulhôa). A performance cantada é evanescente, ex- periencial, concreta, emergindo na criação momentânea dos participantes. i Como bem formulou Peggy Phelan, "a única vida da performance é no pre- I sente" (Phelan. 1993:14(c). sejam verbais ou musicais. De um modo freqüentemente negligenciado em relatos acadêmicos, mas ressaltado em alguns textos aqui, a voz é, ela mes- md, em sua presença melódica, rítmica e modulada, parte da substância. Pois a "letra" de uma cançáo em certo sentido náo existe â menos e âté que seja ir pronunciada, cantada, trazida à tona com os devidos ritmos, entonaçóes, ;{ timbres, pausasi tampouco a ca-nção reT_jlLrs,.r" atg_gye_los !q lgr. Aqui, -- cançao e poesra oraTlQffiãam a ativaçao corporiÊcada dàvoz humana - fa- la, canto, entoação, em solo, em coro, harmonizada, a cappella, amplificada, distorcida, mutuamente afetada por diferentes formas de instrumentação, ao vivo, gravada -, todo um arsenal de variadas apresentaçóes Para o ouvido humano. Ao considerar a palavra cantada, precisamos estar atentos parâ a atuaçáo vocal do intérprete, sejam os sussurros ao microfone de alguns can- tores modernos, as distorçóes elaboradas de forma táo efrcaz em alguns es- tilos, os sons "puros" dos coros das catedrais inglesas, técnicas de gravaçáo e ediçáo em estúdio descritas por Felipe Abreu em seu texto sobre o trabalho do preparador vocal - e muito, muito mais. Analisar uma canção enquanto performance evita perguntas sobre o que rrem, ou o que deveria vir, primeiro, pois nessa perspectiya a existência da cançáo náo se encontra no texto escrito, na obra musical ou na partitura, nem em alguma origem primeva na história da humanidade ou na natltreza humana. Ela se realiza nas especificidades da sua materializaçáo em perfor- mance. Nesse momento encantado da perform ance, todos os elementos se ] aglutinam numa experiência única e talvez inefável, transcendendo a sepa- j raçáo de seus componentes individuais. E nesse momento, o texto, a música I e tudo o mais sáo todos facetas simultaneamente anteriores e superpostas de \ um ato performatizado que náo pode ser dividido ).4 Loos Destacar Loos Destacar Loos Destacar Loos Destacar Loos Destacar Loos Destacar Loos Destacar Loos Destacar Contra esse pano de fundo, entáo, é irrelevante perguntar se "texto" ou "músici' vem primeiro. É suaperformance, integrada, o primordial. Po- rém, sem desconsiderar essa posição, que parece razoável, gostaria de fazer um exarrle mais minucioso, já que pode ser esclarecedor observar com mais atençáo os elementos reunidos na reahzaçáo da performance. Um conjunto de questóes com freqüência explorado diz respeito a como se originam os elementos verbais e musicais da cançáo. Pode ser interessan- re perguntar qual, nesse sentido, vem primeiro - e essa é uma pergunta com respaldo empírico e histórico. Temos de encarar o fato de que ao invés de um único caminho, como poderíamos supor, há, na verdade, vários modos de composição. Por vezes, texto e música sáo, pelo menos em algum sentido, criados em conjunto. Mas esse "em conjunto" também tem variaçóes. A criação pode se dar durnnte a própria performance - "composiçáo-em-performance" como às vezes se descreve. Esse é um padráo bem conhecido, exemplificado em mui- res narrâtiyas longas cantadas (cançóes heróicas iugoslavas são o caso clás- sico, cf. Lord, 1960) ou em improvisos em duelos cantados (cf. tavassos, 1000). Aqui, pelo menos em certo sentido, pode-se dizer que a "performan- .e vem primeiro, já que nem aquele texto específico nem aquela interpre- raçáo musical específica tinham existência autônoma antes da performance. Ourros casos de composiçáo conjunta (ou quase conjunta) de letra e música -r.onrecem ãntes do evento da performance - em graus variados, por assim jrzer, pois essa náo é uma questáo sobre a qual se possa dizer algo definiti- -.'o (em algumas cançóes de rock, por exemplo, as letras podem surgir bem Jepois de um longo processo de composiçáo parcialmente conjunta) e náo rá tampouco uma estabilidade da cançáo em performances subseqüentes. C ponto aqui, entretanto, é que nesses casos nem a letra nem a música sáo :riadas como entidades separadas e independentes. Mas há também diversos exemplos de como apenas um elemento é cria- :o primeiro, e em separado. À, ,..r.r, é a letra. Existem inúmeros casos de ;:ras compostas Por um autor, ou para serem musicadas no futuro, ou (tal- ', -z com mais freqüência?) para existirem como peças autônomas, que são ::ais rarde - em alguns casos, muito mais tarde - musicadas por umâ outra l.ssoa: "mllsicar uma letra", como se diz. À vezes, diversas versóes musicais : fe rnativas sáo criadas, por diferentes compositores, paÍa a mesma letra. :n outros casos é a música que é composta primeiro e tem uma letra feita ,:-.sreriormente para ela. "Feitio de oraçáo" é um exemplo famoso, em que 25 Loos Destacar Loos Destacar Loos Destacar Loos Destacar Loos Destacar Loos Destacar Loos Destacar Loos Destacar Loos Destacar Loos Destacar Loos Destacar Loos Destacar Loos Destacar Loos Destacar Loos Destacar ( o a letra foi escrita por Noel Rosa especificamente para se ajustar a uma com- posição original para piano de Vadico (cf, Menezes Bastos, 1999). A mesma melodia também pode ser a base para letras totalmente diferentes ou para letras traduzidas em línguas diferentes (hinos religiosos sáo um bom exem- plo disso). Em alguns contextos - por exemplo, entre grupos musicais urba- nos em Fiji, na década de 1970 - criar uma "noya cançáo" significa compor. uma nova letra para uma melodia existente, caso semelhante ao que descreve, José Geraldo Vinci de Moraes em seu texto neste volume a respeito das can_* ções urbanas paulistas dos anos 20 e 30. A partir de tais exemplos de criação em separado de letra e música, ' houve ampla discussáo das relaçóes entre a "música", de um lado, e a "poe- sia" (ou "literatura", ou "texto"), de outro (por eremplo, Ivey, 1970; King, 2001; Kramer, 1984; para períodos anteriores, Harrán, 1986; a perspectiva , histórica sensível em Theitler, 2003, e, para uma excelente discussáo de um i exemplo moderno, Menezes Bastos, 1999).Essa discussáo parece particular- mente prolífica para a arte da cançáo ocidental, em que esses dois elementos foram freqüentemente identificados como distintos, e vislumbra a interaçáo entre as correntes ostensivamente contrárias de música e poesia como Llma questáo de assimilaçáo, antagonismo, negociaçáo, recriaçáo. Diversos fato- res entram em jogo nessas correlaçóes. Metro, ritmo, melodia, fraseado, re- petiçáo, âcento, congruência ou não entre notas e sílabas, ordenações silábi- cas (uma nota por sílaba) ou melismáticas (muitas notas por sílaba), canto a várias rrozes oucanto solo, estruturas estróÊcas, adição (ou náo) de sons ins- trumentais, contraponto, harmonia, - tudo isso e muito mais foi posto sob o microscópio, como também o foram a ênfase e emoçóes por vezes associa- das às versóes musicadas por oposição às faladas. ! '1l"do isso certamente nos ajuda a examinar as complicaçóes envolvidas -.na junçáo de letra e música, tema abordado em diversos textos neste livro.' M", temos também de contrabalançar essa discussão lembrando-nos d" q"áj a 1 euarseuer que selam as origens da composiçáo, a substância de uma cançao I - sua realizaçáo - também deriva do modo como esses eiementos são atuali-f '..-zados e experienciados na prática, no tempo reai da performance. ) Há uma outra questáo relativa à justaposiçáo de texto e música. Em cer- tas circunstâncias, ela faz sentido e se aplica bem a alguns processos de com- posiçáo de cançóes e em alguns contextos culturais. Em séculos recentes da filosofia ocidental, um pressuposto corrente tem sido o da distinguibilida- )6 rt l'n Íã 1, Loos Destacar Loos Destacar Loos Destacar Loos Destacar Loos Destacar de entre linguagem e música. Sua realidade independente também foi asse- gurada pela prática de reconhecer-se duas formas distintas de codificaçáo: a escrita alfabética e a notação musical. Mas no contexto da performanc€, es' sa oposiçáo permanece evidente? Estamos corretos em tomar essa distinçáo como algo universal? Discutiu-se por algum tempo se o par linguagem uersus musica (ou al- ternativamente fala uersus canção) náo seria mais bem representado como, \' na melhor das hipóteses, um continuum em vez de uma dicotomia (sobretu- do List, 1963; e discussóes mais recentes como Banti e Giannatasio , 2004; I H..rrdo.r, 1989; Feld e Fox, 1994:30-32,35ff). As classificaçóes de diferen- tes culturas variam, afinal de contas, e sáo diferentemente concebidas. Nem todas possuem um conceito diferenciado de "música", e os gêneros de ex- pressáo vocal podem ser divididos e definidos de diferentes maneiras: o cân- ro corânico pode soar como uma forma de "música" para os não-iniciados, por exemplo, mas náo seria assim classificado pelos fiéis, enquanto as classifi- cacóes vietnamitas de palavras "faladas" por oposição às "cantadas", descritas por Tran Quang Hai, poderiam parecer surpreendentes parâ ouvidos ociden- rais desinformados. Tâis distinçóes náo têm estatuto universal e dependem de traços culturalmente marcados, relacionados, entre olltras coisas, a ento- nacáo, melodia, ritmo, estilos de emissáo, sistemas de valores e arcabouços :onceituais distintos, Como as organizadoras do Encontro afirmaram, há um -.rgo espectro de manifestaçóes da palavra cantada englobando a entoaçáo, o ::citativo, a cantilena, o canto melódico, versóes instrumentais, entre outros. ,lualquer distinçáo clara baseada numa oposiçáo global entre linguagem e rúsica corre o risco de se tornar tanto etnocêntrica quanto impraticável. \4esmo na experiência ocidental, a mousiké grega clássica tinha um sen- .- jo diferente do sentido moderno de "música", pois incluía o que nós ago- ,- diferenciamos como música, poesia e dança. A musica medieval também -:eria-se à performance falada ou cantada. A ênfase erâ na música cantada - nr palavras (cantu), e como afirmou John Stevens: 'A mítsica vocal en- - nrra-se tanto na cançáo (poesia cantada) quanto na fala" (1986:378). O que -. s .1gora entendemos como pontuação eram antes marcações para a apresen- ..:áo do orador ou do cantor (fraseado e pausas, por exemplo), e é com base -;ssas marcações que se acredita que os neumas ou indicaçóes musicais se de- ,.:-,'o1r,eram: não um sistema de notaçáo para capturar uma entidade autô- :ra chamada "música", mas dicas para au-xiliar a emissão melódica dos can- 27 Loos Destacar Loos Destacar Loos Destacar Loos Destacar Loos Destacar Loos Destacar tores (Tieitl er, 1984). E como teitler comenta, "tudo indica que [os músicos na cançáo medieval] náo partiriam provavelmente do princípio de que texto e música eram meios expressivos separados que se podia escolher juntar ou náo" (teitler, 2003:47 e 436ff). Nossa dicotomia contemporânea entre "texto" e i_.-"músicd' náo pertence a uma ordem natural permanente. Em todo caso, nem "linguagem" nem "música" sáo conceitos unívo- cos oLl coisas dadas, livres de ambigüidades. Cada uma engloba uma pletora de propriedades distintas e superpostas âs quais não podem ser igualmen- te desenvolvidas - ou mesmo estar presentes - em nenhum exemplo dado. Qualquer oposiçáo suposta entre elas será inevitavelmente tendenciosa, ou seletiva na melhor das hipóteses, referindo-se a apenas alguns dos elemen- tos possivelmente envolvidos. A justaposição corrente e convencional de lin- guagem e música evoca com freqüência uma oposiçáo bastante artificial en- tre âs artes performáticas da música, de um lado, e a supostamente "neutra" linguagem do dia-a-dia, de outro. Mas os lingüistas estão agora enfatizando as dimensões performáticas (em vez de puramente referenciais) de toda ex' pressáo vocal, e a poética criativa e acústica com a qual falamos. O contras- te música/linguagem náo parece mais táo convincente, e certamente náo é neutro. Seria conveniente, em todo caso, que questionássemos o modelo da "fala cotidiana" e/ou prosa escrita "neutra" como "naturais" ou "não-marca- das" sobre as quais se constrói ou às quais se acrescenta Lrma expressão mais sofisticada (incluindo a expressão musical). Seria mais correto dizer que to- das as culturas reconhecetn uma variedade de "gêneros orais" (na famosa ex- pressão de Bakhtin, 1986) - que eu preferiria chamar de "gêneros vocaliza' dos" para dar conta de todo o espectro aqui -, cada qual com suâ própria poética, que pode incluir, entre outras coisas, qualidades sonoras, rítmicas, prosódicas, tímbricas e outros traços performáticos. ,' - 'Assim, mesmo nos gêneros que em alguns círculos ingleses tradicionais i poderiam ser rotulados de "poesia" em vez de "cançáo", os agentes se uti- i ltzam das artes acústicas e entoativas da voz, de recursos náo-verbais além , dos lingüísticos, de emoção assim como de cogniçáo. Quando escuto, por' exemplo, gravações de T. S. Eliot declamando seus poemas ou Edith Sitwell , âlando seu "Façade" ou, ainda, Lrma boa leitura de um soneto de Shakes- peare, o significado (sense) tem algum sentido (meaning) para mim, mas os !- padróes soruoros também me parecem cruciais. Tênho ceÍteza de que vocês já ti-,,eram experiências parecidas. O som e a artesania davoz sáo essenciais em todos os gêneros de arte verbal performatizada (e isso não é parte do que en- Loos Destacar Loos Destacar Loos Destacar Loos Destacar Loos Destacar Loos Destacar Loos Destacar tendemos por "poesia"?) Em todo o mundo, a poesia performatizada depen- de, para sua realizaçáo, entre outras coisas, da exploraçáo que o intérprete faz do som. Dos sons ásperos e veementes da poesia de louvor xhosa, cantos mágicos kuna ou cantos litúrgicos judaicos aos cantos funebres das mulhe- res caucasianas da Geórgia, lamentos rituais dos Xokleng ou os dos Kalu- li que Steven Feld bem descreve como "pranto melódico-textual-cantado" (Opland, 1998; Sherzer, 1990; Banti e Giannatasio,2004:305; Kottthoff, 200 1; Urban, 1988; Feld, 1995), ou, ainda, a música da dança local da mo- da - tudo isso ressoa por meio da voz. Têntar categorizar tudo isso e ainda mais com base numa nítida divisão entre música e texto é ignorar sua multiplicidade e variedade. Seria mais útil pensar náo em música uersus lingrragem, mas nos modos complexos segun- do os quais os seres humanos apresentam sua artesania vocal, tomando "poe- sia' e "cançáo" enquanto termos guarda-chuya para o espectro de manei- ras de atribuir propriedades sonoras a qualquer emissáo vocal - musicá-las, poderíamos dizer, de diversas e relativas maneiras, percorrendo uma série Je dimensóes variadas e superpostas como entonaçáo, ritmo, timbre, ono- :r-Laropéia e muito mais, por vezes em conjunçáo com sons instrumentais e ..presentaçáo multissensorial.É pot vezes conveniente - e em algumas cul- :.ras aceitáyel - focalizar aspectos dessas dimensóes múltiplas e diferente- :r-nre empregadas com base nos conceitos aparentemente sólidos de "texto" . núsicd'. Mas esses termos precisam ser postos sempre.ttt. "tp"t. É,t- i-:r que continuarei a usá-los aqui, consciente de que estamos lidando não - -:-r coisas separadas, mas com certas dimensóes relativas, evasivas, seleti- .-, e inevitavelmente múltiplas dos modos como os seres humanos empre- --:r .1s artes da voz. Pois o ponto central aqui é que a existência de cançóes é viabilizada pe- , :-rúrltiplos modos com os quais esse instrumento notável e flexível, a voz :rànà. explora um complexo conjunto de recursos auditivos. Alguns des- ,:: :Siáo em certa medida sinalizados no interior dos textos escritos - rima, , :.:.lcáo, assonância, ritmo, repetiçáo, paralelismo, pâusâs, organização es- ..-:,-rai como verso e estrofe -, mas isso é apenas uma pequena amostra. -::,:s sáo menos aparentes na escrita e mais bem capturados pelo ouvido ,:-,,-lo. podendo ser auxiliados por modernas tecnologias de áudio, como -, , ..:iiezas de volume, altura, tempo, entonaçáo, textura, intensidade, ên- ..e . rimbre, onomatopéia, silêncio - um incrível espectro de recursos. E há .=:rbem um quase infinito número de modos de emissão: falada, cantâda, 29 Loos Destacar Loos Destacar Loos Destacar Loos Destacar Loos Destacar recitada, entoada, com acompanhamento musical, gritada, sussurrada, sus- pirada, pranteada, amplificada, feita por Yoz única, por vozes múltiplas ou "lt...r"d"r. lJma vez mais precisamos ter em mente o complexo espectro de ndos os recursos de que dispóem os intérpretes vocais e náo apenas catego- rizaçóes simplificadas como texto ou música. Passarei agorâ a uma outra série de questóes sobre o que acontece no âmbito da realizaçáo da performance. Venho falando até aqui como se a Yoz e SuaS "palavras" formassem um núcleo essencial na performance Como Um todo. Ao {ocalizar as "palavras cantadas", tendemos a tomar a enunciaçáo da yoz como o centro de nossas preocupaçóes. Mas isso náo é também uma extrema simplificaçáo? Podemos todos recor- dar exemplos em que um ou outro elemento de uma Performance atraiu par- ticularmente nossa atençáo. Entáo seria produtivo perguntar que dimensóes específicas tornam-se preeminentes em uma performance específica de pala- yras cântadas - desemaranhando assim diversos fios entrelaçados. Enquanto peSSoaS fazem performances e escutam, o que, para elAs, "vem primeiro"? A resposta óbvia e talvez apressada pode parecer ser "o texto". Pelo me- nos é isso que o analista acadêmico, apegado ao texto, provavelmente con- cluirá a respeito de qualquer performance em que as palavras estejam pre- sentes (e estou consciente de que é esse elemento que meu próprio trabalho focaliza). Atentar Para o texto - desde que esse seja destacável - continuará a ser esclarecedor: náo hárazáopara restringir essa análise aPenas ao cânone da literatura escrita. Mas decorre necessariamente que o texto seja o elemento mais importante da Canção attalizada em performance? Até que ponto ele o seja - ou náo - é uma questáo empíricâ a ser explorada antes etnografica- mente do que em abstrato. E as respostas sáo diversas: variam de acordo com os gêneros, contextos históricos ou mesmo com os indivíduos. A questáo é complicada, pois há diversos sentidos em que o "texto" poderia - ou náo - desempenhar o papel central. lJma coisa é o grau de textualidade' O conceito de "textualidade" é evasiyo e discutível, especialmente no con- texto da arte verbal performatizada; não tentarei desenvolver o tema aqui a não ser para dizer que é um assunto relativo e náo absoluto e que a textuali- dade das cançóes varia (nesse sentido, assim como em outros, a própria no- ção de cançáo é relativa). Mas náo há dúvida de que às vezes as vocalizações cantadas mal podem ser transcritas Prontamente em palavras escritas reco- nhecíveis. A letra pode ter pouca coerência ou substância, pode ser mínima 30 Loos Destacar Loos Destacar Loos Destacar Loos Destacar (o que náo significa que não possa ser extremamente efrcaz em performan- ce: as poucas palavras podem ser repeddas muitas vezes e/ou trabalhar jun- to com a música para criar uma intensidade de louvor, luto, celebraçáo, en- tre outras possibilidades). Em contrapartida, outras canções têm substância verbal altamente organizada, elaborada e/ou extensa - reproduzível eminen- temente na escrita. Tâis características constituem parte do papel variado do "texto" em performances cantadas específicas. IJma outra estratégia poderia ser observar o significado cognitivo, a di- mensáo da linguagem enfatizada especialmente nas conceituaçóes de base iluminista. A partir dessa perspectiva, fica claro que a importância relativa do "sentido" para o "som" (se é que eu posso dizer assim) varia nas emissões r.ocais, sejam elas ou não musicadas. Por yezes, o significado cognitivo, pro- posicional é de fato forte. Mas há também muitos exemplos de poesia (fa- ' lada ou cantada) em que o significado parece fugidio e sáo a experiência so- ! nora e alseleza musical que nos transportam - ou na verdade se pode dizer ! que sáo essas que comunicam o sentido mais do que, ou tanto quanto. rs t palavras (eu desconfio de análises que propóem que as "palavras" carregam J o "sentido" e a música "apenas" "emoçáo"). Isso certamente acontece com ;ancóes em que o significado proposicional das palavras pode estar em se- :undo plano. Simon Frith salienta como cantores de música popular comu- ricam-se não só por dispositivos verbais mas por meio de ênfases, suspiros, hesitaçóes, mudanças de tom; letras envolvem apelos, escárnio e co- mandos assim como deciaraçóes, mensâgens e histórias (e é por isso que intérpretes co- n-ro os Beatles e Bob Dylan, na Europa dos anos 60, teriam enorme relevância paÍâ ou- r-intes que não entendiam uma palavra do que eles cantavam). (Frith, 2004a:203) - Às,reres es?erã-se que o texto não seja prontamente inteligível, ou pelo - rr-nos não para todos os ouvintes. O texto pode dirigir-se a algum grupo :..irito, ou a "Deus" emyez de humanos (uma observação feita por Potter -'t!)8:32] a respeito da polifonia medieval). Ele pode estar em uma língua r,::rngeira ou exclusiva, ou numa língua que náo importe muito para a per- - :nance como um todo. Durante melr trabalho de campo, sentia-me um -.o envergonhada por não conseguir registrar muitos textos de cançóes. -.is tarde vim a perceber que em muitas das canções limba, sobretudo -.:iielas cantadas pelos intérpretes mais experientes e aclamados, as letras : .:r ridas como esotéricas pela maioria das pessoas e, até onde pude notar, '. cram o objeto principal de atenção. Para a maioria dos participantes o 31 Loos Destacar Loos Destacar Loos Destacar Loos Destacar Loos Destacar Loos Destacar foco primordial era a música cantada, instrumental e parcialmente coral, a dinâmica encarnâda, rítmica e circularmente espacializada dadança, e talvez o glamourvisual das vestimentas. Todos sabemos em todo caso que muitas cançóes que nos são familiares contêm palavras sem sentido em termos es- tritamente referenciais: toclos os "tralálás", "ba-da-uás", "iê-iê-iês", ou versos terminados em "oh", "4h", "e-ié" e assim por diante' Em muitos gêneros' é a eÊcácia sonora da performance aliada às grandes exPectâtiYâs criadas pelo conhecimento dos ouvintes das convençóes relevantes e do repertório que moldam a experiência, mais do que o conteúdo verbal cognitivo. Existe ainda um outro sentido em que o "texto" pode ou não vir "pri- meiro" - o lugar da própria linha vocal dentro do todo. Isso é em Parte uma quesrão prâticada estrurura musical global: as palavras sendo mais proemi- nentes na música monofônica que na polifônica, por exemPlo. Tâmbém, mantidas as demais condiçóes, o texto geralmente se torna mais claro numa linha vocal cantada por uma única voz que Por várias, especialmente quando as yozesse sobrepóem, cantando as mesmas palavras em tempos diferentes ou umâs sobre as outras e assim por diante. É t..rrpt" mais difícil identificar letras cantadas por grupos corais que Por vozes individuais. Muitos elemen- tos podem ajudar, como rePetiçóes, refróes, alternância entre canto coral e solor, conhecimenro prévio ou, em algumas tradiçóes, notas de Programa: tudo faz parte do contexto Paraarelativa projeçáo ou submersáo do elemento verbal na performance. E, finalmente, a(s) linha(s) vocal(is) pode(m) ser ape- nas parte de, ou mesmo subserviente(s) a, linhas instrumentais, em meio às quais o texto vocalizado pode ter um papel relativamenre menor. Em meio a rantas complexidades, é de fato difícil definir o papel do "texto" (mesmo quando temos clareza do que queremos dizer por "texto"). Mas mais que conclusões generalizantes, pfecisamos encarar essa questáo como uma questão aberta que necessita de investigaçáo paracasos particula- res. Em algumas performances orais o rexto tem lugar de honra - na Poesia clássica da Somália, por exemplo, ou nas narrativas épicas dos cantores he- róicos da Iugoslávia ou dos contadores do oeste africano, narrando os feitos do legendário Sunjata, fundador do império malinês. O mesmo poderia ser dito, por exemplo, da poesia de louvaçáo ioruba, do canto gregoriano, do recitativo na ópera ou no oratório, dos mitos declamados, do canto do Alco- ráo, d.os sermóes e discursos entoados. Aqui, o texto Pârece de fato desempe- nhar um papel-chave: nesse sentido, ele vem mesmo primeiro' 32 Loos Destacar Loos Destacar Loos Destacar Loos Destacar Loos Destacar Mas há também outros casos. Na música mbira dos Shona, ," Áf.i., Central, os textos poéticos das cançóes acompanham o instrumento, e náo o inverso (de acordo com Berliner, 1976), do mesmo modo como para as cantoras do Zimbábue do final do século )O(, náo era "o registro escrito das cançóes que importava mais, mas o som vindo através das ondas de rádio, na fita cassete ou ao vivo, e permanecendo na memória e na consciência das pessoas" (Gunner, 1994:2). David Coplan comenta a respeito das cançóes dos migrantes basotho, da África do Sul: Para um observador ocidental como eu, a declamaçáo melódica de literalmente cen- tenas de versos numa performance sefela fcançtro de migrantes Basotho] fazia as can- ções parecerem poderosamente centradas no texto. Contudo, em discussóes e entre- vistas, os intérpretes me aconselhavam repetidamente que eu focalizasse o ritmo e a melodia como chaves para a compreensáo da criatividade composicional. Como o cantor-poeta Makeka Likhojane - em Sesotho um dos likhelele, "os eloqüentes" - ex- plicou Êrmemente ao esquivar-se da exegese de uma passagem metafórica opaca: "Se você quiser entender minha cançáo, senhor, escute simplesmente a música'. (Coplan, 1994:9) Em muito da música popular hoje em dia, como Simon Frith assevera, boas letras orientam a performance náo "pelas palavras em si ... [mas] pela música" (Frith, 1996:i81). As letras de cançóes podem ser facilmente esque- cidas, mesmo pelos próprios cantores, enquanto a música é lembrada (ver, por exemplo, a discussáo inreligente de Menezes Bastos, 1999). Estudos et- roqráficos da música popular enfatizam que, como afirma Robert Valser a :e speito do heauy metal "o significado verbal é apenas uma fração do que quer ;ue seja que faz com que músicos e fãs se enrrolrram e gostem de música po- -:u1ar" (\993:26). Em alguns sambas, talvez (não sei a resposta para isso), a --,-nca e a música sejam por vezes tão importantes quanto a letra? Para qual- r -r.r exemplo específico de canção, a importância relativa do texto pode náo ,.; lãcil de avaliar de forma definitiva - mas se queremos entender a realidade :] seu todo, precisamos explorar a questáo. -\ questão depende em parte do ponto de vista que se adote, pois mes- r-- - Dara um rnesmo gênero de canção pode haver avaliaçóes múltiplas. Para .,riltpositor ou vocalista, a letra pode decerto parecer centrai - mas isso se .:-:ia a todos os intérpretes de um grupo? Para um coralista das últimas fi- : ,-.--i. baterista, baixista, segundo violinista, acompanhador...? Pode haver -.-.rencas de visão e experiência, e mesmo disputas internas sobre que linha :' --,i;;r1 predomina e qual delas se destaca em diferentes momentos da per- 33 Loos Destacar Loos Destacar Loos Destacar Loos Destacar Loos Destacar formance. Ou, novamente, eu penso nos comentários de Simon Ottenberg a respeito das comoventes performances do músico cego limba, Sayo, que compóe e interpreta cançóes perpassadas por uma sensação de tristeza e in- fortúnio. Mas essas cançóes tristes "não criam uma tristeza evidente para o coro", pois os membros deste estáo menos preocupados com o texto do que com a alegria de responder cantando, batendo palmas, dançando (Otten- berg, 1996:92-3). E mesmo para os cantores do coro quando acompanha- dos por instrumentaçáo complexa e conjuntos que executam música polifô- nica - no oratório clássico, por exemplo - a ietra pode se apagar no fundo em contrapartida às linhas musicais entrecruzadrr. Àr ,.r.r, a letra pode ser experimentada como um preenchimento sem sentido da música, sobretu- do se está em uma língua estrangeira ou desconhecida. Todos os membros do coro pensam sobre o sentido literal do l{yrie eleison ao seguir suas linhas musicais complexas? Ou mesmo levam a sério todas as palavras sendo pro- jetadas por suâs vozes? ;- '-Tâmbém é válido considerar a experiência dos ouuintes* na prática, náo . apenas o icleal. Se formos honestos, vamos admitir que por vezes nós sim- ; plesmente não ouvimos a letral Isso está relacionado, sem dúvida, com ques- j tóes cle gênero, textllra e emissão. Mas quantos de nós já tivemos a experiên- : cia de não entender o que estâya sendo cantado em alguma ocasiáo? E ainda . aigo mais: mesmo que não aceitemos tal fato do ponà cle vista teórico, ten- ' demos a aceitá-io na prática, desde que outras dimensóes sejam eficazes. Oi .l.-.nto verbal não seria, na prática, mais periferico do que supomos?L'% Mais uma vez precisanros estar atentos para generalizaçàes apressa- das, pois até os indivíduos podern variar na mesma performance. Os ãs de Springsteen, por exemplo, podem voltar sua escuta para diferentes aspectos nuÍna performance: Eu sou aquela [diz a esposa] que se concentra na música e o C]rris [o marido] presta atençáo na letra ... Eu :rmo essas cançóes... mas não seria de capaz de sentar e escrever (ou mesmo cantar junto) todas as letras. Por or-rtro lado, o Chris conhece as letras de todas as canções que já escutou. (Cavicchi, 1998:1 1 I ) O quão importante é a letra da canção - importante para quem, em que sentido * é uma questáo que ainda precisa ser investigada na prática ao in- r.és de apenas na teoria. As gravaçóes ler.antam as mesmas perguntas que as performances ao vivo. Aqui, novamente, há mais diversidade a explorar do que generalizaçóes fáceis - ou mesmo do que nossas conceituaçóes idealiza- das - poderiam sugerir. 31 Loos Destacar Loos Destacar Loos Destacar Precisamos também ter em menre que a performance de cançóes pode náo ser apenas um errento acústico mas, como muito da comunicação huma- r-ra (cf. Finnegan, 2002), pode lançar mão simultaneamente de uma série de recursos multimodais. A performance atiya, tanro aquela ao vivo quanto até certo ponto a gravada, não se dirige apenas à audição, o que foi bastante bem exemplificado na apresentaçáo de um rico material visual e filmico durante o Encontro (a coreografia do aboio e do tango, por exemplo). O visual, o somá- tico, o gestual, o teatral, o material - tudo pode fazer parte. Assim como o po- de também o movimento, enfatizado ou não pela dança ou pela interação de muitos corpos e presenças. Náo é somente o texto - ou somente a música e o texto -, mas â atuâçáo multissensorial. O papel das 'palavras" só pode ser ava- iiado nessa perspectiva mais ampla, multidimensional - por vezes com mais destaque mas em outras assumindo talvez um lugar mais secundário emrela- cão aos outros componentes da performance. Cada caso deve ser considerado em seu mérito e não com base em suposiçóes prévias. Tlrdo isso náo yisa diminuir a relevância - a maravilha - das rexrua- iiciades verbais. Trata-se, sim, de reconhecer sua diversidade polifuncional r rnultiforme e a importância dos contextos em que se dá a performance. Pois, se é para leyarmos as palaaras cantadas a sério, precisamos fazer mais Jrlle apenas dar sua presença por certa. Precisamos também reconhecer seus -stilos diversos, as aparências variáveis que assumem e os diferentes papéis :_ue podem ter na performance, às vezes de maior destaque, às vezes de cará- ::r mais evasivo ou emudecido, mas sempre complexo e - assim como com J:ràlqller forma de poética vocal - empregado no conrexro de expectarivas -specíficas de gênero que podem ou não atribuir prioridade paÍricular ao selr .:r'rtido referencial ou sua coerência. l.-u arÉrvl DA pERFoRMaNcn,? Voltemos agora à realidade da performance. Reconhecer essa realidade ,r bastante salutar no sentido de desafiar cerras suposições ocidentais erno- :::lrricas e restriçóes elitistas, além de ter reveiado dimensóes relegadas no :-..sado pelo foco no texro escrito e em gêneros limitados da arte erudita. - -.Jemos abordar "texto" e "música" náo pela consideração de suas relaçoes i ..rsrratas ou por suas formas registradas por escrito, mas levando em conta i : ro são atualizadas nas circunstâncias integradas de uma performance. ), \las será que fomos longe demais? Podemos aceitar sem ressalvas a visáo ,: {Lle a palavra cantada existe somente no aqui e agora e náo tem existência 35 Loos Destacar Loos Destacar Loos Destacar Loos Destacar real fora da performance? É razoávelafirmar que em última análise é somente na performance que a palavra cantada adquire sua existência e sua realizaçáo plenas? Que a performance vem sempre em primeiríssimo lugar? Talvez haja situaçóes nas quais a palavra cantada não exrsta aPenas no momento fugidio da performance. De certo modo, sem dúvida cada peffor- mance é única e tem qualidades próprias: sua mistura de canais comunica- cionais; seu tempo e espaço particulares; seus participantes com perspectiYas próprias; seus arranjos, sua música, seu canto e seu movimento - todos ele- mentos que integram um dado evento num intervalo temporal passageiro. Mas ao mesmo tempo ela não é totalmente autônoma nem surge do nada. Citando novamente Lauri Honko: -Qualquer performance envoive concessões, sendo uma adaptaçáo inteligente da tra- ,' diçáo para situações singulares estruturadas por uma confluência de diversos fatores. Só poàe ser compreendida a partir de um largo espectro de performances de mesmo t .valor em contextos semelhantes e diferentes. (Honko, 2000:13) . 'uma performance, ainda que original, ganha forma a pârtir da relaçáo com expectativas estilísticas e contextuais conhecidas. Mesmo que para detur- pá-las, baseia-se nelas. Memórias de outras âPresentaçóes colorem o momen- to. 'A performance, mesmo que em sua estonteante imediatez ffsica, oscila entre presenre e passado, presença e alrsênciâ, consciência e memórid', escre- ve Elin Diamond, e "contém traços de performances anteriores" (1996:1). O que os participantes trâzem consigo Para uma performance molda seu significado. A performance náo é apenas um evento isolado, uma explosão pontual de som e movimento, vivendo apenas "no presente". Ela pode de fato ser criada na mágica do momento experiencial - mas está também enraizada em, ou feyerbera, algo mais absrrato, separáyel do fltxo, imbuído de memórias e^conotações para sells particiPântes que vão além do momento imediato. ,' " Assim, o foco na performance está sendo agora contrabalançado pe- lo ressurgimento do interesse no "texto" e na "textLlalidade" - ou em "algo" (não necessariamente verbal) graçâs ao qual qualquer performance é em si mais que o mero momento de sua realizaçáo (ver, por exemplo, Barber, 2003). Na ocasiáo da performance, as palavras podem ficar embaralhadas, talvez, a acústica pode ser insatisfatória, alguns elementos potenciais podem faltar, ser mal executados ou (para alguns padróes) excessivamente elabora- dos. Mas porque ouvintes e intérpretes já experimentaram a cançáo em ou- tras ocasióes, ou leram-na em sua forma textual, cantaram-na eles próprios, 36 Loos Destacar Loos Destacar Loos Destacar Loos Destacar conheceram-na auditiva ou yisualmente, ou, pelo menos, têm alguma fa- miliaridade com as características de seu gênero, podem identificar uma performance musical e verbalmente caracteÍtzada como algo familiar e com- preensível. Para entendermos a performance de cançóes, precisamos atentar para as experiências e conhecimento de seus participantes em relaçáo ao que está fora e dentro do acontecimento performático. E isso nos traz à experiência humana trivial de conversão de meios (zzr- dia).Todos na prática trabalhamos com muitos meios. Hoje é lugar-comum criticar-se a traduçáo de algo dinâmico como a performance Para algo frio como um texto impresso; e em certo sentido isso representa de fato uma desfiguração imperdoável da vibraçáo da performance - uma das razóes pe- las quais as sutilezas da poesia oral africana ou da música popular urbana fi- caram tanto tempo sem a devida apreciaçáo por parte daqueles que confiam apenas nos registros escritos. Mas na prática, essas transposiçóes entre meios estáo o tempo todo acontecendo e numa variedade de direçóes. Baladas eu- ropéias (ou nocionalmente "européias"), por .".mplo, foram materializadas em diversos suportes, tanto simultânea quanto seqüencialmente - Por es- crito, impressas (em fôlhetos, panfletos etc.), em performances ao vivo can- radas ou faladas, em quadros, em radiotransmissóes; além de terem viajado e rerem sido transformadas de diversas maneiras mundo afora - e essas re- contextualizações foram reconhecidas como de algum modo versóes de uma mesma coisa. A canção e a literatura populares do Brasil fornecem também eremplos famosos, com sua notável tradiçáo náo só de performances ao vi- \.o como de circulaçáo impressa, além de transmissões radio{ônicas e grava- cóes (cf.liavassos, 2000, e de modo mais geral Santos, 2004). Nesse sentido também uma performance pode náo ser, afinal de contas, '.inica, pois é provável que cârregue consigo memórias e ecos de outros mo- dos e recriaçóes. Uma canção pode ser experimentada - pode existir - numa :.erformance ao vivo, numa página impressa, numa fita cassete, num LP, em ..'ideo, em CD, em transmissóes de rádio ou televisão, pode ser "baixada" da .rrernet, discutida num e-mail, enviada por um celular; ou pode ser recita- ia de memória, recriada em voz alta ou "na cabeça", em pedaços, ou frag- :rentada (como quando murmuramos o refrão de uma melodia, por exem- :1o, ou como eu escutei na banda de sopros que passaya pelo Centro do fuo :a manhã de minha palesüa, tocando a melodia de cançóes conhecidas sem , lerra cantada)... E todos esses modos sáo formas viáveis de realizaçáo no 37 Loos Destacar Loos Destacar Loos Destacar Loos Destacar I a. que diz respeito aos agentes envolvidos. As opções específicas variam com o tempo, é claro - a ênfase atual nas tecnologias eletrônicas de gravaçáo é um traço particular de muito da canção contemporânea, Por exemplo. Mas a ex- periência básica de reencarnaçóes e interaçóes em múltiplos meios - tudo is- so é objeto de interesse não só de pesquisadores acadêmicos mas parte mais que usual da cultura humana. í- isso e algo que precisamos levar em consideraçáo mesmo quando nosso f foco prin.ipal e a performance: náo aiuda em nada rentarmos romantizar ! .,- aorrraxro "autêntico" ou "original" como sendo a performance "verda-j daia"', entendendo outras recontextualizaçóes como "secundárias" ou "ârti-j delra , entendendo outras recontextuarlzaçoes como §ecurlc Íiciais". Para qualquer evento em parricular, alguns ou rodos os ouvintcs po- dem já ter experimentado a canção - ou algo semelhante a ela - na forma, por exemplo,de um texto escrito, de uma gravação em áudio, de uma per- formance ao vivo, de um programa de televisão, de um filme, de uma men- sagem na Internet... ou outras formas ainda" As letras das cançóes de Bruce Springsteen sáo atuadas como eventos musicais ao vivo, mas podem ser re- experienciadas fora da situaçáo de performance e incorporadas ao tecido da vida dos Íãs - discutidas com outros fts, memorizadas de encartes, recitadas, citadas em e-mails ou cartas (Cavicchi, 1998:11Off). A música de Luiz Tâ- tit existe na performance, nas gravaçóes - assim como nas letras circuladas na rede. Para alguns gêneros performatizados pode haver apenas um núme- ro limitado de tais intercâmbios. Para outros, há extensas tradiçóes de exe- gese e de conhecimento de formas de mediatizaçáo diversas, as quais forne- cem interpretaçóes que o público tanto vai trazer consigo para assistir a uma nova performance quanto vai levar consigo e aplicar na compreensáo de ou- tras mediatizaçóes. Isso significa que performances de palavra cantada podem set atraves- sadas por experiências prévias com formas escritas (e náo somente no cha- mado "Ocidente letrado" como também na África, t a Áti" e nessas "outras" culturas outrora exageradamente definidas como "orais" e agora reconheci- das como em contato estreito com a escrita) . Outras performances podem ser matizadas por suas aPresentaçóes em vídeo ou eletrônicas. Ao mesmo tempo, versóes escritas podem estar impregnadas de ecos de performances. lJma vez tendo experimentado a versão cantada de uma canção em parti- cular - em áudio, vídeo, ao vivo, no nosso próprio cânto -, será que conse- guimos ler sua letra sem imaginar sua versão cantada, sem ouvir e ver algo aiérn das linhas impressas? No início deste trabalho citei um trecho do poe- 38 J ,1 I tv 5e? t tl { j.r Loos Destacar Loos Destacar Loos Destacar ma de Milton, "Par abençoado de Sereias... Voz e Verso". Mas também cantei essas mesmâs palavras na versáo para coro do compositor inglês Hubert Parry, e agora me é impossível ler essas palavras, em voz alta ou em silêncio, sem os ritmos e melodias e harmonias e dinâmicas da sua performance cantada soa- rem com força nos meus ouvidos e no meu corpo. Menezes Bastos menciona algo semelhante ao dizer que João Cabral de Melo Neto não podia mais ver seu "Morte e vida severind' como um poema depois de ele ter sido musicado (1999:82). A palavra cantada tem essas camadas variáveis de complexidade: realizadas em performance certamente, mas com freqüência ressoando inesca- pavelmente com evocaçóes multim tdiátrcas para além do evento singular. Desta forma, se a performance encontra-se em certo sentido no coraçáo da palavra cantada, nos também precisamos explorar até que ponto a palavra cantada também se situa numa vida de múltiplas e mescladas modalidades. Talvez nenhuma delas venha automaticamente primeiro, pois nós nos mo- vemos através de suas misturas e de certo modo carregamos todas - em al- gum grau - conosco. O momento mágico da performance, de certa maneira o mais crucial de tudo, não vem sempre primeiro nem pode ser isolaclo. CoNcrusÃo Há muitas maneiras de encarar esta concatenaçáo de texto, música e performance que gera a cançáo, e muitos sentidos nos quais podemos per- guntar qual desses elementos vem primeiro ou como interagem; ou ainda se em alguns contextos faz sentido identiÍicá-los como coisas separadas ou in- dagar sobre priorizaçóes. Podemos recorrer a abordagens literárias e musico- lógicas estabelecidas para examinar textos verbais e tnusicais, e isso já repre- sentâ uma vasta coleção de idéias - desde que reconheçamos que ao fazê-lo estaremos inevitavelmente conceituando certas dimensóes em detrimento de outras. Há muitas outras complexidades a investigar se nos voitamos para o tema da performance e para a interaçáo, o equilíbrio e a confusáo proble- máticos entre o que yemos como "texto" e "música" e suas diversas mani- festaçóes - dir.ersas porque náo existe uma maneira "correta" oll "natural" pela qual a voz humana fala e canta, nem ume forma única de conceituar e classificar essas açóes. Precisamos mirar para além do evento da performan- ce também, atentando para âs experiências múltiplas que as pessoas trazem consigo de outras performances e outras mediaçóes. Mas em meio a todas essas complexidades, uma análise completa pre- cisa certamente incluir um reconhecimento da materialidade encenada e 39 Loos Destacar Loos Destacar Loos Destacar Loos Destacar Loos Destacar performatizada da palavra cantada atualizada pela voz. Aqui, as dimensóes musical e verbal - e muito mais - encontrâm-se, moldadas na açáo de uma performance específi ca. E se temos razáo em permanecer céticos a respeito das perspectivas ro- mantizadas mais extremas que propóem a cançáo como "natural" ou "pri- mevd', com sua bagagem etnocêntricâ e paternalista, náo podemos deixar de aceitar que há algo de encantamento - en-cântamento - nas palavras quando cantadas. O espectro de possibilidades é rico e complexo e está mui- to bem ilustrado pelos artigos deste volume. Por meio de tais possibilidades, a voz que canta continua a aglutinar essas mafaYilhosas dimensões da cul- tura humana - verbal, musical, performática - no momento milagroso em que palavras sáo cantadas. Noras l Gostaria de expressar meus sinceros agradecimentos às três organizadoras do II Encontro de Estudos da Palavra Cantada (Professoras Ciáudia Neiva de Matos, Elizabeth Tiavassos e Fernanda Têixeira de Medeiros) tanto pelo convite como por sua gentileza e acolhida; à CAPES, à UNIzuO e à UERJ, pelo apoio à minha vinda; a Norma Walker e Mariana de Oliveira Lima por sua assistência lingüística durante o Encontro (e a Norma por sua ajuda criativa em tanras outras coisas); e a FernandaTêixeira de Medeiros (novamente) pela tra- duçáo deste texto para o inglês. 2 Os versos de Bayly sáo: "that musick is the daughter of nature, aPPears from the aptitude, which children of all nations have, to singing freely as birds in the wood" (N T.). 3 Os versos de \Tordsworth sáo: "Feeding babe, didst in thy joy / Sing at thy Mothert breast" (N.T.). a Os versos de Milton sáo: "sphere-born harmonious Sisters, Voice and Verse / tüZed your divine sounds, and mixt power employ... / He bewails the loss of that first hafmony, and ye- arns for its recovery, so / That we on Earth, with undiscording voice, / May righdy answer that melodious noise [of heavenly songJ i As once we did, till disproportion'd sin I Jarr'd against naruret chime, and with harsh din / Broke the fair music that all creatures made / To their great Lord, whose love their motion swayd / In perfect diapason, whilst they stood / In first obedience ( )" (N.T.). 5 Em inglês: "Performance is king paradigrn' (N.T.). RrrsRÊNchs BTBLToGR iGICAs BAKHTIN, M. M. Speech genres and other kte essays. Traduçáo para o inglês de Vern \( McGee. Austin: University of Texas Press, 1986. BANTI, G.; GIANNATASIO, F. Poetry.In: DURANTI,2004. 40 Loos Destacar Loos Destacar 3 \RBER, Karin. Text and performance . AJiica, bulletin of school of oriental and .t.t,.icrut snrdies 66(3),2003, p. 324-33. -i i\ L\. Ànselm. The alliance of musick, poetry and ordtlryt. London: John Stockdale, 1 -E9. r:RCER, Harris M. ilIetal, rock, and jdzz. Perception and the phenomettology of ,, t r t s i c,t l exp erience. Hanover: \íesleyan Llniversit,v Press, 1 999. r:RLINER, Paul. The poetic song texts accompanying the n-rbira dzavadzimu. Erf,ttttntusicology 20(3), 1976, p. 451-82. 3a\TH\\'NTE, Edward. History of the aoice. London: New Beacon Books, 1984. 31O\\N, Calvin S. Mwic and /iterdture. Á comparison of the ttrts. Athens, Georgia: L'nir-ersitl, of Georgia Press, 1948. :LO\\N, Duncan (Fd.). Ordl literature and perforntance in Southern A./iica. Oxlbrd: Jarnes Currey, 1999. : - RROWS, Dar.icl. Sound, speecb, and music. Amhurst: Universitv of Massachu- :etrs Press, 1990. .- i\CEL, Robert. Oral performance dynamics. In: PEEK; YANKAH, 2004, p.315-16. -.i\ ICCHI, Daniel. Tramps like us: mnsic and meaning ítrulng springsteen fans. \eu.York: Oxford Universiry Press, 1998. -.]PLÀN, David B. In the time of cannibak. The word music of South África's Baso' ;l,o migrdnts. Chicago: University of Chicago Press, 1994. -- \\-TON, Martin; HERBERT, tevor; MIDDLETON, Richard (F-ds). The cul- :tir,t/ stttdy of tnusic: a criticdl introduction. Nerv York: Routledge, 2003. --r-i\IOND, Elin (Ed.). Pgformance and cuburalpolitics.London: Routledge, i996. -',- R-\NTI, Alessandro (Ed.).,4 companion to lingtistic antbropology. Oxford: Bla- ;ku'eil. 2004. - :lD, S. Wept thoughts: the voicing of Kaluli memories. In: FINNECAN, R.; ORBELL, M. (Eds.). South Pacifc oral traditioni. Bloomington: Indiana Uni- r crsifr" Press. 1995. ::LD. Steven; FOX, Aaron A. Music and language. Annual reuiew of anthropolo' o,t 23,1994, p.25-53. ::LD, Steven; FOX, Aaron A.; PORCELLO, Thomas; SAMUELS, David. Vocal anthropology: from the music of laneuage to the ianguage of song. In: DU- R{NTI,2OO4. a-\NEGAN, Rurh. Oral traditions dnd the uerbal arts: a gtide to research practices. London: Routledge, 1 992. . Communicating. The muhiple modes of human interconnection. London: Routledge, 2002. 41 FOLEY John Miles. How to redd an oral poem. Urbana: Universiry of Illinois Press, 2002. (Ed.). Oral tradition: state of the art. Oral tradition 18, special issue, 2003, p. 7-2. FRITH, Simon. \X&y do songs have words? In: Frith 2004b vol. 3, 2004a11987), p.186-212. (Ed.). Popular music. Critical clncepts in medid dnd cubural stu- dies. London: Routledge, 2004, 4 vols. FURNISS, Graham. Orality. The power of the spoken word.Basingstoke: Palgrave Macmillan,2004. GERSTLE, A.; JONES, S; THOMAS, R. (Eds.). Performance literature. Oral*a- dition20, special issue,2005, p. l-2. GUNNER, Liz (Ed.). Politics and petformance tlteatre, poetry arud song in Southern Ajii c a. Johannesb urg: §íitwatersrand lJniversity Press, 1 9 94. HARRÁN, Don. Word-tone relations in musical though jiom antiquit)) to the seuen- teenth century. Neuheusen-Stuttgart: Hánssler-Verlag, 1986. HERNDON, Marcia. Song. In: BARNOLI§7, E. et al. (Eds.). International erucyclopedia of communications. New York: Oxford Universiry Press, vol. 4, 1989, p.98-101. HESMONDHALGH, David; NEGUS, Keith (Eds.) . Popular Music Studies.Lon- don: Arnold,2002. HONKO, Lauri (Ed.). Textualization of oral epics. Berlin and NewYork: Mouton de Gruyter, 2000. IVEY, Donald. Song. Anatzm!, imagery, and style. NewYork: Free Press, 1970. JOHNSON, Bruce. The inaudible music. Jazz, gender and australian modernity. Sydney: Currency Press, 2000. KING, Jonathan. Têxt setting. In: SADIE,, Stanley (Ed.). The new Groue dictionaryt of music and musicians.2 ed. vol. 23,2001, p. 319-20. KOTTHOFF, H. Aesthetic dimensions of Georgian grief rituals: on the artful dispiay of emotions in lamentation. In: (Eds.). Wrbal art across cubures. The aestl ; KNOBLAUCH, H. (Eds.). Wrbal art across cubures. The aesthetics dnd prztl-ãesthetics of communi- cation. Tübingen: Narr, 2001. KR {MER, Lawrence. Music and poety. The nineteentb century/ and afier. Berkeley: University of Califbrnia Press, 1984. LISI George. The boundaries of speech and song. Ethnomusicologt T(l), 1963, p.1-16. LORD, Albert B. The singer oftales. Cambridge MA: Harvard University Press, 1960. t\ÍAl'OS, Cláudia Neiva de. Brazil's indigenous textualities. In:VALDÉS; KADIR. Vol. 1, 2004, p.231-39. -\lENEZES BASTOS, Raphael José de. The "origin of samba' as the invention of Br,rzil (r,vh,v do songs have music?) . British Journal of EthnomusicologtB, 1999, p.. 6- -96. OPL \\D. leff . Xhosa poets and poe*1t. Cape Torvn: David Philip, 1998. trTTE\BERG, S. Seeing uith music. The liues of three blind dfricatt musicians. S-.:':r1e: University of tü/ashington Press, 1996. , :-i, Philip M.;YANKAH, Kwesi (Eds.). Af icanfolklore. Án encyclopedia,llew -r,,:i: Routle dge, 2004. j-- -.\. Peggy. Unmarked. The politics ofpetfornmnce. London: Routledge, 1993. , , :R. Iohn. Vocal truthzriry. Singing style and ideokgy. Cambridge: Cambridge - :r:i ersin. Press, 1998. (Ed.). The Cambridge companion to singing. Cambridge: Cam- ::idge University Press, 2000. ' - \iJOS. Idellette Muzart dos. Literatura de cordel: literature for market and voi- ,., In:VAL[)ÉS; XeOrR. Vol. 1, 2004, p.614-t9. '' -- Karen. The disciplines of uocal pedagogt: towards a holistic approacb. Alder- , --.:: -\shgate,2005. .-:i- ER. Joel. Wrbal drt in Sdn Blas. Kuna ntbure through its discourse. Cam- : .Jge: Cambridge Universiry Press, 1990. : . r\S. John. Words and music in the Middle Ages. Cambridge: Cambri<lge--':lir e rsity Press, I986. : --.,-SSOS, Elizabeth. Ethics in the sung duels of North-Eastern Brazil: collecti- - :re mory and contemporary practice. British Journal of Ethnotnusicologt 9(1), - )tl. p. 6l-94. - ', -,ER., Leo. Reading and singing; on the get-resis of occidental music-wri- '..'.., Etrly music hisrory 4,1984, p. 135-208. . With uoice dnd pen. Coming to know medieudlsong and how it was ,;.'. Oxford: Oxford lJniversity Press, 2003. . -l'.. Greg. Ritual rvailing in A.merindian Brazil. Antericon Anthropologist I . 1988, p. 385-400. , :S. \Íario J.; KADIR, Djelal (Eds.). Litewy cubures of Latin America. A .:lrntiu€ history. Oxford: Oxfbrd University Press, 2004, 3 vols. -:EU\VEN,T. Speech, ntusic, sound. Basingstoke: Macrnillan, 1999. ' - R.. Robert. Running with the Deuil. Potuer, gettder, and madness in heauy me-,,,:r,'rr. Hanover: \Tesleyan Llniversity Press, 1993. I . . -\. Llnntspected eloquence. A history of tlte relations betrueen poenT and tnusic. -. .' Haven: Yale Universiry Press, 1981. 43
Compartilhar